Resumos Aprovados

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A relação de resumos aprovados para a IX Reunião de Antropologia e Tecnologia foi lançada. Confira a lista completa através deste link: Resumos Aprovados

 

 

 

Capa de resumos
Programação completa dos Seminários Temáticos

 

 

 

ST 1 - Artes de notar: experimentos com diversidades contaminadas em socialidades mais que humanas Coordenação: Rafael Victorino Devos (UFSC) - rafaeldevos@yahoo.com Thiago Mota Cardoso (UFAM) -  thi.motacardoso@gmail.com

 

Como estudar mundos sociais de seres que não podem falar conosco? Esse é o ponto de partida de Anna Tsing para descrição crítica das socialidades entre fungos e paisagens arruinadas pelo capitalismo. Uma questão que segue válida para investigações atentas a cumplicidades inesperadas entre empreendimentos humanos e entes que respondem às ecologias antropocênicas entre a emergência de novas assembleias de vida e a destruição das condições para outras vidas. Nem denúncia fácil, nem sonhos de controle: o desafio de conhecer de perto a perturbação na diversidade contaminada. Este ST propõe aproximar investigações com modos de perturbar a observação participante no engajamento com socialidades mais que humanas. Propomos três eixos de experimentação com ferramentas, abordagens e métodos de conhecer e fazer, aproximando a antropologia de outras práticas científicas, técnicas tradicionais, amadoras, profissionais, artesanais, industriais, artísticas: 1) Descentramento do discurso na experimentação com técnicas e modos de fazer como percepção do ambiente e observação participante em socialidades com seres vivos, forças atmosféricas e geológicas, solo, águas, infraestruturas; 2) Descentramento do humano na descrição do protagonismo de outros entes nas socialidades mais que humanas, acionando artes de notar aprendidas com outras ciências e modos de conhecimento; 3) Inovação com dispositivos de produção textuais, fotográficos, audiovisuais, sonoros, cartográficos, digitais, performáticos como artes de notar.

 

Palavras-chave: artes de notar, antropologia da paisagem, socialidades mais que humanas, infraestruturas, relações multiespécies.

 

 

Sessão 1a –  contaminar e fermentar a observação participante

 

1 Nas tramas do përɨsɨ: seguindo redes mais que fúngicas

Mariana Spagnuolo Furtado  - mestranda PPG Antropologia UFSC

mariana.spagnuolo.furtado@gmail.com

 

O përɨsɨ (Marasmius yanomami) é um fungo rizomorfo que cresce na serrapilheira, conectando múltiplos seres. Antes mesmo de chegar a adornar os cestos das mulheres yanomami, que viajam para lugares muito distantes, ele já está inserido numa complexa rede de relações. Para encontrar seus fios de micélio em meio à viva camada superficial do solo, em uma paisagem cheia de coisas acontecendo ao mesmo tempo, as Yanomami desenvolveram um conhecimento refinado acerca de sua socialidade. Há muito tempo sabem que a mãe-do-përɨsɨ (Polyporus) sempre o segue pelos caminhos, assim como as crianças fazem com suas mães — encontrá-la é um bom começo. Uma florzinha branca (Voyria spp.) também indica que uma área é abundante em përɨsɨ, com a vantagem de ser muito mais visível que o delicado fio de cerca de 1mm de espessura. Por serem heterotróficas, essas flores não fazem fotossíntese, mas se alimentam interceptando a rede ectomicorrízica que une alguns outros tipos de fungo às raízes das árvores e transporta nutrientes e informações de um lado a outro na floresta. Além das mulheres, só o pássaro kuxiximi sabe como usar os fios do përɨsɨ, nesse caso para fazer ninhos. Os cientistas de laboratório arriscam dizer que, nos locais onde manejam o përɨsɨ com frequência, as Yanomami são suas melhores dispersoras. Tão eficientes que com o tempo ele foi deixando de produzir a quantidade exuberante de pequenos cogumelos que era esperada para espalhar os esporos. A reprodução por fragmentação é cada vez mais comum, criando clones que se juntam novamente à rede micelial, tornando difícil distinguir o que seria um indivíduo nessa imensa trama.

 

Palavras-chave: Yanomami; redes fúngicas; relações multiespécies; Amazônia.

 

 

2 Que faz um cogumelo?: notas sobre contaminações (in)desejadas entre humanos e fungos na fungicultura

João Phillip Tilopa Barbosa de Oliveira Neuen – mestrando PPG Antropologia UNB

joaoneuen@gmail.com

 

Na produção comercial de cogumelos comestíveis, grande parte do esforço se destina a evitar e mitigar a “contaminação”, isto é, a presença de bactérias e outros fungos no substrato onde o micélio é cultivado. Ela tem efeitos devastadores para a produtividade, mas, a despeito disto e de todo o trabalho, ela é inevitável e acaba ocorrendo após alguns ciclos. Neste trabalho pretendo tencionar esta definição de contaminação com a de Anna Tsing, não apenas as contrastando, mas percebendo também as suas intersecções, ao passo em que descreverei como ela afetou o meu campo, uma empresa de cogumelos instalada por brasileiros no interior de Portugal. Lá, a contaminação provocou uma guinada, que foi tanto técnica quanto discursiva, incitando um novo modo de convivência entre humanos e fungos, que implicou o surgimento e o foco em outros produtos para além dos cogumelos frescos. Este novo enquadramento, por sua vez, flexiona a própria noção de contaminação, modificando significados, atitudes e práticas em relação a ela. Veremos aqui, portanto, como algo que seria um empecilho teve que ser remodulado para que a empresa continuasse a tentar se estabelecer, um processo de tradução, que levou a novas e curiosas formas de engajamento.

 

Palavras–chave: contaminação; fungicultura; desestabilização sociotécnica; artefato.

 

 

3 Devir-fungo: uma experimentação etnográfica com a fermentação

Melanie Theresia Peter – doutoranda PPG Antropologia UFAM

melaniet.peter@gmail.com

 

O que podemos aprender com o fazer mundos dos fungos e das assembleias constituídas por eles junto aos humanos e às miríades de outros seres? Esse é um dos questionamentos levantados por essa pesquisa/ensaio/experimento que visa sinalizar a insurreição fúngica em curso e destacar processos dentro dos quais substâncias e palavras ainda podem transformar, fermentar. Num primeiro momento são descritos exercícios iniciais com fungos bem como levantados alguns questionamentos sobre estudos etnomicológicos na amazônia e sobre o que se poderia especular como uma virada fúngica na antropologia. Em seguida, parto de algumas das muitas etnografias de povos do Rio Negro - essa gente de transformação -, para esboçar os caminhos de investigações em torno da fermentação multiespécies dos caxiris. Confluências chegam então para uma experimentação etnográfica da feitura de um caxiri de cará roxo junto a indígenas do povo Tukano e ao testemunho de um encontro entre artistas e cientistas em uma residência a bordo de um barco laboratório que deslizou por paisagens amazônicas durante a expedição fungicosmology.

 

Palavras-chave: Devir-fungo, fermentação, experimentação.

 

 

4 Seguindo moléculas tóxicas: limites e potências da etnografia

Jéssica Ferreira Cardoso – doutoranda em Política Científica e Tecnológica UNICAMP

j264886@dac.unicamp.br

Esta comunicação pretende compartilhar reflexões e desafios acerca da produção de pesquisa etnográfica com entidades que, além de não falarem (nos moldes humanos), possuem manifestações escorregadias e invisibilizadas. Trato aqui de uma pesquisa de doutorado em andamento que tem como objetivo analisar como o diagnóstico de poluição é construído e de que maneira o aparato tecnológico e regulatório disponíveis afetam essa construção e o efeito dos seus resultados. Tomando como objeto a produção do diagnóstico de poluição por substâncias per e polifluoroalquílicas (as PFAS), esta pesquisa analisa a emergência dessa entidade enquanto problema ambiental relevante no cenário brasileiro. A interface da produção de conhecimento com a regulação e a tecnologia se destacam, uma vez que estas possuem caráter dúbio: ao mesmo que podem servir de aliadas na tarefa de tornar as substâncias químicas e seus efeitos visíveis, podem constituir “regimes de imperceptibilidade”, nos dizeres de Michelle Murphy (2008), e colaborar com a sua invisibilização. De que maneira a etnografia pode contribuir com essa tarefa de visibilizar risco e poluição? Serão aqui abordadas as potências e limites das já tradicionais etnografias da ciência e multissituada, e da etnografia química (Chemo-Ethnography), esta com formulação mais recente por Nicolas Shapiro e Eben Kirksey (2017).

 

Palavras-chave: poluição; contaminantes emergentes; PFAS; etnografia da ciência; etnografia química; Chemo-Ethnography.

 

 

Sessão 1b – historiar o fazer mundo com

 

5 Histórias, sentidos e memórias sob a sombra da ceiba pentandra em espaços da Amazônia e África do Oeste

Natalia Bristot Migon – doutoranda PPG Desenvolvimento Rural UFRGS

nmigon@hotmail.com

Andreia Meinerz - Docente IFRS e Doutoranda em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS)

andmein@gmail.com

Lilian Aldina Pereira Mendonça e Mendonça (Lilian Mariacó Kumá Katchaki) - doutoranda PPG Desenvolvimento Rural UFRGS

lialdina276@gmail.com

Maurício Wilson Camilo da Silva (Tchinho Kabuki) - Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (PPG-AU/UFBA). Doutorando em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ)

 

Este artigo narra alguns sentidos da árvore sagrada Ceiba pentandra, conhecida por Sumaúma,  Ceiba, Polon, Mafumeira, dentre outros nomes, tanto na botânica como em culturas do Oeste Africano e na Amazônia. Nossa escrita tem como ponto de partida as memórias sociais dos(as) autores(as), com raízes em diferentes culturas que se encontram sob a sombra da extensa copa dessa árvore. Em diálogo com Amadou Hampaté Bâ, que também localiza a memória nas sociedades orais, a ligação da humanidade com a palavra que profere, memória como guardiã dos segredos da gênese cósmica e das ciências da vida, o(a) tradicionalista, dotado(a) de uma memória prodigiosa, é também o arquivista de fatos passados transmitidos pela tradição, ou de fatos contemporâneos. Como nos fala do Ailton Krenak sobre memória enquanto criação de mundos, que invoca a ancestralidade e que nos lembra que história e memória se confundem e às vezes até pensamos ser a mesma coisa. No entanto, para poder contar essas histórias é preciso que as memórias estejam encorpadas. Não podemos ser um corpo vazio, precisamos ser um corpo de memória. Neste sentido, valorizamos a memória encorpada, atentas as relações outras que não de controle, trabalho e predação entre humanos e plantas. Torna-se, assim, possível vislumbrar formas de crescer em contiguidade com o mundo. Há de se aprender com novas alianças possíveis.

 

Palavras-chave: Sumaúma, Polon, Mafumeira; África do Oeste; Amazônias; Ancestralidade.

 

 

6 Notas visuais sobre os fluxos, mutações, coabitações e paisagens da coffea arabica

Anelise dos Santos Gutterres – doutora PPG Antropologia UFRJ

adsgutterres@gmail.com

 

Em meados do século XIX foram publicadas diferentes obras que se propunham no período a instaurar uma nova geografia universal a partir da classificação de espécies botânicas. O trabalho colonial de catalogar diferentes regiões, povos e culturas em extensas enciclopédias e de reunir as espécies coletadas em hortos botânicos e jardins de aclimatação é expressivo do momento sócio-histórico em que os impérios coloniais estavam consolidados e globalmente baseados nos territórios a partir de suas economias agrícolas de exportação. Na obra elaborada por Oyo e revisada em 1905 por de La Rosa em sua 13a edição, o café consta como uma das culturas agrícolas mais recorrentes mundialmente no período. Tendo em vista a ênfase na fabricação de uma estabilidade geopolítica colonial e imperial entre o final do século XVIII e início do século XIX, o objetivo do meu trabalho é refletir sobre o papel dos trânsitos e fluxos que as plantas, insetos e as formas de cultivo tiveram na formação desses impérios coloniais e suas economias baseadas em plantation. Como parte de minha investigação recorro as notas visuais fotográficas, esquemas e desenhos para me aproximar das mutações, coabitações, formas e paisagens relacionadas ao cultivo e metabolismo da coffea arabica. Minha intenção é refazer alguns desses caminhos imperiais a partir da planta do café, com ênfase nas mudanças provocadas pela circulação e adaptação de cultivares e dos organismos que junto com ela tiveram suas raízes lançadas nas terras brasileiras por volta de 1778.

 

Palavras-chave: coffea arabica; plantation; fotografia, fluxos, paisagem, colonialismo

 

 

7 Antropologia interespécie: explorando interações entre humanos e polinizadores na produção de Cacau na Amazônia

Leilane Reboredo de Castro  - mestranda PPG Desenvolvimento Sustentável UNB

leilanereboredo@gmail.com

 

 

Através deste trabalho, viso compartilhar minha pesquisa em andamento para o mestrado em Desenvolvimento Sustentável, que nasce da busca por transcender os limites da antropologia centrada no humano, onde proponho compreender as interações, que se dão através de saberes e fazeres, entre humanos, polinizadores e cacueiro no contexto de produção de cacau na região amazônica. A polinização, fundamental para a existência de diversas formas de vida, inclusive a humana, estabelece uma intrincada teia de dependências entre diferentes seres. Evidenciando a necessidade, e urgência, de descentrar a perspectiva humana da antropologia e considerar os diversos agentes sociais envolvidos na construção de socialidades "mais que humanas", das quais a vida humana necessita. A Antropologia da Técnica me aparece como potência após o incômodo e o não encontro de um espaço e forma de abordar temáticas animais e ambientais - tão caras neste momento de crises sistêmicas - por meio da antropologia. Se apresentando como uma possível resposta promissora para investigar a complexidade da vida além dos seres humanos, pois possibilita o entrelaçamento da antropologia, ecologia, ciência, conhecimentos e práticas tradicionais, através da percepção do ambiente e observação participante em socialidades viventes não apenas humanas. Ao adotar a Antropologia da Técnica como ferramenta metodológica, a pesquisa em andamento possibilita criar uma narrativa mais integrada das complexas relações interespécies, ou socioambientais, existentes no contexto estudado.

 

Palavras-chave: Antropologia Interespécie; Antropologia da técnica; Polinização; Saberes-Fazeres.

 

 

8 “O mundo é intra-atividade em seu diferencial”: descrevendo relações nas ruínas do plantationoceno

Thiago Mota Cardoso – Docente PPG Antropologia UFAM

thi.motacardoso@gmail.com

Carlos Calenti – Doutorando PPG Antropologia UFAM

carloscalenti@gmail.com

 

Neste trabalho vamos tratar de como lugares e paisagens emergem a partir da relacionalidade entre humanos e outros seres-outros-que-humanos. Para esse exercício vamos nos deter em situações etnográficas onde buscamos historiar relações em ecologias tensionadas por infra-estruturas da plantation agroindustrial e minerária em paisagens de multitudes de seres visíveis e invisíveis de povos indígenas e beiradeiros na Amazônia e na Mata Atlântica. Nossa proposta é refletir sobre o potencial do conceito de intra-ação, formulado por Karen Barad, como ferramenta para descrever relações na antropologia. Intra-ação, ao contrário da ideia de interação (que trata de relações entre entidades dadas de antemão), refere-se a uma ação simultaneamente recíproca, em que as separações dos componentes de um fenômeno se dão a partir de resoluções locais para a indeterminação ontológica geral. E é nesses momentos em que as paisagens podem se tornar aparentes. Nosso argumento etnográfico é que paisagens tornam-se-com por meio de intra-ações diferenciantes. As intra-ações em curso são práticas discursivas materiais ou performatividades da multiplicidade de processos vitais por entre temporalidades diferenciantes, e é por meio destas práticas e dos seus padrões de recorrência e exclusão que certos limites, por exemplo entre espécies ou identidades, ou organismos e mundo, ou entrelugares, são promulgadas e executadas: “o mundo é intra-atividade em seu diferencial”. Junto com Barad, contar histórias dessas paisagens, em si um processo de materiação, implica uma responsa-habilidade, uma preocupação com práticas de justiça-por-vir que anima a apresentação esse trabalho.

 

Palavras-chave: intra-ação; paisagens; diferença; seres-outros-que-humanos.

 

Sessão 2a –  colecionar uma história natural mais que humana

 

1 Não há terra sem saúvas

Ana Flávia Marú - mestranda no PPG Projeto e Cidade (UFG);

anaflaviamaru.arq@gmail.com

Henrique Borela - mestrando no PPG Antropologia Social (UFG);

Octávio Scapin - doutorando no NPG Arquitetura e Urbanismo (UFMG)

 

A proposta para participação no Seminário Temático (ST-1) “Artes de notas: experimentos com diversidades contaminadas em sociabilidades mais que humanas”, consiste em apresentar a pesquisa do coletivo História Natural de Goyaz em torno da exposição “Não há terra sem saúvas”. O grupo é formados pelos pesquisadores Ana Flávia Maru, Henrique Borela e Octávio Scapin, que desde 2019, empenham pesquisas em torno do arquivo fotográfico da construção de Goiânia, desdobrando exercícios de contação, fabulação e ficção das histórias de mundos e seres implicados no processo de construção e destruição perpetrados na construção da cidade moderno-colonial. Os pesquisadores partem de arquivos fotográficos e textuais, mobilizando revisões, reenquadres, questionamentos, montagens, em direção a um exercício dialético de fabulação crítica.1 Imagens, textos, desenhos, objetos, instalações, filmes, formam o conjunto de materialidades de uma espécie de reescrita com as imagens da história de Goiânia.

 

Palavra-chave: Goiânia, fotografia, moderno-colonial.

 

 

2 Rastros Carbonizados e Asas de Memória: Sobre a coleção de borboletas e mariposas do Museu Nacional-UFRJ

Líbera Li de Lima Nunes – mestranda PPG Ciências Sociais UFRRJ

blimanunes.li@gmail.com

 

Em 2018 o Museu Nacional-UFRJ sofreu um incêndio que carbonizou mais de 100 mil borboletas e mariposas da coleção da entomologia. O desastre ocorrido trouxe à tona diferentes memórias relacionadas à construção da coleção. São memórias emaranhadas que descrevem relações intrincadas entre diferentes atores, tanto humanos quanto não humanos, em contextos de incerteza e caos de maneiras imprevisíveis e não lineares (Tsing, 2022). O técnico que organizou todo o arquivo antigo é obrigado a ir a campo e coletar novos espécimes, logo ele que nunca se sentiu à vontade em matar. Paisagens que mudaram na transformação do espaço urbano alterando a diversidade dos insetos que hoje foram extintos. Borboletas e mariposas que traziam em suas etiquetas seu nome científico, quem coletou, quando, onde, e mesmo quando a etiqueta se perdia, era possível supor algumas informações ao analisar os espécimes. A própria marca que fungos e traças deixaram no corpo das borboletas e mariposas podia dizer algo. Mesmo depois de mortas, esses insetos têm um tipo de memória, seja em suas características, seja nas relações que estão inseridas. É complexo separar esses insetos enquanto sujeito e objeto, distinguir a borboleta que tem memória e a borboleta que produz a memória do museu. Me proponho a trabalhar essas memórias pensando na borboleta e na mariposa como constituidoras da coleção e do museu. Pensar qual é o papel da borboleta para a existência e reconstrução do museu, e a ironia dela enquanto possuidora de memória ser morta para construir a memória da instituição.

 

Palavras-chave: borboletas e mariposas, memória, coleção, emaranhamento, museu nacional-UFRJ.

 

 

3 Mais que humano entre as costuras da alta moda de Loewe, primavera-verão de 2023

José Eduardo Souza Gastão da Silva – mestrando PPG Antropologia UFRJ

josesouzagds@gmail.com

 

Este ensaio procura abordar como engajamentos entre socialidades humanas e mais que humanas atravessam as coleções da temporada de primavera- verão, ready-to-wear, 2023, da casa de luxo espanhola Loewe. Tomo como referência as discussões em antropologia da arte, da moda e do audiovisual para nos aproximarmos de registros de vídeo, fotografias e documentos veiculados por Loewe durante a temporada de referência. Nessas coleções, o diretor criativo da maison, Jonathan Anderson, procura expandir noções de design a partir da tensão entre novas tecnologias e socialidades mais que humanas, ao ponto de questionar a existência mesma de uma divisão estanque entre elas. Na coleção ready-to-wear feminina, o Antúrio (Anthurium) toma uma posição fundamental e é incorporado de múltiplas maneiras em roupas e acessórios. Na coleção ready-to-wear masculina, modelos desfilam com televisores acoplados a vestimentas, ao mesmo tempo que outras peças dispõem plantas cultivadas diretamente sobre a superfície de casacos, tênis e calças. Procuro ressaltar, primeiramente, como tais inovações em moda – e, portanto, em artes – também se traduzem em inovações nas artes de notar e engajar com sociabilidades mais que humanas. Argumento, então, que tais processos implicam em um importante descentramento do humano que, em última instância, leva a diretas e profundas afetações sobre como são cultivadas práticas de conhecimento antropológico.

 

Palavras-chave: moda; audiovisual; ciência; técnica.

 

 

4 Relatos de experimentações artísticas-antropológicas  com o barro preto de/em Goiás

Ralyanara Moreira Freire – Doutora PPG Antropologia UNICAMP / SEDUC GO

ralyanara@gmail.com

 

O barro preto é tradicionalmente modelado pelas paneleiras do quilombo urbano Alto Santana, em Goiás (GO – cidade reconhecida, em 2001, pela UNESCO, como Patrimônio Mundial. As peças de cerâmica terracota são queimadas em fornos tradicionais, feitos também de barro. As madeiras, restos de construção e de árvores caídas, são capazes de gerar calor de 900o a 1.200o, temperatura esta suficiente para transformar o barro preto em cerâmica vermelha. A construção e manuseio do forno, bem como o controle das chamas são tarefas árduas conduzidas, sobretudo, por mulheres negras detentoras do ofício na cidade. Desde 2021, dona Xica, mestra amplamente reconhecida em Goiás, vem me ensinando essas tarefas e me escolhendo como uma de suas aprendizes do ofício de ser paneleira. A priori, nesta proposta de escrita, eu busco refletir sobre as experimentações artísticas e antropológicas que eu venho realizando com o barro. Amparada pelos ensinamentos do barro e de dona Xica, discorro sobre a “ciência do barro”, “tempo do forno”, “cheiro de panela queimada” e demais conceitos de campo que dizem respeito às transformações que a própria matéria orgânica passa e pelas quais é necessário esperar para que a cerâmica apareça. Me interessa investigar possibilidades inventivas com tal matéria e com pessoas detentoras do “pensar-saber-fazer” que, cotidianamente, modelam e tecem narrativas futuristas com vistas a um caminho ancestral. Fazendo uma relação com pesquisas anteriores de mestrado e de doutorado, sobre matéria têxtil, eu sigo criando conexões entre técnicas tradicionais, territorialidades, materialidades e mulheres.

 

 

Sessão 2b – descrições críticas para além da etnografia multiespécie

 

5 Reflexões multiespécies para caminhar com as pedras

Karuá Tapuia-Tarairiú – Mestrando PPG Antropologia UFPE

karuatarairiu@gmail.com

 

Não seria muito pretensioso, da parte humana, imaginar que bactérias, fungos, plantas e rochas só se mobilizam no mundo para viabilidade da existência humano-capitalista? Num convite a compor histórias a partir de sociabilidades multiespécies num contexto global de devastação, Anna Tsing nos apresenta formas possíveis - e urgentes - de conhecer e aprender com as ruínas (2022). Muito caberia ser discutido a respeito das relações entre mais-que-humanos, especialmente no que tange seres que amplamente são considerados como não vivos, com ênfase especial às situações de diálogo com as pedras, tema pelo qual me interesso grandemente. As pedras, lajeiros e serrotes do sertão semiárido, foco de minha pesquisa, se mostram determinantes para os processos de reivindicação dos direitos indígenas, desbocando em ações de demarcação territorial e de patrimonialização dos espaços de uso tradicional. Em meu contexto familiar, no Sertão paraibano, por exemplo, reconheço a influência dos lajeiros e das ‘pedras pintadas’ - os sítios arqueológicos - banhadas pelo Rio Sabugi nas práticas cotidianas e no resguardo das memórias coletivas, resultando numa persistência autóctone Tarairiú. Aqui abordo os limites e possibilidades da pesquisa histórica e antropológica para o reconhecimento das relações interespécies em arranjos não coloniais, construindo uma reflexão sobre os territórios da caatinga como sujeitos de direito frente a neocolonização do semiárido por meio das usinas de energia renováveis.

 

Palavras-chave: Relações Interespécies, Povos Indígenas no Nordeste, Tapuia-Tarairiú.

 

 

6 Os “donos do lugar”: seres outros-que-humanos e seus efeitos-no-mundo de uma comunidade pagã no Piauí

Milena dos Reis Rabelo – mestranda PPG antropologia UFSC

milenarrabelo@gmail.com

 

Como perceber os sentidos que o “lugar” evoca numa comunidade onde seres outros-que-humanos estão agindo? Seguindo engajamentos mútuos entre teorias de uma Antropologia dos Intangíveis (Blanes; Espírito Santo, 2014) e de Relações Multiespécies (Dooren; Kirksey; Münster; 2016), o presente trabalho observa um contexto em que o meio habitado é vivido e continuamente construído junto com os seres que fazem o “lugar” e produzem variados efeitos-no-mundo. A ocasião dessa análise é a do Paganismo Piaga e da Vila Pagã no Piauí: imerso em estórias de deuses, espíritos e almas, esse movimento de reavivamento e (re)criação de cultos e práticas pagãs antigas se qualifica como “a magia da terra e do lugar”, evidenciando o meio que é tornado sagrado: a mata de cocais piauiense. Nesse sentido, proponho notar os processos pelos quais os seres que habitam a zona dos cocais, como os entes vegetais das palmeiras sagradas (a Senhora Carnaúba, o Mestre Babaçu e o Guerreiro Bacabá) produzem efeitos de entrelaçamento espiritual, social, e até biográfico junto com os pagãos emaranhados nesse campo de relações mais que humanas. Assim, podemos prestar atenção a situações que percebem os “intangíveis” como alteridades que emergem num lugar evocativo de assembleias polifônicas (Tsing, 2015), nos conduzindo a prestar atenção em rastros e traços que localizam e negociam a prática do Paganismo Contemporâneo em relações multiespécies.

 

Palavras-chave: Paganismo Contemporâneo; Estudos Pagãos; Antropologia dos Intangíveis; Relações Multiespécies.

 

 

7 Biografar ou restaurar corpos vegetais? Descrição crítica em florestas Amazônicas

Alci Albiero Júnior – doutorando PPG Antropologia UFAM

albiero.aj@gmail.com

 

Atualmente realizo uma etnografia de práticas silviculturais e manejo da floresta Amazônica, desenvolvidas por Engenheiras(os) Florestais, Doutorandas(os) e Mestrandas(os) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia (INPA). Embora compartilhe com meus interlocutores experiencias acadêmicas nas ciências naturais, me considero um pesquisador hibrido dentro do campo da Ecologia Política. Acompanhando as pesquisas me espanta a produção e acumulo de inscrições (Latour e Woolgar, 1979) dos corpos arbóreos: Demografia (crescimento e altura); Fisiologia (trocas gasosas, fotossíntese, respiração, condutância estomática, fluorescência) e Morfologia (área foliar), se tornam coleções necessárias para validar suas hipóteses científicas. Levar a sérios tais inscrições é reconhecer a potência da Engenharia Florestal em biografar corpos vegetais. Corpo que na descrição crítica de Tsing (2019) é capaz de revelar modos de existência, materializando relações sociais. Por serem especialistas em corpos arbóreos, ao ponto de acreditar controlá-los em seus experimentos, tais inscrições arbóreas são interessantes inícios para animarmos vidas multiespécie. Não é possível fazer política sem corpo, e reconhecer as múltiplas camadas de corpos vegetais nos ajuda a agitar a cosmopolítica (Stengers, 2018). Porém, como fugir do excepcionalismo humano e Científico? A antropologia multiespécie poderá promover um momento de hesitação (Stengers, 2018) para a Engenharia Florestal, questionando se suas inscrições estão animadas o suficiente para participar do mundo. Mostrando que contaminações e fricções multiespécie, dificultando a escalabilidade de seus projetos de restauração florestal, revelam que há mais vida por vir.

 

Palavras-Chave: Antropologia da Ciência; Etnografia Multiespécie; Silvicultura Amazônica.

 

 

8 Extinção, refaunação: como fazer uma etnografia de um projeto de reconstrução de um ambiente devastado?

Iby Montenegro de Silva – Doutoranda PPG Antropologia PUC RJ

ibymontenegro@gmail.com

 

 

Se a caracterização do Antropoceno como nova época geológica enumera fatores tal como a devastação de ecossistemas, como fazer etnografias de experiências envolvidas na reconstituição desta devastação? Este artigo olha para um projeto de refaunação feito a partir da reintrodução de antas (“Tapirus terrestris”) e voltado para a reconstituição de um remanescente de Mata Atlântica situado numa reserva florestal no Rio de Janeiro, e, com isso, visa refletir sobre maneiras de etnografar redes multiespécies envolvidas na reconstrução de ambientes devastados, bem como as paisagens e ecologias engendradas a partir disso. Em outro ângulo, busca dialogar sobre maneiras de se fazer etnografias que partam do pressuposto de que devastação e reconstituição de ambientes não versam sobre ‘natureza’ como uma categoria particular de seres objetificados, mas falam da fabricação de conexões e desconexões entre seres independentes, contatos que nem sempre são harmônicos ou lineares. E, nesse horizonte, entende-se que as ‘questões da natureza’ introduzem na existência humana não só uma incerteza quanto a nossa importância diante da relação entre nós e a multiplicidade de seres que habitam o mundo conosco, mas também introduz inventividades de diálogos nossos com estes seres. Acredita-se, portanto, que etnografias nesse sentido ajudam na exploração não só de múltiplas experiências, mas sobretudo nas buscas de novas políticas para compor um mundo novo.

 

Palavras-chave: antropoceno, extinção, refaunação, ambientes devastados, relações multiespécies, etnografias.

 

 

Sessão 3a – traçar as margens, seguir a escrita das águas

 

1 Mundos mais que humanos: diálogos entre rios.

Augusto Cesar de Vasconcellos Anéas – mestrando arquitetura e urbanismo USP;

augustoaneas@gmail.com

Luana Rocha de Souza - mestrando arquitetura e urbanismo UFMG;

luanarochaap@gmail.com

Lucas Fernandes de Oliveira - mestrando arquitetura e urbanismo UFSC.

fernandes.lucas@posgrad.ufsc.br

 

Partindo da temática “mundos mais-que-humanos” como proposição inicial, buscou-se forjar um diálogo entre o Rio do Meio, em Florianópolis; o Rio Saracura, em São Paulo; e o Rio Amazonas, na região do Bailique no Amapá. Tal diálogo se manifesta através da construção de uma cartografia em uma plataforma digital 1, inspirada pela teoria ator-rede (TAR) de Bruno Latour, permitindo-nos pensar o processo cartográfico para além da visão dualista entre a natureza e sociedade herdada da modernidade. O social, conforme Latour (2012), não é um domínio exclusivamente humano, mas uma mistura em redes heterogêneas de humanos e não-humanos, levando-nos a buscar uma reflexão que hibridize ambos. Reafirmamos a concepção dos rios como sujeitos de direitos, embasada na epistemologia latinoamericana e fundamentada nas cosmovisões dos povos originários (Krenak, 2022). Esse entendimento ganhou destaque no Equador com a integração dos Direitos da Natureza em sua Constituição. Percebemos o diálogo entre os rios quanto aos apagamentos que sofrem, seus movimentos e temporalidades, como fontes de saberes inesgotáveis, em conjunto com vozes de atores humanos dissidentes e da composição de mundos com outros seres não-humanos em suas existências e reivindicações.  Ao adotar, no diálogo fluvial, os termos ‘confluências’ e ‘transfluências’ de Nego Bispo (2018), desviamos de conceitos acadêmicos estáticos, e potencializamos encontros mais orgânicos entre rios, fortalecendo sua poética e o seu potencial contracolonialista.

Plataforma digital disponível em: https://leur.ufsc.br/carto/rios/chart.html

 

Palavras-chave: rios; teoria ator-rede; cartografia; contracolonialidade.

 

 

2 Ukiyo-e [ 浮 世 絵 ]: modos de trajetar em paisagens do mundo flutuante

Ivan Gomes – Doutorando PPG Antropologia UFSC

ivan.gomes@protonmail.com

 

Os gatilhos promovidos por tecnologias e infraestruturas capitalistas e pré-capitalistas, modificaram e seguem modificando, em ritmo vertiginoso, as paisagens mais que humanas nas mais diversas camadas do planeta. A paisagem que se a-presenta, em forma e movimento, aos olhos de quem a observa no presente é, não raro, fruto de uma série de perturbações de origem antrópica ao longo dos tempos – das infraestruturas militares às plantations nas colônias. Do reconhecimento desse aspecto histórico, dinâmico e recursivo das relações entre os projetos de fazer mundo humanos e as paisagens multiespécies, verte um segundo momento, o da descrição das particularidades processuais que configuram paisagens específicas: contar essas estórias pode ajudar antropólogos e seus companheiros humanos a entender os motores dessas modificações – muitas vezes ocultos pela familiaridade impressa na fotografia do presente –, bem como as consequências dessas modificações na vida – e na morte – de humanos e não humanos que habitam tais paisagens. Comparar momentos distintos de um mesmo lugar no mapa, extrapolando os contornos do aqui e agora, pode ser útil a essa tarefa. Mas como trajetar por paisagens que “não existem mais”? A esta pergunta, tentarei ensaiar algumas respostas na apresentação que proponho. Em meu auxílio nessa deambulação transtemporal, pretendo percorrer descrições pictóricas da antiga Estrada de Tōkaidō, especificamente pela série de desenhos-gravuras ukiyo-e As 53 Estações de Tōkaidō (東海道五十三次之内 – 1833-1834), composta por Hiroshige Utagawa e equipe. O desenho e seus gestos, como nos ensina Aina Azevedo, é versátil à pesquisa antropológica: ora como objeto, ora como método, ora como produto, ora, como diria Anna Tsing, como arte de notar. Entre outras características remetidas pelo desenho e o desenhar em campo, elenco seus ritmos processuais lentos de composição – favorecendo o que Ingold denominou de educação da atenção –, e a capacidade de destacar, com impressionante nitidez, elementos de complexas assembleias mais que humanas – seja a partir da percepção do autor, ou da imaginação de seu observador. Nesse sentido, assim como fez T. J. Clark em The Sight of Death: An Experiment in Art Writing, pretendo realizar incursões a campo e entradas em um diário a partir das deambulações que realizarei pelas paisagens de papel e tinta da antiga estrada de Tōkaidō, com base nas gravuras e esboços de Hiroshige Utagawa. Desse exercício, sua apresentação e consequente diálogo com os colegas do ST, espero poder, em primeiro lugar, discutir as potencialidades que o desenho e o desenhar ensejam às pesquisas com paisagens costeiras e mais que humanas – seja como arquivo ou arte de notar –, bem como exercitar a imaginação e a curiosidade para a composição do esboço de uma carta náutica que me ajude a navegar pelas paisagens da atual estrada de Tōkaidō – Japão, a qual pretendo realizar parte de meu campo de pesquisa de tese entre 2024 e 2025.

 

Palavras-chave: artes de notar; antropologia e desenho; antropologia das paisagens; ukyo-e; Hiroshige Utagawa.

 

 

3 Atlas-constelar do rio Piracicaba: vida, escrita e transbordamento

Fernando Monteiro Camargo – Doutor PPG Ciências Sociais UNICAMP

camargo.fmc@gmail.com

           

Esta pesquisa teve como objetivo compor uma biografia do rio Piracicaba em forma de atlas constelar. A intenção biográfica, que reuniu materiais de pesquisas etnográficas, serviu de fio condutor para estabelecer relações com instituições, políticas, substâncias e refletir sobre o entrelaçamento de diferentes vidas que envolvem a dinâmica das águas do rio. A tese explora 14 verbetes que são, histórias, acontecimentos, mundos, visões de mundos coletados, em torno do rio Piracicaba e transbordados em quatro constelações, que proporcionam ao leitor estabelecer relações com esse rio. São essas relações que permitiram (bio)grafar a vida do rio Piracicaba. A cada um desses verbetes foi associada uma imagem, produzida com sobreposições de técnicas de fotografia, desenhos e outros materiais e que proporcionam a visualização das constelações. O material produzido na pesquisa foi construído no e com o site www.biografiariopiracicaba.com.br. As imagens de cada verbete são também cartões-postais que permitem, de forma ativa, acessar, compartilhar e se relacionar com a biografia do rio Piracicaba, por meio de, dispositivos que transformam o site em uma narrativa transmídia. O site concentra o conteúdo que circula pelo ecossistema físico (cartões-postais) e digital da internet, funcionando também como um repositório autônomo. Há ainda a proposta de que novos conteúdos produzidos por aquele que desejar possa ser incorporado no site.

 

Palavras-chave: Rios. Constelações. Biografia. Antropologia visual. Ecossistema aquático.

 

 

4 Paisagens-em-desastre no contexto do rompimento da barragem de Fundão, Mariana/MG

Mariana Luiza Fiocco Machini – doutoranda PPG Antropologia USP / FGV;

mariana.machini@usp.br

Daniel Rondinelli Roquetti – doutor PPG Ciência Ambiental USP / FGV

daniel.roquetti@fgv.br

 

Desastres desorganizam e reorganizam paisagens e suas relações, é por meio delas que eles se materializam, tornam-se palpáveis. Compreender fatores causais e possibilidades de reparação de desastres exige experiências imersivas nas paisagens afetadas, não como análise de imagens distantes, mas a partir de mergulhos reveladores de modos de viver e sentir em confluência com o ambiente. Assim, o entendimento de desastres depende do conhecimento complexo e íntimo daqueles que viveram e vivem as paisagens afetadas, que têm entranhadas, enraizadas, as relações com o meio do qual dependem, conformam e são conformados. A coloração da água, a saúde do peixe, a vegetação circundante, a viscosidade das pedras e suas transformações... Não apenas humanos, mas também não-humanos contam sobre desastres. De que maneira então observar e se relacionar com paisagens-em-desastre? O que e como elas contam? Como a antropologia e seus métodos podem auxiliar na prevenção e reparação de uma série de “eventos críticos” que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo e tendem a ser cada dia mais frequentes? A partir do caso e da análise de algumas imagens de paisagens atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão – ocorrido em Mariana/MG em 2015 e considerado dos mais graves da atividade minerária no mundo pelo volume de rejeitos despejado, extensão territorial e populacional atingidas – este trabalho visa esmiuçar aproximações e possíveis ganhos analíticos, metodológicos e aplicados na associação entre as categorias de “desastre” e “paisagem”.

 

Palavras-chave: desastre, paisagem, barragem de Fundão, não-humanos.

 

 

Sessão 3b – habilidades perceptuais como artes de notar

 

5 Direção do vento: uma epistemologia poética

Diego Kern Lopes – Doutor PPG Artes UERJ

diegokernlopes@gmail.com

 

A pesquisa “Direção do Vento: uma epistemologia poética” tem como objetivo investigar as mudanças climáticas contemporâneas a partir das relações entre humanos e não humanos sob a ótica dos campos da arte e da antropologia. O antropólogo Tim Ingold (2012) em seu texto Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais nos alerta sobre a constante necessidade de rever e repensar as estruturas de nossa epistemologia. Nesse sentido, sugere que quebremos a relação historicamente construída de sujeito/objeto e adotemos os objetos que nos cercam como coisas. Tal mudança, de acordo com seus argumentos, permitiria que passássemos de uma estrutura de network (rede), em relação ao mundo, para uma estrutura de meshwork (malha). De forma semelhante, algumas décadas antes, o artista Marcel Duchamp (1957) em seu texto O ato criador apontava que a manifestação poética de um trabalho artístico se dá a partir de um jogo de intenções/acasos e resistência/comunicação na relação entre o artista, o trabalho e o público. Associando-o à perspectiva do meshwork encontra-se no conceito de infra-mince (infrafino) também desenvolvidos por Duchamp. O infrafino seria algo diretamente quase imperceptível que se dá no mundo e pode ser apreendido de forma poética. Do jogo desses conceitos, a presente pesquisa pretende desenvolver um trabalho artístico que produza ou acione algum tipo de manifestação poético epistemológica que nos comunique algo e que tenha, como principal elemento não humano autoral responsável pela direção da obra em questão, o vento.

 

Palavras-chave: poética, epistemologia, infrafino, coisas, vento.

 

 

6 Modo de conhecer a dinâmica das marés e o trânsito lunar na Ilha o Morro do Amaral (Joinville/SC)

Nathália Gallucci – mestranda PPG Antropologia UFSC

galluccinat@gmail.com

 

O modo de conhecer o comportamento da hidrodinâmica das marés na baía da Babitonga está intimamente ligado ao modo de viver do e no estuário, onde suas fontes estão nas próprias atividades de habitar, que constitui os lugares e pessoas como habitantes locais (Ingold e Kurtilla, 2018). Na pesquisa realizada na Ilha do Morro do Amaral (Joinville/SC), a maré não é tratada como um fenômeno objetivo, universal e absoluto. O que está em questão são as especificidades de suas ocorrências locais, relativas não só às particularidades geofísicas destacadas pela "teoria dinâmica das marés" (Garrison, 2010), mas sobretudo aos modos particulares de percepção e associação a partir de formas variadas de engajamento técnico com o ambiente. Por meio do método de observação participante, durante a pesquisa de campo, a participação das atividades de pesca, navegação e demais rotinas junto aos pescadores e pescadoras artesanais que vivem na comunidade se estenderam durante, aproximadamente, três meses. Nesse período foi possível identificar uma forma de conhecimento complexo (Morin, 1998), em que ideias e pensamento estáticos, de modelos unilaterais e lineares são superados por uma causalidade circular, baseada em uma observação e monitoramento constantes, por parte dos habitantes da ilha, a respeito do comportamento das águas, do trânsito lunar e demais fatores ambientais presentes na baía.

 

Palavras-chave: percepção; ambiente; conhecimento local; dinâmica das marés; trânsito lunar.

 

 

7 Habitar o corpo em ruínas: artes de notar e afetar a percepção

Luis Felipe Kojima Hirano – docente antropologia UFG

lfhirano@gmail.com

 

Seria possível dizer que as artes de notar e outras formas de perceber mais que humanas seriam capazes de afetar um corpo esgotado, um corpo em ruínas? A colonização de nossos corpos e percepções por uma economia da atenção focal tem produzido um corpo e uma percepção esgotada (Carry e Pál-Pelbert). Este paper pretende apresentar experiências perceptivas mais que humanas em meu campo na terapia Arte Org. Essa terapia, baseada na orgonoterapia de Wilhelm Reich, propõe exercícios perceptivos e corporais, que afetam e efetuam um corpo (Latour e Despret) e uma percepção ampliando os modos de sentir para lidar com sofrimento psíquico contemporâneo. Exercícios como o de caminhar com a atenção nas árvores, de sintonizar a audição na frequência de um rio, de colocar um olhar difuso no horizonte e de caminhar com as pupilas ao longo da paisagem são alguns exemplos de técnicas dessa terapia de interação mais que humanas, que visam afetar e efetuar um outro corpo/percepção, que co-ressoe com o ambiente. Como modo de captar essas técnicas perceptivas tenho experimentado uma etnografia audiovisual em diálogo com artistas, que praticam essa terapia a fim de observar atravessamentos entre os modos perceber e mover o corpo da Arte Org e as formas expressivas desses artistas. Apresentarei assim um trecho do filme Habitar os olhos, onde diálogo com a fotógrafa Evelyn Torrecilla, que a partir das técnicas perceptivas da Arte Org cria fotografias atmosféricas, em que o olhar caminhe ao longo da imagem.

 

Palavras-chave: corpo, percepção, atenção e antropologia visual.

 

 

8 Pesqueiros mais que humanos: habilidades perceptuais de navegação e pesca com jangadeiros

Rafael Victorino Devos – docente PPG Antropologia UFSC;

rafael.devos@ufsc.br

Gabriel Coutinho Barbosa – docente PPG Antropologia UFSC

ggabrielbar@gmail.com

 

Desde 2015 realizamos pesquisa etnográfica produzindo imagens audiovisuais com pescadores que navegam em jangadas e paquetes pela costa oceânica da Paraíba e Rio Grande do Norte. O enfoque da pesquisa é nas habilidades perceptuais, nos modos de conhecer a paisagem costeira através do ajuste preciso das relações da embarcação em seus vários componentes e de seus instrumentos de pesca com as dinâmicas ambientais que emergem no encontro de pesqueiros no interior da plataforma continental oceânica. Entendemos os pesqueiros como assembleias mais que humanas, que acontecem na confluência das técnicas dos jangadeiros com os movimentos que fazem a paisagem sobre e sob as águas, no encontro da jangada, da linha, do anzol e outros artefatos com agilidades e ciclos de vida de peixes e outros animais marinhos em meio aos substratos que aderem a recifes e outros materiais submersos, aos ritmos da maré, das correntes oceânicas e dos ventos. No processo de montagem do documentário, buscamos afinar algumas das escolhas de abordagem audiovisual experimental dessas técnicas, aprendidas na percepção embarcada e submersa: 1) a navegação através da marcação por terra até os pesqueiros; 2) os modos de encontrar e capturar o pescado nos pesqueiros visitados; 3) as práticas para dar continuidade à vida da pesca no mar, na beira da praia e nos mercados.

 

Palavras-chave: pesca, habilidades perceptuais, antropologia da paisagem, antropologia da técnica, audiovisual, jangadeiros.

 

 

ST 2 - Ecologias decoloniais: vidas precárias e colapso planetário Coordenação: Jamile Borges da Silva (UFBA) - jambo@ufba.br João Mouzart de Oliveira Junior (UFBA/USP) - joaomouzart@usp.br José Batista Franco Junior (Doutorando USP) - josebfrancojunior@usp.br

 

A era do colapso ambiental planetário acaba sendo o prenúncio do grau do impacto destruidor das atividades humanas sobre a natureza, impulsionadas pelo manuseio, descarte e obsolescência das tecnologias, vetor de catástrofes ecológicas em escala global. Percebe-se que o tempo para reverter os efeitos danosos está se esgotando, sendo necessário ações radicais que possibilitem a proteção da vida. Uma nova gramática que dê conta de compreender e combater ecocídios e ecoterrorismo como faces de uma mesma e dramática paisagem em ruína. Seguindo os passos de Tsing (2019) assumimos que uma outra ecologia política precisa ser produzida sobre os rastros, destroços e regeneração, extinção e sobrevivência, poluição e adaptação, demolição e reconstrução dessa paisagem conceitual, um projeto contra a precariedade da vida para ocupar até os espaços mais degradados da vida na Terra. Neste espaço de fomentação priorizamos os eixos analíticos relacionados aos processos ecossistêmicos, as interseções entre raça, gênero, tecnologias biopolíticas e justiça ambiental formulados nas linhas de uma ecologia decolonial que denuncia a manutenção e a continuidade das estruturas moderno-patriarcais do capitaloceno. Assim, o presente ST visa reunir trabalhos dedicados a debater os impasses, contradições e emergências de agendas contemporâneas que envolvam a severidade da escala, ritmo e implicações da rápida mudança ambiental, da manutenção das desigualdades raciais e sociais, ecologia de saberes, migração, política, conflitos, fome, desequilíbrio/equilíbrio ecossistêmico, ativismos, resistências e Patrimônio biopolítico e sociedades do consumo em contextos locais e globais.

 

Palavras-Chave: Colapso Ambientais. Processos Ecossistêmicos. Ecologias Decoloniais.

 

 

Sessão 1: 22/11 (9h- 12 h30)

 

1 A Amazônia e grandes empreendimentos: impactos socioambientais nos modos de vida dos ribeirinhos nos lagos do Zé Açu e Zé Miri/Parintins/Aamazonas

Rafael Alexandre Penha Silva (Mestrando do Programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social UFAM)

rafael.silva@ufam.edu.br

Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares (Doutor, Programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social UFAM)

pedropaulosoares@ufam.edu

 

Este artigo compila os resultados parciais da pesquisa em andamento intitulada “A Amazônia e Grandes Empreendimentos: impactos socioambientais nos modos de vida dos ribeirinhos nos lagos do Zé Açu e Zé Miri/Parintins/Amazonas”. A pesquisa objetiva analisar os impactos socioambientais nos modos de vida das comunidades dos lagos do Zé Açu e Zé Miri a partir da implementação da Linha de Transmissão de energia Oriximiná-Juruti-Parintins. Para este estudo entendemos o conceito socioambiental como o relacionamento dinâmico e iterdependente entre o mundo biofísico e o mundo humano (Little, 2001). No tocante aos dados etnográficos colhidos em campo, primeiramente traçamos o histórico do conflito com a solicitação do empreendimento em 2003, perpassando pelas fases de planejamento em 2009/2010, sua implantação em 2021/2022 e agosto de 2023 com a inauguração da obra. Relativo aos impactos, evidenciamos em ambas a comunidades (lugares da pesquisa) a supressão da vegetação nativa, não reposição da vegetação nos ramais que conectam as torres, assoreamento dos cursos de água (cabeceira, igarapé e lago), restrições no uso do solo, degradação de estradas utilizadas para o tráfego dos nativos, impactos na saúde mental. Concluí-se a partir dos dados, embora parciais, apontam para efeitos nos ecossistemas locais que repercutem diretamente nos modos de vidas autóctones e considerando a operação de trinta anos do empreendimento a tendência é o recrudescimento desses impactos.

 

Palavras-chave: Modos de vida ribeirinho, impactos socioambientais, conflito, Amazônia, Grandes Projetos.

 

2 A descentralização da ciência para diminuir o desmatamento da Amazônia no estado do Amazonas

Heitor A. Cofferri (Mestre, Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP)

heitorcofferri@gmail.com

Marko Synesio Alves Monteiro  (Doutor, Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP)

carambol@unicamp.br

Mateus Batistella  (Doutor, Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP)

mateus.batistella@embrapa.br

 

Descentralizar a aplicação da ciência a partir do enfoque ambiental é um desafio, pois envolve uma temática disciplinar e interdisciplinar, principalmente das ciências naturais, sociais e jurídicas. Este trabalho visa, principalmente, conceituar, esclarecer e estabelecer as condições e premissas valorativas para aplicação do conhecimento científico. Através de uma linguagem acessível e contemporânea, com o intuito de conectá-lo cada vez mais à comunidade, visando tomada de decisões pela governança pública efetiva e que possibilite a redução do desmatamento no Estado do Amazonas. Assim, ao aproximar a aplicação do conhecimento científico com a cultura e a vivência da comunidade, será analisado se as premissas fundamentais valorativas e eficazes na tomada de decisões pela governança pública, em relação ao desmatamento, estão de acordo com os objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil. Ainda, são formuladas hipóteses de aplicação do conhecimento científico, tendo em vista que o objeto do estudo está envolto da necessidade de uma verdadeira eficácia da justiça política, social, econômica e ambiental. Dentre as hipóteses a serem estudadas, destaca-se a forma em que o Poder Judiciário (Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas e Tribunal Regional Federal da 1ª Região) profere decisões para a diminuição do desmatamento na Amazônia e, consequentemente, verificar como a Governança Pública Judiciária realiza a aplicação do conhecimento científico.

 

Palavras-chave: Tomada de decisão. Políticas públicas. Meio ambiente. Amazônia.

 

 

3 Naturalização da exploração de territórios tradicionais por agentes poderosos à luz da criminologia verde

Amanda Regina Coutinho da Silva (Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Direito / UFSC

amandarcoutinho23@gmail.com

Marília de Nardin Budó (Doutora Programa de Pós-Graduação em Direito / UFSC)

mariliadb@yahoo.com.br

 

Este trabalho parte da epistemologia decolonial de corte marxista para compreender a relação da atuação do Estado na interação com o mercado na produção de danos socioambientais na invasão e destruição da natureza e dos modos de viver em territórios tradicionais no sul global. Propomo-nos a compreender as diferentes cisões operadas pela colonialidade, a começar pela centralidade da ‘raça’ como uma forma de hierarquização de seres, corpos, saberes e culturas, como pressuposto para o entendimento do dano socioambiental nos territórios tradicionais. Através dos acúmulos de pesquisas do campo da criminologia verde do Sul, buscamos compreender como o discurso do desenvolvimento sustentável opera na lógica colonial como ideologia a legitimar a superexploração econômica dos territórios, animais não humanos e pessoas, através de uma imagem de crescimento econômico, com a consequente invisibilização dos enormes danos e processos de vitimização trazidos como consequência. Os processos de vitimização que se operam nesta seara se consumam sem atenção pública dirigida aos riscos que a suposta modernização acarreta no território tradicional e na relação ser humano-natureza. Para além desta etapa de pesquisa eminentemente teórica, em etapa futura será desenvolvido o estudo do caso de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, no Brasil, que tem sido radicalmente transformada pelo processo de especulação imobiliária ligada especialmente ao turismo. Em razão disso, não apenas os cenários da cidade têm sido modificados, mas também o ambiente natural, a flora e a fauna típicos da região, além dos saberes das comunidades tradicionais e dos povos indígenas.

Palavras-chave: Criminologia Verde, Criminologia dos Poderosos, Naturalização da Poluição, territórios tradicionais, colonialidade.

 

 

4 Em defesa das cidades selvagem contra o Antropoceno

Carlos Frederico Branco (Doutorando no PPGDR - UTFPR-PB)

branco02@gmail.com

Josiane Carine Wedig (Professora Doutora no PPGDR - UTFPR-PB)

josiwedig@gmail.com

João Daniel Dorneles Ramos (Doutor pesquisador no IEB- USP)

jodorneles@gmail.com

 

Neste ensaio discuto a necessidade das cidades brasileiras transformarem-se em cidades selvagens para superarmos os problemas impostos pelo Antropoceno. Esses espaços urbanos precisam ser, o próprio ecossistema onde habitam, respeitando as florestas e seus habitantes em contextos urbanos,como, animais, plantas, rios, nascentes e cachoeiras. É preciso que tenham seus direitos de coexistências. Essa perspectiva procura superar concepções modernas mononaturais e monoculturais das cidades brasileiras, produtora de desigualdades e problemas ambientais. Proponho refletirmos juntos com os Kaingang que vivem em contexto urbano na cidade de Clevelândia, localizada no sudoeste do Paraná. Localizada em território ancestral Kaingang entre os rios Chopim e Chapecó, na cidade existem diversas nascentes sagradas para os Kaingang. Elas são os Olhos d’água do Monge São João Maria e são nascentes sagradas, desde que o Monge habitou entre os Kaingang em Clevelândia no início do século XX. O Monge permite que nascentes, banhados e matas sejam preservadas na cidade, permitindo a existência Kaingang em territórios oficialmente não reconhecidos pelo estado. O Monge também auxilia os Kaingang na cura de corpos e territórios na Aldeia Alto Pinhal e na cidade. Clevelândia ao ser habitada por essa diversidade de territorialidades multiespécies e humanas Kaingang, é possível imaginarmos através dela, a transformação das cidades brasileiras em selvas com a ajuda dos indígenas. Essa transformação é necessária para que os problemas causados pelo Antropoceno sejam superados, pois, o cultivo desses espaços florestas nas cidades, não só promovem o bem-estar de humanos e não humanos, como permite, que os problemas ambientais causadas pela soberba moderna desenvolvimentais em relação ao meio ambiente e aos indígenas, são os responsáveis pelos problemas impostos pelo Antropoceno.

 

Palavras-chave: Kaingang; Clevelândia; Meio Ambiente; Transformação Ambiental; Decolonialidade.

 

 

5 Lutas coletivas e re-existências quilombolas para além da dupla fratura

Vanessa Flores dos Santos (Doutoranda, Programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFRGS)

vaneflorsantos@gmail.com

Tábata Silveira dos Santos (Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural /UFRGS)

tabata.silveira.me@gmail.com

 

O presente trabalho foi elaborado a partir do encontro dos campos de pesquisa das autoras junto às comunidades quilombolas de Rincão dos Fernandes e Von Bock, comunidade situadas nos municípios de Uruguaiana e São Gabriel, regiões do bioma pampa, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. O artigo tem por objetivo abordar os processos de lutas coletivas das coletividades quilombolas em questão, que envolvem a luta pela posse e titulação dos territórios tradicionais, o assédio de atores e grupos de interesses relacionados à rizicultura e exploração das águas nas localidades. Inspiradas pela obra 'Uma Ecologia Decolonial', do martinicano Malcom Ferdinand, propomos um exercício analítico com os conceitos de convés da justiça e ecologia-mundo, costurando assim as lutas atuais e possibilidades de re-existência quilombola para além da dupla fratura colonial e ambiental da modernidade.

 

Palavras-chave: Quilombos. Ecologia Decolonial. Racismo.

 

 

6 Traço Neoliberal, Ensino Superior, Racismo e Etnografia: Desenhando o campo através das memórias, do ser afetado e da observação participante

Josileide Veras de Sousa (Mestranda em Antropologia – Universidade Federal de Goiás)

josileide_veras@discente.ufg.br

 

Este artigo é um relato etnográfico de uma pesquisa ainda em andamento, considerando minhas memórias de situações que têm marcado minha trajetória de combate a violência racial que existe no mercado de trabalho. Na condição de pesquisadora, o recorte inicial que faço é na Universidade de Goiás, na cidade de Goiânia. Esse trabalho é pautado no conceito de ser afetado, como fator importante para receber os caminhos que o campo apresenta, ancorado nas bibliografias que subsidiam as investigações. Porém, reconhecendo as limitações da pesquisa, o artigo por mais que fale sobre o pensamento neoliberal, a princípio busca refletir a entrada no campo de pesquisa. O campo se apresenta de forma única, cada pesquisador percebe o campo de forma diferente. Ele oferece vários caminhos, o pesquisador escolhe quais caminhos seguir, e os caminhos escolhidos determinarão quais serão as próximas bibliografias que guiarão o desenho da pesquisa. É também uma tentativa lúdica de constituir o campo, usando a palavra “desenho”. Por isso, lhe convido a apreciar essa leitura, considerando que apenas estou começando com a cabeça quase nua e os pés descalços nesse instigante e importante desenho.

 

Palavras-Chave: Trabalho; estágio; experiência; campo; desenho.

 

 

Sessão 2: 23/11 (9h- 12 h30)

 

1 Percepções e desafios na comunicação sobre mudanças climáticas entre cientistas e comunicadores no Brasil

Débora Pires Jeronymo – UNIFESP (Mestranda)

debora.jeronymo@unifesp.br

Renzo Romano Taddei- UNIFESP (Doutor)

renzo.taddei@unifesp.br

 

A comunicação eficaz das informações científicas aos diversos âmbitos da vida social é um desafio tão importante quanto a compreensão das dimensões físicas dos fenômenos associados às alterações climáticas. Trata-se, no entanto, de atividade igualmente desafiadora, visto que às dificuldades historicamente presentes na disseminação da ciência somam-se os elevados níveis de incerteza associados aos impactos das mudanças do meio ambiente. Diversas abordagens têm sido propostas para tratar a questão das dificuldades na transformação da informação científica em ações efetivas de adaptação e mitigação. Assim, inúmeros estudos têm realizado análises, especialmente, do conhecimento demonstrado pelos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, e apresentado recomendações para a melhoria da comunicação desse conhecimento ao público não acadêmico. Nesse sentido, este projeto de pesquisa irá entrevistar

 

profissionais que se dedicam à comunicação climática (jornalistas e ativistas) e cientistas do clima, buscando compreender as percepções dos comunicadores climáticos e dos cientistas quanto às práticas mais comuns relacionadas à comunicação climática, à forma como cada setor se associa a tais práticas, aos valores e motivações de cada grupo e aos desafios e dificuldades enfrentados. O objetivo final é elaborar recomendações que possam dar maior efetividade na interface entre a ciência e a sociedade civil organizada.

 

Palavras-chave: Comunicação. Mudanças climáticas. Percepções.

 

 

2 O lixo [no] e [do] países emergentes: por uma antropologia do descarte

João Mouzart de Oliveira Junior -UFBA/USP ( Doutor)

Programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/USP

joaomouzart@usp.br

Celso Luiz de Oliveira Junior- USP- (Mestrando)

Programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/USP

cjunior@usp.br

Jamile Borges da Silva – UFBA (Doutora)

Programa de Programa Em Estudos Étnicos e Africanos/UFBA

jambo@ufba.br

José Batista Franco Júnior- USP (Doutorando)

Programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/USP

josebfrancojunior@usp.br

 

Uma ciência do lixo dilata-se para captar os contornos do ciclo de vida humanos e não humanos. O percurso estabelecido adentra em cinco grandes giros do mundo que são compostos por amplos sistemas de correntes em espiral. Então, à medida que os objetos descartados se movimentam alteram-se os ecossistemas globais em suas múltiplas formas de existir. Portanto, suas configurações de contaminação e de combate se transformam nas distintas espacialidades ativadas por diferentes atrizes e atores sociais, e ao passo que se degrada em fragmentos, acaba adentrando em águas mais profundas, onde as correntes o levam para partes mais remotas da esfera. Assim, o presente artigo se propõe em convocar e refletir sobre a inserção das (os) antropólogas (os) em uma problemática que envolve o campo da Antropologia do descarte do lixo [no] e [do] países emergentes que oportuniza pensar os colapsos ambientais em contextos globais. Nesse exercício procura-se pontuar o papel da Antropologia alinhadas às questões das Ecologias Decoloniais e do Capitoloceno através das diferentes redes e linhas que capturam os sentidos do fenômeno em foco. Ademais, com o aumento dos resíduos sólidos no mundo os países que compõem esse imaginário vêm sendo extremamente afetados um dos principais pontos acionados foi a gestão após o descarte e as responsabilidades de quem deslocam essas materialidades indesejadas, ao mesmo tempo, que se concebe um movimento contra a precariedade da vida.

 

Palavras-chave: Antropologia do Descarte; Terceiro Mundo, Colapso ambiental e Lixo.

 

 

3 Construindo rotas e reciclando sonhos em um mundo (in)visível: perspectivas netnográficas sobre mulheres catadoras de recicláveis no tiktok

 

Ester Araújo Lima da Silva (Doutoranda)

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFG)

estersilva@discente.ufg.br

 

Nos últimos anos, tem-se notado o aumento expressivo de sujeitos provenientes de distintos interesses econômicos, engajados na produção de conteúdos diversos nas redes sociais, com destaque para a plataforma de vídeos curtos conhecida como TikTok. Neste âmbito, é notável a presença marcante de mulheres que, por meio dessa ferramenta, reconfiguram as visões sobre si e ao mesmo tempo socializam suas vivências diárias, como é o caso das trabalhadoras que atuam na coleta e/ou reciclagem de materiais, que diante de um mundo (in)visível buscam construir novas rotas em suas histórias e projetos de vida a partir do ambiente virtual. Neste sentido, esta comunicação tem como foco discutir essa temática notando como essas mulheres constroem narrativas que visibilizam suas trajetórias, seu cotidiano, sonhos e projetos de vida, ao passo que abordam a temática da reciclagem e buscam, por fim, a monetização de seus conteúdos. A partir de uma netnografia, pautada no trabalho de campo online na plataforma TikTok e no mapeamento dos perfis existentes, realizado através de um mecanismo de buscas com a utilização de descritores conjugados como “reciclagem”, “mulher”, “trabalho”, “lixão”, “catadores” e outros, foi possível identificar um conjunto amplo de conteúdos relacionados a temática, bem como a predominância de perfis de mulheres que em conjunto buscam dialogar com temas que se transversalizam ao passo que apresentam assuntos mais amplos ou sobre si, mas que relacionam-se direta ou indiretamente a um tema mais central, portanto, reciclagem.

 

Palavras-chave: Reciclagem; Mulheres; Catadoras; Trajetórias; TikTok.

 

 

4 Afrofuturismo e mitigação do racismo ambiental

Thiara zen (Mestre)

Universidade Alto Vale do Rio do Peixe/Uniarp

thiara@uniarp.edu.br

Heitor A. Cofferri (Mestre)

Universidade Alto Vale do Rio do Peixe/Uniarp

heitorcofferri@gmail.com

Aline Ceccatto (Mestre)

Universidade Alto Vale do Rio do Peixe/Uniarp

aline@uniarp.edu.br

 

Discutir sobre o afrofuturismo e racismo ambiental é um desafio, pois envolve uma temática disciplinar e interdisciplinar, principalmente das ciências naturais, sociais e jurídicas. Visa-se, principalmente, conceituar e propor condicionantes para que o afrofuturismo seja utilizado como forma de mitigar o racismo ambiental. Com este entendimento, objetiva-se convalidar o estado democrático de direito, bem como tornar eficaz as premissas fundamentais valorativas constitucionais e infraconstitucionais, com foco na justiça ambiental e na mitigação do racismo ambiental. Ainda, a aplicação do conhecimento científico nestes temas é fundamental para que possa ser ratificada, com propriedade, a legitimação deste estudo, com a segurança de um discurso técnico, válido e contemporâneo. Então, qual a conexão entre afrofuturismo e racismo ambiental? Inicialmente, temos a premissa de que racismo ambiental é uma forma de desigualdade socioambiental que afeta principalmente as comunidades marginalizadas, como pessoas negras, indígenas e pobres. O afrofuturismo está conectado, principalmente, com a eficácia de direitos iguais em um futuro onde as pessoas negras são protagonistas. Por fim, os dois conceitos interpretados em conjunto para “tornar invisível” a supremacia branca e superar o fato de que ela tenha moldado as crenças e valores pregados na sociedade, principalmente, ocidental, com possíveis aplicações de políticas públicas e/ou outras hipóteses, baseadas nestas premissas.

 

Palavras-chave: Pessoa negra. Raça. Futuro. Meio ambiente.

 

 

5 Desafiar utopias e produzir futuros anticoloniais: patrimônios biopolíticos e ecologias decoloniais

Jamile Borges da Silva – UFBA (Doutora)

Programa de Programa Em Estudos Étnicos e Africanos/UFBA

jambo@ufba.br Celso Luiz de Oliveira Junior –USP- (Mestrando) Programa de Programa Em Estudos Étnicos e Africanos/UFBA cjunior@usp.br João Mouzart de Oliveira Junior -UFBA/USP (Doutor)

Programa de Programa Em Estudos Étnicos e Africanos/UFBA

joaomouzart@usp.br José Batista Franco Junior –USP (Doutorando)

Programa de Programa Em Estudos Étnicos e Africanos/UFBA

josebfrancojunior@usp.br

 

Seguindo os passos Tuck e Yang que há mais de uma década já alertavam que decolonialidade “não é uma metáfora”, quero apontar aqui a ideia de que produzir “ecologia decolonial” não passa apenas por tornar nossas escolas mais antirracistas ou adotar “métodos decoloniais” como se essa noção fosse em si mesmo uma chave de fenda semântica que pudesse abrir magicamente portas e destravar sociedades enraizadas na escravidão e na alienação do trabalho. A exploração colonial está assentada sobre uma insidiosa combinação entre capital-trabalho e ocupação de espaços, numa geopolítica do capitalismo moderno, também responsável por processos de gentrificação, genocídios e encarceramento em massa de populações subalternizadas. Aqui, desejo interrogar práticas “assimilacionistas” de produção do conhecimento, sobretudo em nossas universidades ainda profundamente brancas e patriarcais. Reconhecer que conhecimentos indisciplinados devem existir para desafiar os limites da (s) disciplina (s) e de forma mais ampla, para desafiar utopias e produzir futuros anticoloniais. Para tal, precisamos assegurar no presente a salvaguarda dos patrimônios biopoliticos de nossa sociedade para desenhar novos projetos civilizatórios. Adotar a sabotagem e a insurreição teórico-metodológica para neutralizar as estruturas, formatos e conceitos, entendendo a ecologia decolonial como possibilidade de afirmar e reposicionar os patrimônios sensíveis das populações afro-brasileiras, LGBTQIA+, indígenas e quilombolas.

 

Palavras-Chave: Patrimônio Biopolítico; Ecologias decoloniais; Utopias e Futuros.

    6 Em volta das águas: horizontes antropolígicos no debate da poluição nos países emergentes José Batista Franco Junior –USP (Doutorando)

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/USP

josebfrancojunior@usp.br Celso Luiz de Oliveira Junior –USP- (Mestrando)

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/USP

cjunior@usp.br Jamile Borges da Silva – UFBA (Doutora)

Programa Em Estudos Étnicos e Africanos/UFBA

jambo@ufba.br João Mouzart de Oliveira Junior -UFBA/USP (Doutor)

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/USP

joaomouzart@usp.br

 

O presente trabalho propõe refletir acerca de possíveis horizontes antropológicos a partir de dois objetos de pesquisa em questão: uma comunidade quilombola situada no cerrado mato-grossense de Chapada dos Guimarães e as questões ambientais em torno do descarte de lixo eletrônico em cidades africanas como Acra/Gana. Ambas as temáticas buscam tratar acerca das territorialidades negras de países pertencentes ao sul global e os seus impasses ecológicos diante de um capitalismo colonial que não os observa a partir dos prenúncios de destruição em destaque, reafirmando assim a categoria da dupla fratura elucidada por Ferdinand (2021). Pretende-se explorar acerca dos mecanismos de resistência presente em tais realidades, diante das ostensivas estatais e eurocêntricas, tomando como ponto de reflexão a perspectiva que ambas possuem como característica singular a localização e valorização das águas como mecanismo de agenciamento político, social e territorial. A partir disso, o presente trabalho busca problematizar a importância de tal elemento natural para ambas as populações que articulam saberes decoloniais frente as catástrofes (Tsing, 2019) do prenunciado fim do mundo (Krenak, 2019). Trata-se da tentativa de organização de idéias, considerando os descompassos existentes entre o capitalismo e os saberes tradicionais.

 

Palavras-chave: ecologias decoloniais; catastrofe; tempos desruptivos.

 

 

7 A canoa yudjá e o antídoto contra a tempestade: uma etnografia multiespécies nas bordas do plantionceno

Dannyel Sá- UNICAMP (Doutorando)

dannyel.sa@gmail.com

 

Pretendo aprofundar a discussão de temas como: a produção o de conhecimento ecológico de povos ameríndios; a centralidade das plantas na produção da socialidade mais que humana; a ecologia não antropocêntrica e contracolonial; e as estratégias indígenas de adaptação à emergência climática como consequência das relações de dominação empreendidas na modernidade pelo processo contínuo de colonização. Considerando os impactos do desmatamento no entorno do Território Indígena do Xingu-Mato Grosso nas vidas de indígenas do povo Yudjá, das plantas e de outros viventes, pretendo dialogar com a possibilidade de "descrições crítica” das dinâmicas de manejo e a ocupação do território indígenas para a articulação entre os diversos fatores e camadas que constituem a emergência de socialidades multiespécies. Trata-se de uma complexa situação etnográfica que envolve os indígenas do Povo Yudjá e as florestas do Território Indígena do Xingu de um lado dos limites dessa Terra Indígena, o seu entorno onde monoculturas de capim, soja, milho e algodão conformam fazendas, cidades e empreendimentos de escala global, e a interação entre essas paisagens. Irei debater como as concepções nativas, as práticas de manejo empreendidas na atualização das relações cosmopolíticas em um contexto de impactos da emergência climática nas ruínas do desmatamento podem ajudar a evidenciar e descrever a centralidade dessas relações humanos-plantas na produção de uma socialidade multiespécie.

Palavras chave: Antropologia; ecologia contracolonial; socialidade mais que humana; povo Yudjá; paisagem multiespécies; Plantationceno.

 

ST 3 - Experimentos com espacialidades dissidentes e práticas contracartográficas Coordenação: Rogério Brittes W. Pires (DAA/FAFICH/UFMG) - rogeriobwp@gmail.com Pedro Rocha de Almeira e Castro (DCAE/FAE/UFMG) - pedrorocha13@gmail.com Alessandro Roberto de Oliveira (PPGE/FE/UnB) - alessandrooliveira@unb.br

 

Esta chamada é para pensar, comparar e entrecruzar experimentos envolvendo apropriações de ferramentas cartográficas por espacialidades não-hegemônicas. Em contraponto ao uso de mapas como instrumentos coloniais e estatais de esquadrinhamento e controle do espaço, novos agenciamentos vêm se apropriando destes objetos técnicos e de sua produção para colocá-los à serviço de suas próprias lutas políticas. Mapeamentos não de, e sim por e com indígenas, quilombolas, terreiros, comunidades tradicionais, migrantes, populações urbanas, entre outros coletivos empenhados na luta por território e na criação de refúgios diante das catástrofes de nossa era. Queremos partir de formas a-modernas, não ocidentais ou declaradamente dissidentes de habitar o mundo - sempre experienciais e situadas. Explorar outras espacialidades e as relações que elas traçam, o que as atravessa, com que e quem compõem, onde estabelecem limites. E como conceber formas éticas e esteticamente criativas de traduzi-las em artefatos híbridos que possam ser chamados de mapas. Nos interessam processos em elaboração e em andamento, bem como análises de seus efeitos previstos ou não. Contracartografias são capazes de modificar a linguagem dos mapas? Há perigos de reapropriação pelo Estado, pelas big techs? Seu potencial contra-hegemônico se mantém a despeito das capturas? O que precisa ser mapeado e o que deve permanecer opaco, em cada caso? Como criar dispositivos cartográficos com legibilidade e eficácia política, mas sem almejar uma transparência universal generalizante? Importa também refletir sobre os métodos e processos práticos: de coleta participativa de dados, de discussão conceitual, de elaboração de representações em quaisquer mídias. Chamamos trabalhos que levantem problemas da apresentação de espacialidades diversas, arriscando soluções formais com experimentos em etnografia, arte, design e tecnologia.

 

Palavras-chave: Contracartografias, Espacialidades, Técnicas de mapeamento, Ecologia das práticas

 

 

 

 

Sessão 1: 22/11/2023 (quarta-feira), 9h-12h30

 

1 Os movimentos kaingang e as interações na paisagem: Terra Indígena e seus limites em uma “retomada”.

Alexandre Aquino (Doutorando – UFRGS)

antropoaquino@gmail.com

 

Podemos afirmar que a Terra Indígena, caracterizada por permitir a reprodução física e cultural, entre outros itens fundamentais, como o meio ambiente necessário ao bem estar e as atividades produtivas, tem como consequência a introdução na vida indígena de formas que permitem a ascensão do pensamento cartográfico moderno? A vida social desenvolvida neste espaço segmentado autoriza a visão desta sociedade como totalidade ou os processos de abertura ao outro possibilitam uma releitura das diversas interações para além dele, especialmente no que se refere a sua relação com a paisagem num momento histórico em que se verifica o avanço das cidades? Para responder tais questões analiso aspectos da territorialidade kaingang que articulam traduções indígenas, dentro deste esquema conceitual ocidental que formula o conceito de Terra Indígena a partir da objetificação do território, como a segmentação do espaço e a ascensão de um ponto de vista global, como ocorre com a cartografia, sobre o local. Retomando esta discussão a partir de questões etnográficas que permitem aproximar paisagem ancestral, território e Terra Indígena, com a constituição de um lugar cosmopolítico, o Morro do Osso (Porto Alegre/RS), destaco a relação entre desenhos realizados na escola bilíngue e a vida ritual, para assim mapear “toda a jornada” (Ingold, 2012), um aspecto importante para caracterizar a relação entre os limites da Terra Indígena, em uma “retomada”, e a configuração das aldeias e acampamentos antigos e atuais.

 

Palavras-chave: Território; paisagem; rituais; Terra Indígena.

 

 

2 Em busca de cidades queer e sapatonas: mapeando memórias materiais através do Stonewall Inn e o Ferro's Bar

Flora Villas Carvalho (Mestranda em Divulgação Científica e Cultural no Labjor/Unicamp)

floravillascf@gmail.com

 

Neste trabalho me propus a contar e discutir a história de dois lugares de memória do movimento LGBTQIA+: o Stonewall Inn, em NY, e o Ferro’s Bar, em São Paulo. Apresento, portanto, alguns de seus personagens – pessoas, coisas, lugares e paisagens – e relações sociais e materiais que protagonizam esses locais-eventos, para então apontar alguns caminhos de pesquisas e fazeres possíveis na construção de narrativas e memórias materiais de partes importantes da história do movimento LGBTQIA+, lésbico e feminista à nível nacional e internacional. Escolhi pensar a partir destes dois lugares, pois em suas semelhanças e diferenças, ambos são significativos para pensar os processos de recuperação, construção e preservação de memórias materiais, espaços politicamente significativos e paisagens urbanas alternativas àquelas presentes na história oficial. Sendo assim, me amparo especialmente nas produções da Arqueologia Queer e da Arqueologia da Repressão e da Resistência como suportes teórico-metodológicos, mas também políticos, propondo através delas pensar: não apenas os artefatos, espaços e marcas materiais das violências de estado em seus projetos de necropolítica (MBEMBE, 2003) misógina, racista e lgbtqia+fóbica; mas também as materialidades resistentes – queer, feministas, lésbicas, viadas, trans, drags, butches, afeminadas – também tão importantes nesses contextos de revoltas declaradas a estas práticas repressivas sistêmicas e institucionais.

 

Palavras-chave: lugares de memória; LGBTQIA+; Arqueologia Queer; memórias materiais; cartografias resistentes.

 

 

3 (Não) ver e fazer (não) ver: construção e representação de espacialidades

entre os Nadëb no alto Uneiuxi (AM/Brasil)

Nian Pissolati (PPGAS/Museu Nacional - UFRJ)

nianpl@gmail.com

 

O povo Nadëb habita o interflúvio dos rios Negro e Japurá, no Noroeste Amazônico brasileiro, numa região que historicamente representa a comunicação e/ou a fronteira entre bacias hidrográficas, entre regiões etnográficas, entre Estados. Ao longo do tempo, os Nadëb se envolveram em diferentes processos de mediação de mundos. Nesta apresentação reflito sobre um aspecto político atual desta dinâmica: o emprego e o manuseio, pelos indígenas, de ferramentas específicas para “fortalecimento” e “proteção” de “seu território”. Para isso, analiso o modo pelo qual os indígenas lançam mão de instrumentos e dispositivos - como googlemaps, mapas mentais, georreferenciamento de pontos geográficos, aplicativos de celular - na comunicação com/contra o Estado e outros atores, para construir um (olhar específico sobre este) território. Reflito, ainda, sobre o modo como a apropriação deste aparato tecnológico pelos indígenas é articulado a eventos míticos e históricos que formam a paisagem. A discussão ganha um sentido específico no presente, com o aumento expressivo de ameaças relacionadas ao garimpo, narcotráfico e outras irregularidades na região (cujos atores não se furtam de utilizar, por sua vez, de tecnologias de produção de imagens e monitoramento, como drones, celulares e imagens de satélite). Para a análise, baseio-me em minha pesquisa de doutorado desenvolvida com os Nadëb do alto rio Uneiuxi, além de minha participação em processos em que os indígenas estão envolvidos, relacionados a gestão territorial, salvaguarda cultural e ordenação pesqueira, desde 2016.

 

Palavras-chave: territorialidade; espacialidade; tecnologia; regimes de visualidade.

 

 

4 Cidade como ruína brejeira: quando imagens de cuidado ribeirinho se encontram

Aline Furtado Franceschini (Mestranda no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, NPGAU/UFMG)

alineffranceschini@gmail.com

 

"Este córrego não encherá mais", diz a faixa afixada acima do Córrego do Leitão, em Belo Horizonte. O registro histórico que divulgava as obras de tamponamento de córregos se tornou um tipo de visualidade frequente nas narrativas oficiais que queriam consolidar a cidade enquanto a metrópole do progresso. Investigo estas narrativas em correspondência com o cuidado ribeirinho com o Rio Peruaçu, onde moradores cuidam de suas nascentes e pesquisadores colecionam imagens dos animais habitantes de suas margens para traçar estratégias de preservação. As fotografias não são apenas registros, mas carregam intenções, violências e potencialidades. As ferramentas técnicas e oficiais de registro não são mais suficientes para cuidar do mundo danificado. As imagens podem ser estratégias para cuidar do mundo que partilhamos? Neste trabalho, investigo os modos possíveis de se cuidar de um rio. O trabalho é mediado por imagens fotográficas por meio da construção de álbuns como um método de pesquisa que apresenta narrativas para além das oficiais. Construo vizinhança entre imagens de álbuns de família, registros históricos, imagens de câmeras de segurança, fotografias de arquivo pessoal, entre outros. Nos encontros com minhas companheiras de pesquisa os álbuns se transformam, e surgem novos imaginários e repertórios. Desta maneira, monto uma coleção que busca contrapor os registros oficiais e construir um repertório de cuidado ribeirinho.

 

Palavras-chave: Imagem, fotografia, Águas urbanas, Cuidado ribeirinho.

 

 

5 Manifesto Contra-Cartográfico: Desmapear o Mundo, Construir Barricadas, Criar Quebradas

Rafael Tavares dos Santos Almeida (Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação em Projeto e Cidade (PPGPC) pela Universidade Federal de Goiás – UFG)

rafaeltavares.arq@gmail.com

 

Este artigo sintetiza parte de uma pesquisa de mestrado realizada entre os anos de 2021 e 2023 junto a população de rua na cidade de Goiânia. O artigo adota a abordagem de escuta flâneur para analisar espaços chamados de "quebradas" pela população em situação de rua. Objetiva-se evidenciar as características únicas desses locais, explorando dinâmicas, representações, limites e potenciais, vendo-os como zonas pouco exploradas na paisagem urbana, onde emergem alternativas discretas. Buscamos avaliar as influências desses espaços e questionar sua possível natureza arquitetônica contra-hegemônica e como alternativas de moradia. Históricamente, essas "quebradas" indicam uma oportunidade de desafiar hierarquias de poder, promovendo um paradigma autonomista, onde vozes marginalizadas substituem narrativas vencedoras. No entanto, a experiência dos moradores de rua no espaço urbano, e suas reivindicações, frequentemente são negligenciadas pelas teorias urbanas predominantes. Este estudo investiga a viabilidade de reconstruir narrativas urbanas a partir das perspectivas das ruas. Exploramos conceitos como a Zona Autônoma Temporária (TAZ), heterotopias e barricadas para analisar as características singulares das "quebradas", vendo-as como uma alternativa de resistência urbana contra o poder estabelecido. Trazer as "quebradas" ao centro do debate possibilita contemplar a luta diária e intensa pela sobrevivência como uma voz essencial em meio a batalhas contra a hegemonia espacial na cidade.

 

Palavras-chave: barricadas; heterotopia; quebrada; zona; contra cartografia.

 

 

6 Caminhos de Tígueres entre fraturas coloniais e imperiais em Santo Domingo, República Dominicana

Victor Miguel Castillo (pós-doc, USP)

victormcmacedo2@gmail.com

 

A avenida 27 de Febrero é um marco urbanístico que define espacial e temporalmente a cidade de Santo Domingo, capital da República Dominicana. Seu traçado e alcance foram inspirados no chamado “corredor norte-americano” produzido durante a ocupação imperial que brecou a revolução de 1965 no país. A partir de pesquisa de campo entre ex-combatentes revolucionários, proponho nesse trabalho seguir os passos e caminhos que contrapõem a lógica de planejamento urbano que ordenou o espaço da cidade a partir da avenida. O período autoritário de doze anos que sucede a revolução, foi um preâmbulo da tragédia a longo prazo. Fratura imperial, colonial e autoritária, a avenida atravessa a cidade. Os ex-combatentes que conheci, fazem, por sua vez, caminhos pedestres em que narram sua atuação revolucionária, recriando seus dias de jovens ou tígueres pela cidade de Santo Domingo. Os espaços e lugares por onde anda(m)vam são acionados a cada passo como solos cronotópicos dotados de enredos contra-hegemômicos. As redes de amizade e afeto traçadas em espaços como os colmados (botecos/mercearias) desbordam em circuitos de compartilhamento que alcançam as redes sociais do digital. Em paralelo, a marcha do tempo-espaço neoliberal se expande gentrificando antigas zonas revolucionarias, e controlando o fluxo enfileirado dos engarrafamentos da avenida símbolo da modernidade dominicana. O exercício deste experimento busca evidenciar os futuros-passados que habitam alguns desses caminhos fugidios. Estariam em vias de desaparecimento? Que marcas eles deixam? De que formas eles espacializam histórias contra-hegemônicas? Que outras histórias a acidental topografia de Santo Domingo contêm?

 

Palavras-chave: espacialidades; revolução; planejamento urbano; contracartografias.

 

 

Sessão 2: 23/11/2023 (quinta-feira), 9h-12h30

 

1 Contracartografia às margens das águas urbanas: desmistificar o discurso

técnico para pensar junto com o fazer

Núria Manresa Camargos (Mestranda em arquitetura e urbanismo pelo NPGAU /UFMG)

nuriamanresa@gmail.com

 

A bacia do córrego do Capão está situada na periferia de Belo Horizonte, na divisa com o município de Ribeirão das Neves e a montante da bacia do ribeirão Isidora. A bacia do Isidora tem sido alvo de estudos ambientais da prefeitura do município. Os resultados demonstraram que a área tem previsões de altos índices de inundação, ondas de calor e deslizamentos para o ano de 2030. Por sua vez, o córrego do Capão está, em grande parte, em leito natural e apresenta oportunidade de uma reconciliação entre a água e o urbano. Os ribeirinhos, há dez anos vêm se organizando em um grupo que através do trabalho cotidiano de cuidado buscam reconstruir a mata ciliar e outras espacialidades. Por outro lado, a secretaria de obras do município tem planos de grandes obras para a bacia. No entanto, para realizar sua proposta de grandes obras, a prefeitura precisa legitimar a participação dos moradores. Sendo assim, apresentou o estudo com previsões catastróficas e uma solução: reservatórios concretados no fundo do vale. Descontentes, os ribeirinhos propuseram um grupo de trabalho para estudar alternativas à grande obra. Como estratégia de diálogo entre saberes, estamos desenvolvendo um site que, entre outras coisas, abriga uma ferramenta de cartografia que sobrepõem intenções espaciais e ecológicas. A cartografia visa explicitar contradições mascaradas pelo discurso técnico e assim criar frestas para dar visibilidade a outros modos de produzir espaço.

 

Palavras-chave: Técnicas de mapeamento, Interface digital, Ecologia das práticas, Águas urbanas, Pedagogia sócio-espacial, Espacialidades.

 

 

2 Atlas de manejo do fogo dos povos karib do Alto Xingu: experimentos de contracartografia

Amanda Horta (Pós-doutoranda em Antropologia Social, Universidade Federal de São Carlos)

amandahorta@gmail.com

Kátia Yukari Ono (Graduada em Ecologia; Instituto Socioambiental)

katia@socioambiental.org

Peiecu kuikuro (Mestrando em Ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia)

yurikuikuro@gmail.com

 

Este trabalho propõe discutir os desafios derivados da relação necessária entre os povos karib do Alto Xingu (Território Indígena do Xingu, TIX) e o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo), no contexto do planejamento e implementação das ações do Programa Piloto de Manejo Integrado do Fogo (MIF). Os povos karib do Alto Xingu habitam historicamente os formadores orientais do rio Xingu, entre os rios Buriti e Culuene, região onde se estendem, ainda hoje, quase todas as aldeias destes povos. Desde o ano de 2017, o TIX vem experimentando ações de MIF, realizadas por brigadistas. O programa prevê reuniões nas comunidades, a fim de direcionar as propostas e validar coletivamente as decisões quanto às áreas alvo da queima prescrita. Essas conversas, porém, dificilmente levam a consensos. Diante disso, no TIX, todos os anos, o PrevFogo calcula as queimas ancorado, em grande parte, em imagens geradas a partir de dados de sensoriamento remoto: tudo o que parece ser material combustível de alto risco nas imagens pode vir a ser queimado. Mas os mapas não distinguem sapé de capim, capim nativo de capim invasor, áreas de remédio, de espírito forte, lugares míticos. Não distinguem, tampouco, os intuitos indígenas: se as comunidades pretendem reflorestar as áreas, se pretendem abrir roças em determinada área e assim por diante. Neste trabalho, exploramos as origens destes conflitos e apresentamos um experimento cartográfico de classificação de imagens de satélite junto às comunidades, debatendo seus limites e potencialidades para melhoria das relações entre o Estado e os povos indígenas.

 

Palavras-chave: Alto Xingu, Manejo Integrado do Fogo, Contracartografias.

 

 

3 Os livros no registro do chão

Maria Candida Vargas Frederico (Pós-Doutoranda PPGCIS PUC-Rio)

mariacandida16@hotmail.com

 

Os livros no chão são nômades, migrantes, sobreviventes que se entrosam na universalidade de ser livro e de estar no chão, longe das estantes. As classificações “obras de consulta”, “literatura estrangeira”, “crítica de arte” e as fronteiras produzidas pelas estantes obedecem às convenções da divisão dos saberes moderna, contudo, no shopping chão, elas estão suspensas no remelexo da exposição. O que está em jogo é deixar de percebê-los através das ordens de cátedra, dos modos de referência, da Ciência com C, e ainda compreendendo que a crítica do seu embaralhamento não deve ser refletida pelas condições tais que o fizeram chegar ao chão: pelo descarte, ou não utilidade, perda, falta de espaço, morte do possuidor etc.; o livro exposto no chão existe no amontoamento e na dispersão sociotécnica do “monta e desmonta” dos lençóis e lonas esticadas. A instrução seletiva do expositor, que é inusitada e depende de cada um, faz suspender o juízo da ênfase dos seus lugares, onde as estantes ordenadas se refazem e se dissolvem no turbilhão das calçadas, da reunião entre títulos, gêneros, brochuras, volumes, materialidades. Ao mesmo tempo, promovem uma convivência com a assimetria, refazendo e reformulando a rede urbana literária da precariedade, ou em ruínas, em cartografias de não precisão, mobilidade dos escapes, fugas, rolos, virações e garimpagens da segunda mão, a comunicação e as conexões de uma papelada em permanente instauração das suas singularidades no agrupamento.

 

Palavras-chave: shopping chão; livros; sociotécnica; contracartografia; garimpagem.

 

 

4 Fotografia aérea de territórios indígenas do Brasil: a reparação do olho de pássaro

Marcella Legrand Marer (Doutoranda na Universidade de Zurique)

marcellamarer@gmail.com

 

Uma fotografia aérea, na qual indígenas são vistos apontando seus arcos e flechas em direção ao avião, pertence ao imaginário coletivo e pode ser considerada um estigma visual na forma de ilustrar povos em isolamento voluntário. A reprodução deste tipo de imagem e de sua narrativa bélica tem sido realizada no Brasil desde 1940 até os dias de hoje. A fotografia é um instrumento de colonização e, no Brasil, essa característica é particularmente evidente na representação iconográfica de povos indígenas. A perspectiva de cima para baixo sobre os territórios indígenas colaborou para o avanço da industrialização do país e exploração dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que justificou as violências cometidas contra os povos originários. Com a popularização dos drones, alguns povos indígenas se reapropriaram de uma das armas de seus colonizadores como forma de defesa e resistência. As fotografias e os vídeos produzidos por eles são um meio de denunciar a ocorrência de crimes e violações ambientais. A vigilância aérea se torna então uma prática relevante na luta indígena para estabelecer um diálogo com os não indígenas por meio de uma linguagem comum: a visual. A apresentação abordará 1) como foi criado o estigma visual na forma de representação de indígenas isolados, apresentando as narrativas disseminadas pela imprensa; 2) a mudança no discurso e no uso da fotografia aérea quando esta é produzida por povos indígenas registrando seu próprio território.

 

Palavras-chave: fotografia aérea; estética indígena; reparação histórica; narrativas contra-coloniais; resistência indígena; governança ambiental.

 

 

5 Cartografia potencial da cidade: novos mapas para Juiz de Fora – MG

Isadora Carraro Tavares Monteiro (Doutoranda NPGAU-UFMG)

isa.tavares.monteiro@gmail.com

 

O que os mapas e outros dispositivos cartográficos de Juiz de Fora dizem sobre sua história? Quais narrativas orientaram os mapeamentos da cidade e quais permanecem por serem mapeadas? O artigo pretende elaborar um breve repertório da cartografia em torno da cidade da Zona da Mata mineira, analisando os interesses por trás de seus recortes e representações e associando criticamente a produção destes dispositivos cartográficos tanto com o discurso oficial sobre a história da cidade, quanto com as novas narrativas e práticas de leituras sobre o território. Para além deste levantamento histórico, o artigo também analisa práticas contracartográficas em curso, realizadas por coletivos, artistas e movimentos sociais, com o objetivo de dar a ver outras formas de vida e outras possibilidades de espacialização da história de Juiz de Fora. Entre essas iniciativas, destacam-se o projeto de arte-educação urbana Cartografias Afetivas, o projeto de intervenção urbana Cartografias Poéticas e a caminhada Juiz de Fora, Cidade Negra como experimentações espaciais dissidentes e, em alguns casos, fabulatórias do território. As ideias de história potencial, de Ariella Azoulay (2019), e de fabulação crítica, de Saidiya Hartman (2008), são importantes orientadores metodológicos para a análise.

 

Palavras-chave: práticas espaciais; história da cidade; contracartografia; Juiz de Fora.

 

 

6 RESISTÊNCIA RIBEIRINHA: a cartografia como instrumento de defesa

Deyvson Pereira Azevedo (Mestre em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais, Universidade de Brasília)

deyvsonpa@gmail.com

 

Na Amazônia Tocantina os Territórios Tradicionais vêm sofrendo com o avanço de Projetos Portuários Privados transnacionais que omitem as relações socioespaciais constituídas para se instalarem nesses Territórios. Esta pesquisa buscou evidenciar as representações e relações socioecológicas pelos agentes sociais do Território Ribeirinho Agroextrativista da Ilha Xingu, em Abaetetuba, Pará. Os métodos adotados foram a pesquisa etnográfica a partir da escuta atenta, observação participante e construção de mapas da espacialidade dos Ribeirinhos Agroextrativistas. Os resultados revelam a diversidade de conhecimentos e práticas complexos, constituídos na dinâmica da vida dos ribeirinhos em acoplamento com o sistema ecológico, evidenciando diferenças profundas quando comparadas aos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para o licenciamento de Projetos Portuários. Além disso, a pesquisa obteve resultados relevantes não pretendidos como o uso de mapas territoriais pela Defensoria Pública do Estado (DPE) na condição de porta voz de afetados em processo judicia de Ação Civil Pública para a determinação de Consulta Prévia Livre e Informada (CPLI).

 

Palavras-chave: Amazônia, Territórios Tradicionais, Ribeirinhos Agroextrativistas.

 

 

Sessão 3: 24/11/2023 (sexta-feira), 9h-12h30

 

1 Práticas contracartográficas de territórios marginalizados por meio do caminhar: especulações e investigações em zonas indestinadas

Gabriel Teixeira Ramos (Professor Adjunto do Curso de Arquitetura e Urbanismo, UAECSA, UFG e Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Projeto e Cidade, FAV, UFG)

ramosgabriel@ufg.br

Arthur Simões Caetano Cabral (Professor Assistente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista - FAAC-UNESP)

arthur.cabral@unesp.br

 

Compreendido como gesto inerente à condição humana, o caminhar se associa a uma dimensão propriamente estética e até mesmo inventiva: descobre-se o mundo à medida que por ele se desloca; algo novo é criado à medida que se revela. Cada vez mais, as possibilidades de leitura e apreensão do espaço colocam em jogo a dimensão do corpo em deslocamento por espacialidades dissidentes, cujos desafios de representação mobilizam a investigação de práticas contracartográficas. Com o objetivo de explorar dimensões metodológicas e contribuir para abordagens transversais de questões urbanas contemporâneas, o trabalho proposto apresentará, como ponto de partida, um panorama imagético a constelar distintas abordagens artísticas associadas ao caminhar e a práticas correlatas de cartografias experimentais ou emergentes, desde as vanguardas modernas do início do século XX até a contemporaneidade, em diferentes contextos urbanos e culturais. Em seguida, apresentam-se resultados parciais de pesquisas em curso dirigidas a territórios marginalizados de diferentes cidades brasileiras, com especial atenção a imediações de acostamentos rodoviários e corpos d’água. Na condição de refugos fundiários ou resíduos da implantação de estruturas urbanas, configuram zonas indestinadas, que acolhem, em contrapartida, aquilo que não tem destinação ou é igualmente refutado em outros lugares das cidades, incluindo seres, comunidades e modos de apropriação não programados.

 

Palavras-chave: Caminhar. Práticas contracartográficas. Zonas indestinadas.

 

 

2 TRANÇAS NO MAPA

Layla Maryzandra Costa Silva (Universidade de Brasília, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais, PPG-PCTs)

laylamcs@gmail.com

 

Nos últimos anos, sujeitos que foram marginalizados por narrativas coloniais, têm recriado suas próprias formas de recontar histórias sobre si e seus lugares de pertencimento de diferentes maneiras, o meu modo tem sido a partir do uso e da prática de trançar cabelos afros, ancorada em metodologias Contra-Cartografias que estão desenhando um bem cultural ainda não reconhecido pelo Estado brasileiro - o ofício de trançar enquanto saber tradicional - algo que está presente nos modos de vida, podendo formar um “corpo-mapa”, parafraseando Beatriz Nascimento (1989) nas comunidade negra do Distrito Federal. Sendo assim, apresento o Projeto de Formação e Pesquisa - Tranças no Mapa que ainda está em andamento, e faz parte do meu projeto de pesquisa do Mestrado. Pode a História das Tranças, serem contadas a partir de Mapas? Podemos utilizá-lo para identificação de bens culturais afro-brasileiros tendo a estética das tranças nagôs como suleador? Essas têm sido algumas indagações que permeiam o objetivo geral desta pesquisa. Este tem sido um trabalho que contempla um conjunto de diálogos sobre Cartografia Social, Educação Patrimonial e Histórias de Vida. Os penteados afros se tornam arquivos “da vida diária” que guardam caminhos individuais e coletivos de saberes corpóreos, capazes de dar sentido às experiências de trancistas negras relacionando-as com a história do território para apontarmos ações políticas públicas sobre a patrimonialização do ofício de trançar.

 

Palavras-chaves Trancistas, Mapas Sociais, Contra-cartografias, Patrimônio.

 

 

3 Trasbordando territórios: mapeamento sobre a rede de um selo de certificação de origem socioambiental

Júlia Gonçalves Silva (Mestranda na Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PGDR-UFRGS)

rpjuliagoncalves@gmail.com

 

 

O território do Rio Negro é uma das regiões da Amazônia com maior diversidade socioambiental. Segundo o relatório “Bacia Rio Negro, uma visão socioambiental”, de 2015, o denominado Território Rio Negro constitui “uma arena estratégica para o diálogo interinstitucional e intercultural sobre uso sustentável de recursos naturais e repartição dos benefícios da biodiversidade”. Populações tradicionais e originárias que residem lá atualmente se associam com diversas entidades, redesenhando as fronteiras dos mapas com redes de cadeias longas que conectam diversas práticas de “fazer mundo”. Para Isabelle Stengers, uma ecologia de práticas visa à construção de novas “identidades práticas” para as práticas, novas possibilidades para que elas estejam presentes e se conectem. Cada conquista numa ecologia de práticas, cada relação (sempre parcial) entre as práticas enquanto tais, à medida que divergem, pode ser entendida como um “acontecimento cósmico”, que tem por objetivo a composição de um cosmos realizado com os outros, sejam estes humanos ou não-humanos. Esse trabalho se ampara na técnica do mapeamento de controvérsias com design gráfico, método para estudar situações coletivas por meio da associação e oposição que as compõem. O objetivo é compartilhar os desafios de um projeto de pesquisa em andamento de desenhar mapas de controvérsias que relatem a composição do Selo Origens Brasil e sua atuação no corredor socioambiental do território do Rio Negro.

 

Palavras-chave: ecologia das práticas; cosmopolítica; teoria ator-rede; mapeamento de controvérsias.

 

 

4 Práticas ecológicas e perspectivas de futuro entre veredeiros do Norte mineiro

Breno Trindade da Silva (CAA-NM/UFMG-FAPEMIG)

breno.trindade26@gmail.com

 

Ao longo das duas últimas décadas o debate sobre povos e comunidades tradicionais ganhou novos contornos com a promulgação dos decretos 4887/2003 e 6040/2007. Tendo como base os conceitos de terras tradicionalmente ocupadas e territórios coletivos (ALMEIDA, 2004), uma nova racionalidade no entendimento das formas desses grupos se relacionarem com os espaços vividos passa a delinear o debate a nível acadêmico e estatal. No entanto, em decorrência desses processos de territorialização (OLIVEIRA, 1998) devemos nos atentar para a reprodução de fronteiras desde uma perspectiva universalizante e seus limites. Objetivo no presente trabalho expor a experiência de construção da cartografia social das comunidades veredeiras de Minas Gerais e discutir a complexidade acionada nas relações estabelecidas entre famílias veredeiras e outros viventes frente aos ecossistemas habitados e os processos de perturbação vividos a partir de projetos de desenvolvimento do sertão – 1970-1990. Compreendo que a abordagem possibilita lançar luz sobre uma complexa dinâmica que sobrepõe tempo e espaço na configuração de um ambiente/território. O território tradicional veredeiro está sendo construído a partir de percepções, negociações e incorporações de novas formas de conhecimento associadas às experiências acumuladas ao longo da relação política e ecológica no seu território e no mundo. Tratando-se também de um território em devir.

 

Palavras-chave: comunidades veredeiras, cartografia social, conflitos ambientais, territórios em devir.

 

 

5 CONTRA-CARTOGRAFAR E CONTRA-PROJETAR: CONSTRUINDO CAMINHOS PARA A AUTOGESTÃO NA TERRA INDÍGENA XAKRIABÁ (MG)

Lucas Carvalho de Jesus (Graduando em Arquitetura e Urbanismo/UFMG)

lucascjesus@gmail.com

Margarete Maria de Araújo Silva (Profa. Associada da Escola de Arquitetura/UFMG)

leta123@gmail.com

Ana Maria R. Gomes (UFMG) (Profa. Titular da Fac. Educação/UFMG)

anagomes.fae.ufmg@gmail.com

 

Cartografias, projetos, normas, legislações e outras formas de representações técnicas se inserem como linguagem universal e imposição em territórios indígenas. Após incêndio criminoso da Esc. Est. Indígena Xukurank na aldeia Barreiro Preto, foi desenvolvido projeto em co-laboração entre docentes/discentes da UFMG e diferentes grupos e instâncias da organização interna Xakriabá. Negociações políticas internas às comunidades, desencadeadas em diferentes níveis pela agressão, e negociações externas, envolvendo diferentes instâncias de governo no processo de reconstrução da escola vêm permitindo a reelaboração de diferentes referências quanto a cartografia, práticas de mapeamento e produção de projetos nas aldeias indígenas. A autogestão de recursos públicos foi entendida como proposição política para enfrentar as problemáticas atuações de empreiteiras em terras indígenas. Abordamos as práticas contracartográficas como um dos meios para a autogestão de recursos públicos pelos indígenas nos processos de construção/reconstrução dos espaços das aldeias. A partir do caso Xakriabá, abordamos questões normativas, projetos conduzidos e situações problema de contextos autogestionários diferentes, que se conectam e ajudam a pensar práticas contracartográficas para além do próprio ato de cartografar. "Agir contra", com a cartografia ou com o projeto arquitetônico, como possibilidade para a construção de caminhos para soberania indígena no cenário atual de demandas e imposições externas.

 

Palavras-chave: Autogestão, Xakriabá, Contracartografia, Escolas Indígenas.

 

 

ST 4 - Perspectivas das desigualdades digitais no Brasil e América Latina

Coordenação: David Nemer (University of Virginia) - nemer@virginia.edu 

Carolina Parreiras - carolparreiras@gmail.com

 

Muito tem sido debatido e falado a respeito das cada vez mais difundidas possibilidades de uso das tecnologias e das redes de conexão, situação que se tornou mais evidente com a pandemia de Covid-19. Ainda que, nos últimos anos, o Brasil tenha assistido a uma melhoria no acesso à tecnologia e a internet – situação partilhada por outros países da América Latina – é possível dizer que ainda se trata de um país com índices relevantes de desconexão e acesso (cerca de 27% dos domicílios e usuários, de acordo com o TIC Domicílios 2022). Além disso, algo que os levantamentos quantitativos nem sempre conseguem captar diz respeito aos outros níveis de desigualdade digital (ou digital divide), que abarcam o chamado letramento digital, o domínio do uso dos dispositivos, plataformas e redes, a qualidade e a permanência das conexões e do acesso, autonomia no uso de redes e dispositivos ou mesmo o conhecimento ou não de termos de uso e questões que giram em torno de privacidade, segurança, machine learning e política de dados. Assim, estamos falando de desigualdades em diferentes níveis e que perpassam questões como raça, gênero, classe social, lugar de moradia, saúde, geração, dentre outras. Com isto em mente, este Simpósio Temático convida à participação trabalhos que abarquem as diferentes desigualdades digitais e que, de preferência, estejam assentados em realização de pesquisas empíricas quantitativas ou qualitativas sobre o Brasil ou países da América Latina.

 

Palavras-chave: Desigualdade Digital; Brasil; América Latina; TICs para Desenvolvimento.

 

Sessão 1

1 Pandemia, desigualdades e educação no Brasil: um olhar a partir da interseccionalidade entre classe, raça e gênero

Priscilla Barros da Silva (UFG)

priscillabarros@discente.ufg.br

 

A pandemia se mostrou um problema de ordem mundial, que afetou os diversos campos da vida humana, dentre eles a educação, modificando as rotinas de estudo e trabalho de centenas de milhares de crianças, jovens e docentes em todo o mundo. Medidas de emergência foram adotadas por escolas para garantir a permanência das crianças em sala de aula, mesmo que remotamente. Ocorre, portanto, que o problema da desigualdade que já era um desafio anterior à pandemia se intensificou e ficou mais evidente, acarretando em dificuldades de acesso e domínio de tecnologias por parte dos sujeitos envolvidos. Diante dessas evidências nos questionamos, como todas essas transformações afetaram a vida da população e em especial de professoras brasileiras no período da pandemia? Objetiva-se discutir como a educação brasileira foi impactada pelas desigualdades no período da pandemia, a partir do recorte interseccional entre classe, raça e gênero, dando ênfase ao trabalho docente feminino. Trata-se de uma investigação qualitativa, que utiliza levantamento bibliográfico, pesquisas e notícias entre os anos de 2020-2023 e desenvolvimento de grupo focal com algumas docentes que exerceram a profissão nesse período. Os principais resultados que obtivemos demonstram que houve uma maior intensificação da desigualdade, prejudicando principalmente pessoas do gênero feminino, negras e pobres, e no que tange à docência, mulheres foram mais afetadas por ainda ter em nossa sociedade uma divisão sexual do trabalho desigual. A discussão se faz necessária para que se proponham políticas públicas educacionais que atendam às trabalhadoras docentes, principalmente em momentos de crises, como foi a pandemia da covid-19.

 

 

2 Excluídos Digitais: reflexões acerca dos desafios da exclusão digital em uma perspectiva educacional de uma escola da rede pública municipal de Porangatu-GO

Léia Rodrigues da Silva Queiroz (UFG)

leiarsq@hotmail.com

Carlos Eduardo Henning (UFG)

carloseduardohenning@ufg.br

 

A escola é uma instituição formal onde ocorrem os processos de ensino e aprendizagem. Local de diversos contextos sociais, refletindo uma comunidade e seus membros e indivíduos que a formam. De acordo com o antropólogo Clifford Geertz (1978), o que propicia o entendimento das estruturas significantes da ação social observada se faz necessário primeiramente ser apreendida para depois ser apresentada. A escola reflete a sociedade e, consequentemente suas desigualdades. Mesmo com a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, que asseguram juridicamente que “a educação como direito de todos e dever do Estado e da família”, a educação brasileira ainda é marcada por fatores de exclusão como classe, gênero e raça. Esse trabalho, parte de reflexões de minha pesquisa de mestrado em Antropologia Social “Uma Etnografia Sobre os Usos das Tecnologias Digitais por Docentes de Uma Instituição Pública de Ensino em Porangatu-GO”. A instituição onde ocorre a pesquisa é em uma escola da rede municipal de ensino, a qual, oferece as modalidades de Educação Infantil, Jardim I e Jardim II e Ensino Fundamental I, do 1º ao 5º ano. Se localiza na divisa entre as zonas rural e urbana do município, em um bairro considerado um dos mais carentes, na região periférica. Esse local revela situações de exclusão social e digital, pois, os/as estudantes, advindos de comunidades carentes, sendo a grande maioria pertencentes de famílias de baixa renda e beneficiários de programas sociais do governo federal. Com a pandemia do COVID19 em que as escolas formam obrigadas a implementarem o ensino remoto da noite para o dia, fato que acentuou a exclusão digital para essa comunidade. De acordo com Carolina Parreiras e Renata Mourão Macedo (2021) “as desigualdades digitais, no geral, refletem, reproduzem ou espelham desigualdades sociais mais amplas, já se constituindo desde o final do século 20 como mais um lócus de estratificação social no Brasil”. ....

 

 

3 Nativos digitais?: uma reflexão sobre crianças, YouTube e assimetrias

Anna Beatriz Oliveira Menezes Costa (MN-UFRJ)

annaboliveira99@gmail.com

 

Recorte de uma dissertação de mestrado voltada para os vídeos de brinquedos presentes no YouTube (Costa, 2023), o trabalho está centrado na reflexão sobre as formas de acesso e de uso do YouTube por crianças, partindo das experiências relatadas pelos interlocutores da pesquisa. Para tanto, a metodologia está baseada na realização de entrevistas semiestruturadas virtuais com dez crianças brasileiras pertencentes à faixa etária dos 7 aos 10 anos (Costa, 2023), que, dentre outros tópicos, partilharam sobre o contato com a plataforma, assim como o conteúdo assistido. Nesse sentido, a argumentação aprofunda o debate existente na dissertação acerca dos conceitos de “nativos digitais” (Prensky, 2001) e de “Net Generation” (Tapscott, 1998), destacando os diferentes níveis de conhecimento e de utilização do YouTube pelas crianças. Estas apresentaram distinções de vocabulário, dispositivos, domínio das funcionalidades e preferência das temáticas dos vídeos, aspectos que sinalizam um horizonte desigual de vivências da plataforma. Dessa maneira, o trabalho traz contribuições para o estudo da presença das crianças no meio digital, em especial, no YouTube, ressaltando as particularidades existentes nesse cenário.

 

4 Podcasts e letramento digital no ensino médio

Irene do Planalto Chemin (UnB)

irenedoplanalto@gmail.com

 

Este trabalho baseia-se na experimentação com podcasts de Antropologia e Ciências Sociais junto a estudantes do 1º ano de uma escola de ensino médio localizada em Brasília, Distrito Federal. O objetivo foi compreender como os exercícios de ouvir e produzir podcasts contribuem para o processo de ensino e aprendizagem e para o desenvolvimento de multiletramentos, especialmente o letramento digital, na formação das estudantes. A pesquisa teve três meses de excursão de campo, com observação participante na perspectiva de uma etnografia propositiva e de uma etnografia para a Internet, considerando a dimensão online e offline da experiência das estudantes na escola. Em colaboração com estudantes e professoras, podcasts disponíveis na web foram ouvidos, assim como as turmas produziram seus próprios episódios. As estudantes responderam a enquete, e as professoras a entrevista, sobre o que acharam dos episódios e as possibilidades de aprender com a mídia. Fazer podcasts fomentou o protagonismo das estudantes, os microfones colaboraram para a ativar a performance oral e evidenciar que as histórias também produzem ciência e tecnologia. Nesse ST, busco debater especialmente o letramento digital das estudantes e das professoras em relação às TDIC, as relações entre desigualdades de raça, lugar de moradia, classe e gênero no letramento digital das interlocutoras, os relatos sobre o consumo e a técnica de produção com a mídia podcast dentro da escola.

 

 

5 WhatsApp como tecnologia de parentesco: reflexões a partir de uma etnografia em grupos de oração evangélicos

Lorena Mochel (NuSEX UFRJ)

lorimochel@gmail.com

 

O cotidiano online de orações, testemunhos, memes e pregações em grupos de oração no WhatsApp exclusivamente formado por mulheres possibilitou reflexões sobre como vem se dando o fortalecimento de laços religiosos e efeitos provocados por desigualdades digitais. Por meio de dinâmicas de co-presença com igrejas e lares evangélicos, filiações engajadas por dons espirituais como visões, revelações e profecias fazem parte de projetos mais amplos em que familismos cristãos de vínculo carismático trazem importantes críticas às teorias antropológicas do parentesco construídas em bases secularistas. Nestes outros projetos de construção de laços de confiança, os usos feitos por lideranças e seguidoras de Ministérios pentecostais não institucionalizados vem se apropriando de diferentes funcionalidades nos grupos de WhatsApp e transformando modos como a autoridade religiosa e o exercício da fé vem sendo vivenciados nesse contexto. A partir de um recorte em minha tese de doutorado recentemente defendida, objetivo refletir sobre processos em que o WhatsApp, ao atuar como dispositivo religioso, vem se configurando enquanto tecnologia de parentesco para promover engajamentos cotidianos entre gênero, raça, classe e religião. Ao reunir mulheres que, ou congregam em diferentes igrejas, ou escolheram se afastar dos vínculos institucionais, os usos de grupos de oração vêm produzindo ressignificações em modelos de família e reconfigurando modos de viver o que chamam de “intimidade com Deus” na vida cotidiana.

 

6 Desigualdades Digitais no Brasil: Um Olhar sobre Acesso, Conectividade e Inclusão Tecnológica

Aline Ceccatto (Universidade Alto Vale do Rio do Peixe)

aline@uniarp.edu.br

Heitor Cofferri (UNICAMP)

heitorcofferri@gmail.com

 

As perspectivas das desigualdades digitais no Brasil revelam um cenário complexo e multifacetado. Embora o país tenha testemunhado um aumento na adoção da tecnologia, as disparidades no acesso e uso persistem, acentuando as divisões sociais. A falta de conectividade é um desafio crucial. Enquanto as áreas urbanas desfrutam de melhor infraestrutura, regiões rurais e comunidades de baixa renda enfrentam dificuldades de acesso à internet, limitando a educação online, oportunidades de trabalho e serviços digitais. A disponibilidade desigual de dispositivos também contribui para essas desigualdades. Embora smartphones sejam difundidos, muitos ainda carecem de acesso a eles, afetando o engajamento digital. Aqueles com educação limitada enfrentam obstáculos para usar de forma eficaz a tecnologia, prejudicando sua empregabilidade e participação cívica. Essas desigualdades têm impactos econômicos e sociais, excluindo marginalizados de oportunidades e contribuindo para ciclos de pobreza. Superar esses desafios exige esforços coordenados entre governo, setor privado e sociedade civil, incluindo a expansão da infraestrutura, programas de alfabetização digital e iniciativas de inclusão tecnológica.

 

Sessão 2

1 Cultura Do Cancelamento No Ciberespaço Brasileiro: Repercussões, Motivações E Impactos Das Personalidades Canceladas

Paulo Victor da Silva Ribeiro (IFPA)

paulo16_vsr@hotmail.com 

Breno Rodrigo de Oliveira Alencar (IFPA)

breno.alencar@ifpa.edu.br

 

A cultura do cancelamento é uma forma de ostracismo que ganhou força a partir do movimento #MeToo em 2017. Ela consiste em excluir pessoas de círculos sociais e/ou profissionais por condutas consideradas ofensivas. Ocorre principalmente nas redes sociais, onde comunidades virtuais se unem para patrulhar comportamentos e ideologias entendidas como ofensivas, buscando controlar narrativas e opiniões. Seu alvo são principalmente artistas e figuras públicas, e seu impacto pode levar a perdas irreversíveis. A luz deste fenômeno, o presente trabalho aborda resultados parciais baseados na seleção e filamento de casos de grande repercussão na imprensa brasileira entre 2018 e 2021, e na bibliografia de Turner (2013) sobre rituais e estruturas sociais, mostrando que o Twitter se assemelha a uma "communitas", logo, existem momentos efêmeros em que as hierarquias sociais são suprimidas, e as pessoas se unem temporariamente em torno de uma causa, como o cancelamento de indivíduos. Essa união deriva do ativismo político de subculturas ou classes sociais estigmatizadas, que agem de forma articulada para tornar a iniciativa eficaz. As ações de cancelamento visam atacar a reputação do cancelado e podem afetar sua vida pessoal, profissional e financeira. Alguns exemplos estudados incluem o deputado Maurício Souza, o youtuber Monark e a historiadora Lilia Schwarcz. Finalmente, identificou-se três subcategorias que compõem o fenômeno do cancelamento: o cancelado, o revogado e o incancelável.

 

2 Educação e desigualdades digitais no Brasil: transformações pós-pandemia

Renata Mourão Macedo (FESPSP)

renatagmourao@gmail.com

Carolina Parreiras (USP)

carolparreiras@gmail.com

 

O objetivo deste trabalho é debater transformações recentes nos usos da internet no Brasil ligadas aos processos educacionais, tendo como foco as muitas desigualdades digitais e sua relação com marcadores sociais da diferença. A pandemia de Covid-19, que ocasionou o fechamento do espaço físico das escolas no Brasil a partir de março de 2020, teve como consequência imediata a transferência do ensino presencial para o ensino remoto. Tais eventos, por um lado, evidenciaram as diferentes desigualdades digitais existentes no Brasil, que dizem respeito tanto ao acesso quanto ao domínio dos artefatos tecnológicos (especialmente, no que chamamos de letramento digital). Por outro lado, impulsionaram a ampliação do uso de equipamentos tecnológicos e do acesso à internet por instituições educacionais, professores/as, crianças, adolescentes e jovens. Nesta apresentação, refletimos sobre como a pandemia de Covid-19 acelerou diversas transformações já em curso, ampliando os usos da internet na educação, de modo que seu uso se tornou cotidiano -mas não sem percalços - entre crianças, jovens, professores e instituições de ensino. Entretanto, por meio da análise de dados das pesquisas do CETIC de 2022 (como TIC Domicílios, TIC Educação e TIC Kids), entre outros dados secundários, refletimos sobre como desigualdades digitais se mantêm no Brasil, especialmente em relação ao tipo de acesso (62% dos brasileiros acessa a rede exclusivamente pelo celular), tipos de equipamentos utilizados e habilidades digitais.

 

3 Doar-se Ao Trabalho Ou Fazer O Mínimo? Relações Entre Docentes E Plataformas Digitais Na Educação Básica De Mato Grosso

Samuel Douglas Farias Costa (UFG)

samuel2@discente.ufg.br

 

Este trabalho é fruto de uma etnografia com professoras e professores da rede estadual de educação básica de Mato Grosso, na qual atuo como docente desde 2018. Destaca-se a perspectiva das/os docentes acerca de seu trabalho – incluindo o meu próprio engajamento como professor e antropólogo –, especificamente, das demandas e relações que estabelecem com as diversas plataformas digitais de uso obrigatório na educação pública mato-grossense. Há plataformas para a produção de registros diários, fiscalização da assiduidade e pontualidade dos profissionais da educação, formações continuadas, mediação de atividades pedagógicas destinadas às/aos estudantes, entre outras. O uso prescritivo de plataformas digitais vem aumentando na educação básica de Mato Grosso, sobretudo, desde a pandemia de Covid-19. Entre os seus efeitos, há alterações no tempo-espaço de trabalho, diferentes estratégias para exercer as atividades profissionais, percepções de excesso de demandas para a carga horária de trabalho remunerada e de falta de condições adequadas para o acesso e uso das plataformas. A partir das perspectivas docentes, a proposta é realizar um exercício de escrita etnográfica que conecte e/ou contraste com perspectivas antropológicas acerca da vida em instituições burocráticas.

 

 

4 Apropriação Social da Informação

Antonio Paulo Carretta (ECA-USP)

paulo.carretta@gmail.com 

 

Reflexão aborda três perspectivas relevantes no contexto da desigualdade digital e do infoativismo. Primeiramente, discute-se a crescente disseminação das tecnologias sociais e redes de conexão que, apesar de avanços no acesso à internet, ainda enfrentam desafios no Brasil e operam por meio da relação entre pessoas, informação e tecnologia. Nesse cenário complexo, as disparidades digitais vão além dos indicadores quantitativos e incluem questões de letramento digital, acesso e uso efetivo das tecnologias, preocupações sobre privacidade e segurança, assim como apropriação social de informação em ambientes digitais. Em seguida, com foco no campo da Ciência da Informação, analisa-se a relação informação-ação e o conceito de infoativismo, corrente do ativismo digital, que se manifesta por meio de ações informativas e visuais de engajamento e mobilização em prol de causas sociais. Por fim, destaca-se o caso do Data_Labe, um laboratório de pesquisa, dados e informações da favela da Maré, no Rio de Janeiro, que busca gerar cidadania e participação política nas comunidades, produzindo dados, elaborando narrativas e oferecendo informações de forma participativa para avaliar políticas públicas e conscientizar a população sobre questões sociais relevantes que escapam da percepção de órgãos públicos. O texto enfatiza o infoativismo, a importância de enfrentar a desinformação e o uso da informação para influenciar as decisões e as ações dos indivíduos, visando uma sociedade mais transparente, igualitária e participativa.

 

5 O usuário como objeto de controle na sociedade atual: uma análise sob a ótica da vigilância dos aplicativos governamentais brasileiros

Mariana Costa Oliveira Morais (UERJ)

mmorais@esdi.uerj.br

 

O trabalho tem como objetivo analisar a figura do "usuário" de aplicativos digitais como objeto de vigilância e controle na sociedade contemporânea. Para compreender essa dinâmica, será realizado um panorama da Sociedade Disciplinar e do conceito de Biopoder proposto por Foucault. Em seguida, será explorada a transição para a Sociedade de Controle e o conceito de "dividual" apresentado por Deleuze, a fim de compreender as relações políticas entre a sociedade e a tecnologia. Será estabelecida uma relação entre o conceito do corpo e dividualidade com o usuário, destacando como o usuário de aplicativos digitais se torna o alvo central da vigilância por meio do compartilhamento de informações e dados nessas plataformas. Assim, pretende-se analisar a produção de subjetividades gerada pelas novas tecnologias e a relação do usuário com elas. Compreende-se que essa relação se dá de forma desigual e, de certa forma, opressora, visto que o usuário é “controlado” e não possui autonomia e conhecimento sobre a disposição das informações que estão sendo fornecidas. Para isso, serão examinados dois aplicativos governamentais brasileiros para compreender a relação entre as permissões concedidas pelos usuários e a propensão aos mecanismos de vigilância estatal. A análise dos aplicativos governamentais contribuirá para uma compreensão mais abrangente das permissões solicitadas aos usuários e do tratamento de seus dados, levantando questões relevantes sobre transparência e segurança de dados.

 

 

6 Pandemia, desigualdades e educação no Brasil: um olhar a partir da interseccionalidade entre classe, raça e gênero

Priscilla Barros da Silva (UFG)

priscillabarros@discente.ufg.br

 

A pandemia se mostrou um problema de ordem mundial, que afetou os diversos campos da vida humana, dentre eles a educação, modificando as rotinas de estudo e trabalho de centenas de milhares de crianças, jovens e docentes em todo o mundo. Medidas de emergência foram adotadas por escolas para garantir a permanência das crianças em sala de aula, mesmo que remotamente. Ocorre, portanto, que o problema da desigualdade que já era um desafio anterior à pandemia se intensificou e ficou mais evidente, acarretando em dificuldades de acesso e domínio de tecnologias por parte dos sujeitos envolvidos. Diante dessas evidências nos questionamos, como todas essas transformações afetaram a vida da população e em especial de professoras brasileiras no período da pandemia? Objetiva-se discutir como a educação brasileira foi impactada pelas desigualdades no período da pandemia, a partir do recorte interseccional entre classe, raça e gênero, dando ênfase ao trabalho docente feminino. Trata-se de uma investigação qualitativa, que utiliza levantamento bibliográfico, pesquisas e notícias entre os anos de 2020-2023 e desenvolvimento de grupo focal com algumas docentes que exerceram a profissão nesse período. Os principais resultados que obtivemos demonstram que houve uma maior intensificação da desigualdade, prejudicando principalmente pessoas do gênero feminino, negras e pobres, e no que tange à docência, mulheres foram mais afetadas por ainda ter em nossa sociedade uma divisão sexual do trabalho desigual. A discussão se faz necessária para que se proponham políticas públicas educacionais que atendam às trabalhadoras docentes, principalmente em momentos de crises, como foi a pandemia da covid-19.

 

 

7 A dinâmica do assédio sexual em redes sociais online: análise de relatos presentes na página do Facebook “Meu professor abusador”

Camila Guerra Amazonas Bentes

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA

<camilabentes10@gmail.com>

Arienny Carina Ramos Souza

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA

<arienny.carina@gmail.com>

Breno Rodrigo de Oliveira Alencar

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA

 <breno.alencar@ifpa.edu.br>

 

O presente trabalho é baseado em dados obtidos da página do Facebook “Meu Professor Abusador”, criada em 9 de fevereiro de 2016 por estudantes do curso de Letras da UFRGS visando denunciar casos de assédio sexual cometidos por professores do ensino básico e superior. Sob esse viés, o objetivo do estudo é analisar os relatos de abuso sexual da página do Facebook, a fim de compreender os padrões que permeiam o fenômeno “assédio sexual online”. A página do Facebook publica relatos de assédio sexual e moral enviados por alunas através do Google docs ou e-mail, o qual é utilizado para enviar material multimídia que comprove algum tipo de abuso causado por professores, porém, sem identificar dados que revelem a identidade do abusador. Ademais, as descrições são organizadas apenas por uma hashtag seguida do número do relato, sem identificar o nome da vítima, para assegurar a proteção dos envolvidos. Os resultados parciais mostram uma possível preferência dos abusadores por alunas do ensino básico, onde 12 casos estudados de 640 relatos publicados, frisam o fenômeno do assédio sexual online, os quais ocorreram com mais frequência na rede social Facebook. Dessa forma, nota-se a falta de medidas contra o assédio, como amparo às vítimas e demissão ou exoneração do abusador. Isso demonstra a dificuldade em punir casos de assédio sexual, principalmente de natureza virtual.

 

Palavras-Chave: Assédio sexual; Redes sociais; Facebook; Professor abusador.

 

 

8 Sou mulher, logo sei maternar? Um estudo da elaboração do exercício da maternidade e suas implicações, tendo como fonte os discursos midiáticos do Instagram

Rosana R. Prudencio

Graduanda em História – Universidade Estadual de Goiás

<rosanaprudencio8@gmail.com>

 

Este estudo tem o intuito de pesquisar como discurso em torno da maternidade foi criado e como esse é percebido nos dias atuais tendo como fonte a rede social Instragram que acredito ser o grande celeiro de ideias e propagação de afirmações da atualidade ou ainda um exemplo a ser seguido. Analisaremos também se a maternidade ou exercício de maternar é vivido do mesmo modo em diferentes grupos sociais e a ligação de influenciadoras digitais e suas seguidoras. É interessante observar esses perfis de influenciadoras sociais como elas se comportam e como esse comportamento é recebido pelas suas seguidoras e sua reprodução ou tentativa de reprodução quando essas mencionam o @ de alguma influencer, repetindo uma vida que é mostrada a todo momento mesmo sendo recortes de um dia vivido. Para esse trabalho pretendo estudar uma possível história da maternidade, como ela foi construída em torno da naturalização do gênero feminino como o único capaz de maternar já que esse corpo é capaz de dar a vida. Pretendo analisar a maternidade que condicionou o corpo, a vida da mulher numa funcionalidade onde essas devem estar sempre disposta para atender o filho. E em troca como pagamento a mulher ganha reconhecimento e status de “boa mãe”. Então muito antes de ser mãe a mulher mesmo escolhendo a maternidade, a construção do maternar engessa a mulher ao serviço análago à escravidão em nome do filho e como pretendo reforçar que esse discurso da mãe que vive em prol dos filhos é recente e como esse foi usado para desvalorizar a mulher e sim para enaltecer a função de maternal algo muito importante para sociedade burguesa em ascensão a partir do século XIX. Observando os discursos médicos, religiosos e a participação do Estado para elaboração de sujeito mãe/mulher e seu vínculo tradicionalmente “instintivo”, natural e um mito criador, cuidador e em sua maioria provedor da criança. Diante de todos esses argumentos pretendo estudar como a mulher foi capturada pelos arranjos do material simbólico social, que leva nossos corpos e usa esses corpos para um processo de moldagem do que venha ser o materno ou o amor maternal que tudo suporta.

 

Palavras-Chave: Discurso; gênero; maternidade; corpo; trabalho; mídias sociais.

 

 

ST 5 – Reativando a complexidade: corporificando, localizando a saúde humana e planetária

Coordenação: Érica Renata de Souza (UFMG) - erica0407@gmail.com Marisol Marini (UNICAMP) - marisolmmarini@gmail.com

 

Buscamos reunir trabalhos atentos a um campo emergente nos estudos sociais da ciência, da tecnologia e da saúde que reúne humanidades médicas e humanidades ecológicas, bem como as discussões decoloniais, antirracistas, feministas e anticapacitistas que as acompanham. O propósito é discutir os rendimentos de teorias interessadas em problematizar o humano do centro da análise e dos interesses políticos, enfrentando a questão de que certos humanos estão excluídos desse centro. E se o adoecimento for abordado não a partir da saúde humana individual, mas assumindo a sua transcorporalidade (Alaimo)? Por que nossos corpos devem ter como limite a pele (Haraway)? O intuito é arriscar composições ou reuniões de abordagens e temáticas em torno da convergência entre saúde humana e planetária, questão que tem cada vez mais se revelado desafiadora e incontornável, como a pandemia de Covid-19 tornou patente. A nossa aposta é que, ao corporificar, ou seja, dar corpo, gênero, cor e lugar aos doentes, às vidas, terras, rios e florestas exploradas, talvez seja possível imaginar novas formas de imunidade, de resistência, de intervenções médicas e de cuidado. Buscamos reunir uma variedade de emaranhamentos entre corpos, paisagens, micro e macrobiotas, interconexões, intercâmbios, composições e decomposições.

 

 

Palavras-chave: ciência, corpo, saúde humana, saúde planetária.

 

 

Sessão 1 – 22/11 - Saúde humana, saúde planetária e políticas de imunidade global

 

1 Ciências da saúde e produção de mundo: uma leitura cosmopolítica

Pedro Rocha Correia Silva (Mestrando – USP), pedrorocha.cs@gmail.com

Danilo Silveira Seabra (Mestrando – USP), danilo.sseabra@usp.br  

Ricardo Rodrigues Teixeira (Doutor – USP), ricarte@usp.br  

 

Nos discursos que pretendem contribuir para a “humanização” dos cuidados em saúde, encontramos o diagnóstico de que a Medicina se orienta, em larga medida, por uma abordagem reducionista do processo saúde-doença. Essa abordagem consistiria em eleger o corpo biológico como objeto privilegiado de intervenção, negligenciando dimensões psicológicas e sociais do adoecimento. Neste trabalho, argumentamos que essa ideia dificulta perceber os modos pelos quais as práticas em saúde produzem as associações entre humanos e não-humanos de que são feitos os laços sociais; e limitam as possibilidades de compreender como a Medicina está implicada na constituição de formas de vida. Essa concepção pode ser repensada a partir de autores que problematizam a separação natureza/cultura, colocando em outros termos a relação tecnologia/sociedade e a própria ideia de humano. Levantamos a hipótese de que a Medicina não apenas desvenda o funcionamento do corpo biológico, mas contribui, a partir do tecnobiopoder (Haraway), para a produção desse ente supostamente natural. Métodos de pesquisa desenvolvidos no campo da antropologia das ciências podem contribuir para a compreensão desse processo, permitindo abrir as caixas-pretas da tecnociência (Latour) envolvidas em discursos e práticas de saúde. Esse esforço para tornar públicas as maneiras pelas quais as ciências da saúde estão engajadas na “produção de mundo” (worlding) pode renovar o horizonte de importantes lutas (cosmo)políticas de nosso tempo.

 

Palavras-chave: ciências da saúde, corpo, tecnologia.

 

 

2 Terapias e relações ecológicas: (re)pensando as ontologias da “saúde humana” em meio às crises socioambientais do desenvolvimentismo sustentável

Ítalo Cassimiro Costa (Doutorando – PPGAN/UFMG)

italocassimiro@gmail.com

 

Neste trabalho proponho um ensaio cujo objetivo é (re)pensar a articulação entre os desafios ecológicos contemporâneos e a concepção biomédica de saúde e bem-estar. Enquanto os Estado-nações, sobretudo aqueles chamados de “desenvolvidos” ou “em desenvolvimento”, discutem o conceito de “sustentabilidade”, “proteção ambiental” e suas fórmulas, tratados e acordos multilaterais, balanças comerciais, fundos econômicos e parcerias de desenvolvimento científico e tecnológico em torno da temática ambiental, outros agentes humanos e não-humanos se empenham para experimentar respostas alternativas às essas “crises” humanitárias e ambientais globalizadas. Essas são respostas que podem tratar, curar, aliviar, re-habilitar ou re-animar os corpos em apuros no meio dessa árdua articulação “local” e “planetária”. No entanto, elas se confluem de maneiras mais complexas nas experiências interespecíficas, e se caracterizam por uma disputa ontológica nas ciências modernas, entre cientistas da natureza e das humanidades. Desse modo, proponho observarmos como essas resoluções são convencionadas em torno das materialidades ecológicas. Para isso, resgato o conceito de terapias ecológicas produzido na minha dissertação de mestrado intitulada Rastros terapêuticos: técnicas da equoterapia e a (des)medicalização da vida. O conceito desenvolvido por mim na dissertação consiste em ampliar as noções de saúde e terapia através das experiências corporificadas e localizadas na zooterapia. A partir desse conceito, repenso sobre as invenções e as liminaridades que definem o que são “relações ecológicas” ou “relações terapêuticas” nas ciências da saúde. Nessa confluência de experiências ali corporificadas por humanos e não-humanos os processos de adoecimento ou tratamento são justificados através de perspectivas ecológicas e, ao mesmo tempo, terapêuticas, científicas, indicando quiçá o naturalismo do qual Eduardo Viveiros de Castro (2002) chamou atenção.

 

Palavras-chave: terapias; ecologia; ontologia; humano; não-humano; crise.

 

 

3 O corpo como planeta e o planeta como corpo: Biologia molecular planetária

Victor Secco (Pesquisador Associado - Universidade de Veneza Ca’ Foscari; Doutorando - Universidade de Manchester)

victor.secco@unive.it  

 

Esse trabalho explora etnograficamente pesquisas cientificas em laboratórios de biologia molecular que buscam conectar o corpo humano ao meio-ambiente através da análise metagenômica em microbiologia. Com o foco em microrganismos cientistas estão relacionando microbioma humano e ambiental com o use de técnicas e metodologias em comum em busca de uma biologia planetária a partir das moléculas de material genético. Focando em uma expedição cientifica na Europa esse trabalho propõe localizar a biologia planetária nos protocolos de coleta de amostras ambientais a fim de situar os dados da bioinformática que permite a correlação entre corpos e meio-ambiente. Que tipo de análise é possível a partir de certas formas de coletar amostras e relacionar dados e o que estas analises dizem sobre ideias sobre saúde. Procuro refletir sobre os modos pelo qual corpo humano e planeta são relacionados nesta pesquisa e pensar quais os desdobramentos em termos de saúde para além do humano. É possível se pensar sobre escalas planetárias em termos de moléculas? Como saúde emerge desse entrelaçamento de escalas, dados, contextos e corpos diversos?

 

Palavras-chave: microbioma, metagenomica, corpo e meio ambiente, amostras, bioinformatica.

 

 

4 Tecnologias de prolongamento da vida: uma aproximação da problemática do antropoceno ao campo de produção de aparatos médicos

Marisol Marini (UNICAMP)

marisolmmarini@gmail.com

 

Partindo do desenvolvimento de tecnologias de prolongamento da vida destinados a pacientes com insuficiência cardíaca avançada, o propósito é refletir sobre os desafios de lidar com a finitude da vida (humana) e as possíveis aproximações e entrecruzamentos com as crises climáticas e políticas. Assim como os ditos “recursos naturais” explorados e em risco, a saúde humana (especialmente de alguns humanos) encontra-se ameaçada pelo novo regime climático. A expectativa de aumento de doenças cardíacas apresenta dados destoantes: a previsão de aumento do número de casos atinge desigualmente populações no sul-global, onde as condições de vida e de trabalho são mais precárias. E mais recentemente, pesquisadores estabeleceram uma relação direta entre mudanças climáticas e aumento do número de mortes por doenças cardíacas.
Em diálogo com reflexões contemporâneas a respeito de extinções da mais diversas, da ameaça de fim de mundos e de existências, das políticas de extinção ou necropolíticas, o propósito é aproximar a problemática do antropoceno ao campo de produção de aparatos médicos desenhados como alternativa para os pacientes que se encontram no corredor da morte, considerando ambos como tecnologias de prolongamento da vida que incluem e demandam estratégias das mais diversas.

 

Palavras-chave: doenças cardíacas, ciência, tecnologia, biomedicina.

 

 

5 Da imunologia à mercadoria: o sistema imunológico global liderado pelos EUA e o sul global

Érico Perrela (Doutorando – PPGCT/IG/UNICAM)

erico.perrella@gmail.com  

 

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos e o Escritório do Diretor de Inteligência Nacional gastaram recentemente uma grande quantia de dinheiro incubando tecnologias relacionadas ao monitoramento de informações biológicas globais sobre todos os tipos de seres vivos naturais e artificiais, incluindo plantas, humanos, vírus, bactérias e mais. Através da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa e da Ação de Projetos de Pesquisa Avançada de Inteligência, várias dezenas de projetos de “biovigilância” e “biointeligência” foram incubados na última década. Um projeto exemplar é o Finding Engineering Linked Indicators da IARPA, executado de 2020 a 2023 e destinado a criar uma plataforma destinada a ser usada para catalogar e processar amostras de uma variedade de seres vivos, classificando-os como engenharia humana ou não. Tal sistema é apresentado oficialmente como parte de um “sistema imunológico global” que está sendo construído pelo governo dos EUA visando três objetivos públicos: a não proliferação de armas biológicas, o monitoramento de novas pandemias e a proteção da propriedade intelectual estadunidense em relação aos  organismos transgênicos ao redor do mundo. Este trabalho discute como a proteção dos interesses comerciais e políticos estadunidenses moldam o processo de criação desse sistema e quais são algumas das repercussões da institucionalização de uma polícia biológica global nos setores ambiental, agrícola e de saúde brasileiros. O trabalho é baseado em uma pesquisa de doutorado em andamento seguindo etnograficamente empresários, cientistas e documentos, contribuindo para o campo CTS como uma análise decolonial sobre as possíveis formas de execução e de organização da biotecnologia no sul global.


Palavras-chave: biovigilância, departamento de defesa, comunidade de inteligência dos EUA, etnografia de ciência e tecnologia, militarismo, sistema imunológico global.

 

 

Sessão 2 – 23/11 - Diferenças e desigualdades nas pesquisas e práticas biomédicas

 

1 É preciso racializar o cuidado?: Saúde, corpo e raça nas práticas e saberes

Médicos

William Rosa (Mestre e doutorando em Antropologia Social-PPGAS/Unicamp)

william.p.rosa@gmail.com  

 

Como produzir um cuidado atento às maneiras pelas quais as diferenças se materializam na vida? Quais seriam os seus efeitos para os eventos críticos que atravessam a saúde global? A partir do meu trabalho de campo em grupos de pesquisa sobre saúde da população negra e instituições de saúde, proponho refletir sobre a racialização do cuidado. No campo, os efeitos produzidos pela materialização da raça e do racismo nas práticas e saberes médicos, na produção do cuidado em saúde e nos corpos que o demandam são mobilizados, levados a sério e explicitam engajamentos particulares. Neste trabalho, concentro-me nas situações etnográficas em que esse tipo de cuidado específico é acionado e nas formas possíveis de constituí-lo. Além disso, buscarei mostrar como esses engajamentos explicitam que o “social” e o “biológico” precisam ser vistos como co-produzidos (Jasanoff, 2004), ou seja, estão mutuamente afetando-se, produzindo condições de saúde e adoecimento específicas. Tais engajamentos, ainda, denotam como eventos críticos adensam antigas fissuras, desigualdades e diferenças que historicamente estão entrelaçadas e moldam os coletivos. Dessa forma, parece-me que, ao levar a sério a presença e a ausência da raça e do racismo na saúde (M’Charek, 2013) e no cuidado (De La Bellacasa, 2017), torna-se possível elaborar estratégias que transbordam as dinâmicas locais de vida para múltiplas escalas, possibilitando a constituição de outras linhas de cuidado, intervenções, práticas e saberes médicos.

 

Palavras-chave: raça; saúde; cuidado; medicina.

 

 

2 Localidade, corporalidade e saúde: problematizando o lugar da diferença e da prevenção nas pesquisas biomédicas

Érica Renata de Souza (Professora Associada do Departamento de Antropologia e Arqueologia – Universidade Federal de Minas Gerais)

erica0407@gmail.com  

 

Minha pesquisa de pós-doutorado teve como preocupação investigar em que medida a produção científica sobre a doença de Alzheimer está atenta aos marcadores sociais diferença. Segundo a literatura médica da área, a doença de Alzheimer afeta mais mulheres do que homens, e a grande maioria dos estudos considera, entre os fatores de risco para o desenvolvimento do Alzheimer nas mulheres, a genética, os hormônios e, eventualmente, os fatores ambientais (Souza et al. 2022). Ao mesmo tempo, Annemarie Mol (2008) nos lembra que “se a medicina realizasse todos os desvios de maneira individualizada, muitas das diferenças biológicas ‘inegáveis’ entre os sexos simplesmente desapareceriam”. Se as pesquisas biomédicas, metodologicamente, precisam estabilizar seus sujeitos (Martin, 2021), como estabilizar sem essencializar, sem estereotipar? Leibing e Groisman (2004), numa etnografia no posto de saúde do morro da Mangueira sobre hipertensão entre mulheres mais velhas, perceberam como essas mulheres se situavam na sua localidade e no mundo através da sua doença, e como a localidade diz respeito a um espaço que define “a maneira como entendemos o mundo e adoecemos nele” (Leibing e Groisman, 2004, p. 296). Diante do exposto, essa comunicação pretende problematizar as controvérsias das pesquisas biomédicas, as quais têm desconsiderado a prevenção, justamente porque a prevenção diz respeito à maneira como nossa forma de nos relacionar com o mundo tem muito a dizer sobre as maneiras pelas quais adoecemos.

 

Palavras-chave: Doença de Alzheimer; demência; ciência; saúde.

 

 

3 O processo de adoecimento e terapêutica da fibrose cística em suas múltiplas dimensões

Lucas Nishida (Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Unicamp)

lucasnishida2@gmail.com  

 

Meu trabalho etnográfico consiste seguir um medicamento, o Trikafta, no processo que avalia a sua incorporação no SUS para tratamento de fibrose cística (FC). Inspirado pela proposta do ST, busquei refletir e definir essa condição de saúde e sua terapêutica, a partir de suas múltiplas dimensões e relações. Um primeiro pensamento, informado pela minha graduação em biomedicina, talvez seria definir a condição de saúde em termos de genes, mutações e sintomas. E o Trikafta, um tratamento promissor segundo testes clínicos, seria uma combinação de três moléculas capazes de modular a função da proteína mutada e reverter a progressão da doença. Etnograficamente, porém, eu seria levado a considerar como as próprias pessoas com FC e seus familiares definem e expressam suas condições de saúde e o processo terapêutico. A partir das tosses noturnas, antes incessantes, que deixaram de existir; da expectoração, que preenchia um copo inteiro e agora é quase ausente; da redução da carga de cuidado das mães, a grande maioria das principais cuidadoras; dos planejamentos a longo prazo que adolescentes com FC passaram a poder fazer. Transitando entre escalas, o processo de avaliação tecnológica e de negociação do preço revela ainda as dimensões do ativismo das associações; das dinâmicas raciais de uma doença de maior prevalência em populações europeias; das desigualdades globais no acesso ao tratamento; e da lógica da indústria farmacêutica de medicamentos de alto custo. O desafio colocado na proposta do ST produz um entendimento do adoecimento e da terapêutica múltiplo e complexo, que vai além do corpo em termos biomédicos, e é também econômico, racial e de gênero.

 

Palavras-chave: avaliação tecnológica em saúde, adoecimento, processo terapêutico, participação pública.

 

 

4 Linhas de cuidado para o uso de silicone líquido industrial entre travestis e mulheres transexuais: o que dizem as/os profissionais de saúde?

Aureliano Lopes da Silva Junior (Professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ)

aurelianolopes@gmail.com

Letícia Barcellos Castelar Vieira (Mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRRJ)

lbarcellosc@gmail.com

 

O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa “O uso de silicone líquido industrial entre travestis e mulheres transexuais: linhas de cuidado para atendimento na saúde pública brasileira”, aprovada pela CONEP sob o CAEE nº 50832621.5.0000.5260, e pretende uma reflexão acerca dos protocolos de atendimento clínico e propostas terapêuticas a travestis e mulheres transexuais que possuem o chamado silicone líquido industrial em seus corpos, objetivando a construção de linhas cuidado para a atenção integral à sua saúde. Este recorte se deve a trabalhos de campo e diversos estudos acadêmicos que tanto afirmam o recorrente uso de silicone líquido industrial pela população trans feminina brasileira como também descrevem certo não-saber e deslegitimação do campo biomédico acerca desta tecnologia de gênero, que se faz como uma co-produção humano-não humano desde fora da oficialidade biomédica. Utilizando-nos do método da cartografia aplicada à Saúde Coletiva, realizamos entrevistas com profissionais de saúde diversos que atendem diretamente a população trans em instituições de referência (como institutos estaduais e universitárias e/ou de pesquisa) e dispositivos da atenção básica específicos que tradicionalmente possuem grande adesão da população trans na região metropolitana do Rio de Janeiro. Os resultados nos mostraram que o tema do silicone líquido industrial dentre a população transgênero, bem como demais temas relacionados às modificações corporais e construção do gênero desta população, encontram-se pouco presente no âmbito biomédico, estando ausente da formação médica e não sendo passível de ser plena e eticamente enunciado nos termos do cuidado nos serviços de saúde, a não ser quando há casos emergenciais de grande agravo e iminente risco de morte. Apesar disso, encontramos relatos de discriminação contra este grupo e esforços institucionais para acolhê-las nos serviços de saúde, ainda que de forma insuficiente às suas reais demandas por cuidado integral, mas que têm promovido algumas movimentações e fissuras em prol do cuidado à tal coletivo.

 

Palavras-chave: Serviços de Saúde para Pessoas Transgênero; Integralidade em Saúde; Cirurgia plástica; Silicone; Minorias sexuais e de gênero.

 

 

Sessão 3 – 24/11 - Impactos da COVID-19 em corpos e narrativas e o risco de novas epidemias

 

1 EU-PISTEMOLOGIA, GENERALIZAÇÃO E PÓS-VERDADE: um estudo do pânico moral em torno das vacinas contra Covid-19 a partir de narrativas publicadas em mídias digitais

Thiago Camargo Barreto (Doutorando em Antropologia Social - PPGAn/UFMG)

thiagocamargobarreto@outlook.com  

 

Não foram poucas as narrativas construídas e disseminadas via plataformas de mídias digitais sobre as distintas vacinas contra Covid-19 disponíveis para imunização no Brasil através do Sistema Único de Saúde. Muitas delas com informações falsas – fake news – ou distorcidas e que visavam “alertar” quanto aos supostos “perigos” dos imunizantes. De acordo com relatório da Reuters Institute for the Study of Journalism (Institute, 2016), 72% dos brasileiros que usam a internet para se informar sobre notícias em sua vida cotidiana acessam o noticiário através de plataformas de redes sociais, ou, como prefiro nomeá-las, mídias digitais. Dentre as mais acessadas, estão o Facebook e o Twitter. A partir de buscas nestas duas plataformas por notícias com grande volume de acesso nas páginas oficiais de grandes jornais já consolidados nacionalmente que tematizaram a vacinação contra a Covid-19, foi comum encontrar usuários se  questionando o “por quê” de muitos serem contra a imunização. Partindo de narrativas contrárias às vacinas encontradas em muitos comentários públicos nessas publicações, busquei compreender não as razões, mas “como” tais posicionamentos compareceram nas páginas dos referidos canais de informação. O objetivo foi mapear algumas das reverberações destas controvérsias sociais a partir de duas categorias analíticas sugestionadas pela antropóloga Letícia Cesarino (2021, 2022), ‘eu-pistemologia’ e ‘pós-verdade’, e explorar os nexos acionados pelos usuários. Entendo que tal empreendimento pode nos ajudar a (re)pensar como elementos morais, de experiência pessoal e de sentidos imediatos comparecem junto a informações factuais e descontextualizadas no que tem sido chamado de “crise do sistema de peritos”.

 

Palavras-chave: Narrativas científicas; Pós-verdade; Fake News.

 

 

2 O risco de novas epidemias nos nexos entre humano, animal e meio ambiente

João Miguel Diógenes de Araújo Lima (Doutorando em Sociologia – Universidade de Brasília)

jmlimabr@gmail.com  

 

Surtos e emergências sanitárias ocorridos nas últimas décadas, como a gripe suína e a COVID-19, têm suas origens atribuídas a um contato próximo entre humanos e animais. Sob a influência de fatores epidemiológicos e ecológicos, há um “spillover”, um transbordamento zoonótico que faz um patógeno saltar de um não humano para um humano, provocando doenças. Desde antes da pandemia de COVID-19, estudos indicam o potencial de surgir no Brasil novas emergências sanitárias com potencial epidêmico, principalmente nas frentes de desmatamento, de avanço extrativista e nas fronteiras agropecuárias. Nessas frentes, há encontros interespécies inesperados que bagunçam o equilíbrio ecológico e produzem riscos socioambientais, acentuando o quadro de mudanças climáticas já em curso. No entanto, ao invés de um enfoque exclusivo em seres humanos, torna-se imperativo considerar as relações de influência mútua entre meio ambiente, saúde humana e saúde animal, tal como preconizado pela abordagem de Saúde Única (One Health). A pesquisa transita na interface entre os estudos sociais da ciência e da tecnologia e a saúde com o objetivo de conhecer as estratégias de cálculo de risco de transbordamento zoonótico no Brasil e das novas epidemias. O consumo humano da carne de espécies animais que vivem na natureza, por exemplo, é a corporificação mais orgânica do risco à saúde planetária e aos futuros.

 

Palavras-chave: pandemia; riscos socioambientais; saúde única; saúde planetária; encontros interespécies.

 

 

3 A Covid-19 experienciada no corpo: estudo antropológico sobre experiências de adoecimento pela Covid-19, narradas por mulheres residentes na região nordeste do Brasil

Geissy dos Reis Ferreira de Oliveira (Doutoranda em Antropologia PPGA/UFPB)

geissykreis@gmail.com

 

Mónica Lourdes Franch Gutierrez (Profª Drª DCS, PPGS, PPGA/UFPB)

monicafranchg@gmail.com  

 

A pandemia da covid-19, ao longo de seu trajeto espaço temporal, vê-se enredada às múltiplas condições socioculturais das distintas localidades e grupos humanos que atinge, como diversos estudos vêm apontando. Tais contextos nos dão elementos para que possamos significá-la, assim como produzem condições em meio às quais a pandemia é vivenciada. A longeva atribuição do cuidado às mulheres acaba por engendrar formas de viver e de adoecer em meio à pandemia, que merecem ser percebidas, além de encaradas, também, como questões de saúde pública. O objetivo deste trabalho está em apresentar e alinhavar as experiências de adoecimento por covid-19 das interlocutoras de pesquisa à condição de experiência pública da pandemia, em diálogo com a histórica produção do gênero, agenciando um lugar de pertencimento subalterno às mulheres. Nos propomos a apresentar a vivência em pandemia e de adoecimento por covid-19 de Ruanna e Amanda, mulheres componente das classes médias urbanas, com ensino superior completo. Neste trabalho acerca das vivências das interlocutoras, vivências que acessamos a partir da feitura de uma pesquisa antropológica qualitativa com base em entrevistas, questões como o diagnóstico, os itinerários, os riscos, as sequelas e as sensações no corpo, são aqui postas em diálogo com narrativas antropológicas de escopo feminista e da antropologia da saúde, em que críticas são endereçadas ao saber/fazer biomédico e seu pretenso monopólio sobre processos de saúde e doença.

 

Palavras-chave: Mulheres; Covid-19; Adoecimento; Gênero; Cuidado; Corpo.

 

 

4 Estudo antropológico sobre a relação entre trabalhadores da saúde e a morte por covid19

Eládio Fernandes de Carvalho Junior (Doutorando PPGAS – UFG)

efcjr@hotmail.com  

 

A pandemia da covid19 e seus mais de 700 mil mortos deixou um legado devastador na memória dos trabalhadores da saúde, dessa forma procuro narrar suas percepções pois tiveram que lidar diretamente ou não, com os pacientes vitimados pela doença. Esses trabalhadores receberam a alcunha de heróis pela sociedade e tiveram sua formação, em um regime de verdades ao qual o biopoder circunscreve e onde a morte tem uma íntima relação com o fracasso profissional, e não como algo próprio da vida. O resgate dessas memórias, envolve sentimentos, alegrias e tristezas vivenciadas dentro das unidades de saúde e toda sua bagagem epistemológica quando tiveram que lidar com a morte e o luto de pacientes, colegas de trabalho e familiares. Trago também minha experiência como trabalhador da saúde ao etnografar o espaço de uma UTI covid19, apresentando antropologicamente o dia a dia desses trabalhadores, além de depoimentos de pacientes que sobreviveram à doença e que foram cuidados por eles. Outro ponto chave no resgate dessas memórias foram as entrevistas com esses profissionais, o que enriqueceu minha experiência como antropólogo, demonstrando que trabalhar com memórias é um processo difícil, doloroso e lento principalmente para o interlocutor, que nem sempre estava disponível para esse resgate.

 

Palavras-chave: Trabalhador, saúde, covid19, UTI e morte.

 

 

5 Notas sobre os itinerários terapêuticos da PrEP no Youtube

Mayllon Lyggon de Sousa Oliveira (Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás) mayllon.lyggon@gmail.com

 

Ainda vivemos uma epidemia concentrada de HIV, principalmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH), trabalhadores/as do sexo, pessoas trans e usuários de drogas injetáveis (UNAIDS, 2017). O número de novos casos de HIV aumentou de 13.719 em 2011 para 40.880 em 2021 (BRASIL, 2022), e é preocupante observar a juvenilização das infecções, que representaram 44,1% das novas detecções em 2021. Além disso, entre 2011 e 2021, 52.513 jovens vivendo com HIV, com idades entre 15 e 24 anos, evoluíram para aids (BRASIL, 2022, p. 9). Atualmente, as redes sociais desempenham um importante papel no conhecimento e conscientização em saúde. Considerando esse cenário, este trabalho tem como objetivo analisar enunciados presentes nos vídeos testemunhais – em que os usuários contam sobre as suas próprias experiências – sobre a PrEP publicados no Youtube em português entre 2017 e 2023. A PrEP é a combinação de dois antirretrovirais (o tenofovir e emtricitabina) e foi implementado e incorporado no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2017 e atualmente disponível para pessoas maiores de 15 anos e com peso corporal superior a 35kgs. A coleta dos vídeos será feita utilizando a plataforma Youtube Data Tools e a análise segundo a partir das perspectivas da análise do discurso foucaultiana. O objetivo é compreender os itinerários terapêuticos dos usuários da profilaxia, principalmente no contexto das mídias sociais.

Palavras-chave: PrEP. Youtube. Juventude. Itinerários terapêuticos.

 

6 (Bio)medicalização e doenças raras: uma análise sobre o nascimento da categoria

Manuela Ribeiro Cirigliano (Doutoranda em Política Científica e Tecnológica, UNICAMP)

m067784@dac.unicamp.br

 

As “doenças raras” enquanto público-alvo de políticas públicas nascem nos Estados Unidos com a aprovação do Orphan Drug Act, legislação de incentivo à produção de fármacos destinados a doenças raras que se tornou um modelo para a formulação de legislações similares pelo mundo e cujo processo de construção inspirou a organização de movimentos sociais internacionalmente. Construído ao longo da década de 1970 e aprovado no início da década de 1980, o Orphan Drug Act encontra como contexto tanto o processo de medicalização do país como o advento da biomedicalização, que por sua vez surgem em uma cultura orientada pela tendência à individualização de problemas sociais através de soluções biotecnológicas. O objetivo deste trabalho é analisar as implicações para a categoria “doenças raras” do contexto (bio)medicalizante existente em sua origem. Para tanto, orienta-se pela teoria da biomedicalização e fundamenta-se em pesquisa bibliográfica orientada por três eixos: estudos sobre (bio)medicalização de doenças raras; estudos históricos sobre o surgimento da (bio)medicalização nos Estados Unidos; e estudos de coprodução de Sheila Jasanoff sobre o ambiente biotecnológico estadunidense do período. Espera-se, com este trabalho, contribuir com maior conhecimento sobre a influência da (bio)medicalização em aspectos estruturais da categoria doenças raras.

 

Palavras-chave: medicalização, biomedicalização, doenças raras, Orphan Drug Act.

 

 

ST 6 - Tecnociência, Antropologia e Cognição: ampliando debates - CANCELADO Coordenação: Cíntia Engel (UnB) - cintiaengel@gmail.com  Helena Fietz (Rice University, Houston, EUA) - helenafietz@gmail.com Pedro Lopes (UFRJ) - pedrrolopes@gmail.com

 

Na última década, o campo de estudos da deficiência no Brasil tem contado com um crescente número de pesquisas em diálogo próximo com a antropologia da ciência e tecnologia e seus problemas teóricos e etnográficos, tendo em conta, por exemplo, um corpo expandido associado a tecnologias, arquiteturas e fluxos de apoio que podem tanto servir de infraestrutura de acesso equitativo ao mundo ou impedir tal acesso, intensificando a experiência da deficiência. Contudo, se tais estudos cresceram no campo das deficiências motoras e/ou sensoriais, o mesmo não pode ser dito sobre questões referentes à cognição. Ao nos dedicarmos a essa categoria, nossa expectativa é estreitar diálogos entre diferentes campos, entre eles o da deficiência, do envelhecimento, das aprendizagens, aprimoramentos e da saúde mental em suas intersecções com saberes e práticas científicas e tecnológicas, a fim de exercitarmos suas aproximações e diferenças na lida com apoios, impedimentos, terapias e infraestruturas relativas às perdas e reabilitações da cognição, seu treinamento ou ainda expansão. Convidamos, então, pesquisadoras e pesquisadores que se interessem em abrir tais interlocuções, pensar junto e apresentar etnografias, relatos de experiências, autoetnografias e escritas de si, sistematizações bibliográficas ou ensaios teóricos-poéticos.

 

Palavras-chave: Tecnociência; Cognição; Deficiência; Aprimoramento.

 

 

ST 7 - Nós-Mulheres e o saber-fazer antropológico

Coordenação: Luciene de Oliveira Dias (PPGAS/UFG) - luciene_dias@ufg.br  

Ralyanara Moreira Freire (Unicamp) - ralyanara@gmail.com

 

A forma como nós, mulheres, constituímos o saber-fazer antropológico é marcado por uma permanência em fazer dialogar diferentes éticas, estéticas, ecologias e modos de vivenciar o perigo. Habitando mundos em ruínas e, aos moldes de muitos outros seres, criamos sucessivas estratégias de adaptação e resiliência colocando-nos perigosamente à frente de trincheiras. A partir de tal posicionamento interessado diante da vida, gestamos nossas tecnologias de gênero. A ruptura é uma de nossas marcas quando investimos em epistemologias e processos de teorização. Mulheres lésbicas, mães, pretas, indígenas, sem-teto, do campo, das águas, das sementes e das cidades, de Abya Yala ou encarceradas, literatas ou condicionadas, buscamos e fazemos ciências, imagens, imaginários, artes e tecnologias a partir do perigo que nos ronda cotidianamente. O medo é um de nossos contornos que impregna nossas decisões, desde um esconder-nos até um despir-nos completamente. De fato, identificamo-nos a nós e os nossos nós e construímos laços. Como estamos fazendo ciência e tecnologia no mundo é uma das perguntas motrizes que orientam a busca nesse Seminário Temático. Dessa forma, interessam-nos discussões e proposições sobre como nós, mulheres, vivenciamos nossos nós e tecnologias de gêneros, corpos, sexualidades, afetividades, saberes e fazeres na construção de uma ciência posicionada em afirmar nossas existências.

 

Palavras-Chave: Mulheres; Tecnologias de Gênero; Antropologia do Saber.

 

 

Sessão 1 - 22/11 - 9h00 às 12h30

 

1 Antropologia Posicionada: Saber-fazer ciência e tecnologia por/para/com mulheres

Luciene de Oliveira Dias (Docente do PPGAS/FCS/UFG)

luciene_dias@ufg.br

Ralyanara Moreira Freire (Docente Ciranda da Arte – Goiás)

ralyanara@gmail.com

 

Desde as primeiras investidas etnográficas que as pesquisas em Antropologia espelham o enfrentamento do vazio provocado pela ausência de mulheres em todas as fases e lugares da produção nesse campo do conhecimento. Tal vácuo é notado em aspectos como as linguagens, as metodologias e as teorias que concernem ao campo de conhecimento. Quando identificadas, é recorrente que as mulheres ocupem lugares limitantes, como o de pesquisadas ou o de quem apresenta uma produção pouco visibilizada a partir de suas especificidades. Dessa forma, o presente artigo evidencia como mulheres geram o saber-fazer antropológico como estratégia para repensar o próprio saber-fazer. O pressuposto inicial é de que a condição de mulheridade demarca a própria Antropologia e pode reorientar essa ciência, o que equivale afirmar que as tecnologias adotadas, bem como as metodologias aplicadas, são impregnadas pela condição de quem agencia os saberes. Em termos metodológicos, para alcançar um panorama do saber-fazer antropológico com a especificidade das mulheres são utilizadas aqui a pesquisa bibliográfica e pequenos relatos de experiência, sinalizando para a necessidade de uma etnografia do fazer antropológico.

 

Palavras-Chave: Fazer antropológico; Ciência; Tecnologia; Mulheres.

 

 

2 Eita que a neguinha quer ser antropóloga: notas de aproximação com o saber-fazer antropológico

Kamilla Santos da Silva (PPGAS-UFG)

kamilla_ss@yahoo.com.br

 

O presente artigo traz reflexões iniciais de uma mulher negra estudante de doutorado em Antropologia Social na Universidade Federal de Goiás (PPGAS/UFG). A autora é graduada em Serviço Social e possui mestrado em Direitos Humanos. No doutorado a pesquisadora se aproxima de forma mais intensa do conjunto de habilidades e métodos específicos usados por antropólogas para conduzir uma pesquisa e entender como operam os grupos humanos, a partir de suas relações sociais estabelecidas. À vista disso, o texto busca acionar teorias, conceitos e percepções relevantes para discutir o saber e o fazer, ou o saber/fazer no sentido de que tudo está imbricado no viver, antropológico de mulheres negras antropólogas. Para alcançar tais resultados serão mobilizadas categorias como gênero e raça na busca de se fazer ciência na antropologia, além de relatos de experiência. Com isso pretende refletir e discutir como mulheres negras podem e vivenciam o saber/fazer antropológico ao passo que reafirmam suas existências em um movimento categorizado como antirracismo.

 

Palavras-Chave: Mulher Negra; Antirracismo; Antropologia do saber.

 

 

3 Perigo morto(?) cientistas vivas: impasses da investigação sobre suicídios masculinos

Marília Cintra (FCM-UNICAMP)

mariliacintra.sc2@gmail.com

Juliana Luporini do Nascimento (FCM-UNICAMP)

jlupo.unicamp@br

 

Este é um resumo de um ensaio que objetiva expressar as reflexões e problematizações de duas cientistas sociais sobre uma produção científica que tivera como tema de investigação a análise da perfortatividade de gênero em casos de suicídio masculino onde a crise ou o término da relação amorosa pode ser compreenendida enquanto um “gatilho” central nos óbitos em questão. Este é o cenário de grandes atravessamentos, nos permitimos observar e sentir as fricções entre o exercício de nosso ofício de cientistas sociais e as primazias éticas tensionados pelas próprias dinâmicas patriarcais e machistas as quais nós também somos submetidas. O masculino suicidado que, majoritariamente conta com um histórico de conduta abusiva na relação conjugal, outrora era a expressão inquestionável do perigo iminente, passa a ser, como pressuposto científico, submetido ao papel de objeto do estudo. No entanto, diante destes casos, em que este perigo masculino se autoneutralizou ainda sim segue como representação de tal perigo e portanto nos incomoda e nos paralisa. Neste sentido, fazemos uso deste espaço para dialogar e refletir sobre os desafios que são produzidos em decorrência de uma guinada epistemológica na qual propõe a alteração de lugares entre o que é tido como sujeito e objeto aos termos de bell hooks.

 

Palavras-Chave: Epistemologia Feminista; Suicídios Masculinos; Relacionamento Abusivo; Masculinidades;

 

 

4 Uma tentativa de ecologia das práticas na ginecologia natural: os encontros e rupturas de uma médica ao investir em uma medicina para as mulheres

Mayra Nascimento Fonseca (Universidade de Barcelona)

mayra@mayrafonseca.com.br

 

O ensaio retoma trechos de uma entrevista realizada em 2023 com a Dra. Debora Rosa, médica brasileira especialista com reconhecida atuação em ginecologia natural, para discutir os motivos que atualmente delimitam quando um conhecimento é nomeado como ciência válida e quando é nomeado como curanderia ou crendice sem valor, nos atendimentos relacionados à saúde da mulher. Em sua atuação profissional clínica e acadêmica, Dra. Debora Rosa menciona antibióticos, banhos de ervas, cirurgias e vaporizações do útero como procedimentos que têm o mesmo nível de importância. Ela retoma a ciência dos homens brancos, o conhecimento das mulheres de cor, a sabedoria das plantas e ervas. Equipara protocolos da medicina formal às receitas oriundas dos saberes localizados de mulheres afro indígenas. Tudo isso gera uma conduta, uma ecologia de práticas, ainda pouco frequente na ginecologia brasileira. Um trabalho que atrai cada vez mais adesão de mulheres e críticas dos conselhos dos profissionais de saúde que ainda não reconhecem a ginecologia natural como uma especialidade médica.

 

Palavras-Chave: Ciência; Ecologia das práticas; Saberes localizados; Mulheres de cor; Ginecologia natural; Tecnologias de gênero.

 

 

5 Percorrendo trieiros - a nometodologia e a pesquisa com mulheres negras

Renata Rosa Franco (PPGPC-UFG)

renata_rosa@discente.ufg.br

Tatiana Maria de Moura (PPGPC-UFG)

tatiana_moura@discente.ufg.br

 

Pesquisar é seguir rastros do que está e do que não está, é escutar o dito e o não dito das palavras, é perscrutar o vestígio que promove uma ruptura do tempo-espaço, é seguir um trieiro, no sentido do duplo processo que a palavra traz em si: a criação de um caminho e o ato de percorrê-lo. Pesquisar as mulheres negras no Brasil de hoje é atravessar trieiros que mostram

pegadas que vêm de longe e pés que continuam caminhando, apesar das tentativas de apagamento histórico, cultural, de corpos e saberes. Por meio dessas mulheres é possível visibilizar diferentes repertórios identitários, tradições, estéticas, éticas, ecologia, organização política e social. Portanto, o nosso interesse consiste em colocar em foco pesquisas que reconhecem, valorizam e pluralizam autorias, isto é conhecimentos produzidos de outros lugares, às margens do hegemônico. Para tanto, partimos do pressuposto da Nometodología ou Não-metodologia (HABER, 2011) que nos sugere seguir as possibilidades que o caminho esquece, que o protocolo obstrui, que o método reprime. Trata-se de um caminho responsável por contestar as construções hegemônicas acerca dos modos de se fazer pesquisa, nos sensibiliza para uma racionalidade que contempla nossas vivências, sensibilidades, afetos e posicionamentos políticos, sendo uma condição necessária para diversas formas de existir e resistir como mulheres.

 

Palavras-Chave: Mulheres negras; Não-metodologia; resistências.

 

 

6 A autorrepresentação de mulheres como prática fotográfica: uma etnografia visual da cena contemporânea em Maceió/AL

Tayná Almeida de Paula (PPGAS-UNICAMP)

t253202@dac.unicamp.br

 

Esta etnografia visual nasceu da experiência de pesquisa de mestrado com as autorrepresentações fotográficas de mulheres na cena contemporânea em Maceió, Alagoas. Movida pelo reconhecimento de assimetrias de gênero no campo da fotografia, categoria na qual também estou inserida enquanto fotógrafa, investiguei como as autorrepresentações de mulheres produzem “fraturas” na fotografia dominante, caracterizada por historicamente operar em detrimento das “mulheres fotógrafas” e das “mulheres fotografadas”. Considerando o movimento de mulheres que por iniciativas individuais ou coletivas vem contestando a produção masculina dominante, a pesquisa aconteceu com Amanda Bambu, Gabi Coêlho, Laryssa Andrade e Natie Paz, fotógrafas que contribuem para a recriação de visualidades na cena local, além do Punho – Coletivo Alagoano de Mulheres da Imagem, que contribui para pensar o ativismo emergente de fotógrafas na cidade de Maceió. Ainda, tendo em vista o contexto de enfrentamento à pandemia da Covid-19 e a impossibilidade de “estar lá”, apresento impulsos criativos que emergiram do gesto artístico de aprender na prática com as parceiras de pesquisa a como me autorrepresentar fotograficamente – uma experiência com afeto e educação em campo, provocativa de novas tendências na antropologia e na arte visual. Nesse sentido, por meio da objetividade feminista, da consciência mestiça e da autodefinição no fazer antropológico, esboço uma experiência posicionada na qual as fronteiras entre racionalidade científica e emoção, sujeito e objeto, arte e ciência são postas em questão.

 

Palavras-Chave: Aprender na prática; Arte; Autorrepresentação; Fotografia; Feminismos; Gênero.

 

 

Sessão 2 - 23/11 - 9h00 às 12h30

 

1 Existe uma forma feminista de se fazer ciência? Especificidades e resultados da Ciência do Zika

Caroline Pinheiro Damazio Franklin (UnB)

carolpinh@gmail.com

 

Entre 2015 e 2016, uma epidemia com consequências desconhecidas perturbava o Brasil, principalmente o nordeste. O Zika Vírus, arbovirose transmitida através do mosquito da dengue, trouxe uma consequência irreversível para as crianças que estavam sendo gestadas por mulheres que se infectaram: a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV). Com o nascimento dessas crianças, a presença feminina nos cuidados se sobressaiu tanto nas clínicas e hospitais, quanto na bancada e dentro de casa (Lustosa, 2020). Tanto as mães das crianças com SCZV, quanto as profissionais de saúde (médicas, enfermeiras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais) e cientistas foram agentes centrais na jornada para compreender a síndrome e oferecer qualidade de vida às crianças afetadas. Com a predominância feminina na Ciência do Zika, foram observadas especificidades na ciência pensada e produzida por mulheres das mais diversas áreas, pontos que se contrapunham à ciência “tradicional”, feita por homens. O trabalho se baseia em entrevistas realizadas durante o campo que fiz em Recife, onde conversei com algumas das muitas mulheres que moldaram a forma de fazer ciência para melhor abranger duas minorias que estavam ainda mais fragilizadas: as crianças com microcefalia e suas mães. Desde a descoberta da causa da síndrome à liberdade da expressão emocional no trabalho, foram as mulheres que protagonizaram inovações e mudanças na Ciência do Zika. Afinal, toda epidemia é marcada por questões de gênero (Pimenta, 2020).

 

Palavras-chave: mulher; ciência; cientistas; Zika Vírus.

 

 

2 As galerias abertas, o palco, a poesia e outras linguagens artísticas como possibilidades de (re)existência

Danila Laiana da Silva Mello (PPGPC-UFG)

daniletras@discente.ufg.br

 

Nesta comunicação, busca-se descrever práticas corporais, reminiscências sensíveis e ressignificações da percepção de si e do mundo, refletindo sobre jornadas de (re)existência de mulheres por meio de vivências artístico-culturais pós-pandêmicas, em um movimento tanto centrípeto (do mundo externo sobre a interioridade) quanto centrífugo (da subjetividade sobre o espaço). Faz-se, assim, um relato que encontra as contribuições teóricas de mulheres como bell hooks (2013) sobre práticas culturais e sociais que descrevem suas vivências. Reflete-se, nesse sentido, sobre a importância das diversas vozes que se manifestam nos palcos, na poesia ou nas galerias abertas para a preservação da pluralidade e a democratização de acesso à arte, direcionada tanto à fruição quanto à formação de repertório cultural. Propõe-se, portanto, um exercício que abraça a natureza transitória de movimentos do corpo, do som de versos, vozes e cores que revelam a história de presença das mulheres em espaços de aprendizagem e de produção cultural, abordando experiências, memórias e anseios para a efetivação de direitos individuais e coletivos.

 

Palavras-Chave: Performances Culturais; (re)existências; fruição; formação; manifestações culturais.

 

 

3 Mulheres fortes nos filmes: Pirinop: meu primeiro contato (2007), Virou Brasil (2019) e Nũhũ yagmũ yog ham: Essa terra é nossa! (2020)

Elisa Cristina de Oliveira Rezende Quintero (PPGCOM-UFMG)

rezende.elisa@gmail.com

 

Para o povo Tikmũ’ũn, mulheres fortes são aquelas conhecedoras não somente dos cantos e rituais, mas das práticas cotidianas de cuidado e cura. Saberes adquiridos que exigem tempo, escuta e espera. Assim como o barro pede uma reverência, o movimento apropriado das mãos, a palavra certa, a atenção na coleta para que dê uma boa panela, também a embaúba pede um olhar cuidadoso na escolha da árvore, a licença das formigas, a habilidade precisa na retirada das fibras, o jeito adequado de sentar para enrolar as linhas e mãos hábeis nas tramas para uma boa tecelagem. Barro e fibras transformados em peças utilitárias mantém o espírito da terra e das árvores (seres encantados) que pode ser ativado pelas mulheres fortes numa ação

terapêutica. Trata-se de um conhecimento engendrado ao longo da vida, na convivência intergeracional, na sociabilidade entre mulheres, na produção dos alimentos e dos utensílios, na maternagem, nos rituais do dia a dia da comunidade e na relação com os yãmĩyxop. Ou seja, resultado de múltiplas interações entre seres humanos e outros que humanos, próprias de seu modo de vida ligado à terra e aos povos-espíritos. A sabedoria destas mulheres é convocada nas tomadas de decisão tanto em questões domésticas quanto estratégicas da comunidade. Embora o conceito seja próprio dos Tikmũ’ũn/Maxakali, convoco-o para pensar a presença de três mulheres, em três filmes indígenas, pertencentes a distintas etnias, originariamente nômades: Ayré Ikpeng, Amỹ Paranawãja Awá-Guajá e D. Delcida Maxakali. A presença das mulheres fortes faz reverberar nas imagens as relações inextrincáveis que estabelecem com os seres-terra, ratificando o elo que produz seus modos de existência.

 

Palavras-Chave: Mulheres-fortes; cinema indígena; seres-terra.

 

 

4 A essencialização do cuidado como esfera privada do fazer feminino

Lana Lins Barreto de Godoy (PPGE-UFG)

lanagodoy@discente.ufg.br

Maria Izabel Machado (FE-UFG)

mariaizabelmachado@ufg.br

 

O presente trabalho tem como objetivo analisar sobre a essencialização do cuidado partindo da esfera do privado como algo do fazer feminino dentro de uma aproximação com o feminino e o natural, pertencente a natureza e não como uma habilidade desenvolvida. Se percebe o cuidado em diferentes áreas, seja na maternidade, no trabalho doméstico ou até mesmo em cuidar de um familiar doente, em ambas situações não é apenas algo orgânico. O artigo parte do pressuposto de cuidado como atividade exercida em grande maioria por mulheres originando-se de um determinismo biológico. O projeto busca evidenciar como o cuidado não parte de uma definição ou componente do trabalho quando exercido por mulheres, configurando-se e mantendo-se dentro de uma esfera privada, quando deveríamos buscar uma política assistencialista enquadrando o cuidado como categoria do trabalho mais especificamente dentro das políticas públicas. A nossa reflexão busca considerar como as relações de poder vão posicionar as mulheres, hierarquizando-as em posições fixas e subalternas onde o trabalho não-remunerado e a responsabilização pela afetividade consequentemente perpetua as desigualdades de gênero.

 

Palavras-Chave: Mulheres; Cuidado; Trabalho; Natural; Gênero.

 

 

5 Etnografia Visual: Maternidades e mobilidades

Lenara Paes Dias Pereira (UNIVASF)

lenara.dias@discente.univasf.edu.br

Francisco Bruno de Sousa e Silva (UNIVASF)

francisco.bruno@discente.univasf.edu.br

Anne G. S. Santos (UNIVASF)

anne.ssantos@discenteunivasf.edu.br

 

O trabalho que se propõe pelo trio de graduandos do quarto período do Curso de Antropologia: Lenara Paes Dias Pereira, Anne Gonçalves Silva dos Santos e Francisco Bruno de Souza, trata-se de um relatório resultante de uma atividade etnográfica visual, realizada pelo trio de discentes no semestre de 2022.1, na disciplina de Antropologia Urbana. O projeto adota uma perspectiva antropológica, tendo como escopo o protagonismo feminino, a maternidade e suas práticas de cuidado no trânsito de São Raimundo Nonato. Neste contexto, por meio de motocicletas, as mães realizam o transporte de um ou mais filhos durante o trajeto escolar. Portanto, a apresentação deste relatório se compromete com a exposição de dados referentes às questões de segurança no trânsito de acordo com o CTB (código de trânsito brasileiro) relacionados com atos de descumprimento de determinadas normas básicas de segurança no trânsito em geral. Ainda, este documento questiona a ausência de transportes escolares que atendem a faixa etária da educação infantil, enquanto procura analisar as condições de vulnerabilidade enfrentadas pelas mães e crianças no cotidiano do tráfego nas vias de São Raimundo Nonato e as práticas de cuidado envolvidas, o conhecimento subjetivo da maternidade que é capaz de driblar os perigos, evidenciando também as redes de apoio construídas por essas mães que se arriscam todos os dias construindo essa cuidado que vai além da academia mas que intriga a academia.

 

Palavras-Chave: práticas do cuidado; maternidade; mobilidades; segurança; trânsito urbano.

 

 

Sessão 3 - 24/11 - 9h00 às 12h30

 

1 “Do ato e da arte de amar”: O corpo revolução e uma antropologia do cinema

Janaina Silva de Oliveira (PPGAS-UFG)

jana.oliveiraq@hotmail.com

 

Ao pensar as tecnologias presentes nas relações existentes entre um corpo de uma mulher negra ocupando espaços de poder, partimos do pensamento de Bell Hooks (1994), que nos diz que do amor vem a cura, que a nossa recuperação vem do ato e da arte de amar. Estabelecendo um paralelo com a própria Revolução no cinema latino-americano, situo o corpo de uma mulher negra na academia enquanto corpo Revolução, não apenas dizendo que esse corpo pode promover Revoluções em um espaço historicamente ocupado por pessoas brancas, convoco a ideia de corpo Revolução por entender que se acontece muitíssimas coisas do lado de fora, é no interior desse corpo com tudo que ele carrega, que uma Revolução acontece. Grada Quilomba (2010) discorre acerca da ideia de máscara, dizendo que existe uma máscara de silenciamento, que incorporada ao poder colonial, representa o colonialismo com um todo. Em Racismo e sexismo na cultura brasileira, Lélia Gonzalez (1988) diz que o negro é isso que a lógica da dominação tenta domesticar e que estando na lata do lixo da sociedade, as pessoas negras foram sempre faladas. Então, acredito que mulheres negras vão sempre encher o peito ao ler, escutar e falar uma das frases que a Lélia escreve nesse texto, que é: “Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa”. Um corpo Revolução escreve caminhando, falando a partir de suas particularidades, pois quem acha acredita que todas as mulheres negras falam igual, é a branquitude. Temos pesquisadores diversos construindo pesquisas igualmente diversas e graças a isto, esta antropóloga negra pode situar-se nesse fazer antropológico onde o cinema.

 

 

2 Raça primeiro! Mulher? Quando eu entender

Ana Maria Silva Leite (PPGE-UFG)

amaria7@discente.ufg.br

Maria Izabel Machado (PPGE-UFG)

mariaizabelmachado@ufg.br

 

Este trabalho trata-se de um exercício científico de me colocar dentro da categoria mulher. Me reconhecer enquanto pessoa negra nunca foi trabalhoso, desde muito cedo já era avisada sobre ser uma pessoa preta e isso era um fato. Entretanto dentro do campo científico, quando ser pesquisadora se tornou uma possibilidade, tratar sobre o gênero foi inevitável. Visto que os binários são sempre muito presentes dentro das discussões científicas atuais com o intuito de diferenciar o superior do inferior, saber que eu estava no inferior era simples, mas não pelo fato de ser mulher e sim por ser preta. Mesmo conhecendo e lendo pesquisadoras negras tratando sobre interseccionalidade, englobar questões de gênero dentro dos meus trabalhos ainda é um ato diário. Para apontar tais sentimentos, utilizei textos sobre gênero/sexo/feminismo, raça/racismo e interseccionalidade como conceitos norteadores desse trabalho, que por muitas vezes se colocam um contra o outro. Como se trata de um exercício de reflexão ainda me encontro no meio desse embate, permeada de questões raciais entrar no campo do gênero ainda me causa severos desconfortos. Por agora, só é possível inferir que me compreender enquanto ser mulher é um dever frequente.

 

Palavras-chave: Raça; mulher; pesquisadora; preta; campo científico; interseccionalidade.

 

 

3 Do que a ciência é feita? Notas sobre os Agradecimentos

Ana Clara Sousa Damásio dos Santos (PPGAS-UnB)

anaclarasousadamasio@gmail.com

 

A ciência brasileira sofreu com cortes de financiamento e ameaças de cortes em bolsas estudantis, especialmente durante o governo Bolsonaro (2019-2022). A partir desse contexto político e econômico, a autora desse artigo, uma estudante de origem de classe popular e mulher negra de pele clara, reflete sobre como sua escolha de pesquisar sua própria família permitiu minimizar custos e conduzir sua pesquisa em meio a essas adversidades. O presente artigo busca desafiar a ideia tradicional do cientista-solitário-branco, enfatizando a colaboração

essencial na pesquisa, que envolve múltiplas pessoas, emoções e experiências. A autora destaca a seção de Agradecimentos em monografias, dissertações e teses como um espaço crucial para reconhecer as redes de apoio que sustentam os pesquisadores. Ela explora como esses agradecimentos revelam as complexas relações sociais e emocionais subjacentes à pesquisa científica. O artigo propõe uma análise etnográfica dos agradecimentos em três teses e cinco dissertações no campo da antropologia da saúde e da antropologia da ciência, produzidas nos últimos cinco anos. O objetivo é compreender como esses agradecimentos refletem a colaboração, os relacionamentos e as influências que moldam a pesquisa científica. A autora conclui que a ciência é uma empreitada coletiva, estendendo-se para além do ambiente acadêmico, abrangendo uma rede diversificada de agentes, espaços e memórias.

 

Palavras-Chave: Antropologia; Agradecimentos; Ciência; Colaboração.

 

 

3 A UEM vai ficar preta!”, e as etnografias também: notas sobre etnografias decoloniais e uma reflexão

Roberta Andrioli P. M. Pedrozo (FCS-UFP)

roberta_andrioli@hotmail.com

 

A proposta deste trabalho é pensar sobre os modos do fazer etnográfico diante as atuais epistemologias antropológicas que estão articulando questões sociopolíticas do sul global. Para isso, apresento uma leitura comentada da dissertação de Daniara Martins (2022), “A UEM vai ficar preta!: análise do processo de implementação de cotas para pessoas negras na Universidade Estadual de Maringá”, aproximando com textos clássicos como Leach (1954), Marcus (1991), Sahlins (1997), Peirano (2007, 2014) e outra etnografia pioneira sobre racismo no Brasil (Nogueira 1954). Ao final, partindo do encontro de etnografias decoloniais (Benites 2018; Martins 2022), teço uma reflexão sobre escrevivências antropológicas, feminismo decolonial e a escrita de mulheres negras e racializadas. Esse esforço de aproximação entre textos se vale à reflexão sobre os modos do fazer etnográfico enquanto atualizadores e não tributário das teorias antropológicas, considerando também a teoria-crítica da dissertação sob leitura a respeito dos objetos de pesquisa racializados que viabilizaram o desenvolvimento do conhecimento antropológico numa base etnocêntrica, colonialista, racista e misógina. Com etnografias decoloniais podemos pensar juntas em feminismos, políticas públicas, direitos humanos, alinhadas à agenda do movimento negro e indígena feminista por uma antropologia engajada, uma escrita científica posicionada, pelo exercício de participação observante capaz de trazer à luz diferentes objetos decoloniais.

 

Palavras-Chave: etnografia decolonial; conhecimento antropológico; escrita racializada.

 

 

4 Feminismos no Instagram: disputas por visibilidade neste meio-agente

Clara de Oliveira Coêlho (PPGAS-USP)

clara.colho@usp.br

 

Em meu mestrado proponho analisar cinco perfis autointitulados ou descritos como feministas na plataforma Instagram. A questão central da pesquisa é analisar os usos que estes perfis fazem da plataforma e seus entendimentos feministas. Assim, pretendo analisar esses perfis como compondo um campo discursivo de ação, permeado por abordagens distintas com relação à plataforma e às conceituações feministas. Nesta pesquisa, o Instagram não é entendido como uma plataforma que viabiliza essas disputas de sentidos e a propagação de conhecimentos e discursos, como um espaço neutro, e sim como um ambiente que promove e divulga determinados tipos de discursos, formatos e conteúdos em detrimento de outros, gerando e promovendo uma "economia de visibilidade", o que chamei de meio-agente. Aqui, pretendo analisar a disputa destes perfis por espaço e visibilidade em uma plataforma como o Instagram, ou seja, como esses perfis tentam driblar as técnicas de modulação de conteúdo empregadas por esse meio actante. Entendo que há uma disputa entre o que a plataforma estipula enquanto “uso ideal”, abarcando desde o formato da postagem, até o conteúdo desta, se utilizando de várias técnicas coercitivas para que esse uso seja respeitado; e entre o uso desses perfis, que muitas vezes não se enquadra ao desejado pela plataforma, como demonstrarei. Este artigo apresenta análises iniciais de questões que estão surgindo ao longo do meu campo do mestrado, que ainda está em curso.

 

Palavras-Chave: Instagram; Feminismos; Teorias Feministas; Plataformas Digitais; Visibilidade.

 

 

5 #MariellePresente: Memória, Ativismo e Polarização Política

Marina Menezes Segatti (University of California Santa Cruz)

msegatti@ucsc.edu

 

A disputa pela memória e legado de Marielle Franco, tornou-se um ponto central na polarização do discurso político na sociedade brasileira contemporânea. Esta proposta analisa por que e como a memória de Marielle Franco evoluiu para se tornar um local de disputa e polarização, focando especificamente no ativismo nas redes sociais. O estudo emprega uma metodologia de pesquisa multifacetada, focada na análise de conteúdo de mídias sociais, artigos de notícias e discurso público relacionado a Marielle Franco, assim como na realização de entrevistas com lideranças do movimento de mulheres negras organizações filiadas à Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB). Ao examinar as diversas narrativas que cercam sua vida, as ramificações políticas de sua memória, o legado deixado e as coalizões transnacionais formadas em seu nome, este estudo discute a relevância e as complexidades do ativismo político em uma sociedade marcada pela polarização.

 

Palavras-Chave: Marielle Franco; redes sociais; feminismo negro transnacional; resistência; extrema-direita.

 

 

ST 8 - Coproduções contemporâneas: intervenções biotecnológicas sobre o corpo, gênero e sexualidade

Coordenação: Fabiola Rohden (UFRGS) - fabiola.rohden@gmail.com Fernanda Alzuguir (UFRJ) - fevecchi@iesc.ufrj.br Marina Nucci (UERJ) - marinanucci@gmail.com

 

Em continuidade ao diálogo iniciado em edições anteriores da ReACT, propomos reunir pesquisadore/as que reflitam sobre intervenções biotecnológicas que incidem sobre corpos, gênero e sexualidade, colocando em debate as diversas esferas envolvidas na construção e difusão do conhecimento e nas práticas de gerenciamento de gênero, sexualidade e saúde na contemporaneidade. Além disso, estimulamos trabalhos que abordem a articulação de marcadores como classe e raça às reflexões sobre gênero e sexualidade a partir de uma perspectiva interseccional. Interessam-nos, assim, discussões que se aproximem do referencial teórico dos estudos sociais de ciência e tecnologia, estudos antropológicos, bem como investigações que explorem críticas feministas à tecnociência e a problematização de distinções que reiteram hierarquias de gênero, tais como natureza e cultura. Destacamos a relevância de pesquisas sobre a proeminência dos discursos que privilegiam os hormônios nas explicações sobre os corpos, comportamentos e subjetividades, que parecem se sobrepor a outros modelos de explicação, tanto no discurso científico quanto na divulgação para o público mais amplo. Tais perspectivas têm rendido vigorosas análises sobre temas como envelhecimento, reprodução assistida, transexualidade, intersexualidade, as chamadas disfunções sexuais, entre outros, e os novos desenvolvimentos tecnocientíficos, desde a produção de diagnósticos aos fármacos para a administração bioquímica de si visando aprimoramento.

 

Palavras-chave: gênero, sexualidade, corpo, biomedicalização, aprimoramento.

 

 

Sessão 1 – Fabricações de gênero e sexualidade do/no corpo (22/11)

1 Expressões da diferença entre os sexos em células-tronco: perspectivas feministas sobre o gênero da ciência

Fernanda Mariath (UNICAMP)

fermariath@gmail.com

Daniela Manica (UNICAMP)

dtmanica@gmail.com

 

Em 2013, foi determinado que o medicamento Ambien teria dose diferente para homens e mulheres, colocando em evidência diferenças entre os sexos sendo sub estudadas. A maior parte das doenças conhecidas apresentam diferenças entre os sexos em sua incidência, progressão e/ou resposta de tratamento. Mesmo assim, encontra-se, principalmente, células masculinas, animais machos e pacientes masculinos nas pesquisas biomédicas. Essa escolha de sexo é justificada por uma dita universalidade do sexo. No entanto, uma célula feminina é impedida de ser vista como modelo, por causa de sua marcação de gênero. Esse é o caso das células mesenquimais derivadas do sangue menstrual (CeSaM), que são células-tronco multipotentes. Apesar das diversas vantagens de se trabalhar com essas células, trabalhos com ela representam apenas 0,25% dos artigos sobre células mesenquimais. Tendo essas células como ponto de partida, o objetivo deste trabalho é discutir e analisar como as questões ligadas às diferenças entre os sexos se expressam e impactam as pesquisas com célula-tronco e refletir como é possível comunicar e divulgar essas questões. Para isso, está sendo realizada uma busca bibliográfica de diferenças entre os sexos em células-tronco e também será discutido o impacto dessas diferenças entre os sexos em células-tronco na saúde das mulheres. Devido à significância e atualidade dos estudos sobre gênero e ciência e também a importância do entendimento de processos biológicos nas células-tronco, esse trabalho interdisciplinar tem relevância por ter potencial de contribuir para ambos os campos.

 

Palavras-chave: diferenças entre os sexos, gênero, células-tronco.

 

 

2 Encontrando o elo perdido? A materialidade da cisgeneridade entre os pêlos corporais de humanos e macacos na teoria da seleção sexual de Darwin

Emília Braz (PPGAS/UFRGS)

emiliabraz7@gmail.com

 

Neste trabalho, objetiva-se elaborar o conceito de cisgeneridade em relação à sua materialização através dos pêlos corporais. A pesquisa de mestrado que estou desenvolvendo tem mostrado que os padrões de crescimento e distribuição de pelos corporais compõem intra-ações e emaranhamentos (Barad, 2007) de gênero, sexo, raça e humanidade no discurso científico de médicos e biólogos. Para esta apresentação oral, dedico-me à teoria da seleção sexual e à noção de elo perdido presentes na obra de Charles Darwin (1871). Em The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, Darwin desenvolve o argumento da descendência humana e a herança de características desfavoráveis, como os pêlos corporais, cuja diminuição é resultado do “senso de apreciação estética e habilidade de escolher racionalmente com base nessa sensibilidade” (Milam, 2010, p. 3). Como parte da genealogia da cisgeneridade que estou desenvolvendo, proponho ler o caso de Krao Farini, uma mulher barbada exposta em circos e praças públicas devido à sua pilosidade como “o elo perdido entre humano e macaco”, a partir de apropriações feministas da teoria darwiniana (Herzig, 2015; Milam, 2010; Richards, 1983; Russet, 1989). Objetiva-se prestar atenção à forma como os limites do “humano” são fabricados. Viso dar continuidade à cama de gato (Haraway, 1994; 1996; 2013) que estou montando com os pêlos corporais, através da qual a cisgeneridade deverá emergir como um aparato material-semiótico de produção corporal (Haraway, 1988).

 

Palavras-chave: Cisgeneridade; Materialização; Intra-ação; Pilosidade; Seleção sexual.

 

 

3 “O shape vem!”: a construção do corpo fitness em perfis no Instagram de mulheres que treinam em casa

Joana Campos Rocha (Universidade Estadual do Piauí)

jocamposrocha@gmail.com

 

A massificação do uso das redes sociais on-line, na última década, oportunizou a divulgação de práticas corporais e a circulação de conhecimentos sobre o corpo e saúde. Especificamente no Instagram, o discurso sobre tornar-se a “melhor versão” de si mesma, através da “gestão de rotinas saudáveis” e da construção de um corpo fitness (com definição, hipertrofia muscular e com baixo percentual de gordura) tem ampla difusão. Dentre os perfis que divulgam esse processo, os das mulheres que treinam em casa ganham destaque por se apropriarem de conhecimentos científicos e tecnológicos para moldarem a forma do corpo, o chamado shape. Nesse artigo, que é um recorte da minha pesquisa de doutorado sobre a construção social do corpo fitness feminino, são analisadas as noções de saúde e beleza veiculadas nas contas do Instagram de mulheres que fabricam equipamentos, adaptam utensílios domésticos para realizarem o seu #treinoemcasa. O método de pesquisa utilizado foi a etnografia digital com a técnica de observação on-line das postagens.

 

Palavras-chave: Treino em casa, Instagram, Etnografia Digital, Corpos Fitness.

 

 

4 DO DOPING AO “CHIP DA BELEZA”: Gestrinona como tecnologia de aprimoramento

Camila Silveira Cavalheiro (PPGAS/ UFRGS)

camila.silcavalheiro@gmail.com

 

A gestrinona é um hormônio esteroide sintético, patenteado pelo laboratório francês Roussel-Uclaf em 1966. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, foi testado pelo laboratório, em associação com o Populacion Council, como princípio ativo voltado para a contracepção feminina. Nas décadas de 1980 e 1990, foi comercializado como uma alternativa medicamentosa ao tratamento de endometriose. Nas duas ocasiões, caiu em desuso por conta dos efeitos colaterais associados às suas propriedades androgênicas: hirsutismo, acne, aumento de oleosidade na pele e nos cabelos, alterações da voz, aumento de clitóris e ganho de massa magra. No contexto esportivo, estes efeitos colaterais foram utilizados na melhora da performance de atletas. Um de seus derivados, a tetrahidrogestrinona (THG), marca o início da era das designer drugs, substâncias sintéticas indetectáveis nos testes antidopagem. Popularizada como “the clear”, a substância foi responsável por um dos maiores escândalos de doping no esporte olímpico. Com a consolidação das drogas de estilo de vida e das tecnologias de aprimoramento de si, a gestrinona sai do contexto esportivo e adentra a pele de milhares de mulheres em um pequeno tubete de silicone inserido sob a pele, o “chip da beleza”. Através de uma etnografia documental, a presente pesquisa tensiona as discussões públicas contemporâneas sobre a substância, em um contexto de disputas regulatórias. Busco demonstrar de que maneiras a literatura científica sobre a gestrinona contribui na (co)produção da diferença sexual, a partir do imperativo do “corpo hormonal” (ROHDEN, 2018).

 

Palavras-chave: Aprimoramento; Gestrinona; Chip da beleza; Implantes hormonais; Doping.

 

 

5 “Você Brocha”, “Você envelhece”: gênero e sexualidade nas imagens relacionadas ao consumo de cigarros no Brasil

Camilo Braz (UFG)

camilobraz@ufg.br

Letícia Moreira Machado Barbosa (UFG)

leticia.moreira@discente.ufg.br

Stefany da Silva Guimarães (UFG)

stefany_guimaraes@discente.ufg.br

 

Este trabalho relaciona-se a uma pesquisa intitulada “Promessa de Ano-Novo: antropologia do parar de fumar”, e tem por objetivo interpretar, à luz de revisão bibliográfica e de análise documental, alguns dos repertórios simbólicos presentes nas imagens relacionadas ao consumo de cigarro no Brasil, nas últimas décadas. Nossa hipótese é a de que gênero e sexualidade sempre operaram como marcadores importantes na produção de tais imagens, seja a partir das estratégias de marketing mobilizadas pela indústria do tabaco, seja a partir das imagens nas carteiras de cigarro que visam alertar sobre os riscos relacionados a seu consumo. Assim, do incentivo à proibição, repertórios de gênero e sexualidade sempre foram acionados quando se trata da produção imagética relacionada ao consumo de cigarros. Nesse sentido, vale a pena refletir criticamente sobre como a transformação do tabagismo em problema de saúde pública no Brasil relaciona-se com e atualiza algumas convenções de gênero e sexualidade que, contemporaneamente, continuam operando nas estratégias de comunicação em saúde relacionadas ao tema, que têm apostado no modelo da aversão.

 

Palavras-chave: Cigarro; Tabagismo; Gênero; Sexualidade; Imagens.

 

 

 

Sessão 2 – Políticas da reprodução (23/11)

 

1 Entre direitos e vulnerabilidades: políticas de contracepção em relação ao implante subdérmico nos países do Mercosul

Juliana Vieira Wahl Pereira (Fiotec – Ministério da Saúde)

juliana.vieira.pereira@alumni.usp.br  

Priscilla Caroline de Sousa Brito (Fiotec – Ministério da Saúde)

priscilla.carolb@gmail.com

 

Diferentes estratégias em relação à contracepção para o enfrentamento dos altos índices de gestação não intencional têm ocorrido no Mercosul, sendo uma pauta que permeia os debates em relação à inserção de novas tecnologias contraceptivas nos sistemas de saúde da região. Neste cenário, Uruguai e Argentina incorporaram o implante subdérmico como parte dos contraceptivos disponíveis dentro das iniciativas de ampliação dos direitos sexuais e reprodutivos, e Brasil o fez parcialmente após a aprovação na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC). O país aprovou a viabilidade do implante subdérmico no SUS como estratégia direcionada a populações específicas, ainda que, até os dias de hoje, não tenha sido criado um programa para a distribuição nacional. O trabalho pretende analisar como as políticas em torno dos métodos contraceptivos reversíveis de longa duração (sigla LARC em inglês), inserido na gramática das diferenças hormonais que sustentam as desigualdades de gênero, tem sido disputadas em relação às questões de vulnerabilidade, direitos e autonomia das adolescentes no âmbito da saúde.

 

Palavras-chave: gênero, políticas de saúde, contracepção reversível de longa duração.

 

 

2 Quando se descobre sem útero: mapeamento de produções nas ciências sociais sobre a Síndrome de Rokitansky

Clarissa Lemos Cavalcanti (PPGAS/UnB)

clarissalc09@gmail.com

 

 Ao atingir a adolescência, algumas meninas e pessoas com útero são confrontadas com a ausência do sangue menstrual, que marca o início de um novo momento da fase reprodutiva em corpos com capacidade de gestar. A ausência deste marcador as leva até clínicas e médicos, que dão o diagnóstico: Síndrome Congênita de Rokitansky. A síndrome afeta, sobretudo, o desenvolvimento do útero e do canal vaginal, mas não necessariamente o desenvolvimento hormonal destas pessoas. Assim, esse processo de adoecimento pode passar despercebido durante a infância e os primeiros anos da adolescência. Partindo da compreensão do útero e suas representações simbólicas e políticas nas percepções de si e nas construções narrativas sobre gênero, proponho, nesta comunicação, uma revisão bibliográfica sobre a Síndrome, a qual será realizada de maneira cronológica, buscando mapear e apresentar as principais discussões sobre o tema dentro do campo das ciências sociais. Entende-se que as reflexões que perpassam a biomedicina e o gênero, sobretudo aquelas sobre processos de adoecimentos reprodutivos, têm potencial para informar e ampliar os entendimentos sobre identidades de gênero, construções sobre a categoria "mulher" e os significados atribuídos às capacidades reprodutivas em corpos com útero.

 

Palavras-chave: Síndrome de Rokitansky; Útero; Gênero.

 

 

3 Gestar, parir, nascer: mudanças na saúde reprodutiva das mulheres Xikrin do Bacajá

Clarice Cohn (UFSCar)

clacohn@gmail.com

 

Essa comunicação aborda mudanças significativas na saúde reprodutiva das mulheres Xikrin do Bacajá nos últimos anos, que cada vez mais têm tido a intervenção da biomedicina e dos serviços de saúde ofertados pelo Estado. Compreender essa situação, proponho, abrange entender as razões dessas mulheres para se submeterem, ou a suas filhas, a esses tratamentos, assim como modificações nas políticas públicas de saúde. Para tal, discuto, de um lado, as relações das mães da gestante e avós da criança como parteiras e seus cuidados puerinatais, o papel dos pais na busca de remédios do mato para os cuidados da criança, os cuidados e resguardos, contrapondo as situações de gestação e parto na Terra Indígena com aquele dos serviços de saúde; e, de outro, as razões pelas quais profissionais de saúde foram se tornando mais eficazes em promover o parto hospitalar e as mulheres para se decidirem por esse serviço.

 

 

4 Os Feitos das Redes Laboratoriais de Bancos de Leite Humano: obturando e reconectando vínculos por meio do leite doado

Camila Vaz Neto Ferreira Correia (UnB)

camilavazcorreia@gmail.com

 

Neste trabalho pretendo explorar os efeitos das redes laboratoriais em corpos doares e receptores no contexto das práticas de doação administradas pelo Banco de Leite Humano (BLH). Este se constitui por uma cadeia de discursos e operações que englobam os processos de captação, armazenamento e distribuição de leite das doadoras aos lactentes. Esta sequência inclui desde a prescrição higiênica das doadoras, passando pela pasteurização do leite para eliminar supostas enfermidades até os protocolos de indicações para a provisão/ingestão por parte dos lactentes, entre outras. Baseada em uma abordagem etnográfica, a partir de experiências de doadoras de leite, e em pesquisa bibliográfica (em torno à Biblioteca Virtual em Saúde da Fiocruz - BVS Fiocruz), me proponho delinear quais efeitos surtem das operações práticas e discursivas do BLH sobre o leite (duplamente) doado - primeiro pela lactante e logo pelo BLH. E em que medida, ditas operações atuam na composição de corpos doadores e receptores. Argumentarei que as ações dos dispositivos tecno científicos do BLH, longe de configurarem meras práticas biomédicas e isentas de valores sociais, pressupõem ideias de gênero e parentalidade politicamente orientadas. A doação de leite é uma prática que adquiriu diversos papéis no que tange as solidariedades femininas e as suas sujeições coloniais. Na atual circunstância, o BLH atua não como um simples intermediário, senão como um aparato de estado orientado a obturar e reconfigurar práticas que conectam a transmissão de fluidos entre doares e receptores.

 

Palavras-chave: feitos tecno-científicos; redes laboratoriais; BLH; doação de leite humano.

 

 

 

 

 

Sessão 3 – Não-binarismos e disrupções de gênero (24/11)

 

1 O corpo ciborgue em um lugar antropológico-fictício

Sara Luiza Carvalho (UFMG)

saraluizac@gmail.com

 

Neste trabalho, viso desenvolver uma comparação, a partir de leituras em Antropologia acerca das abordagens imaginativas propostas pela imagem-conceito do ciborgue, objetivando comparar para estabelecer uma reflexão de futuros possíveis. Assim, busco um lugar antropológico-fictício, na ideia de permanecer entrelaçando reflexões tanto antropológicas, quanto fictícias, nesse lugar de compartilhamento de saberes e interseções. Aqui vale destacar meu lugar na pesquisa, que é o foco que pretendo manter nesse trabalho. Enquanto pessoa não-binária, me vejo nesse lugar de tensionamento do ciborgue, no limiar irônico da criação. Por me ver enquanto ciborgue, este trabalho visa desenvolver uma reflexão do panorama atual da visão desse ser-estar ciborguiano pela sociedade. A escolha pelo termo ciborgue se dá pelo interesse nas relações humanas a partir de um ponto de vista tecnológico, determinado por Donna Haraway em Manifesto ciborgue (2000) como uma criatura de realidade social e ficção, híbrida de máquina e organismo, oposicionista e utópico, criaturas ambíguas, tanto naturais quanto fabricadas. No trabalho em comento, minhas preocupações maiores serão como tornar esse lugar dual e médio de antropologia-ficção, um lugar habitável no campo das ideias, onde seria possível pensar alternativas de futuros com a análise do passado.

 

Palavras-chave: ciborgue; gênero; ficção; tecnologia.

 

 

2 O desenho do corpo não binário e sua formulação

Aoi Berriel Pereira (PPGSA-UFRJ)

aoi.berriel@hotmail.com

 

Quando a relação entre corpo, gênero e subjetividade se encontra no conforto da transgeneridade na estética, podemos encontrar elementos de fabricação corporal, hormonização e resgates de masculinidade, feminilidade dentre outros (que transbordam a heteronormatividade e a categorização binária de masculino ou feminino). Este trabalho relaciona gênero, corpo, conforto e transformação corporal no contexto transgênero. O contexto histórico do que uma pessoa deve apresentar para ocupar o lugar da transgeneridade, em relação ao corpo, se atualiza com o avanço do reconhecimento não binário de gênero. E do avanço jurídico de seus conhecimentos (ao possibilitar o gênero para além da associação sexo-gênero e de uma suposta realidade de humanos serem somente “homem ou mulher”). Uma estrutura pensada pela cisgeneridade tem o afeto em incorporação de novos pontos de vista que aprofundam as questões trans que não são/foram percebidas pelo curto-circuito da homogeneização da diversidade, na tentativa da regulação da diferença a partir de si como definição da mesma. Ao racionalizar as ampliações que o contexto não binário de gênero provoca a relação corporal e seu conforto subjetivo, o trabalho visa socializar as implicações que a epistemologia transgênera provoca ao contexto de corpo e subjetividade na sociedade a partir do conforto subjetivo das questões de gênero (neste caso, mais profundamente localizada, queer e transgênero) na experiência de corpos de gênero não binário.

 

Palavras chave: Não binário, Gênero, Corpo confortável.

 

 

3 Entre baitolas e transtcholas: manifestações disruptivas de gênero em Fortaleza

Isadora Façanha Gurgel Freire (UFC)

isadorafgf@gmail.com

 

Em junho de 2023, uma movimentação na rede social digital Instagram chamou a atenção: jovens transexuais masculinos, entre 18 e 30 anos, se mobilizaram para organizar um evento com duração de dois dias intitulado “Transtcholagi - baitolagi trans em Fortaleza”. O nome sugeria uma interessante aglutinação de dois léxicos historicamente impostos à comunidade homossexual masculina com viés punitivista e pejorativo a orientações sexuais de gênero não normativas: baitola e tchola. No evento Transcholagi, todavia, a origem da expressão “chola” (doravante, usada apenas em sua forma abrasileirada, tchola) tem sua ressignificação revelada a partir de uma forte recusa por parte da população de homens transexuais masculinos e não binários da masculinidade hegemônica cisgênera. Mesmo que não assumam as práticas homoeróticas da homossexualidade, eles usufruem da terminação “tchola” ou, com frequência, “viadinho” ou “baitola”, para se posicionarem enquanto sujeitos de direito e de desejo - desde que afeminados. O afeminamento, portanto, surge como um critério importante para a desvinculação do grupo com quaisquer aspectos de virilidade hegemônica, mesmo que alguns sujeitos envolvidos estejam submetidos à terapia hormonal. O trabalho a seguir pretende analisar e compreender como as tecnologias clínicas e biopolíticas de transformação do corpo trans masculino se cruzam à personificação “tchola” em seu significante afeminado, de modo a apresentar o grau de complexidade de negociações que esses sujeitos realizam com as categorias identitárias disponíveis para lhes conferir inteligibilidade.   

 

Palavras-chave: transmasculinidades; identidade trans; tcholas.

 

 

4 Inflexões de gênero: construindo caminhos reflexivos sobre experiências trans na universidade

Roana da Silva Gouveia (PPGCSoc/UFMA)

roana.gouveia@discente.ufma.br  

Martina Ahlert (DESOC/CCH/UFMA)

martina.ahlert@ufma.br

 

O trabalho aqui proposto é fruto da minha pesquisa monográfica, apresentada no final de 2020. Nela me debrucei analiticamente sobre as experiências de sete pessoas trans de diferentes recortes sociais, raciais e de classe (dentre travestis, mulheres trans e homens trans), todas(os) universitárias(os) em diferentes momentos da vida acadêmica. A análise foi feita através de dados biográficos levantados por meio de um questionário que, em razão da pandemia, se deu de forma online e foi dividido em três eixos temáticos (perfil, trajetória e marcadores sociais e experiências). Com base nesses dados combinados com o aporte teórico das Ciências Sociais, pude discorrer acerca dos desafios da transgeneridade frente à cisgeneridade nas várias camadas da vida social, pensando o trajeto pessoal até a universidade. Assim, categorias como interseccionalidade foram fundamentais para pensar essas diferentes dimensões da vida social e os seus atravessamentos, bem como levar em consideração as experiências de vida de pessoas trans como fundamento de significação. Neste trabalho, dou enfoque ao terceiro eixo temático “marcadores sociais e experiências”, de onde parti para discutir questões mais subjetivas das experiências das pessoas trans, por mim entrevistadas. Para tanto, dei protagonismo às suas vozes para refletir sobre questões que envolvem autopercepção, leitura social e lugar no mundo. Tais vozes me permitiram concluir que, apesar de estarmos longe de vislumbrar mudanças estruturais, muito foi conquistado pelos movimentos sociais; e os processos de autodefinição e a ocupação dos espaços de poder têm mostrado um horizonte de possibilidades menos violentas de existir.

Palavras-chave: Pessoas trans; universidade; interseccionalidade; ciências sociais.

 

 

5 Dispositivos médicos e biotecnológicos, disposições contra-discursivas e dissensos entre dissidentes de gênero na distensão da ditadura civil-militar brasileira: uma reflexão a partir do Lampião da Esquina (1978-1981)

Larissa de R. Tanganelli (PPGAS/UNICAMP)

tanganelli.l@gmail.com

 

O jornal Lampião as Esquina (1978-1981), produzido durante a distensão da ditadura civil-militar no Brasil, foi a primeira publicação de ampla circulação no país produzida por e voltada a “minorias” políticas, entre as quais pessoas de gênero e sexualidade dissidentes. Embora engajado com a denúncia das práticas de violação do Estado, entre as quais violência policial e censura à circulação pública de conteúdos relacionados à dissidência sexual, o jornal verteu-se também à crítica de diversas outras disposições silenciadoras, normatizadoras e dotadas de ânimo punitivo dirigidas a estas categorias sociais, tais como práticas médicas e dispositivos científicos de saber. A proposta deste trabalho é considerar, especificamente, os discursos sobre as dissidências de sexualidade e gênero produzidos pelos dispositivos de saber e controle e os contra-discursos apresentados por estes dissidentes no jornal, sobretudo no que diz respeito às travestis e mulheres trans. Neste sentido, pretende-se tratar das críticas apresentadas a estes dispositivos de saber práticas médicas incidentes sobre estas categorias, de suas experimentações em relação a intervenções biotecnológicas sobre o corpo no âmbito de um universo de práticas não hegemônicas e das controvérsias sobre os significados, a realização e a regulação institucional de algumas destas práticas. Nos meandros desta reflexão, pretendo apresentar como oposições entre natureza e cultura e experiências distintas de gênero e classe se articularam no centro destes debates e se desdobraram em disputas e dissensos sobre a legitimidade de alguns procedimentos e sobre próprias concepções sobre identidade de gênero.

 

Palavras-chave: natureza-cultura; gênero; sexualidade; ciências biomédicas

 

 

ST – 9: Extinções, invasões, proliferações: ecologias ferais no Antropoceno Coordenação: Caetano Sordi (UFSC) - caetanosordi@gmail.com Felipe Süssekind (PUC-Rio) - felipesussekind@puc-rio.br Rodrigo Bulamah (UERJ)

 

A caracterização do “Antropoceno” como uma nova época geológica enumera uma série de fatores ligados ao impacto das atividades humanas e à escala que elas adquiriram nos últimos séculos, como a devastação dos ecossistemas e a perda de biodiversidade global. Todavia, se a extinção em massa de espécies é uma das catástrofes que caracteriza a época atual, sua contrapartida é um processo complementar: a proliferação em massa de outras espécies, em geral associadas direta ou indiretamente ao antropos. Monocultivos agrícolas, patógenos emergentes e animais domésticos criados para os mais diferentes fins são os exemplos mais óbvios, mas há também as chamadas espécies “sinantrópicas”, isto é, que habitam ecossistemas modificados em diferentes relações de simbiose com os seres humanos, e aquelas classificadas como “exóticas invasoras”. Apontadas como uma das principais causas de perda de biodiversidade mundial, estas últimas prosperam em novos ambientes a partir das infraestruturas e atividades humanas ligadas à colonização e à expansão do capitalismo. Por outro lado, ecologias que se regeneram em ambientes historicamente devastados pela ação humana podem trazer novos pontos de vista acerca do papel desses organismos, a partir de conceitos como “ecologias ferais” e/ou “ruderais”.

Embora esses processos de invasão, extinção e proliferação possam ser vistos como efeitos de “atividades humanas”, eles são na verdade compostos de relações multiespécies nas quais a agência humana é apenas uma entre muitas entre outras. Neste sentido, a proposta deste ST é conectar temas como invasão biológica, restauração de ambientes degradados e ecologias emergentes, envolvendo tanto trabalhos etnográficos quanto trabalhos de caráter mais teórico.

 

Palavras-chave: extinção; proliferação; ecologia feral; antropoceno; invasão.

 

 

Sessão 1 - 22/11 – Seres indisciplinados

Debatedor: Felipe Süssekind (PUC-RJ)

 

1 Mexer com peixe, cansar a água: fabulações a partir de uma etnografia multiespécies nas Terras Altas da Mantiqueira

Rafael Ribeiro Visconti (IEB/USP)

rafaelribeirov@usp.br  

 

O que me intriga é que, como outras famílias locais com as quais venho
interagindo, a família com a qual convivo no meu campo tem profundo orgulho dessa terra e admiração pela profusão de nascentes de água que escoam por essas
montanhas nas Terras Altas da Mantiqueira. Então me pergunto, por que, com os
trutários, os locais poluem a região que tanto admiram? Para desenvolver esta
pesquisa realizei uma pesquisa bibliográfica e uma etnografia multiespécies
sobre/com uma família local que reside na zona rural de Itamonte (MG). Essa questão norteia minha etnografia, mas pelos caminhos também me dedico a descrever os entrelaçamentos e conflitos das diversas ideias de natureza que coabitam essas montanhas, além de buscar trazer os pontos de vista dos bichos mais-que-humanos que habitam essa história. Com cada vez mais trutários sendo criados em Itamonte (MG), vem surgindo um fragmento do Antropoceno/Plantationceno nesta região que é em grande parte protegida sob unidades de conservação de proteção integral que tornam ilegais as práticas de manejo da paisagem das comunidades locais. Como se torna evidente ao longo do texto, os conceitos da biologia e da legislação para as categorias ocidentais nativo/exótico, poluição e espécies invasoras, não dialogam com os conceitos nativos. Em paralelo às ecologias ferais das trutas asselvajadas, os javaporcos vão criando seus próprios mundos a partir dos cumes dessas montanhas, forçando alianças entre a ciência moderna e a ciência mateira.

 

 

 

2 Primatas ferais e primatas em extinção: reflexões a partir de práticas de conservação no Antropoceno

Victor Abreu Amante (Museu Nacional/UFRJ)

victoramante95@hotmail.com  

 

Como se sabe, os atuais processos de extinção de primatas ocorrem por
diversas razões que atuam conjuntamente. Em geral, elencam-se perda de
habitat, caça, acidentes, zoonoses e hibridação com espécies invasoras. Para
o presente Seminário Temático, gostaria de sugerir uma reflexão sobre
questões que emergiram a partir do meu trabalho de campo. Atualmente,
conduzo uma etnografia no Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ),
em Guapimirim, RJ. Neste chamado “criadouro científico”, espécies de
macacos neotropicais ameaçados de extinção têm indivíduos em cativeiro para
formar “populações de segurança”. Ali, os espécimes são “manejados” para
manter sua saúde a fim de que continuem a reproduzir e mantenham, assim, a
espécie viva. Em especial no caso do sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita),
trata-se de um animal ameaçado pela hibridação com o sagui-do-nordeste
(Callithrix jacchus), espécie invasora no estado do RJ. Nesse sentido é que
hoje tanto no CPRJ como alhures ocorrem trabalhos de conservação ex e in
situ dessa espécie. O que meu trabalho de campo possibilita começar a pensar
é quais são os efeitos decorrentes da percepção de que determinadas
espécies de primatas têm perdido descendentes e diversidade genética em
função do fenômeno da hibridação. Esses efeitos colocam questões de ordem
tanto conceitual (o que é uma espécie, afinal?) como prática (como fazer o
manejo de uma espécie ameaçada de extinção? Qual a participação dos
próprios macacos nisso?). E, dado que na história dos primatas neotropicais
houve casos de espécies “redescobertas” (p.ex., mico-leão-preto) e “salvas” da
extinção (mico-leão-dourado), há de se compreender, para além de como se
obteve tais conquistas, o que se entende por extinção e conservação.

 

 

3 Macacos também temem: mudanças ecológicas no Sul Piauiense

Mateus Oka (Unicamp)

mateus.oka@outlook.com  

 

Em uma região próxima ao município de Gilbués (PI), primatólogas da
Universidade de São Paulo estudam grupos de macacos-prego com o suporte
de uma família de camponeses. O objetivo desta comunicação, baseada em um
trabalho de campo feito entre cientistas, macacos-prego, e a comunidade local,
é de refletir acerca das mudanças ecológicas testemunhadas por estas partes
nos últimos anos. Segundo habitantes da região, tudo mudou – o crescimento
do agronegócio e do monocultivo de soja, as obras de companhias de energia,
a redução da chuva, o aumento da temperatura anual, o abandono gradual das
roças e a consequente regeneração da mata, a menor circulação de pessoas e
seus cães, substituídos pelos passeios rápidos de motocicleta... e os macacos,
que, por sua vez, estão em crescimento populacional. No que tange à pesquisa,
os assistentes de campo locais discutem que os macacos perderam o medo de
gente. Não sendo mais caçados e acostumados à presença de alguns humanos,
eles descem mais das árvores para o chão, explorando mais o ambiente. Nesse
sentido, não parece ser possível afirmar a ocorrência de uma domesticação dos
macacos, mas uma transformação nas relações entre estes e humanos – bem
como outros seres, como os cães e as plantas – que envolve proliferações e
extinções de naturezas distintas. Assim, na medida em que o debate do
Antropoceno se direciona às ações humanas no planeta, procura-se refletir
sobre o rendimento teórico da perda do medo de gente como uma possibilidade
de tensionar as ideias relacionadas aos efeitos antropogênicos na modificação
de ecologias.

 

 

4 "O mundo vai virar o Brasil": saúde multiespécie e a reinvenção da ciência dos mosquitos

Luísa Reis-Castro (USC/EUA)

reiscast@usc.edu  

 

Por mais de cem anos, campanhas de saúde pública no Brasil tentam eliminar o mosquito Aedes aegypti, uma espécie conhecida por transmitir vírus patogênicos como febre amarela, dengue, Zika e chikungunya. No entanto, como parte de uma nova iniciativa, técnicos e agentes de saúde liberaram mosquitos A. aegypti em ruas e becos do Rio de Janeiro. Esses insetos estavam infectados com uma bactéria chamada Wolbachia, que reduz significativamente a capacidade do mosquito de transmitir vírus. Ao transformar o inseto de vetor em “aliado”, proponentes dessa estratégia visam transformar as ecologias das arboviroses e promover uma relação mais amigável entre humanos e mosquitos. De novembro de 2017 a julho de 2018, realizei pesquisa etnográfica com técnicos e pesquisadores da equipe da Wolbachia e com agentes de saúde implementando essa intervenção no Rio.  Considerando os muitos anos tentando — e falhando — reduzir os casos de doenças transmitidas por mosquitos no Brasil, meus interlocutores caracterizavam o país e, mais especificamente, o Rio como um local ideal para testar essa nova estratégia. Além disso, eles argumentavam que as ecologias de mosquito no Brasil seriam um prenúncio do que ainda está por vir em outros países. Devido às transformações climáticas, o A. aegypti tenderá a expandir sua distribuição geográfica — o que alguns pesquisadores definem como o mosquito “invadindo” novas regiões. Nesta apresentação, examino de que maneira cientistas e técnicos do projeto Wolbachia instrumentalizavam as relações historicamente constituídas entre humanos, mosquitos e vírus para implementar essa nova estratégia. Assim sendo, pergunto: de que maneiras meus interlocutores navegavam diferentes escalas para transformar a ecologia do Rio e reimaginar possíveis futuros multiespécie?

 

 

5 Drosófilas/moscas-das-frutas como objetos complexos e instáveis no Antropoceno: ecologias múltiplas no discurso científico

Nikolas Rubleski (UFRGS)

n.rublescki@gmail.com

 

A partir de um trabalho etnográfico, em andamento em um laboratório de pesquisa genética e zoológica do Sul do Brasil, discute-se a ecologia das drosófilas/moscas-das-frutas em processos de urbanização e alteração ambiental no Antropoceno. Tomando ambos os termos (drosófila e moscas-das-frutas) como unidades culturais construídas em discursos de naturezas distintas (científico e popular), propõe-se que esses animais podem ser concebidos como objetos complexos e instáveis dentro da crise animalitária do Antropoceno. Isso ocorre porque, quando considerada a diversidade de espécies generalizadas pela unidade cultural ‘moscas-das-frutas’, e semi-individualizadas pela unidade cultural ‘drosófilas’, esses insetos sinantrópicos assumem uma complexa gama de ecologias aparentemente antagônicas. Deste modo, podem ser caracterizados como invasores domésticos, pragas urbanas, pragas de lavouras, espécies nativas em crise, espécies exóticas/invasoras, bioindicadores de poluentes químicos, proliferantes em processos de urbanização, ou mesmo como animais negativamente afetados pela vida nas cidades. A partir do discurso científico sobre as drosófilas no Antropoceno, produzido dentro das Ciências Biológicas, são comparadas as diferenças e similaridades na prA partir de um trabalho etnográfico, em andamento em um laboratório de pesquisa genética e zoológica do Sul do Brasil, discute-se a ecologia das drosófilas/moscas-das-frutas em processos de urbanização e alteração ambiental no Antropoceno. Tomando ambos os termos (drosófila e moscas-das-frutas) como unidades culturais construídas em discursos de naturezas distintas (científico e popular), propõe-se que esses animais podem ser concebidos como objetos complexos e instáveis dentro da crise animalitária do Antropoceno. Isso ocorre porque, quando considerada a diversidade de espécies generalizadas pela unidade cultural ‘moscas-das-frutas’, e semi-individualizadas pela unidade cultural ‘drosófilas’, esses insetos sinantrópicos assumem uma complexa gama de ecologias aparentemente antagônicas. Deste modo, podem ser caracterizados como invasores domésticos, pragas urbanas, pragas de lavouras, espécies nativas em crise, espécies exóticas/invasoras, bioindicadores de poluentes químicos, proliferantes em processos de urbanização, ou mesmo como animais negativamente afetados pela vida nas cidades. A partir do discurso científico sobre as drosófilas no Antropoceno, produzido dentro das Ciências Biológicas, são comparadas as diferenças e similaridades na produção de significado e complexidade para esses animais, em relação ao discurso popular sobre os mesmos.odução de significado e complexidade para esses animais, em relação ao discurso popular sobre os mesmos.

 

6 Irrupção não humana na política dos territórios humanos: uma abordagem sobre extinções e re existências no Chaco indígena

Pedro Emilio Robledo (Conicet/UnB)

emiliorobledo10@gmail.com

 

A aparição de uma onça (panthera onca) em uma região do Chaco argentino,
onde a espécie está ameaçada, ativou dispositivos de seguimento e proteção
de especialistas de uma reserva ecológica recentemente fundada e a
consideração dos indígenas com vizinhos. Além das equivocações em cena, a
aparição da onça ajudou a delimitar nas memórias indígenas as dimensões de
um antigo território que subverte os limites oficialmente reconhecidos nas
unidades territoriais das comunidades indígenas e da reserva natural. Neste
cenário, a intervenção da onça solitária se projeta fantasmagoricamente nas
paisagens do território e da memória indígena, constituindo uma conjunção
memória-animal-paisagem mais abrangente que a onça-espécie que tenta ser
conhecida e resguardada pelos dispositivos tecnocientíficos. Baseado no
registro etnográfico das miradas e ações humanas (conservacionistas,
indígenas) e não humanas (onça, dispositivos técnicos) neste imprevisto
encontro, reflito sobre a noção e qualidades de um território onde as ameaças
do avanço extrativista não se impõe como a única força capaz de definir e redirigir as ideias e práticas dos habitantes humanos e não humanos.
Argumento que a terra que surge deste encontro não se define somente entre
atributos físico-biológicos universais e conceitos culturais, senão a partir da
forma particular de existência da onça-território e sua histórica relação com os
qom.

 

Sessão 2 - 23/11  – Paisagens em mutação

Debatedora: Alyne Costa (PUC-RJ)

 

1 Novas ecologias, novas terminologias: feral, ruderal ou invasora, como classificar o comportamento de uma espécie exótica nas florestas urbanas cariocas?

Alexandro Solórzano (PUC-RJ) e Thomaz Amadeo (PUC-RJ)

alexandrosol@gmail.com

 

A investigação do Antropoceno nos leva a uma compreensão profunda das
transformações que o ser humano tem causado no planeta. Entre os desafios mais
urgentes despertados por essa era destaca-se a perda de biodiversidade e a extinção
de espécies. Embora a redistribuição de espécies pelo globo não seja um fenômeno
novo, as grandes navegações europeias se destacam como marcos que propiciaram
consideráveis movimentos intercontinentais dos organismos. No Antropoceno novas ecologias emergiram como resultado das profundas modificações ocorridas em paisagens e ecossistemas, e das múltiplas adaptações que as espécies, nativas e exóticas, desenvolveram. O desdobramento dessas interações resultou na formação de novas assembleias de espécies, conceituadas pelos ecologistas como novos ecossistemas. No Rio de Janeiro, as jaqueiras introduzidas e amplamente cultivadas em pomares de fazendas e chácaras, ilustram esse processo. Elas desempenham um papel fundamental na constituição de novos ecossistemas urbanos. Essa nova ecologia, embora seja considerada uma ameaça à biodiversidade pela comunidade ambientalista, também reflete um comportamento característico de espécies ruderais e oportunistas, estando intimamente associada a áreas com histórico intenso de atividades humanas. Embora rotulada como invasora, sua trajetória – de uma espécie valorizada durante o período de domesticação e uso para uma espécie abandonada e, consequentemente, tornando-se feral – ressalta a complexidade das relações entre espécies exóticas e ambientes humanizados. Assim, a perda de controle sobre sua capacidade reprodutiva e a subsequente propagação na paisagem são fatores que ora a categorizam como risco, ora como recurso a ser adequadamente explorado.

 

 

2 Fogos ferais e fe(i)tiches do Piroceno

Guilherme Moura Fagundes (USP)

gmfagundes@usp.br  

 

A apresentação buscará demonstrar como o atual momento do
Piroceno (Pyne, 2022), ou a época do fogo, nos impele a reconfigurar a
descontinuidade entre as causas naturais e antropogênicas dos incêndios
florestais. O mega-incêndio que assolou o Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros (PNCV), em outubro de 2017, me servirá de evento etnográfico para
uma análise acerca da recorrência do dualismo natureza/humanidade nas
narrativas sobre o fogo no Cerrado. Com base na noção de fe(i)tiche,
formulada por Bruno Latour (2002), apresento tanto os limites do fetiche da
combustão espontânea, que dissimula o gesto humano de ignição, quanto da
postura anti-fetichista, ávida pela identificação e punição dos responsáveis pelo
ato de queimar. Ao invés de reduzir a proliferação de mega-incêndios florestais
em escala global ao descontrole humano e à ânsia por controle da natureza,
recorro à noção de fogos ferais para destacar um modo de existência do
fenômeno pírico que reage às infraestruturas dos modernos, sejam elas
capitalistas ou conservacionistas, mas sem se reduzir a elas.

 

 

3 Ciências naturais em uma experiência pan-indígena no Brasil Central depois de 1988

Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira (UnB)

ricardo.apo.oliveira@gmail.com

 

Proponho apresentar um dos capítulos da tese de doutorado (em elaboração)
acerca do Centro de Pesquisa Indígena (CPI), uma iniciativa da União das
Nações Indígenas (UNI) que abarcou projetos-piloto voltados a combinar
conservação ambiental, “desenvolvimento socioeconômico” de comunidades de
diferentes povos e a formação de pesquisadores indígenas nas áreas de Biologia
e Direito. A iniciativa ocorreu entre 1989 e 1996 e teve como pilares a tentativa
de consolidar um movimento pan-indígena no país, a interseção com o
ambientalismo através de ONGs transnacionais, e a transformação da relação
entre ciências naturais e povos indígenas.  Em 1979, Daniel Gross e colaboradores elaboraram um modelo para explicar as interrelações entre degradação ambiental e envolvimento de comunidades indígenas no mercado, sugerindo a irreversibilidade do processo desencadeado pela intensificação da caça, que se tornaria inviável devido à sedentarização forçada pelo avanço da fronteira econômica/agropecuária (SANTOS et al, 2014). Em 1989, uma parceria entre o professor Vanderlei Pereira de Castro, da Universidade Católica de Goiás, o ancião Wazaé Xavante e dois jovens líderes Xavante atuantes no movimento pan-indígena (Cipassé e Jurandir), resultou na criação do Projeto Jaburu, voltado ao manejo da fauna cinegética e ao aproveitamento econômico da flora do cerrado. Contando com a colaboração de atores associados à UCG e à UNI coordenada por Ailton Krenak, o projeto obteve financiamento de diversas organizações ecologistas internacionais, além do apoio de instituições de pesquisa nacionais, como a Embrapa e a ESALQ- Piracicaba. Naquele contexto, o etnozoólogo Frans Leeuwenberg foi contratado para aferir o status de populações de espécies animais silvestres quanto a condições de reprodução biológica e a riscos de extinção local.

 

 

4 “Tem uma estrada no caminho”: ciência e conservação na Reserva Biológica de Sooretama, uma unidade de conservação de proteção integral dividida pela BR-101, norte do ES.

Mariana Pimenta de Alvarenga Prates (UFES)

mariana.aprates@hotmail.com

 

No norte do Espírito Santo, está presente a Reserva Biológica de Sooretama
que representa o maior remanescente de Mata Atlântica protegida do estado e
que ainda refugia uma das maiores biodiversidades do bioma. No entanto,
embora a unidade de conservação seja de proteção integral e possua uma
regulamentação que proíbe alterações antrópicas em seus limites, ela é
atravessada pela rodovia federal BR-101 de um extremo ao outro. Segundo a
gestão da reserva e biólogos que pesquisam na região, atualmente a rodovia
representa a maior ameaça de extinção local para as espécies animais. Com
esse cenário, a proposta inicial do meu trabalho foi descrever e analisar a
relação das pesquisas de monitoramento e conservação de três espécies
bandeiras ameaçadas de extinção na região (anta, gavião-real e onça-pintada)
a partir de três coletivos de biologia (Pró-Tapir, Projeto Harpia e Projeto
Felinos) com a presença da rodovia e suas ameaças a proteção desses
animais. Isso foi feito a partir de uma etnografia documental dos trabalhos
tecnocientíficos dos coletivos, levando em consideração seus agenciamentos
humanos e não humanos, de cientistas, colaboradores, animais e outros seres,
e que mostram o que Sooretama, mas não apenas, pode perder nesse conflito
com a rodovia; um dos maiores refúgios florestais do sudeste brasileiro. O
trabalho também contou com entrevistas realizadas com os cientistas dos
coletivos e alguns moradores da zona de amortecimento da reserva.

 

 

5 Fragmentos de uma história multiespecífica: "bois selvagens" do cerrado e o povo A'uwe-Xavante

Eduardo Santos Gonçalves Monteiro (Unicamp)

eduardo_sgm@hotmail.com

 

Esta apresentação pretende narrar uma história de bois e homens, de Estado e Mercado, histórias domésticas e ferais do povo A'uwe, também conhecido como Xavante, situados no leste mato-grossense. Algumas reflexões preliminares começam a delinear redes de relações interespecíficas, interculturais interinstitucionais que se articulam em torno de um rebanho de gado da aldeia Namukurá, na Terra Indígena São Marcos, trazido nos anos 1980 para a aldeia e cuidado por funcionários da Funai até os anos 2010, quando o trabalho foi  descontinuado. Este rebanho, contudo, persiste até hoje, vivendo por conta própria no cerrado e voltando para dormir no entorno da aldeia diariamente. A despeito dos argumentos dos técnicos agropecuários a favor do abate de todo o rebanho e de seu reinício com "novilhos mansos", os a'uwe aguardam a retomada da criação daqueles bois em particular. Estas narrativas articulam elementos dos "projetos de  desenvolvimento" da Funai, realizados nos anos 1970 e 1980, que envolveram a criação de rebanhos nas aldeias; de relações políticas locais, infletidas na especificidade da situação em Namukurá (comparada a outras aldeias e rebanhos a'uwe do mesmo período); de políticas públicas de defesa agropecuária, relacionadas a um enorme mercado internacional de exportação de carne bovina no Mato Grosso. Como servidor da Funai, minha inserção nessa rede de relações também acaba provocando algumas implicações e inflexões que gostaria de evocar brevemente durante a apresentação.

 

 

 

 

Sessão 3 - 24/11 – Proliferações conceituais

Debatedor: Rodrigo C. Bulamah (UERJ)

 

1 Um ensaio de cartografia social em território minerário

Frederico Canuto (UFMG)

Everton Jubini de Merícia (UFMG)

ejubini2@gmail.com

 

Neste texto de caráter ensaístico pretendemos discutir a possibilidade da
problematização do uso da cartografia social numa chave multiespecífica através da
ampliação do conceito sobre social para espécies, além e junto à humana. Para tal,
mobilizamos autores que discutem a ideia de cartografia social e o papel desta
ferramenta nas diversas formas de luta por terra e território protagonizadas por
grupos sociais em diferentes regiões do Brasil, como Henri Acselrad e Alfredo
Wagner Berno de Almeida, e outros que discutem o antropoceno e a paisagem em
uma perspectiva etnográfica dos viventes, como Anna Tsing, Donna Haraway e
Isabelle Stengers. Entrelaçamo-os com breves narrativas das experiências como
cartógrafo social de um dos autores nos territórios, e com as pessoas atingidas, no
contexto das ações de reparação ao desastre sociotécnico e ambiental na bacia do
Rio Doce provocado pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão em 2015,
controlada pela mineradora Samarco. Tal articulação entre os textos, as imagens
produzidas através do trabalho do cartógrafo social e os conceitos abordados visa
fazer do texto, ele mesmo, uma experiência de cartografia social multiespécie na
qual advogamos em favor.

 

 

2 A zona indeterminada de VanderMeer: alteridade e simbiose em espaços devastados

Camila Laux Kern (Museu Nacional/UFRJ)

camilakern@gmail.com

 

Este estudo tem como ponto de partida a análise da trilogia de ficção
científica “Comando Sul”, escrita por Jeff VanderMeer, a fim de explorar como
espaços indeterminados e alteridades incompreensíveis desafiam os debates
antropológicos contemporâneos a respeito das devastações ecológicas que
caracterizam o Antropoceno. A obra de VanderMeer orbita em torno de uma zona
misteriosa denominada de Área X, onde elementos e criaturas se assimilam de
maneiras inesperadas. Descrita inicialmente como uma área ambiental protegida,
expedições científicas preocupadas em catalogar e descrever o ambiente
deparam-se com uma zona permeada por extinções, contaminações e
regenerações, em que os seres não se parecem consigo mesmos, mas
transformam-se a todo momento. Uma ecologia feral, poderíamos dizer, que
tensiona as fronteiras supostamente rígidas entre forças humanas e inumanas,
assim como entre vida e não-vida, mostrando as maneiras complexas e simbióticas
com que as diferenças se arranjam e se desarranjam, perdurando e/ou se
aniquilando. Trata-se, nesse sentido, de refletir sobre o lugar que o “outro” ocupa,
assim como sobre as fricções, os devires e as equivocações que se produzem
desse encontro de existências e mundos divergentes. Tornar-se outro, nesse caso,
seria menos um processo temporal que uma formação e composição terrestre, que
se expande e se contrai espacialmente.

 

 

3 Leite-Zumbi: uma entidade feral ou uma FC [Fabulação Contranegacionista]?

Cecilia Cavalieri (UFF)

ceciliacavalieri@gmail.com

 

A pecuária leiteira teve início no Brasil já em 1532, mas foi em 1950 que,
acompanhando o surto de industrialização, passou a introduzir no vocabulário
lácteo os tratamentos – esterilizações – térmicos como pasteurização e
processos UHT – processos de aplicação de calor e frio, que eliminam todos
os microorganismos patogênicos do leite, segundo explica o portal MilkPoint.
Por agente patogênico (do grego: πάθος (pathos), “sofrimento”, “paixão” e -
γενής (-genēs) “produtor de”), compreende-se vírus, bactérias, protozoários,
fungos, etc. Ou seja, para que o leite [das milhões de vacas anônimas] circule
e escorra para os buchos humanos mediados por latas, caixinhas tetra-pak ou
garrafas de plástico, é necessário zumbificá-lo, torná-lo um morto-vivo.
Estudos comprovam que a onipresença transbordante e excessiva desse leite
morto-vivo, desse zumbi, na dieta ocidental, tem sido um dos grandes
responsáveis pelo aumento de massa corporal – massa gorda – em crianças e
adolescentes ao redor do mundo, sobretudo nos países em que se observa
progressiva ocidentalização [da dieta], chegando a ser considerada uma
espécie de epidemia global. Diante deste cenário, nos pergunto: seria o leite-
zumbi, o leite sem pathos, sem agente patogênico, encontrado nas prateleiras
de farmácias e supermercados, o leite esterilizado e sem vida, o morto-vivo
em pó, uma entidade feral, um vivente que retorna a – outro – estômago sem
o caráter multiespecífico de sua constituição? Ou ele seria simplesmente uma
FC, uma Fabulação Contranegacionista com a qual comporíamos uma
especulação para permanecer com o problema, como diria Haraway, do
laticídio industrial?

 

 

4 O equilíbrio biológico da cidade: a família plantation da política habitacional brasileira

Gustavo Belisário d'Araújo Couto (Pesquisador independente)

pp.belisario@gmail.com

 

Vigiar seu “equilíbrio biológico”: essa foi a expressão utilizada pelo Dr. Victor
Tavares de Moura para afirmar o sentido da reeducação de moradores de
favela que iriam residir nos recém criados Parques Proletários (MOURA, 1943
apud CARVALHO, 2003:26.). Em nossas pesquisas sobre a gênese da política
habitacional brasileira, notamos que essa expressão não é um ponto fora da
curva dentro da concepção da política de distribuição de moradias desde os
anos 30 ou na política de demolição de cortiços antes disso (BELISÁRIO,
2023). Há intenções na concepção dessas políticas de normatização do gênero
e da sexualidade para não contaminar a lavoura com a promiscuidade e a
ausência de família. Neste trabalho será feita uma análise mais aprofundada do
que chamamos anteriormente de família-plantation e da intenção de inscrever
territorialmente nos desenhos das cidades monoculturas unifamiliares –
restringindo o conceito de família ao de reprodução biológica de recursos
humanos. Os movimentos de luta por moradia, nessa chave de leitura, são
compreendidos como proliferações de outras ecologias emergentes e como
invasões de outras maneiras de conceber o humano, o corpo, a biologia, a
sexualidade na cidade.

  5 Florestas incendeiam no devastar línguas: epistemologias do Sul, da biosfera à logosfera

Gabriel Diniz Gruber de Oliveira (Unicamp)

gabriel.dgruber@gmail.com

 

Ao lidar com a temática das consequências do Capitaloceno sobre a
biosfera, se faz necessário ter compreensão de seu impacto indissociável à
logosfera. Pela prática da monocultura, não somente espécies animais têm sido
afetadas, mas a expansão devastadora do poder imperial/colonial moderno sobre a
diversidade linguística é um fator de destruição incontestável nas línguas endêmicas de Abya Yala. A ligação intrínseca entre as vidas, seus conhecimentos, experiências e naturezas ontológicas é intermediada pela linguagem, que lhe é consubstancial. Trazendo o conceito das ligações biológica-linguísticas, os postulados de Michaela Zemková (2018) embasam a primeira etapa da pesquisa. Seguindo as linhas de antropólogos linguistas desde Boas, Sapir e Whorf (1979) em diante, para a etnografia das línguas, propomos nos concentrar na remodelação do conceito de linguagem a base de sua natureza epistemológica e ontológica. Entre as diversas estratégias de ampliação da monocultura linguística há desdobramentos mais explícitos como práticas políticas e escolares declaradas, até estratégias eurocêntricas da ciência linguística, como o papel de materiais metalinguísticos da gramática e dicionário. Para tanto, trago à discussão métodos de descrição e análise, baseados nos postulados da etnolinguística/etnossintaxe (BRAGGIO, 2011; DE PAULA, 2014), e suas consequência na revitalização de forma integral das línguas indígenas estudadas, e suas consequências na insurgência contra o Capitaloceno.

 

 

ST 10 – Memória social e crise ecológica planetária

Coordenação: Amir Geiger (UNIRIO) - ageiger@centroin.com.br

Jorge Mattar Villela (UFSCar) - villela@ufscar.br

Renan Martins Pereira (Doutor em Antropologia – UFSCar) - zinhotravis@gmail.com   

 

Muito se escreveu a respeito dos quadros sociais da memória a partir das teses fundadoras de Maurice Halbwachs. Ao longo do século XX, os estudos sociais e culturais da memória, dentro e fora da Antropologia, dedicaram-se a entendê-la como representação coletiva de tradições, oralidades, costumes, crenças, rituais, técnicas, saberes, práticas, genealogias e identidades. Por um lado, a memória social de grupos, aldeias, comunidades, nações e civilizações se tornaram fontes inesgotáveis de análise dos processos de transmissão, duração e transformação do passado, por outro, a memória se tornou peça fundamental para o entendimento dos processos culturais de produção do espaço geográfico, dos territórios, dos lugares, das paisagens, da natureza, dos seres vivos e da biodiversidade do planeta. Frente às violentas transformações climáticas do nosso tempo, o objetivo deste Seminário Temático é debater trabalhos que, a partir de contextos etnográficos distintos, procuram analisar e refletir a respeito de memórias coletivas ameaçadas, por exemplo, por secas extremas, desertificação, queimadas, inundações, desmatamentos, mas também por maquinarias científicas e tecnológicas de atividades como a mineração, o extrativismo vegetal, a pesca industrial, a agropecuária, a construção de barragens e hidrelétricas, entre outras práticas predatórias do capitalismo. A fim de deslocar os quadros sociais da memória em direção aos seus quadros ambientais e ecológicos (incluindo a presença de animais, plantas, florestas e outras entidades), buscamos neste ST questionar a centralidade humana da memória moderna, ainda hoje o paradigma teórico norteador de boa parte dos estudos sociais e culturais da memória em Antropologia.

 

Palavras-chave: memória social, memória coletiva, crise ecológica, antropologia.

 

 

Debatedor: Renan Martins Pereira (Pós-doutorando na USP, bolsista FAPESP - processo 2023/09667-0, Projeto Temático Métis – processo 2020/07886-8)

 

 

Sessão 1 – 22/11 – 9h às 12:30h

 

1 Sobre chuvas, plantas e animais: uma descrição de perturbações ecológicas percebidas pela Comunidade de Fundo de Pasto Cachoeirinha (Juazeiro-BA)

Adalton Marques (UNIVASF)

adalton.marques@univasf.edu.br

 

No quadro de memórias de moradoras/es da Comunidade de Fundo de Pasto Cachoeirinha (Juazeiro, Bahia) a respeito dos efeitos da diminuição das chuvas percebidos a partir do início dos anos 2000, que as/os levaram a abandonar o cultivo de mandioca e a realização de farinhadas, o presente trabalho propõe a tarefa de descrever outras perturbações ecológicas que dizem respeito às relações entre a criação de cabras e bodes, a diminuição da cobertura vegetal da caatinga e a resiliência – relativamente superior – de três plantas que podem adoecer e até matar esses animais: 1) o canudo, um tipo de bambu que fica de um ano para o outro e vicia os animais; 2) a capoteira, uma trepadeira que dá nas areias e faz os animais tontearem; e, por fim, 3) o tinguí, uma planta rasteira que dá na área de tabuleiro e é um veneno muito forte. Segundo meus interlocutores, essas plantas não são, em si, maléficas, mas tornaram-se problemas para suas atividades criatórias desde que as alterações ecológicas percebidas reduziram a disponibilidade de alimento para os animais, isso porque, antes da precipitação das chuvas, elas partem na frente, tornando-se abundantes na caatinga.

 

Palavras-chave: Mudanças climáticas; Caatinga; Criação; Fundo de Pasto; Comunidades Tradicionais; Juazeiro-BA.

 

2 - Reativações e desativações de memórias relativas ao rompimento de barragens em Minas Gerais: um efeito da feitiçaria mineradora?

Beatriz Judice Magalhães, Pós-Doutoranda em Estudos Brasileiros – IEB/USP, Pesquisadora do Projeto Temático Fapesp “Semânticas da criação e da memória” (Métis)

beatrizjudice@gmail.com

 

 

Aplicando a ideia de feitiçaria aos discursos econômicos sobre a mineração em Minas Gerais, de forma semelhante à realizada por Pignarre e Stengers (2005) com relação ao capitalismo, teço reflexões a respeito do possível impacto de discursos e práticas ancorados na feitiçaria mineradora sobre processos de desativação de memórias relativas aos rompimentos das barragens de rejeitos de mineração nos municípios mineiros de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. Nesse sentido, interessa pensar a respeito de questões como: quais são os mecanismos que promovem o apagamento ou tentativas de apagamento de processos coletivos de memória sobre os traumas e perdas ligados aos eventos em questão? Quais os efeitos de tais mecanismos sobre os processos de luto de perdas humanas e não-humanas, tendo em vista as colocações de Butler (2018)? Em que medida e como os discursos pró- mineração conseguem se legitimar junto às populações das cidades atingidas, e à população mineira em geral, como única alternativa? Como enfrentar esse silenciamento de possibilidades menos predatórias para as populações humanas e não humanas, isto é, como reativar as memórias dos eventos de modo a, simultaneamente, dignificar os processos de luto e prevenir novas tragédias similares?

 

Palavras-chave: feitiçaria mineradora; alternativas à mineração; Mariana; Brumadinho.

 

 

3 Memória contra a extinção: as lutas de atingidos por empreendimentos minerários
Gabriela de Paula Marcurio, Doutoranda PPGAS – UFSCar, Bolsista Fapesp (Processo nº2023/02480-1, vinculado ao projeto temático nº2020/07886-8)

gabrielamarcurio@gmail.com

 

As ameaças do extrativismo mineral em larga escala ganharam visibilidade no Brasil em 2015, quando a barragem de rejeitos de minério de ferro da Samarco (Vale e BHP) se rompeu em Mariana/MG. A destruição provocada pelo maior desastre socioambiental em extensão do país provocou o deslocamento compulsório de comunidades rurais e impediu a manutenção dos modos de viver dos povos na Bacia do Rio Doce, concernentes sobretudo à lida com a terra e ao uso da água. Realizei uma etnografia da luta por reparação da comunidade atingida de Paracatu de Baixo, investigando os aparatos técnicos e jurídicos inseridos na rotina dos moradores. Seguindo os relatos dos atingidos, a memória aparece como uma ferramenta que constitui a comunidade em torno do acontecimento que alterou completamente a forma da vida. Pretendo apresentar os resultados obtidos nessa pesquisa que aventam a memória como uma tecnologia social, não apenas um artifício de lembrança da comunidade devastada, mas um modo de compor relações comunitárias reconhecíveis legalmente para reparar os moradores. Amplio essa proposta com uma nova hipótese, em um desdobramento de pesquisa que se encaminha para outra geografia, a microrregião de Juazeiro/BA, que concentra os conflitos minerários da contemporaneidade. Comparando o desastre da mineração em uma ecologia historicamente explorada com a atual fronteira minerária, sugiro que a memória pode ser a chave para a resistência do ponto de vista das comunidades atingidas. A memória seria, então, uma forma de registrar, antecipar e agir diante da extinção de modos de vida.

 

Palavras-chave: Memória; atingidos; mineração; desastre; modos de vida.

 

 

 

4 Cosmologias contra a mineração

Isabella Drumond Rodrigues, mestranda PPGAS/DAN/UnB

isabelladrodrigues@gmail.com

 

Os recentes rompimentos de barragem em Minas Gerais colocaram em pauta, mais uma vez, as crises ecológicas relacionadas à produção capitalista. Para o povo indígena Krenak de Minas Gerais, o rompimento da barragem de Fundão em Mariana foi a morte do Watu (Rio Doce), pois o rio é “parente”, o que complexifica o mundo de significados em disputa nas crises ecológicas planetárias. A trajetória do ensaio que apresentarei teve início durante minha pesquisa etnográfica de graduação junto aos Krenak, durante os anos de 2016 e 2017, que ocorreu após o rompimento da barragem de rejeitos de mineração. Nesse contexto foi me apresentada uma relação inequívoca entre terras, rios e humanos; essa relação apareceu tanto pelos estatutos cosmológicos desses elementos, quanto pelos estatutos jurídicos e pelas consequências do rompimento. Na monografia, tentei dialogar com esses acontecimentos e concepções e com os conceitos de genocídio, etnocídio e ecocídio; a partir do apontamento de uma continuidade da pesquisa etnográfica no mestrado, que passasse a ter mais atenção à “diplomacia cósmica” krenak, parti do pressuposto epistemológico de estudo das concepções, epistemologias e teorias nativas a partir da abordagem ontológica (VIVEIROS DE CASTRO, 1999) e a partir da memória social, ao levarmos em conta a afirmação de um ancião krenak, em 2017, que, ao me relatar sobre o rompimento da barragem expressou “tenho uma lembrança que esse é o fim do mundo”. A memória social, bem como os imperativos civilizacionais dos krenak nos contam uma outra história sobre essas crises; aqui, me aproprio do conceito de geontologias para apreender as relações estabelecidas entre rios, montanhas, terras e pedras para os krenak.

 

Palavras-chave: memória, krenak, geontologia, mineração.

 

 

5 Expedicionários em paisagem multiespécie

Everton Jubini de Merícia (Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG)

ejubini2@gmail.com

Frederico Canuto (Professor adjunto na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG)

fredcanuto@gmail.com

 

A partir de uma expedição dos autores às dez comunidades na sub-bacia do rio Gualaxo do Norte afetadas pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineração em Mariana/ MG em 2015, neste texto pretendemos discutir de que forma as espécies se transformam e juntas criam condições de habitabilidade em mundos arruinados pelas infraestruturas humanas. Sob uma abordagem multiespecífica proposta por Anna Tsing, nos interessa observar assembleias formadas a partir do emaranhado de lama de rejeitos, rios, animais, pessoas atingidas, empresas, organismos vegetais nativos, endêmicos e introduzidos pela ação antrópica, não através de coordenadas cartográficas tridimensionais, mas pelo rastro de suas atividades registrado em fotografias, áudios e textos. Entendemos que a combinação destas práticas de conhecimento, em um gesto de retorno ao campo anos após a catástrofe, nos impele a entrever encontros interespécies com histórias distintas e o compartilhamento de tecnologias de sobrevivência precária em paisagens perturbadas no Sul global. Especulamos sobre mundos mais que humanos porvir, apesar do aparato técnico, científico e discursivo das mineradoras utilizado para amparar estratégias de reparação centradas nos humanos e sentenciar o fim de um mundo em uma perspectiva branco ocidental.

 

Palavras-chave: paisagem multiespécie; mineração; barragem de rejeitos; desastre.

 

 

Sessão 2 – 23/11 – 9h às 12:30h

1 “Memórias e Sonhos no Antropoceno: As Lembranças “dos Velhos” em Tempos de Mudanças Globais”

João Victor Maia Costa, Graduação Ciências Sociais, UnB

maia.joao@aluno.unb.br

 

Neste trabalho, busca-se compreender a qualidade da memória episódica em idosos expostos ao contexto do Antropoceno e pandemias, bem como a ocorrência de sonhos associados a essas vivências. A metodologia envolveu a realização de entrevistas e análises de conteúdo de relatos de sonhos e recordações de experiências passadas em uma amostra diversificada de idosos no Distrito Federal. Os resultados revelam que os impactos ambientais do Antropoceno podem ter efeitos negativos sob a memória de idosos. As preocupações com as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e a degradação de ambientes afetivos e a biodiversidade emergiram nos relatos coletados, refletindo uma profunda conexão entre a vivência do momento atual e a psique dos idosos. A experiência da pandemia também emergiu significativamente. A crise sanitária afetou a vida e as rotinas dos idosos, impactando suas memórias e induzindo sonhos relacionados a medos, perdas e anseios por tempos mais seguros e saudáveis. Ao conectar a Antropologia à Psicologia Social se destaca a importância de compreender a memória e os sonhos dos idosos em tempos de mudanças globais. Essa abordagem multidisciplinar permite uma reflexão mais ampla sobre o bem-estar emocional e psicológico dos idosos, além da possibilidade de pensar subsídios para políticas públicas e práticas de cuidados adequadas às necessidades dessa população.

 

 

2 O sonho de Libânio e as memórias do lugar

Carla Cristina Barros Pinheiro, Mestranda em Cartografia Social e Política da Amazônia – UEMA, Pesquisadora GEDMMA-UFMA

carlacbp97@gmail.com

 

Cíndia Brustolin, Professora do DESOC-UFMA, Pesquisadora GEDMMA-UFMA

cindia.brustolin@ufma.br


Joercio Pires da Silva, Mestre em Cartografia Social e Política da Amazônia – UEMA, Pesquisador GEDMMA-UFMA

8leleco8@gmail.com

 

Seu Libânio é conduzido em sonho até as cabeceiras dos igarapés no tempo passado e logo depois é direcionado para olhar como estão agora. Os igarapés, as árvores, as roças, os caminhos velhos que nutrem e fazem as terras de preto em Itapecuru Mirim, no Maranhão, foram atravessados pelas estradas de ferro Transnordestina e Carajás, por cinco conjuntos de torres de linhões de energia, pela rodovia Br 135, em fase de duplicação. Com as estruturas, chegaram também as fazendas. O território do quilombo Santa Rosa dos Pretos, terra em que o ancião vive desde que nasceu e pela qual luta, está recortado por empreendimentos. Uma “canoa furada” que seus antepassados entraram quando passou o primeiro pico de estrada, que não parou de crescer até se transformar em um Corredor Logístico de exportação das principais commodities minerais e agrícolas do país. O sonho é a realidade de um alerta e principalmente de um compromisso do ancião quilombola com a vida, com a terra, com as águas, com as encantarias, com os peixes. O trabalho proposto para discussão segue com o sonho de Libânio pelas memórias do lugar, tomando-as como filosofia política de um habitar contracolonial, “cultural” e não “comercial”, como nos diz Libânio, forjado no declínio do sistema escravista e ameaçado desde meados dos anos 1950, quando as estradas e tudo o que trouxeram e com que acabaram transformaram a região. Um habitar que persiste e rega a resistência, apesar de fortemente atravessado.

 

Palavras-chave: sonho – igarapés – empreendimentos – memórias – lugar.

 

 

3 O BARROCO DENTRO DA UNIVERSIDADE: espaço e criação da memória comunitária no Arruado do Engenho Velho a partir das relações institucionais com o Campus Recife da UFPE

Fabiano Lucena de Araujo, Doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco

fabiano.laraujo@ufpe.br

 

A presente reflexão visa apresentar os processos de constituição espacial da memória dos moradores da comunidade do Arruado do Engenho Velho, a partir das relações institucionais com o Campus Recife da Universidade Federal de Pernambuco, local onde está inserida e cercada pelas construções dos centros de ensino e pesquisa e demais equipamentos, nas imediações do Sítio Arqueológico do Engenho do Meio, reconhecido pelo IPHAN em 1996. O objeto a ser analisado consiste nas formas criativas e contrastivas, ou mnemotropismos nos termos de Joël Candau (2002), em que a comunidade promove a memória de sua ocupação espacial, principalmente em interação com sujeitos acadêmicos, arquivos, documentos oficiais e como forma de afirmar seus hábitos rurais de uma população suburbana descendente de trabalhadores da plantation canavieira, que testemunhou o crescimento da metrópole (o Recife) englobando seus quintais com um campus universitário. Portanto, está previsto um exame i) das dinâmicas com que a comunidade do Arruado, seus relatos e as memórias de vida, incorporam a história oficial, os arquivos, principalmente a partir da interlocução de Seu Lula Eurico, e acompanham as ações de movimentos sociais (Movimento de Cultura Popular, Movimento Cultural da Várzea) e acadêmicos (projetos de extensão); ii) das diferentes lógicas e possibilidades históricas de ocupação espacial do campus Recife, a partir da investigação de um circuito de produção agrícola instalado na área e a consequente diáspora dos posseiros; iii) das leituras concorrentes ou complementares dos modernismos arquitetônico, regionalista e o articulado pelo ISEB e Movimento de Cultura Popular que produziram a atual configuração do campus Recife da UFPE, a partir do final da década de 40.

 

Palavras-Chave: Plantationceno, Ruína, Rurbanização, Espaço e Memória, Altermodernidade, Neobarroco.

 

 

 

 

4 Sobre taperas e refúgios: o caso dos Tremembé de Almofala

Janaína Ferreira Fernandes, Professora do Instituto Federal de Goiás (IFG) - campus Formosa

janaina.fernandes@ifg.edu.br

 

O avanço do agronegócio tem solapado diferentes ecossistemas, dando margem ao aprofundamento da emergência climática, seja em razão da diminuição da biodiversidade, do uso intensivo do solo e de fertilizantes, da poluição das águas, seja por meio dos efeitos nefastos em populações historicamente colonizadas, que se veem impossibilitadas de manter suas práticas econômicas e de ocupação do solo ditas tradicionais. Este trabalho abordará a situação do povo indígena Tremembé de Almofala, habitante do litoral oeste do Estado do Ceará, mais especificamente os habitantes da aldeia Tapera. Trata-se de uma população que foi retirada de sua aldeia, durante os anos 1980, em razão da invasão da empresa monocultura DuCoco S/A e instalada em uma estreita faixa de terra às margens do rio Aracati-Mirim, uma região de mangue. Encurralados entre o rio e os portões da empresa, os habitantes da região foram colocados em um local considerado por eles inadequado para se viver, tendo em vista estarem em cima do manguezal, convivendo com seres não humanos, tangíveis e intangíveis, com quem tiveram que estabelecer um certo tipo de convivência muito próxima daquelas que Tsing infere às chamadas espécies companheiras. Tal situação vem estabelecendo configurações interespecíficas inusitadas, baseadas sobretudo na constituição de um ponto de refúgio para os entes envolvidos.

 

Palavras-chave: Monocultura. Terra Indígena. Refúgio.

 

 

 

ST 11 - Saberes na encruzilhada: resistências, modos de sobrevivência e novas perspectivas na construção de mundos habitáveis Humberto Santana Jr. (PPRER/CEFET/RJ), santanajrhumberto@gmail.com Zacarias Milisse Chambe (UniRovuma, Moçambique/ Unifesp) Maysa Mayara Costa de Oliveira (UFNT)

 

O Seminário Temático (ST) proposta busca oferecer espaço para trabalhos que dialoguem com as diferentes culturas, saberes e as possibilidades que surgem desses encontros. Este ST pretende explorar os modos pelos quais as relações entre as diferenças culturais são vivenciadas e as reflexões que surgem dessas pesquisas. O ST foi inspirado na noção de confluência (SANTOS, 2015) que é baseada na relação entre os elementos da natureza que se ajuntam, mas não se misturam, em diálogo com a noção de biointeração (SANTOS, 2015) que cria uma composição de forma respeitosa e saudável para a construção de mundos habitáveis frente às crises ecológicas. A confluência e a biointeracão colocam os saberes como elementos que se encontram numa encruzilhada criando possibilidades de resistir, contribuir ou construir novas perspectivas. Estas, estão presentes nas formas de habitar espaços, construir lugares, moradas, identidades, superar desigualdades, construir resistências e modos de sobrevivência. Técnicas de morar, habitar e resistir que estão numa relação hierárquica de saberes, e que representam também, formas de resistir nesse campo de disputas. Acolhemos neste ST, trabalhos que dialogam sobre cidades, espaço rural, relações étnico-raciais, religiosidades, formas de construir e resistir em mundos habitáveis nessas encruzilhadas.

 

Palavras-chave: Resistências; modos de sobrevivência; encruzilhada; biointeracão; mundos habitáveis.

 

 

Sessão 1

 

1 Ecos de liberdade e a construção de uma ferida comum entre haitianos e brasileiros em uma ocupação paulistana

Marcelo Giacomazzi Camargo (PPGAS/UnB), marcelo.giacomazzi@gmail.com

 

O trabalho trata dos esforços conjuntos de ativistas haitianos e brasileiros em uma ocupação urbana no centro da cidade de São Paulo. A ocupação, criada em 2021, fica próxima a uma região com grande concentração de residentes haitianos e marcada pela atuação policial e pelos processos históricos de zoneamento racial da cidade. Ligada a um movimento socialista que luta pelo acesso universal à moradia, as atividades políticas da ocupação contemplam formas de ativismo que, diferente daquelas sancionadas pelos órgãos municipais e organizações do terceiro setor voltados a questões migratórias, colocam seus membros em conflito direto com as forças policiais. Tais manobras rebeldes são empregadas em resposta à percepção de que a exploração capitalista pelo trabalho assalariado e a precarização da vida pela segregação urbana arriscam um colapso histórico com o poder de trazer o fantasma da escravidão de volta à vida no presente. Invocando e combatendo diferentes narrativas mitológicas quanto ao local da antinegritude e da violência nas lutas compartilhadas de haitianos e brasileiros, os residentes planejam a sua ocupação do centro de São Paulo como uma forma de ativar uma história negra local apagada e de afirmar um princípio norteador básico em comum entre as mitologias de revolta racial no Brasil e no Haiti. No centro disso está um elo insinuado entre os limites da Revolução Haitiana e as frustrações da abolição legal da escravidão no Brasil.

 

Palavras-chave: escravidão; moradia; migração haitiana.

 

 

2 A representação de São Benedito no Tambor de Crioula

Daniel Suani Araujo (PPGAS/UFG), danielsuani@gmail.com

 

O presente artigo tem como referência o trabalho de conclusão de curso em antropologia “Meu Padrinho é São Benedito: quando o tambor foi batizado o Mangacrioula se firmou”,  reflete sobre o sentido atribuído às toadas de Tambor de Crioula pelos integrantes de um grupo da cidade de Teresina-PI, o Mangacrioula, e sua relação com a representação de São Benedito através da análise incorporada ao sincretismo religioso entre o Catolicismo Popular e as religiões de matrizes africanas.

Palavras chaves: São Benedito, Religiosidade, Mangacrioula, Antropologia.

 

 

3 Resquícios de Babel: diálogos (im)possíveis entre conhecimento científico e saberes tradicionais no Brasil profundo

Valter Cardoso da Silva (PECEM/UEL), valter.cardoso@uel.br

Moisés Alves de Oliveira (UNISINOS), moises@uel.br

 

O estudo analisa, na perspectiva dos Estudos Culturais da Ciência, o encontro entre  conhecimentos científicos e saberes tradicionais. Em termos teórico-metodológicos,  compreende-se que os saberes tradicionais foram historicamente considerados  conhecimentos empíricos de segunda ordem, produzidos de forma irrefletida e  privados de critérios de verificação, principalmente se comparados às produções da  ciência moderna – um sistema que, em direção contrária, produz explicações e  soluções que permitem a elaboração de leis que podem prever fenômenos. Hoje,  mesmo que contestado, existe um entendimento de que tais saberes possuem  racionalidade própria que, longe de ser estática, produz leituras de mundo dotadas de  capacidade cognitiva para orientar práticas onde o humano e a natureza são tomados  de forma integrada e não dicotômica. A pesquisa de campo se desenvolveu por meio  de entrevistas junto a educadores que atuam no ensino de ciências em regiões  periféricas do Mato Grosso. A análise dos resultados aponta disposições não  pacificadas quanto à educação a ser ofertada a estas comunidades. Por um lado há  arranjos voltados a projetos que promovam pontes entre ciência e tradição – inclusive  por meio da produção de materiais onde se procura produzir registro e conservação  de conhecimentos ancestrais. Por outro, há movimentos pautados por uma visão de  ciência como saber hegemônico, incontestável, fechada em si mesma e atrelada a  uma produção tecnológica comercializável em larga escala.

 

Palavras-chave: ciência, saberes tradicionais, ensino de ciências, novas epistemes.

 

 

4 Quais outros mundos são possíveis? Ensaios a partir de uma cosmologia Yogi e Sannyasi

Lucas Brandão Sampaio Procópio (PPGIEL/UFMG), lucasbrandaosp@hotmail.com

 

Diante do colapso climático e civilizatório que nos espreita (KOPENAWA &  ALBERT, 2015; KRENAK, 2019; DANOWSKI & VIVEIROS DE CASTRO, 2017;  WALLACE-WELLS, 2019), é imperativo desvendarmos outros arranjos que  apontem para o fortalecimento de mundos que caibam todos. Na contramão da  esterilização de futuros própria do Antropoceno, me vejo no epicentro de uma “dança cósmica” (KRENAK, 2021) ao olhar para o caminho que percorro. Evoco  neste texto a experiência de habitar um Ashram em solo brasileiro enquanto  possibilidade de alargamento dos nossos “horizontes prospectivos” (KRENAK,  2020), fincado em cosmologia realçada pela sacralização da vida. Ashrams são  territórios cuja forma de vida encontra-se assentada sobre uma dada matriz  epistemológica; neste caso, remeto-me ao Ashram de nome “Casa do Guru” (Serra da Moeda, MG), o qual tem o Yoga (enquanto experiência  filosófica/prática) como eixo central de sua existência. Irrigado, ainda, pelas  especulações filosófico-práticas do Tantra, do Samkhya e do Vedanta, no  Ashram “Casa do Guru” preza-se por uma forma de vida que esteja em sintonia  e equilíbrio com os ritmos e temporalidades da Terra, na perspectiva de que o  corpo é, senão, o universo consubstanciado nele mesmo. A intencionalidade  disciplinar dos horários cotidianos, a alimentação vegetariana, a utilização de  Mantras e o arcabouço técnico e ritualístico são alguns dos traços de nossa  experiência que sublinham nossa cosmologia. Pergunto, com este texto que se  desdobra de minha dissertação (PROCÓPIO, 2020), quais são as contribuições  que o Ashram “Casa do Guru” aponta na criação de outros mundos? Se há  mundo por vir (DANOWSKI e VIVEIROS DE CASTRO, 2015), como podemos  suavizar um futuro potencialmente infértil?

 

Palavras-chave: Yoga. Sannyasa. Ashram. Ecologia de Saberes.

 

 

5 “Eu adoro azul!” A força de habitar o mundo com o que se deseja: relatos de campo desde o assentamento Filhos de Sepé.

Dayana Cristina Mezzonato Machado (PGDR/ UFRGS), dayanacmma@gmail.com

Pâmela Marconatto Marques (PGDR/ UFRGS), pamela.marconatto@ufrgs.br

 

A partir do tremor (Glissant, 2010) provocado pelo encontro com a interlocutora Joseane Silveira durante os percursos de campo do doutorado, realizado entre setembro de 2021 e dezembro de 2022 com mulheres negras do Assentamento Filhos de Sepé em Viamão, no sul do Brasil, descrevo as dimensões que ressoam pistas sobre a fabulação de mundos que eclodem no “momento exato da dança” (Pelbart, 2019). A imagem de Joseane pintando de azul a fachada de sua casa ressoou, provocando nosso primeiro encontro, que se desdobrou em outros. De tais acontecimentos, habitados pela beleza, o gosto pelos trabalhos manuais e a perspectiva dadivosa da relação com os demais vivos, eclodiu pulsante seu modo de existência indicando pertencimento ao mundo (ao seu mundo) com a força de deslocar a noção de um mundo universal padronizado. Esses encontros tiveram ainda a força de apresentar mundos nos quais a vida boa, que se mostra na potencia de povoar o que existe de força e de beleza, se faz ao mesmo tempo em luta para se viver como se deseja, aqui e agora. Estremecida pela encruzilhada de mundos diferentes, capaz de evidenciar fissuras do saber-fazer humanista benevolente (Spivak, 2010; Krenak, 2019) da pesquisadora, eclodiram possibilidades para encontros simétricos.

 

Palavras-chave: Pensamento do tremor, vida boa, saberes simétricos.

 

 

6 O Tambor de Mina presente no ciberespaço: uma abordagem netnográfica da plataforma Youtube

Arlindo Figueiredo do Rosário Júnior (Instituto Federal do Pará – IFPA), ajuniordeode@yahoo.com.br

Breno Rodrigo de Oliveira Alencar (Instituto Federal do Pará – IFPA), breno.alencar@ifpa.edu.br

 

Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa netnográfica sobre a presença de um dos cultos afro-brasileiros na plataforma YouTube, mais especificamente o tambor de mina. Visando compreender a relação entre a afro-religiosidade e ciberespaço, foram identificados e catalogados os perfis de templos religiosos, sacerdotes e praticantes do tambor de mina na Amazônia. Estes canais divulgam rituais, símbolos, histórias e doutrinas que são consideradas secretas dentro da tradição afro-religiosa. Mas, o que leva os afro-religiosos do tambor de mina a criarem conteúdos religiosos na plataforma YouTube? Para resolver esta problemática, utilizamos uma metodologia inspirada na netnografia, de Robert Kozinets (2014, p. 63), em que os dados são coletados através da observação participante, onde o pesquisador “compartilha a vivência com os sujeitos pesquisados” (SEVERINO, 2016, p. 126). Esta pesquisa é inovadora para os estudos acerca do tambor de mina e propõe diálogos entre a tradição e a modernidade. Dentre outros resultados, esta pesquisa observou que a propagação de conteúdo afro-religioso se dá pela necessidade de apresentar a beleza cultural que o tambor de mina tem. Observamos também o poder de transformação que o YouTube tem em uma comunidade tradicional, a ponto de levar os adeptos desta comunidade a exibirem suas liturgias que são consideradas íntimas e secretas. Esse segredo é preservado em sua maioria pelos praticantes mais antigos, sendo expostos pelos mais jovens praticantes da religião, configurando-se um novo período da história desta religião na qual os segredos ritualísticos vão se apresentando para a sociedade diante da era tecnológica e das relações sociais produzidas no ciberespaço.

 

Palavras-chave: tambor de mina; YouTube; afro-religiosidade; ciberespaço.

 

 

7 As rosas negras: quebradeiras de coco babaçu, raça e território no Maranhão contemporâneo

Igor Thiago Silva de Sousa (CPDA-UFRRJ; PPGS/UFRGS), igorthiago.sousa@gmail.com

 

O presente trabalho analisa o modo como as associações entre raça e território  propostas por quebradeiras de coco babaçu negras no Maranhão permitem  redimensionar as discussões usuais sobre raça, ruralidade, meio ambiente e  gênero, situando de que forma as articulações envolvendo estas mulheres  negras e outros povos e comunidades tradicionais possibilitam alianças  territoriais potentes. Ao remeter a sua pertença racial, essas quebradeiras têm  feito uma associação direta entre suas vidas, a violência antinegra a que estão  sujeitas e seus corpos-territórios, destacando que não pode haver “corpos livres  em territórios presos” pelo latifúndio ou ditames do Estado e mercado. Nesse  sentido, remetem não apenas a si mesmas, mas a um conjunto de sujeitos,  sejam seus companheiros, companheiras, filhos e filhas, atrelando diretamente  a vida ao tecido comunitário. Para tanto, foi necessário um tipo de pesquisa e  produção etnográfica calcadas nas experiências de caminhar ao lado, mesmo  que cruzadas e impactadas pela pandemia de covid 19 e seus efeitos, um  esforço de seguir, estar com, atravessar lugares e trilhar experiências, em dar  densidade teórica às vivências dos sujeitos com os quais se fez pesquisa, em  seus fluxos, passagens, aprendizados e correntezas. A aposta na correnteza,  passar por turbilhões em conjunto, mesmo que de maneira diferencial, se  mostrou crucial ao longo da pesquisa, na medida em que falar da pertença racial  de minhas interlocutoras, como vivem em um mundo marcadamente antinegro e  cercado de dor, memórias e apostas de vida e morte, foi também ver/ouvir a mim  mesmo, conseguir lidar com dores e expectativas, dividir dores que também  eram comuns às minhas interlocutoras.

Palavras-chave: quebradeiras de coco babaçu; antinegritude; corpos-territórios; Violência; Maranhão.

 

Sessão 2

 

1 OUTRAS ECONOMIAS SÃO POSSÍVEIS: As caseras indígenas de El Alto (Bolívia) e os limites dos pressupostos econômicos neoclássicos

Chryslen Mayra Barbosa Gonçalves (PPGAS/UNICAMP), chryslenmayra@hotmail.com

Isadora Emanuelly Barbosa Gonçalves (UNICAMP), i243968@dac.unicamp.br

 

Os diversos saberes populares vinculados às relações econômicas estão presentes em  diferentes sociedades e são vistos pelas teorias neoclássicas como pautados  essencialmente na maximização de lucros. Outras análises econômicas, como as teorias  da informalidade ou marginalidade, pressupõem que as economias populares devem ser  entendidas por suas deficiências e pela ausência do Estado como mediador das relações  econômicas. Nosso interesse neste trabalho é demonstrar que estas análises econômicas  falham ao tentar entender as potencialidades destas economias que existem em diferentes  territórios da América Latina e que se desenvolvem não a partir da maximização dos  ganhos, mas de relações de afetividade, de confiança, de trocas tangíveis e intangíveis, de  vínculos com humanos e outros que humanos (como proposto por Müller, 2022). A  produção da economia das caseras indígenas aymaras na cidade de El Alto, Bolívia, é um  exemplo importante destas economias populares que resistem às determinações  neoclássicas, da informalidade e da marginalidade; esta é uma economia construída por  mulheres indígenas que definem uma urbanidade própria nos Andes bolivianos.  Queremos aqui apresentar um pouco das experiencias destas mulheres e as contribuições  da teoria das economias populares para ler estas resistências econômicas existentes.

 

Palavras-chave: Economias populares; Bolivia; Aymaras; Relações econômicas.

 

 

2 Crise de gestão hídrica e orixás de água: uma reflexão sobre a relação entre a natureza e cultura - Orixás no caminho da sustentabilidade ambiental

Adriana Carvalho Coimbra (Universidade Estadual de Goiás (UEG), adrianacarvalhocoimbra@gmail.com

 

Ao pensar em água e suas apresentações naturais, pode-se uni-la aos significados sagrados presente em religiões. Sua aplicação é vista, por  exemplo, em momentos de batismo, e no candomblé, como cita Goes (2019),  em propósitos práticos de banhos de limpeza, lavar as contas, carregos de  santo, etc. O autor mencionado atribui o elemento água a orixás como: Oxum, Iemanjá, Nanã e Oxalá. Cada um com sua forma, ligação e importância, já que  a água se apresenta fisicamente em três estados principais. Para suprir  necessidades inerentes à vida humana, o estado líquido é o mais utilizado e se  encontra em escassez. No Brasil, há leis para proteger as águas e nascentes,  como a Lei nº 9.433/97. Mesmo com legislação vigente e meios de fiscalização,  a ação antrópica tem gerado impactos ambientais no ciclo hidrológico, relevo,  copa das árvores e suas raízes. Visando conectar sustentabilidade ambiental  com territorialidade, cultura, ancestralidade e natureza, uma reflexão acerca do  ecodesenvolvimento e saber ancestral possuem estima nesta união de  esforços e valores. Moura (2022) reforça que é urgente a reconstrução do  conceito de desenvolvimento e necessidade de valorização de práticas  culturais, como as umbandistas. Sem o meio ambiente algumas práticas e  rituais tornar-se-ão impraticáveis. Morta a natureza, morre a Umbanda (NETO,  2020). O desenvolvimento da pesquisa surge para colaborar em formas de  repensar o futuro ambiental e os impactos no futuro social neste recorte das  religiosidades. Considerando a natureza do tema abordado, contribuições  teóricas foram de fontes nacionais e entendeu-se que os autores pesquisados  reforçam a importância da recuperação dos saberes antigos para proteção da  natureza e manutenção da cultura e suas tecnologias.

 

Palavras-chave: Água, cultura, orixás, ancestralidade, sustentabilidade ambiental.

 

 

3 Corpo documentado

Maria Gabriella Custódio Pires (PPRER/CEFET/RJ), mariagabipires@gmail.com  

Ana Beatriz Soares (UERJ)

 

A relação corpo - território é intrínseca à identidade das comunidades quilombolas, no entanto, em espaços urbanos, a territorialidade é questionada, assim como as relações estabelecidas com o espaço. A conquista territorial não implica apenas a demarcação de terras, mas também, o direito à liberdade de viver e exercer seus direitos quanto comunidade quilombola. Negar as raízes quilombolas de uma população,  mediante as características do espaço físico que ocupa, é também uma estratégia colonial de apagamento histórico e violação de corpos negros. Esses corpos são negligenciados e alvos do genocídio em todo o tempo, corpos documentados, que carregam histórias, registros, como um acervo cultural que se manifesta através de suas tradições e conhecimentos. Em meio a sociedade que estamos inseridos, esses corpos resistem na luta pela vida e preservação de seus territórios através de suas simbologias. Quais processos anulam a memória e as relações do corpo quilombola com seu território? Conectando as escritas de Antônio Nego Bispo que nos traz o conceito de biointeração, entendemos a grande potência de cuidado e simbolismo que os povos tradicionais têm com a terra, sua relação com a natureza e o território, este que faz parte da construção de identidade e pertencimento dando significado a um valor de vida.

 

Palavras-chave: Quilombo. Território. Corpo.

 

 

4 Histórias de mulheres e de sementes: tecendo vidas a partir de bancos comunitários de sementes crioulas

Simone Silva (UFF), simone_silva@id.uff.br

 

Neste trabalho pretendo refletir sobre os múltiplos aspectos que atravessam a relação de sementes crioulas com suas guardiãs no contexto paraibano. Diante do desafio de falar sobre processos que não versam sobre as façanhas arrebatadoras “dos caçadores de mamutes”, tal como apontou Ursula Le Guin (2022), tenho me dedicado ao desafio de encontrar alternativas para narrar histórias ordinárias protagonizadas por sementes, pessoas e casas/bancos. Os distintos percursos que fazem parte do fazer-mundo de mulheres guardiãs com suas sementes envolvem, entre outras coisas, plantar, selecionar, comer e guardar, o que cotidianamente marca uma trama de acontecimentos que pode culminar em perdas, mas também em ressurgimentos. O cálculo e as tomadas de decisão que conduzem diariamente essas ações implicam temporalidades que reverberam em múltiplos ambientes e impactam diferentes corpos (Bellacasa, 2017). O desafio, destarte, é conduzir essas tarefas diante da certeza de que as sementes coalescem, se transformam e se dissolvem. Desde as noções de “regeneração” e de “vida em assembleia” (TSING, 2022), tenho me colocado a pensar sobre o dinâmico processo que envolve guarda, resgate, mas também muitas perdas, nos caminhos que forjam e entrelaçam histórias de sementes com as de mulheres. À luz do que vem sinalizando pesquisadoras do chamado “Black Studies”, e aqui me refiro fundamentalmente a Sylvia Wynter e a Mythri Jegathesan, afirmo que antes de expressar os efeitos das condições pós-coloniais, a casa projeta, essencialmente, a criatividade das “possibilidades utópicas” de libertação (Jegathesan, 2021). E é sobre os refúgios que guardam, mas também perdem, que estou interessada em pensar e aqui discutir.

Palavras-chave: sementes crioulas; bancos comunitários de sementes; guardiãs de sementes.

 

 

 

5 Escrita com Rios e Pássaros: uma tarefa de decolonização mais que humana

Emanuely Miranda (UNICAMP), emanuelymiranda.em@gmail.com

 

As colonizações começam pela tomada da palavra. A jornalista Eliane Brum (2019) observa esse procedimento na invasão da América Latina. Seja com a monopolização do acesso ao texto bíblico ou com a carta de Pero Vaz de Caminha, os europeus a tomaram para dizer sobre os seres daqui. Escreveram representações e fundaram ecocídios ainda em curso. Nesse sentido, a escrita se dá em um campo problemático, entre tensões que a disputam para instrumentalizações. Desse modo, o que se escreve e o que se lê se tornam estabilizados por produções e hermenêuticas humanas, masculinas e brancas. A própria relação com a Bíblia, que foi tomada para abençoar colonizações, segue essa lógica que, nas palavras de Lawrence (1990), configura uma fixidez. Ao fixar o padrão do colonizador sobre o texto bíblico, encerra-se toda conexão cósmica que pode haver nele. Lawrence (1990) nomeia esse acontecimento como uma de nossas maiores tragédias e prossegue nos convocando para restaurar a vida de livros mortos, recuperando o cosmos neles. Atendendo ao seu chamado, este trabalho objetiva ativar conexões e composições cósmicas na relação com as palavras. Ensaia-se escrever com rios e pássaros em aliança com as filosofias de Donna Haraway (2021), que escreve com os cães, e Célia Xakriabá (2018), que escreve com o jenipapo e acredita na potência de contar histórias ancestrais. Desse modo, este trabalho experimenta a escrita como uma tarefa muito mais que humana que cria mundos habitáveis para todos os seres.


Palavras-chave: Decolonização, Escrita, Espécies Companheiras.

 

 

6 A Umbanda é para todos, mas nem todos são para a Umbanda: afrouniversalismo e composição de forças em um terreiro

Bianca Zacarias França (PPGAN/UFMG), biancazfranca@hotmail.com

 

Esta pesquisa é resultado de um trabalho etnográfico que se iniciou no ano de 2014, com o Templo Universalista e Espiritualista Solar – TUÉS, terreiro de Umbanda Esotérica parceiro deste empreendimento. O objetivo é compreender como uma cosmologia tão múltipla, definida pelos umbandistas como afrouniversalista, atravessa a composição e a topologia de forças de territórios, como o terreiro e o corpo, que são polarizados pelo gênero, como um organizador ritual, e povoados por seres outros. Exu e o tempo aparecem como grandes promotores de encontros que cruzam os caminhos — linhas de força biográfica — dos/das médiuns com o terreiro, com seus guias, com a cidade, com o mundo, que, no limite, é um grande terreiro-território. Mostrando-nos que nem tudo que se ajunta se mistura, o estilo pluralista ou politeísta parece dar o tom da arte de unir a diferença sem se acabar com heterogeneidade nem perder seu pertencimento umbandista. A matriz afro aqui é entendida como uma perspectiva transformacional, sugerindo que todas as linhas podem fazer parte de um contínuo heterogêneo. O terreiro, antes de tudo, é um lugar naturalmente dado aos encontros, e seus habitantes — médiuns, exus/pombagiras, caboclos/caboclas, pretos velhos/pretas velhas, crianças, seres extraterrenos, seres intraterrenos, seres da natureza — são especialistas em uma política cósmica da diferença entre mundos múltiplos, divergentes e, por vezes, perigosos. Esses seres outros também estão em movimento, modificando-se, criando sua própria história de vida e, de alguma forma, sendo coetâneos a nós, compondo uma epistemologia umbandista, que é complexa, reflexiva, formadora de conceitos, teoria, práticas e ontologias nativas que não são apenas “boas para pensar”.


Palavras-chave: Afrouniversalismo; Umbanda; linhas de força biográfica.

 

7 Tecnologias Ancestrais de Cura no Espaço da Feira da Glória

Jéssica Aiume Conceição Dias (PPRER/CEFET/RJ), aiumedias@hotmail.com

 

O artigo proposto tem a ideia de fazer uma reflexão das tecnologias ancestrais de cura. O ponto de partida vem do meu lugar de feirante, com um tabuleiro de encantarias produzidas com ervas como: banhos, xaropes, incensos naturais. Apartir de dois anos trabalhando em feira livre da Glória, localizada no Rio de Janeiro, pude perceber que alguns elementos como: ervas, musicalidade negra e comida africana e afrodiaspórica servem como elementos de cura para além dos espaços vinculados diretamente a religiões de matrizes africanas. Com isso, entendi que a feira pode ser caminho e cruzo para curandeiros, médicos naturais, quituteiras que tem nos seus tabuleiros um ponto de sociabilidade e solidariedade negra e que versam com a ideia afrocentrica do Assante de que é necessário colocar África no centro, e buscar nos localizarmos culturalmente e psicologicamente com nossos modos de fazer e ser. Inclusive de entender que o mercado de Exu, a feira livre, pode ser um hospital espiritual, um recurso negro de se recuperar. Como educadora, compreendo que essas cosmo percepções dos multi territórios e dos espaços podem proporcionar uma descentralização da educação pautada em perspetivas ocidentais e possibilita que nas relações étnico-raciais escolares possam criar e educar crianças, adolescentes e adultos com um olhar contra colonial (BISPO), não epstemicida e que veja o mundo de forma pluriversal (RAMOSE, 2011, p. 10).

 

Palavras-chave: tecnologias ancestrais; cura; feira livre.

 

Sessão 3

 

1 Entre a encruzilhada e o povo nas ruas: As Macumbas cariocas no pós-abolição.

Gustavo Machado Cantisani (PPRER/CEFET/RJ), guscantisani@gmail.com

 

Uma série de acontecimentos sucedem o fim da escravidão no Brasil, entre eles, a proclamação da Republica e a separação oficial entre a Igreja e o Estado. Com isso, se estabelece por lei a liberdade de culto, contudo por meio do código penal se mantinha a coerção a religiões de matriz africana coibindo uma série de práticas centrais nos cultos presentes durante o período. No Rio de Janeiro uma das religiões mais presentes eram as Macumbas ou baixo espiritismo como era descrito por muitos. Foi construído todo um pensamento presente por muito tempo na academia que posteriormente se manteve no senso comum de que as Macumbas cariocas eram uma mistura de diversos cultos diferentes que por sua vez levavam a degeneração. Desta forma, minha pesquisa busca entender o que são as Macumbas e como se configurava a resistência presente entre os que buscavam as encruzilhadas e as ruas para fazer macumba, tendo como fonte de análise como essa religião era descrita nos jornais que circulavam durante o pós-abolição no Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Macumbas Cariocas; Resistência; Encruzilhadas; Ruas; Pós-abolição.

 

 

 

2 Trabalho e parcerias no terecô

Conceição de Maria Teixeira Lima (PPGCSoc/UFMA), cittalima@yahoo.com.br

 

Para Luisinha, mãe de santo moradora de Codó, uma cidade do leste maranhense, as obrigações pressupõem experimentos e estudos prévios que orientam as circunstâncias mais apropriadas para a realização de um trabalho espiritual. As obrigações estão presentes nas relações entre pessoas e encantados e atuam como modos de investimentos e manutenção dos vínculos entre si, no cuidado com a casa e com os festejos. No terecô, religião de matriz africana tradicional de Codó, os encantados contam que já viveram na terra como pessoas e que deixaram essa condição por meio do encantamento. No entanto, retornam a vida terrena como espíritos para cumprirem obrigações ao lado daqueles com os quais criam algum tipo de vínculo. Nestes contextos, expressões como “dono do lugar”, “lugar de força” e “eira” falam sobre ambientes matizados pelas presenças e agências de diferentes seres permitindo que espaços como matas, beira de rios e encruzilhadas sejam ocupados e mobilizados na realização de trabalhos de oferenda, de despachos, ou de saudação a uma entidade ou divindade. Trata-se de lugares no qual é possível firmar encontros, trocas e paisagens com diversas entidades espirituais e outros agentes não humanos, como árvores, lua e sons. Neste ensaio me proponho a descrever e analisar os modos como encantados, astros, plantas, sonoridades e sensações interagem nas obrigações e trabalhos espirituais presentes no cotidiano dos terecozeiros.

 

Palavras-chave: Terecô, coexistências, agências, trabalho.

 

 

3 A Agroecologia como horizonte de (multi)territorialização e (re)enraizamento de agricultores(as)

Victor Lemes Cruzeiro (IFG/Cidade de Goiás), victor.cruzeiro@ifg.edu.br

 

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Rio Grande do Sul apresenta uma das taxas de suicídio mais altas do país, em especial entre agricultores/as. Contudo, a epidemia de suicídios entre a população rural não é uma exclusividade deste estado ou do país, podendo ser observada na Europa em registros do século XVIII. Fatores como condições de trabalho precárias, superexploração, endividamento e concentração fundiária são estressores importantes para o sofrimento psíquico contínuo desta parcela da população. Partindo do entendimento básico da ligação do trabalhador do campo com a terra, que é ferramenta de trabalho e também território, no sentido material (Santos, 1998) e simbólico, propõe-se uma análise da agroecologia como frente de ação de re-enraizamento (Weil, 2001) desses indivíduos. Entende-se aqui a agroecologia não como disciplina, mas como estrutura tripartite ciência-movimento-prática (Wezel, Alexander et al., 2009), a partir da qual nasce uma possibilidade de revolução do paradigma capitalista de território, abrindo espaço para multiterritorialidades (Haesbaert, 2001), nas quais os indivíduos não apenas se libertam do sofrimento psíquico – em grande parte também um subproduto capitalista – mas também se fortalecem em coletivo, se reestruturam economicamente e se reencontram com seus modos de fazer e viver, construindo um horizonte projetivo (Caldart, 2000) de reconexão com o trabalho, a terra e a vida.

 

Palavras Chaves: Suicídio; agroecologia; multiterritorialidades; enraizamento.

 

4 Como as teorias do sincretismo envolvem uma comunidade quilombola

Ana Luísa Nardin Rezende de Abreu (PPGAN/UFMG), analunardin@gmail.com

 

Neste artigo, pretendo explorar o conceito de sincretismo por meio de uma encruzilhada que incorpora as contribuições de autores, como Bastide (1960), Martins (1997) e Anjos (2009). O objetivo é compreender as múltiplas interpretações desse fenômeno. Adicionalmente, buscarei explanar a complexidade desse conceito dentro da experiência de pesquisa tida com os moradores da Comunidade Quilombola do Carmo, localizada na região de São Roque, SP. Destacando que a comunidade é nomeada em honra a Nossa Senhora do Carmo. Além dela, há uma série de outros santos significativos, tais como Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia, São Benedito, São Cristóvão, São Gonçalo, entre outros, que desempenham papéis fundamentais na proteção e sustentação dos moradores. Nesse sentido, busco compreender como o sincretismo pode contribuir para a compreensão da devoção a esses variados santos.

Palavras-chave: Encruzilhada, Sincretismo, Quilombo.

 

5 “Por mais que dure bastante tempo na água, o pau não vira jacaré”: encruzilhada de tempos, sabedoria, e esperança no território chamado blom uma “tabanka” localizada na atual guiné-bissau

Lilian Aldina Pereira Mendonça e Mendonça (Lilian Mariacó Kumá Katchaki)

PGDR/UFRGS, lialdina276@gmail.com

Pâmela Marconatto Marques (UFRGS), pam.marconatto@gmail.com

 

Este artigo etnográfico compartilha uma parte do caminho no campo da tese em andamento. A tabanka escolhida para campo é Blom. A tabanka para povos que habitam atual Guiné-Bissau é uma terra onde o mundo invisível, a vida humana, vida animal e das árvores integram-se uma na outra e interagem com as águas que os(as) envolvem permitindo o acesso ao equilíbrio. A Blom é habitada pelo povo Pepel, povo que a sua força e dedicação na manutenção da sua espiritualidade, de geração em geração é reconhecida e observável. Dar a voz a este lugar e permitir de forma mais profunda, ser narrada longe das lentes do ocidente evidenciando as forças nutridas dentro dela é o nosso objetivo. Ademais, o desmembramento da classificante geografia de hegemonias e subalternidades pautada na lógica colonial do Banco Mundial (2017) e da Organização das Nações Unidas e sua agenda de desenvolvimento estabelecida e demais agências e agendas colonizantes que não reconhecem seus erros, suas violências, suas arrogâncias, falhas dos seus modelos progressistas/desenvolvimentistas que adoece o planeta. O respeito e consideração demonstrada a terra que sustenta e lugar que alimentará as próximas gerações, o reconhecimento e a aceitação da generosidade desse chão que nutre foi o ponto mais alto, elevado e encantador no campo. O conceito da “tecnologia de vila” do Albert Tévoédjré (1981) foi abraçada no lugar de força que é “a abertura à tecnologia, que não aceita só a eficácia, mas também a libertação”.

 

Palavras-chave: Tabanka Blom; Terra; Espiritualidade; Tecnologia de Vila.

 

 

6 Saravá Seu Tranca-rua que é dono da gira no meio da rua: A gira do Estado

Genilson Leite da Silva (PPGAS/MN/UFRJ), genilsonleite.ds@gmail.com

 

Neste trabalho invoco Exu Tranca-rua para problematizar a presença do Estado  no diálogo com as giras de Exu que acontecem no Rio de Janeiro. Desse modo, o trecho do ponto: “Saravá Seu Tranca-rua dono da gira no meu da rua” vem problematizar a ocupação dos espaços públicos pelas giras de Exu e para demarcar território. Tranca-rua é o povo: povo de rua – os exus, mas também é povo da rua – as pessoas em situação de rua que zelam e a habitam os Arcos  da Lapa, onde ocorrem as giras, criam formas de habitar, existir e resistir na rua. Logo, o objetivo dessa pesquisa é compreender como o Estado é visto pelos agentes, como aparece nas cantigas. Essa etnografia delimita-se a observação  de duas giras, sendo: uma no Santuário de Zé Pilintra, no bairro da Lapa, no  centro da cidade do Rio de janeiro e outra no Parque de Madureira, bairro de Madureira subúrbio do Rio de Janeiro. Essa pesquisa também contou com  entrevista realizada com o diretor do Santuário de Zé Pilintra, sobre a  administração do santuário e a relação com o Estado. O trabalho tem inclinações de três tendencias teóricas, a antropologia urbana e antropologia da religião por  abordar giras de exu nos espaços urbanos onde a “coexistência de diferentes  estilos de vida e visões de mundo” (VELHO,1999, p.21) e por buscar  compreender os lugares de sociabilidade entre indivíduos e divindades e com a  antropologia da performance por vislumbrar a possibilidade de análise dos  rituais, sua estrutura e interesse na análise das danças, músicas,  comportamentos e gestos presentes nas giras. Percebe-se que o Estado visto como um espectro que distante do povo e que aparece para oprimir, disciplinar,  vigiar, punir e controlar a vida e a morte, atuando sobre o território e usando de  diferentes técnicas de controle e dominação.

 

Palavras chaves: Giras de Exu; Estado; Santuário de Zé Pilintra.

 

 

ST 12 - Casas, cozinhas e fogões agenciando reuniões, criações e transformações em coletivos quilombolas, sertanejos, indígenas e camponeses
Coordenação: André Dumans Guedes (UFF) - andreguedes@id.uff.br

Ana Carneiro Cerqueira (UFSB) - anacarcer@gmail.com

Yara de Cássia Alves (UEMG)yara.c.alves@gmail.com


Buscamos nesse ST investigar os poderes e agências das casas, das cozinhas e dos fogões situados em coletivos quilombolas, sertanejos, camponeses e indígenas. Enquanto dispositivos ou técnicas, e a partir da singularidade dos arranjos, modos e sistemas que os ativam, queremos pensar o que tais entidades fazem: criando (filhos, bichos e plantas, misturas e mexidas, alianças e desafetos, corpos, co-substancialização e pessoalização, novas possibilidades de vida); transformando (ingredientes, substâncias e receitas, estórias e histórias, prosa e comida, o cru e o cozido); ou reunindo (vizinhos na prosa cotidiana, conhecidos em torno do café ou da pinga, quem está junto na política ou numa mesma luta, os filhos quando de sua volta à terra natal). Interessa-nos examinar como tais poderes e agências atuam no “mundo”, e em relação e em reação às forças associadas a ele. Via a referência a esse “mundo” enquanto categoria nativa queremos considerar como esses fogões, cozinhas e casas se constituem e operam sempre em relação com perigos, alteridades e potências de ordens diversas - por exemplo e de modo emblemático, aqueles relacionados à vizinhança dessas monoculturas, plantations, cativeiros e empreendimentos modernos desde sempre ameaçando encurralar esses povos e lugares; ou aqueles que se vinculam às vicissitudes das famílias que têm seus membros esparramados mundo afora, ganhando a vida no trecho ou aventurando em terras distantes e cidades grandes.

 

 

Palavras-chave: cozinha, casa, fogão, quilombolas e transformações.

 

 

Sessão 1: Casa e política em terras quilombolas

Debatedora: Yara de Cássia Alves

 

1 Os modos de ser, movimentar e receber: receptiviade, controle e vigilândia entre os de dentro e os de fora na comunidade quilombola (Malhadinha – TO)

Daniella Santos (IFB, Doutora pelo PPGAS/UFSCAR), danielasantos.alves@hotmail.com  

 

Esse trabalho é parte da minha tese de doutorado, finalizada em junho de 2023, feita a partir da imersão etnográfica dentro da Comunidade Quilombola Malhadinha, localizada no Estado do Tocantins. Os dados aqui apresentados são frutos de entrevistas semiestruturadas, observação participante e as anotações do diário de campo. O objetivo do trabalho é o de entender a dinâmica da receptividade através de duas mobilidades, ser de casa e ser visita: ou seja, receber e visitar. Ser de casa e ser visita são mobilidades que envolvem a recepção, a primeira sendo realizada, na maioria das vezes, com parentes e pessoas de dento da comunidade e a segunda, envolvendo uma maior formalidade, com parentes distantes e pessoas de fora. As suas diferenças e complementariedades trazem consigo a ambivalência entre o afeto e controle: com alguns de casa, de dentro e parentes, nota-se afeto e cuidado, mas existem parentes que precisam ser mais controlados e vigiados, tal como alguns visitantes que são de fora ora podem ser de casa – a depender do setor a que eles se dirigem – e outrora podem ser visitas – a depender do setor e da situação em que se encontram. Há uma oscilação entre o afeto e o controle em ambas as mobilidades, e é sobre esse ponto que o presente trabalho dedica a sua atenção: mostrar a dinâmica da receptividade, a partir do afeto e do controle em articulação com as composições e decomposições que as categorias ser casa e ser visita apresentam na Malhadinha.

 

Palavras-chave: Comunidade Quilombola, Receptividade, controle e vigilância.

 

 

2 Ele não se “jurga” e come de tudo: a cozinha, a comida e as formas de fazer política na comunidade quilombola do Pratigi (BA)

Fábio Júnior da Luz Barros (doutorando PPGES/UFSB), geoetnico02@gmail.com  

 

O presente escrito trata como o modo de fazer política através da comida e da cozinha adquiriu particularidades diferentes na comunidade quilombola do Pratigi, localizada no município de Camamu (Baixo Sul da Bahia), entre as décadas de 2000 e 2010. Trago duas experiências de campo, a primeira, na década de 2000, quando eu morava com meus pais no Pratigi. Nessa época, existia um político e liderança municipal chamado Zequinha da Mata, todos os nativos o admiravam porque, segundo os pratigiense, ele não se “jurgava”, comia de tudo. Esse político sempre ia para as cozinhas das casas e comia os peixes assados do fumeiro, etc. era muito querido, por isso. A segunda experiência, ocorreu quando fui a campo no Pratigi, entre os anos de 2019 a 2020, para realizar a pesquisa de mestrado, sob a orientação de Ana Carneiro, que também orienta esse trabalho. Notei, que o modo de fazer política através da cozinha mudou, ao menos em parte. Por exemplo, os almoços agora são planejados, oferecem moquecas de caranguejo, de camarão, “galinha terra”, etc., isso rende respeito e prestígio na comunidade. Se é evidente que existem relações entre a política partidária, a cozinha e a comida na comunidade quilombola do Pratigi, vale buscar diferenças e continuidades comparando esses dois períodos separados por vinte anos.

 

Palavras-chave: cozinha, comida, quilombo.

 

 

3 A benzeção: um ato de arrumação nas socialidades quilombolas de Laranjal e Cambambi-MT

Nayara Marcelly Ferreira da Silva (PPGAS\UFMT), nana.nayara26@gmail.com

 

A pesquisa é um estudo sobre a benzeção pensada como ato de “arrumação”, categoria êmica que se refere à ação de arrumar o corpo contra os infortúnios e doenças nas socialidades negras de Laranjal e Morro do Cambambi que se identificam como “comunidades quilombolas”. Os respectivos coletivos estão situados no estado de Mato Grosso, a primeira no munícipio de Poconé e a segunda em Chapada dos Guimarães. Até o momento foi possível especular o ato de “arrumação” em plena relação com a casa, entendida não apenas como uma construção física porque se estende para o quintal e para tudo que pode ser uma referência de espacialidade. Cada espaço da casa está associado a uma série de práticas de benzeção e é onde circulam as fofocas, as risadas, as comidas e os atos de “arrumação”. As socialidades não podem ser concebidas apenas pela perspectiva identitária, mas, sobretudo, como modos de fabricação de mundos, pois, é no encontro com as visitas, os “chegados” e as irmandades que o corpo é fabricado para além do biológico, mas como resultado de agenciamentos sociais e espirituais, permitindo pensar sobre noções de corporeidade, tais como, a “mãe do corpo”, o “companheiro da criança”, o umbigo e a relações entre “corpo aberto e corpo fechado”. A etnografia visa a descrição da eficácia da benzeção na perspectiva destas socialidades e como esta prática delineia territórios existenciais.

 

Palavras-chave: Benzeção. Arrumação. Casa. Quilombo.

 

 

Sessão 2: Cuidados, materialidades, modos de conhecer:

Debatedor: André Dumans Guedes

 

1 Notas etnográficas a partir de frestas e contraluz: cosmopolíticas e moralidades ao redor do fogo de cozinha wai wai

Rui Massato Harayama (Docente Isco Ufopa, doutorando PPGAS-UFS), rui.harayama@gmail.com   

 

Propomos apresentar algumas reflexões a partir de um recorte da etnografia junto aos povos Wai Wai do estado do Pará, e que está inserida em uma pesquisa sobre perturbações definidas como problemas de saúde mental entre os profissionais de saúde que atendem esse grupo étnico. Os espaços privados e coletivos são centrais para compreender como certos discursos e narrativas são anunciados, testados e compartilhados. Apesar da literatura definir os espaços públicos como Igreja e casa grande como coletivos e políticos, os dados etnográficos apontam que a compreensão do que é público ou privado não está definida em dicotomias rígidas, mas em matizes e composições de pessoas, época do ano, tempo, horário e objetos. Por serem grupos patrilineares e que privilegiam a uxorilocalidade, é ao redor do fogo que os homens produzem suas relações com os maridos de suas cunhadas, assim como as mulheres costuram as relações familiares. Tratados como discursos menores ou de espaço de fofoca, é ao redor do fogo, e observando as relações sociais por frestas da cozinha e na contraluz, que se produzem e estabilizam o agir correto, assim como a construção coletiva de um corpo, que quando aberto a palavras, feitiços, músicas e plantas, acabam se tornando doentes e fracos. As fofocas, piadas, mensagens de celular e relatos de viagem e de memórias somam-se às pilhas de mandioca, aos macacos caçados, aos produtos de limpeza e vão compondo cosmopolíticas e estabilizando moralidades sobre o ser wai wai.

 

 

2 As roupas, os cuidados e os tempos: notas para pensar as corporalidades nas transformações sociais

Marcela Rabello de Castro Centelhas (Colégio Pedro II, doutora pelo PPGAS/MN/UFRJ)

marcelarabello91@gmail.com  

 

Este trabalho debruça-se sobre um conjunto de práticas e objetos que normalmente não despertam muito interesse etnográfico: as roupas e as relações sociais que por meio delas se engendram. Ao longo de oito meses de pesquisa de campo, o diálogo e as vivências com as interlocutoras mostrou que as formas se de vestir constituíam um importante qualificativo material e moral de reflexão sobre as transformações sociais e as relações assimétricas entre grandes e pequenos, brancos e negros ou o Estado e os pobres. Paralelo a isso, e enfatizando a centralidade desses bens, as roupas eram também um valoroso marcador social, horizonte de preocupação dessas mulheres em função do seu lugar na constituição pública das corporalidades e da consequente virtual possibilidade de humilhação ou estigmatização. Nesse sentido, as roupas, o trabalho nelas investido e os corpos e coletivos que se fazem por meio delas colocavam em relação esferas ou mundos normalmente pensados como separados (ou antagônicos), mas que estão em constante co-criação, a saber, a casa e a rua, o doméstico e o público, o cuidado e a política. Sendo assim, nosso objetivo é pensar como os dispositivos e técnicas relativas a esses bens ativam pertencimentos coletivos e conflitos sociais, seja na relação com a higiene e as águas, nas práticas de cuidado e cultivo e de si e dos seus ou, ainda, nas mobilizações sociais da comunidade.

 

Palavras-chave: roupas; transformações sociais; relações assimétricas; cuidado; agenciamentos coletivos.

 

 

3 Agenciando casas e(m) movimentos: o trabalho cotidiano de mulheres vaqueiras e a categoria feminina na vaquejada pé de mourão cearense

Laenia Nascimento da Silva (doutoranda PPGAS/MN/UFRJ), laenia10.silva@gmail.com  

 

Com base em um estudo etnográfico realizado em duas fazendas no município de Sobral (CE), esta pesquisa busca analisar o trabalho feminino exercido nessas casas de morada e a presença das mulheres nas vaquejadas pé de mourão cearenses a partir da existência de um coletivo denominado Associação Feminina de Vaqueiras da Vaquejada Pé de Mourão (AFEVA). A partir da problematização da invisibilidade das mulheres, do seu apagamento em espaços públicos e privados, e a escassez de produções envolvendo mulheres na agropecuária sertaneja, procuro demonstrar como as vaqueiras aparecem a partir do razoável sucesso obtido por elas com a AFEVA e a categoria feminina, que apesar de mínimo, aciona a sua presença na cena pública, performática e ritual das vaquejadas. As mulheres, enquanto sujeitos generificados e relacionados ao cuidado (seja ele direcionado a criação dos filhos, da casa, dos animais - de terreiro e/ou de seus cavalos de corrida), quando associadas à dimensão feminina-materna, lidam com julgamentos morais concernentes a ser ou não uma boa mãe, principalmente pela constante necessidade de mobilidade que as competições acionam. Essa movimentação provoca ainda adaptações quanto ao uso da “casa”, visto que, por se estenderem por mais de três dias, os caminhões-boiadeiros ocupam nesse cenário de disputas, a função de casa para vaqueiros e vaqueiras, sendo esse o seu local de descanso, banho e preparo de refeições. Destaco que esse movimento de mulheres, apesar dos ideais de rompimento com uma estrutura dominante masculina, não necessariamente

coincide com aqueles dos movimentos feministas, mas ocorre dentro de um agenciamento feminino como maneira de viver uma “tradição” centrada na masculinidade, causando rupturas, efeitos e transformações importantes ao longo dessa inserção.

 

Palavras-chave: Mulheres; casa; vaquejada; gênero.

 

 

4 O chão de cozinha e as pedagogias do cuidar: mulheres cabo-verdianas criando e sustentando a vida no atravessar geracional de saberes e fazeres

Chirley Rodrigues Mendes ((UFNT, doutoranda UFG), chirley.mendes@uft.edu.br  

 

Esta proposta vem colocar o que, muitas vezes, nomeamos como “chão de cozinha” ou como “conversas na beira do fogão” como centro de uma profícua prática etnográfica, por um lado, e como espaço de feitura de gentes, bichos, plantas e coisas, por outro. Ao trazer a cozinha e a domesticidade para o centro das discussões antropológicas busco não só reforçar a diluição de fronteiras entre esta esfera e outros espaços historicamente lidos como protagonistas da vida social, como também apontar o potencial e efetivo poder desta esfera na criação e sustentação da vida. Considerando o espaço doméstico como um lócus do cuidado e do cuidar, entendo a criação e sustentação da vida como atos de cuidado e, portanto, operadores de/em uma lógica e uma ética opostas às lógicas monocultoras, dissociativas e baseadas nos princípios de independência, atomização e oposição por mútua exclusão. Partindo de dados e reflexões elaboradas em minha pesquisa de doutorado junto a mulheres cabo-verdianas e suas famílias e vizinhanças, trago aqui um enfoque nas experiências em contextos rurais para provocar uma discussão sobre como suas práticas cotidianas de cuidado e do cuidar, criam, sustentam, compartilham e fazem circular “crias”, gentes, bichos, plantas, coisas. Proponho que os espaços da casa em contiguidade com outros fora dela, atuam como lugar onde se elaboram pedagogias do cuidar e, portanto, saberes e fazeres diversos que tecem corporalidades, subjetividades e espacialidades específicas. Assim, as práticas cotidianas de cuidado protagonizadas por mulheres são também pedagogias que materializam conhecimentos acerca de técnicas corporais, cuidados de si e dos outros, manutenção dos espaços físicos e sociais, territórios e culturas.

 

 

Sessão 3: Mobilidades e domesticidades: quase-casas e mais-do-que-casas

Debatedora: Ana Carneiro Cerqueira

 

1 Cozinhas Cruzadas: ‘ficar’, ‘voltar’ ou ‘farrear’? Estórias de mulheres entre o Nordeste e o Rio de Janeiro

Carolina Daltoé (Bolsista de IC/Sociologia UFF; Mestre em Alimentação, Nutrição e Saúde pela UERJ), daltoecarolina@gmail.com  

 

O presente trabalho contará estórias de três trabalhadoras com inserções diferenciadas, porém simultâneas, em um comércio do ramo de alimentos na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O ponto de vista teórico e analítico privilegiado repousa sobre o campo da antropologia das mobilidades. Busco, portanto, investigar através de narrativas de deslocamento (intensivo e extensivo) e das categorias nativas a elas associadas tanto as motivações envolvidas quanto os valores que as orientam. Também aqui estarei atenta às práticas concretas dessas trabalhadoras em seus cotidianos no restaurante, sublinhando similitudes e diferenças que marcam não só suas rotinas, mas suas trajetórias entre a ‘roça’ e a ‘cidade’. Clarice, paraibana e chefe de cozinha decide ‘ficar’ no Rio de Janeiro e seguir o ‘sonho’ da ‘casa própria’ no bairro em que reside e trabalha, ainda que isto se desdobre em um emaranhado de ‘dívidas’ e privações. Já Maria, responsável pelo ‘caixa’ do restaurante resolve ‘voltar’ para seu estado natal, o Ceará, depois de uma longa jornada construindo à distância uma ‘casa grande’. Por sua vez, Vitória, garçonete, também cearense, lembra-se com frequência das ‘farras’ e procura todos os anos ou receber seus parentes ou visitá-los em ‘tempos de festa’ pois, segundo ela “para lá só se volta pra farrear!”. Todas essas e outras estórias foram contatadas em ‘cafés’ entre as cozinhas das múltiplas casas que habitam e circulam.

 

Palavras-chave: casa, cozinha, mobilidade, dívida, parentesco.

 

 

2 Fazer a festa, benzer a capela, fundar o lugar: hospitalidades, patronagens e conjuros na estória de amor de Manuelzão

André Dumans Guedes (PPGS/UFF),  andreguedes@id.uff.br

Stefany Ciolfi de Souza (Mestranda PPGS/UFF), stefanyciolfi@id.uff.br  

 

“Ia haver a festa. Naquele lugar - nem fazenda, só um reposto, um currais-de-gado, pobre e novo...”. Através das palavras e temas que nos são oferecidos pela novela “Uma Estória de Amor”, de Guimarães Rosa, iremos aqui apresentar certos problemas etnográficos que surgiram de nossas pesquisas realizadas em Itaboraí (RJ) e Minaçu (GO). Nosso foco reside nas correlações entre festa e casa nas circunstâncias agenciadas por esses “lugares” que, ainda “pobres e novos”, são “só um reposto”; são ranchos, albergues ou pontos de passagem, locais de pausa, pouso ou repouso cujo caráter provisório coexiste com ambições que buscam torná-los mais estáveis e duráveis, e menos descontrolados. Interessa-nos em especial examinar como os movimentos e gestos que demarcam, singularizam e buscam fundar esses lugares (em banquetes ou benzeções, e.g.) recorrem invariavelmente a forças e materiais (as estórias e objetos trazidos por hóspedes, mendigos ou homens-bicho, e.g.). emanados de exteriores estúrdios e inóspitos, simultaneamente familiares e ameaçadores das ordens domésticas. Deslocando nossa atenção para os trabalhos pelos quais um homem celibatário (e não uma mãe ou uma família) busca, assim e aí, fundar um lugar, procuramos também um ângulo para tratar de certas proximidades “incômodas”, do nosso ponto de vista: as que surgem quando as práticas de nossos interlocutores se apropinquam de autoritarismos “milicianos”, diligências “empreendedoras” e truculências “neoextrativistas”.

 

Palavras-chave: casa; banquetes; formas provisórias de existência; jagunçagem; oikonomia; oikographies.

 

 

3 Beber, dançar e lutar: uma etnografia sobre modos de morar e fazer política no Centro Histórico de São Luís (MA)

Martina Ahlert (UFMA), martina.ahlert@ufma.br  

Marcella Cristyna Morena Sousa Lima (UFMA), marcella.morena@discente.ufma.br  

Abigail Vale Rocha (UFMA), abigail.vale@discente.ufma.br  

 

Este trabalho é sobre articulação política e produção da vida. Foi escrito a partir de um pequeno bar, que é também uma casa, uma sala de reuniões, um salão de festas, um espaço de produção de fantasias de carnaval e de distribuição de cestas básicas, no Centro Histórico de São Luís, capital do Maranhão. Nossas e nossos interlocutores são moradores dessa região da cidade, engajados na luta por moradia e nos debates sobre os direitos das profissionais do sexo. Atuam criativamente, há anos, contra parte dos esforços de revitalização da região - Patrimônio da Humanidade desde 1997 - que desenham uma ocupação padronizada e asséptica de cidade. Além disso, defendem a diversidade das pessoas que vive no local, se posicionando contra a estigmatização e exclusão de formas de trabalho e modos de morar presentes na “comunidade”. A pesquisa é uma etnografia, realizada a partir da convivência no Centro Histórico, especificamente no bar escolhido como parte de nossa análise. Pretendemos contribuir com dois debates: aquele sobre política e cotidiano, enfatizando nossa percepção de que as situações ordinárias são fundamentais para a compreensão das insurgências e potências que dão sentido à vida; e aquele sobre a feitura das casas, das redes entre elas, da mobilidade e da produção da “comunidade”.

 

 

4 O supermercado como “lugar político”: agenciamentos, política e ciganidades

Arthur Pinto  (EBTT -IFMA, Mestre em Antropologia-UFPI), arthurcsflaviofl@gmail.com  

 

Este trabalho é um recorte da pesquisa feita a nível de mestrado pela Universidade Federal do Piauí, analisando as formas como os ciganos na cidade de Coelho Neto-MA produzem relações de parentesco, politica e ciganidade (PINTO, 2022). Na dissertação mencionada, analiso, entre outras coisas, como que ciganos que se elegeram para vereadores na cidade, utilizam de aspectos relacionados à sua ciganidade para “fazer politica”. Paulo Cigano e Reginaldo Jansen - conhecido como Cará - são os ciganos eleitos vereadores em 2022. Cará já está em seu terceiro mandato, Paulo, por sua vez, está no seu primeiro pleito. Aqui trago à tona a importância dos supermercados que os vereadores possuem para o seu fazer política, no qual as relações pré-campanha e pós campanha são sempre realizadas, da mesma forma, os supermercados são lugares de negócios, são lugares completamente políticos. São nos supermercados que são marcadas reuniões de campanha, é também o lugar onde se discute como será feita toda a propaganda da campanha, é o lugar de reunir cabos eleitorais. Também é o lugar de resolver questões relacionadas à vida no campo como compra e vendas de animais. De outro lado, os sucessos dos supermercados, segundo eles, são formas de confirmar o sucesso do mandato, assim como, da possibilidade de se eleger. Dessa forma, entendo que o supermercado é alçado como lugar da vereança cigana, ao contrario da câmara municipal que é entendida como um lugar que só serve para as sessões, pois é entendida como um lugar frio, compreendendo assim os supermercados como “lugares politicos”(ALVES, 2016).

 

Palavras-chave: Supermercados, Politica partidária, Ciganidades.

 

 

 

 

ST 13: Antropologia, Direitos Humanos e Ciências Forenses

Coordenação: Desirée Azevedo (CAAF-Unifesp) - desireelazevedo@gmail.com Flávia Medeiros (UFSC) - flaviamedeirosss@gmail.com Liliana Sanjurjo (UERJ) -  lilisanj@yahoo.com.br

 

Nas últimas décadas, um movimento global de ascensão das ciências forenses vem impactando o campo humanitário. Desde os processos de busca e identificação de desaparecidos pelas ditaduras militares latino-americanas, a crescente introdução de fazeres científicos na lida com violações humanitárias transferiram para os vestígios materiais a qualidade probatória antes atribuída aos testemunhos. O termo “giro forense” (forensic turn) assinala os impactos do desenvolvimento desse “ramo científico” em termos de uma mudança de paradigma na produção da verdade humanitária. Nesse mesmo movimento, a perícia no Brasil tem passado por debates estruturais que colocam em evidência modelos e protocolos de atuação. A maior parte das investigações periciais são feitas por agentes vinculados à Polícia Civil ou Secretaria de Segurança Pública. A nomeação enquanto "Polícia Científica", debate no Congresso Nacional para alteração constitucional, explicita como atribuições cotidianas se relacionam na produção da verdade e justiça. Ao pôr em relação ambos os contextos, temos buscado refletir como noções de "ciência" têm sido manejadas na relação entre direitos, política e poder e nesse ST esperamos debater tais categorias nas conexões entre direitos humanos, ciência forense e técnicas periciais. Nos propomos acolher trabalhos de caráter conceitual e/ou etnográficos, que façam diálogo com os estudos em ciência e tecnologia (STS), da antropologia política e jurídica e da antropologia social e forense.

 

Palavras-chave: Antropologia Social e Forense; Direitos Humanos; Violência; Desigualdades

 

 

Sessão 1 - Saberes contra-hegemônicos e produção de verdade

Data: 22 de novembro (quarta-feira)

Horário: 9h às 12h30

 

1 Antígona y la Identificación Forense; Imaginarios, relacionalidad y equívocos sobre Ciencia, e Identificación en la Crisis Forense en México

Carlos Miguel Gonzales (Mestre em Sociologia - Mecanismo Extraordinario de Identificación Forense UNFPA), cgonzalez@meif.org.mx

Sandra Leyva (Mestre em Sociologia - Mecanismo Extraordinario de Identificación Forense – UNFPA), sleyva@meif.org.mx

Juan Manuel Rivera Acosta (PhD - Mecanismo Extraordinario de Identificación Forense – UNFPA), jrivera@meif.org.mx

 

En la llamada crisis forense en México, colectivos y familiares se hallan en búsqueda de sus familiares. Como Antígona, la mítica mujer joven víctima y a la vez heroína, en la búsqueda de sus seres queridos, individuos y colectivos desafían y resisten la verdad científica de las fiscalías y servicios periciales, desde donde se establece la identidad, causa de muerte y contexto de los cuerpos a su cargo. A pesar de las relaciones asimétricas de poder, esta resistencia se da tanto en la arena política, como en la científica; los familiares en su búsqueda, y a pesar de no ser especialistas, pero debido a su determinación, han accedido y refuncionalizado el conocimiento científico forense, ya que muchas veces este es prometedor en términos de poder generar más y mejores identificaciones como es el caso del ADN. Esto ha generado una serie de imaginarios sobre las posibilidades y/o limites sobre este y determina en gran medida la relación que se tiene con la verdad científica -la que muchas veces parece tener agencia- y con la que se tiene que negociar una relación con equívocos causados por las relaciones únicas de los colectivos y familiares con esta para que ponga fin a su desgracia. Es así que se plantea un dialogo desde viñetas etnográficas y la práctica científica forense una reflexion sobre el encuentro de tipos divergentes de conocimientos y los imaginarios de colectivos sobre estos y los límites de cada uno. Esto, proponemos, nos ayudará a abordar a la verdad más allá de las presunciones de una sola y múltiples maneras de conocerla, para en su lugar, tener la visión de un encuentro de múltiples visiones que a su vez representan diferentes tipos de conocimientos, y el conflicto que se negocian en las orillas de estas visiones.

 

 

2 Corpos insepultáveis: Uma análise do desaparecimento forçado de pessoas na Baixada Fluminense – RJ a partir dos dados do Disque Denúncia

Amanda Gabrielle Covelo de Araújo (Mestranda PPGCS-UFRRJ), coveloamanda@gmail.com

Jaqueline de Sousa Gomes (Doutoranda PPGCS-UFRRJ), jaqueline-sgomes@hotmail.com

Augusto Torres Perillo (Mestrando PPGCS-UFRRJ), augustoperillo@gmail.com

 

O presente estudo representa parte do relatório da pesquisa realizada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro através do Observatório Fluminense de Pesquisa em parceria com o Fórum Grita Baixada, intitulado “Mapeamento exploratório sobre Desaparecidos e Desaparecimentos Forçados em municípios da Baixada Fluminense – Rio de Janeiro” (2016-2020). Em diálogo com os trabalhos já produzidos sobre o tema, destacamos situações de desaparecimentos forçados e modos de produzir a morte na Baixada Fluminense encontradas nas narrativas dos denunciantes do banco de dados do Disque-Denúncia. Os dados nos direcionam ao entendimento de que, dentro de um universo semântico composto por cemitérios clandestinos e pontos de “desova” não tão invisibilizados assim, são muitas as técnicas de desaparecimento de corpos e de negação ao registro dessas mortes, a partir de tramas que envolvem milícias, traficantes, policiais e diferentes agentes estatais. As fronteiras entre os espaços e as práticas pertencentes ao Estado e os excluídos dele encontram-se cada vez mais borradas e colocam diferentes desafios às normatizações internacionais elaboradas até aqui para dar conta da categoria do desaparecimento forçado. Nossa pesquisa persegue os passos de Araújo (2012) afirmando que o desaparecimento forçado compõe parte do repertório da linguagem da violência urbana e da vida cotidiana de bairros periféricos e de população majoritariamente negra. Destacamos também que as famílias, mesmo cerceadas ao direito à investigação, ao laudo cadavérico e ao atestado de óbito, continuam sendo as principais responsáveis pela busca de seus amores mortos e desaparecidos.

 

Palavras-chave: Desaparecimento Forçado; Baixada Fluminense; Cemitério Clandestino.

 

 

3 Arquitetura Forense: Arte, Política e Interdisciplinaridade na Reconstrução de Memórias Coletivas

Marina Gomes da Silva Telles (Graduanda Arquitetura e Urbanismo – UFMG), gomestelles2001@gmail.com  

 

Diante da dinâmica dominante de reprodutibilidade de uma história “oficial”, a arte, em suas múltiplas manifestações, emerge como um instrumento político para que grupos subjugados historicamente sejam capazes de registrar, perpetuar e reiterar suas narrativas. Porém, denúncias cujas principais ferramentas investigativas são métodos artísticos permanecem objetadas por determinadas instâncias políticas, que deslegitimam sua veracidade devido a suas supostas “subjetividades” e caracteres contra-hegemônicos. Essa limitação se mostra pouco condizente com o contexto contemporâneo, no qual o acesso a novas tecnologias e métodos de documentação cresce concomitantemente à permeabilidade entre diferentes saberes. O presente trabalho visa uma reflexão acerca do uso de tecnologias de representação, estratégias expositivas e recursos artísticos diversos na consolidação de uma “estética investigativa”, enfatizando sua aplicabilidade nos processos de rememoração coletiva e efetivação de uma justiça de transição na América Latina. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, pautado em revisões bibliográficas e na análise de metodologias empregadas pelo grupo de pesquisa Arquitetura Forense, sobretudo no caso “Enforced Disappearance in the Siege of the Palace of Justice” e seus desdobramentos. Apesar do caso selecionado ter ocorrido na Colômbia, também é pretendida uma abordagem da relevância da arte para processos transicionais entre ditadura e democracia em nível nacional, buscando compreender, a partir de uma breve análise de casos desenvolvidos no Brasil, em qual patamar a sociedade e o Estado se inserem quando comparados aos de seus países vizinhos.

 

 

4 Fazer-visível: A contribuição da Arquitetura Forense para uma visão compartilhada e poli-perspectiva sobre os conflitos contemporâneos e a experiência latinoamericana

Paula Marujo Ibrahim (Mestrado FAU-USP), paulamarujo@usp.br  

 

Esta pesquisa analisa a área de conhecimento e prática da Arquitetura Forense, da qual decorre a agência Forensic Architecture (FA), para compreender como o encontro entre a Ciência Forense e a Arquitetura pode gerar ferramentas pertinentes para leitura e contraposição a formas de violência e opressão, e como este tipo de prática se insere no território latinoamericano. FA é uma agência de pesquisa baseada na Universidade de Goldsmiths em Londres, fundada em 2010 pelo arquiteto e professor Eyal Weizman. Através do uso combinado de instrumentos da arquitetura, ciência forense e da estética, o grupo investiga casos de crimes estatais e violação de direitos humanos, no contexto urbano e ambiental, a favor e conjuntamente com as comunidades afetadas. O foco está em tornar visível elementos dificilmente detectáveis pelo olho humano, investigar o ambiente e seus elementos como sensores, que podem capturar eventos e registrá-los em sua superfície. Através de análise teórica e de um estudo de caso no contexto brasileiro, a pesquisa busca definir a Arquitetura Forense como um conjunto de métodos capazes de visibilizar formas de violência e ter uma ação efetiva na luta por direitos, através da criação de uma nova epistemologia colaborativa que interconecta diversas áreas de conhecimento para combater a violência de Estado, e analisar as novas linguagens da Arquitetura Forense na América Latina, com iniciativas que situam a prática a partir de outras necessidades e perspectivas.

 

Palavras-chave: Arquitetura Forense, Violência, Epistemologia colaborativa.

 

 

 

 

 

Sessão 2 - Ciências forenses, perícia oficial e sistema de justiça

Data: 23 de novembro (quinta-feira)

Horário: 9h às 12h30

 

1 NÃO É IGUAL A CSI: Uma análise etnográfica das estruturas periciais no Rio de Janeiro

Isabella Markendorf Marins (Mestranda PPGA-UFF), marinsisabella@gmail.com

 

O imaginário criado pelas séries policiais americanas leva o telespectador brasileiro a criar uma concepção de que a perícia é uma instituição profundamente tecnológica, capaz de descobrir de forma precisa quem são os autores de crimes, bem como ser utilizada de forma ampla e valorizada nas instituições judiciárias. No entanto, ao se analisar o contexto empírico da perícia no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, percebe-se que a realidade está distante daquilo que é apresentado pelos seriados. Através de um trabalho etnográfico, originado de uma pesquisa para dissertação de mestrado sobre a perícia criminal e os autos de resistência, o presente texto busca apontar, mediante visita a locais e entrevistas com peritos, qual o papel da perícia no contexto criminal brasileiro e os obstáculos possivelmente criados pelas estruturas disponibilizadas para os peritos fluminenses. De antemão, já é possível apresentar resultados iniciais em que, de acordo com os peritos entrevistados e as instituições visitadas, a estrutura é precária e pode, nesse sentido, inviabilizar o adequado trabalho para resolução de casos. Além disso, há restrições orçamentárias e uma desvalorização do trabalho da perícia em audiências no Judiciário.

 

Palavras-chave: Perícia; Estrutura; Orçamento; peritos criminais.

 

 

2 Policial ou cientista? Uma análise sobre a produção de saberes periciais em um laboratório da polícia civil do Rio de Janeiro

Victor Cesar Torres de Mello Rangel (INCT/InEAC/UFF; Doutorando PPGA/UFF), vctmrangel@id.uff.br

 

Esse trabalho é um recorte da minha pesquisa de doutorado, que teve como objetivo central discutir diferentes discursos e conhecimentos sobre o consumo de cocaína. Ou seja, duas diferentes representações sobre o assunto foram tomadas como foco central de análise: uma produzida por consumidores e outra construída por peritos criminais. Neste trabalho direciono o olhar ao laboratório da polícia e analiso como os peritos criminais no Rio de Janeiro lidam com saberes tecnocientífico e policial. A partir desta dicotomia descrevo como os peritos fazem (ou não) uso de métodos, instrumentais e protocolos na confecção dos laudos periciais. As categorias “controle” e “hierarquia” ajudam a pensar como esse ofício pode ser rotulado apenas como cartorial – no sentido de se despachar um documento para que o processo judicial tenha continuidade – ou como científico – levando em conta os objetos e métodos empregados. Logo, analiso como são realizadas perícias em casos comuns em comparação aos casos de repercussão.

 

Palavras-chave: ciência; perícia criminal; controle; hierarquia.

 

 

 

 

 

3 “Peneirar cadáveres”: fluxos de comunicação e produção de dados sobre mortes por intervenção policial no Ministério Público Rio de Janeiro

Rodrigo Raimundo (Graduando Segurança Pública/UFF), rodrigoraimundo@id.uff.br

Marilha Gabriela Garau (Pesquisadora Pós-Doutorado PPGA/UFF), marilhagarau@gmail.com

 

O presente trabalho parte de uma descrição etnográfica das práticas institucionais do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro no âmbito da Coordenadoria-Geral de Segurança Pública (Cogesp). O foco da análise está voltado para a recepção de comunicação de casos envolvendo operações policiais das Polícias Militar e Civil, pela descrição das dinâmicas de comunicação e produção de dados, bem como da apresentação de entrevistas conduzidas com membros da instituição. Nesse sentido, o presente trabalho irá explorar as dinâmicas de recebimento de informação e registros classificatórios de Mortes por Intervenção de Agentes do Estado a partir do esmiuçamento de documentos enviados pelas instituições policiais. Além de lançar luz sobre a sistematização de tais dados no Sistema de registro de mortes decorrentes de intervenção policial do Conselho Nacional do Ministério Público, este último sendo realizado principalmente com base em laudos papiloscópicos, de necropsia e RO’s Web. Considerando os desdobramentos da ADPF 635 no que tange ao enfrentamento da alta letalidade policial no Rio de Janeiro, às dinâmicas de registro e produção de dados voltam-se para o controle das violações de direitos humanos. A categoria nativa que intitula o texto está diretamente relacionada à forma como a instituição utiliza da burocracia público-estatal exercendo controle sobre corpos sem vida (MEDEIROS, 2017) para transformá-los em “diferentes de dados”. As práticas institucionais descritas revelam a prevalência burocrática-Estatal na produção de dados e registros que concedem presunção de veracidade aos documentos emitidos pela Polícia Civil, sem questionamentos pelos membros do Ministério Público que recebem tais documentos. Chama atenção o fato de que as informações, frequentemente, são inconclusas, considerando lacunas frequentes sobre dados pessoais da vítima, como raça/cor e número de identificação (CPF); ademais as informações apresentadas não estão alinhadas com as recomendações da ADPF, a exemplo de situações nas quais houve morte violenta por intervenção de agentes de estado, mas não constava das informações fornecidas se o delegado compareceu ao local do fato; se foi realizada a perícia de local; ou se foi feita a posterior comunicação da morte ao Ministério Público em até 24h do fato etc. Além desse vácuo comunicacional há ainda um hiato mais latente com relação aos instrumentos que produziram a morte É possível observar tal isto quando nos detemos sobre as informações das armas utilizadas no caso, com destaque para o campo “calibre”. O presente trabalho se adequa ao Grupo de Trabalho uma vez que a prova material produzida pela perícia criminal passa por diversos processos de filtragem ao longo de toda persecução penal, sendo central para compreensão das dinâmicas de produção de verdade(s) as interações articuladas pela Perícia Criminal a partir do diálogo com outros operadores do sistema judiciário.

 

Palavras-chave: Produção de provas; ADPF 635; Ministério Público; verdade judiciária.

 

 

4 Ativismo de dados, perícia e litígio estratégico: o rastro das mortes e a produção dos números de letalidade policial no Rio de Janeiro

Marília Fabbro de Moraes (Doutoranda PPGSA-UFRJ), fabbromarilia@gmail.com

 

O presente artigo visa discutir de que forma o ativismo de dados de letalidade policial impacta na repressão e no controle social do estado perpetrado pelas forças da ordem. Moradores de favelas, defensores de direitos humanos e líderes comunitários se organizam em torno de dispositivos, tais como as redes de comunicação comunitária, com o objetivo de questionar as formas adotadas pela denominada “política de segurança pública” do Estado do Rio de Janeiro, produzindo evidências de crimes perpetrados pela ordem e construindo dados de letalidade policial que o Estado não produz. De modo a contribuir para a discussão, este trabalho se centrará em como as redes produzem tais dados e de que forma essas informações impactam no litígio estratégico e nas perícias policiais, tomando como ponto de partida os casos da Ação Civil Pública (ACP) da Maré e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) das Favelas. Tendo em vista a legitimidade do Estado na relação probatória do rastro das mortes e na produção de verdade jurídica por meio da fé- pública, a necessidade de mecanismos de perícia independente figura como um tópico relevante no debate humanitário. No caso do Rio de Janeiro, enfatiza-se o ponto resolutivo 16 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília, acerca da problemática da Polícia Civil realizar as investigações e perícias dos casos nos quais agentes estatais figuram como autores das violações de direitos humanos.

 

Palavras-chave: direitos humanos; letalidade policial; ativismo de dados; perícia.

 

 

Sessão 3 - Corpos, desigualdades e direitos

Data: 24 de novembro (sexta-feira)

Horário: 9h às 12h30

 

1 A construção da verdade: da suspeição dos corpos negros à criminalização da pobreza

Thiago da Silva Santana (Doutorando PPGAS/UFSC), santana-thiago@outlook.com  

Manu Rocha de Matos (Mestrando PPGAS/UFSC), emanuu_@hotmail.com

 

Este artigo propõe análise dos casos conhecidos como "Caso Gracinha", mãe quilombola que perdeu a guarda das filhas devido alegações racistas e misóginas; e "Mães de Blumenau", onde onze mães perderam o poder familiar por, supostamente, não exercerem o papel social de mães. O objetivo é explorar a tensão entre verdade e ficção das narrativas construídas em torno dessas mães, seja pelo sistema judiciário brasileiro e/ou por agentes do poder público, que tendem a impetrar verdades construídas em ritos que engendram o saber técnico. No entanto, essa abordagem está ancorada numa cultura jurídica de suspeição e criminalização de pessoas negras e em situação de pobreza. As noções de corpo-narrativa, e os embates entre as sensibilidades jurídicas e outros saberes, se tornam fundamentais para entender como o discurso pretensamente técnico-científico atribuído aos agentes públicos desempenha papel crucial neste processo. Este artigo também examina a abordagem nos procedimentos legais, destacando como profissionais extrapolam os limites do registro normativo, adentrando em uma esfera performativa que reforça as violências relacionadas à raça, gênero e classe. Por fim, analisamos o teor futurológico das sentenças proferidas, os quais tendem a se basear em normas sociais implícitas, em detrimento do que entendemos por boas práticas jurídicas, aquelas asseguradas nos Tratados de Direitos Humanos aos quais o Brasil está inserido.

 

Palavras-chave: Direitos Humanos, Antropologia Política, Maternidades Destituídas, Sistema de verdade.

 

2 Análise de ancestralidade em Antropologia Forense - Do racismo científico à função garantidora de direitos

Priscila Lini (Doutoranda PPGAS/MN/UFRJ; Docente do Depto de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS), priscila.lini@ufms.br

 

A análise de ancestralidade é um dos pontos mais sensíveis da Antropologia Forense, uma vez que as diferenças encontradas nos materiais bioantropológicos são extremamente sutis e altamente variáveis em razão da miscigenação que caracteriza a população brasileira. A considerar que, nos primeiros tempos da antropologia física, a análise de ancestralidade - até então considerada como ‘raça’ - estava imersa em preconceitos e racismo científico, este é um dos pontos de mensuração mais complexos para a avaliação de ossos humanos, que deve ser realizado de modo ético, criterioso e totalmente desvinculado de discursos de superioridade ou inferioridade de um perfil em relação a outro(s). A partir do chamado giro forense a análise de ancestralidade recebe um novo significado, podendo ser aplicada para a efetivação de direitos humanos fundamentais, como a dignidade humana, a garantia de territórios e o direito ao sepultamento digno, respeitando-se os familiares e o grupo de pertencimento neste processo. As reivindicações de restos mortais realizadas por povos indígenas a partir dos anos 1980, as comissões de identificação e reparação de vítimas e familiares de desaparecidos políticos das ditaduras nos países sul-americanos, a repatriação e sequente inumação respeitosa demandada pelos descendentes de pessoas escravizadas originárias da África - são movimentos que em grande parte contribuíram para ressignificar a análise de ancestralidade na seara da Antropologia Forense. Assim, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, busca-se realizar um estudo sobre a nova compreensão que o tema recebe na contemporaneidade, a partir de artigos, teses e escritos recentes produzidos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

 

Palavras-chave: Ancestralidade; Antropologia forense; Identificação; Direitos Humanos.

 

 

3 Corpos marcados e saberes localizados: Revelando segredos por detrás de becas e togas

Sidnéia Bento Duque (Assistente Social DPU/ES; Mestre em Política Social UFES; Graduanda em Cências sociais UFES); sidy.bduque@gmail.com

 

Estudo etnográfico com o intuito de identificar a existência de fatores extrajudiciais que influenciam na intervenção do operador de direito, distinguindo os fatores referentes ao corpo/imagem dos fatores pertencentes à mente/consciência. Para isso, foi realizada uma observação participante no período entre setembro de 2022 a junho de 2023 junto à Defensoria Pública da União em Vitória (DPU/ES) para verificar como o setor de atendimento ao público, formado por estagiários de direito e atendentes terceirizados interagiam com a população usuária do serviço de assistência jurídica gratuita no âmbito federal. Entre os estagiários de direito, a maioria entrevistada (80%) admitiu a influência de fatores externos na intervenção, sendo mais citado formação educacional e classe social. Entre os atendentes terceirizados, apenas 50% concordaram com a influência de fatores externos, sendo idade e formação educacional os mais citados. Concluiu-se nos termos da leitura de Strathern (2006; 2014) e Haraway (1995; 2022) que o direito, enquanto campo do saber iluminista moderno, reflete uma prática abstrata epistemicêntrica, que não admite a existência de corpos físicos marcados, tendenciosos e parciais que influenciam na sua tomada de decisões.

 

Palavras-chave: Corpo/consciência; natureza/cultura; saberes localizados; conexões parciais.

 

 

4 A criminologia brasileira da primeira metade do século XX e o problema dos “assassinos que matam repetidamente”

Pedro Henrique Barbosa Borda (Graduando em Ciências Sociais USP), pedroborda@usp.br

 

Em 1927 e em 1952, dois indivíduos foram presos acusados de terem cometido uma série de homicídios, além de outros crimes. Mas o que intrigava os especialistas e policiais da época era a natureza aparentemente despropositada desses assassinatos cometidos por Febrônio Índio do Brasil e Benedito M. de Carvalho. Observando retrospectivamente, os estudos contemporâneos sobre assassinos em série identificam aí os primeiros casos de serial killers brasileiros, desconsiderando o intervalo fundamental que se estabelece entre os “assassinos que matam repetidamente” e a invenção do “assassino em série”. Embora os documentos da época revelem a percepção de uma conexão entre esses tipos de crimes, sobretudo a partir das ideias de um modus operandi análogo e do “sadismo”, esse trabalho não se propõe a investigar as “raízes” do assassino em série, tendo em vista o risco de anacronismo presente nesse pressuposto. Antes, o objetivo é investigar o problema dos assassinos que matam repetidamente a partir da própria rede pela qual esse objeto era posto em circulação. Somente a partir daí, poderíamos dar o próximo passo: a compreensão da transformação que a invenção do assassino em série provoca no campo médico e criminológico, ao reinventá-lo, deslocando a rede sobre novas conexões e questões. Essa reflexão, fruto de uma pesquisa ainda em curso, resulta da leitura dos documentos produzidos por médicos, criminólogos e policiais da época sobre esses dois casos de enorme relevância e notoriedade.

 

Palavras-chave: serial killer; história da criminologia; assassinos em série brasileiros; Escola Positivista.

 

 

 

ST 14 – Terra/s das águas: agenciamentos em tempos de crise

Coordenação: Eliana Creado (UFES), eliana.creado@gmail.com  

Natália Tavares (UFPR), natytav@yahoo.com.br

Winifred Knox (UFRN) , winifred.knox@ufrn.br  

Essencial à manutenção da vida, a água possui força material-e-simbólica única. Sua multiplicidade escorre em uma gradação de cores e composições com outros elementos e entes, e em uma diversidade sensorial perceptível a humanos. Estes também dependem da presença desse elemento, que conglomera diferentes e variados agenciamentos, a desafiarem sua redução à fórmula química H2O. O ST porá em diálogo estudos que abordem de modo mais ou menos direto as relações com as águas. Relações que possam emergir: (1) entre diferentes entes não humanos; (2) entre humanos e não humanos; (3) ou entre humanos, mas cujas ações e entendimentos versem ou influenciem as águas e os inúmeros seres vivos e não vivos que com elas compõem; (4) da reflexão sobre direitos adquiridos ou adscritos, e da constituição ou ausência deles expressos no (des)agenciamento de políticas públicas. Convidamos desde estudos etnográficos a estudos que combinem diferentes técnicas e metodologias. Inclusive, estudos que flertem com diferentes disciplinas e áreas de conhecimento, e entre diferentes conhecimentos, científicos ou não. Propostas que abordem a interface entre as águas e seus agenciamentos ou agenciamentos correlatos e que abordem espaços-tempos associados ao Antropoceno (em suas diferentes metáforas e denominações críticas aos marcadores de origem do termo) serão bem recebidos. A convocação almeja igualmente acolher estudos que pensem alternativas ao estabelecido bem como aqueles com o viés da ecologia dos saberes.

Palavras-chave: naturezasculturas aquáticas; conhecimentos aquáticos; problemas socioambientais ribeirinhos e costeiros; “Humanidades azuis”.

 

 

Sessão 1

 

1 Os significados atribuídos à água nos sistemas de saneamento convencionais

Yago Quiñones Triana (DAN – UnB), yagoqt@gmail.com  

 

O atual sistema convencional de saneamento (composto pelo vaso sanitário de descarga, água encanada, esgoto e, eventualmente, sistemas de tratamento) depende totalmente da água e resulta num uso intensivo e poluidor deste recurso. O que tem gerado cada vez mais críticas por causa da sua inadequação a um contexto global de escassez de água. Porém, ele se apresenta como um caso de aprisionamento tecnológico, onde uma tecnologia prevalece, a partir do habito de uso consolidado, que bloqueia o surgimento de soluções alternativas, como aquelas com menor impacto ecológico que dispensam o uso de água. Tal aprisionamento deriva, em parte, da interpretação dominante sobre a água, mediada pelo pensamento técnico e cientifico moderno e que criou o próprio sistema. Nele a água se reduz a um recurso, capaz somente de transportar os dejetos humanos e possibilitar os hábitos de higiene. Para promover o desbloqueio da prevalência indiscutida do sistema convencional, e permitir a discussão de alternativas, é necessário problematizar os significados culturais associados à água, implícitos no sistema atual. Desvincular a água da noção de recurso a ser explorado e considera-la como um elemento que permeia processos vitais transversais entre os atores envolvidos no sistema. Esta pesquisa propõe trazer um olhar crítico sobre o sistema convencional de saneamento, a partir de uma ressignificação do conceito da água, considerando perspectivas complementares ao universo cientifico. O que inclui olhares locais e alternativas técnicas divergentes, as quais se constituem em vivencias capazes de enxergar o caráter cíclico da água e sugerir afinidades que vinculam outros seres e entidades associados com este elemento vital.

 

Palavras-chave: água, sistemas de saneamento, aprisionamento tecnológico.

 

 

2 Infraestruturas hidráulicas em colapso: ‘desentrelaçamentos’ sociotécnicos de hidroelétricas e hidrovias na América do Sul

Jean Carlos Hochsprung Miguel (Instituto de Geociências, Departamento de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP), jeanchm@unicamp.br  

 

 

A disponibilidade de água como recurso essencial para o abastecimento humano e seu papel fundamental nas atividades econômicas têm despertado crescentes preocupações em países da América Latina e no mundo. Com a perspectiva de cenários futuros marcados por extremos de seca, a preparação para enfrentar esse desafio ainda está muito aquém dos riscos apresentados. Nesse contexto, projetos financiados por programas de fomento à governança climática na América Latina, por exemplo, EUROCLIMA+, visam o desenvolvimento de estratégias nacionais e planos de preparação para as secas. Este trabalho baseia-se em um projeto internacional que tem como objetivo compreender os impactos das secas em infraestruturas estratégicas, como as hidroelétricas e hidrovias na América do Sul. Para realizar essa análise, são utilizadas as perspectivas e conceitos da Antropologia das Infraestruturas (STAR; RUHLEDER, 1996; EDWARDS, 2003; MIGUEL, 2021). Inicialmente, discute-se o problema das crises hídricas e como essas crises afetam as hidroelétricas e hidrovias, levando a um processo de "desentrelaçamento sociotécnico das infraestruturas"(MIGUEL; TADDEI, 2022). Esse conceito aponta para a forma como essas estruturas essenciais são afetadas negativamente pela escassez de água, resultando em impactos significativos em sua operação e funcionalidade. Em seguida, o estudo explora como tais desentrelaçamentos podem levar a processos de expansão, desdobramento ou sobreposição de infraestruturas como medidas reativas de securitização. Dessa forma, argumenta-se que o planejamento baseado na sobreposição de camadas infraestruturais de segurança, em conjunto com a tendência de neoliberalização das políticas de adaptação climática, pode ampliar a escala das crises.

 

Palavras-chave: Antropologia das Infraestruturas; Crise Hídrica; Mudanças Climáticas; Governança; Secas.

 

 

3 Chuva, vapores, rios e isótopos na Amazônia: um capítulo de história da ciência e da tecnologia a partir das águas

André Secchieri Bailão (pesquisador pós-doc da Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, COC/Fiocruz), asbailao@gmail.com  

 

Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa sobre a história das ciências do clima da Amazônia – integrante do projeto "A Amazônia como microcosmo do Antropoceno" (Fiocruz). O objetivo é compreender como foi criada, a partir dos anos 1970, uma rede de pesquisadores que se atentaram aos entrelaçamentos entre floresta e clima e às transformações ambientais da região. Por meio de pesquisa em arquivos, entrevistas e análise documental, o projeto busca traçar de modo geral as redes sociotécnicas nacionais e transnacionais que possibilitaram a emergência dessas ciências, na esteira dos projetos de desenvolvimento da Amazônia no regime militar e durante a emergência do ambientalismo internacional. As águas foram agentes centrais dessa história. Os rios, os regimes de chuva, os vapores da floresta e os diferentes isótopos da água foram o foco dos pesquisadores analisados – uma rede encabeçada por Enéas Salati (CENA/USP) que conectava pesquisadores, universidades e instituições estatais dentro e fora do Brasil e organizações internacionais. Inspirados pelos estudos de ciência e tecnologia, das práticas e das materialidades, trataremos as variadas propriedades, movimentos e agências que as águas amazônicas e globais tiveram nessa rede sociotécnica, como mudaram percepções e entendimentos e estimularam novas práticas e técnicas. Das chuvas e vapores das florestas à circulação das amostras isotópicas, essa história das ciências contada pelas águas revela a complexidade de escalas e composições das paisagens e revelam a impossibilidade de pensar a floresta, as águas e o clima na Amazônia de forma apartada, assim como os efeitos de certas atividades (extrativistas, militares e industriais) nos fluxos hídricos.

 

Palavras-chave: história da ciência; Amazônia; clima; águas.

 

 

4 A agência da água em metáforas sobre as ondas

Wither Favalessa dos Santos (PGCS-UFES), wither.santos@edu.ufes.br  

 

Nesta comunicação oral pretendo abordar a agência simbólica-e-material da água em metáforas para explicações dos físicos acerca de teorias e fenômenos. Os autores Latour e Lévi-Strauss, em suas obras "A vida de laboratório" e "História de Lince", respectivamente, discutem a criação de mitos pelos cientistas modernos. Ambos concordam que os cientistas recorrem à mitologia ao interagir com não-especialistas. Essa perspectiva é fundamental para o desenvolvimento da minha escrita etnográfica. Durante a pandemia de covid-19 em 2021, a pesquisa começou de forma desafiadora, com a necessidade de distanciamento social impedindo o trabalho de campo presencial. Assim, optei por analisar as produções escritas dos membros da comunidade científica. Meu foco era entender como os físicos do Núcleo Cosmo-ufes e do PPGCosmos comunicam ao público geral sobre Ondas Gravitacionais. A partir da leitura de artigos no Caderno de Astronomia, observei que os autores utilizam metáforas, como a água formando lagos e poças, para explicar as ondas como uma propagação de vibrações de partícula a partícula, uma estratégia para lidar com conceitos que operam em escalas não humanas.

 

Palavras-chave: Ondas gravitacionais, humanos e não humanos, forças materiais e simbólica.

 

 

5 Título: Imaginação política do cuidado na bacia do Ribeirão da Onça (Região Metropolitana de Belo Horizonte)

Elisa Porto Marques (NPGAU – Escola de Arquitetura da UFMG), limarques@gmail.com  

 

Em um campo de crítica à ideia moderna de Natureza, proponho vislumbramos o horizonte de possibilidades que uma "imaginação política do cuidado" pode apresentar para problemáticas contemporâneas ditas “ambientais”. Enquanto os princípios da dominação, historicamente, produziram a homogeneização, fragmentação e hierarquização do mundo e dos seres, uma ética do cuidado, ao contrário, é estabelecida por relações de mutualidade e interdependência. Se os primeiros alcançam hoje um estado emergencial de escassez e degradação das condições de vida, a segunda está aberta à abundância criativa de uma rede de alianças mais-que-humana. Em minha pesquisa de doutorado, em desenvolvimento, a questão está situada no âmbito da política brasileira de gestão das águas e ancorada, mais especificamente, em uma pesquisa-ação no contexto de atuação do Subcomitê de Bacia Hidrográfica do Ribeirão Onça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No interior desta dinâmica institucionalizada de participação social, que engloba processos comunitários prévios, ressalta-se a convivência entre uma lógica técnico-burocrática, própria da gestão pública, e um conjunto de saberes e experiências dos habitantes em suas relações com as águas, em dimensões afetivas, próprias do âmbito comunitário e militante, ou mesmo íntimas, próprias do doméstico. Interessa-me observar a imaginação política cultivada nesse encontro de racionalidades e modus-operandi, indagando sobre a potência de incidência desse diálogo sobre a narrativa hegemônica em relação à política ambiental, produzida nas esferas da gestão urbano-ambiental.

 

Palavras-chave: imaginação política; ética do cuidado; gestão das águas.

 

 

Sessão 2

 

1 POR UM DIÁLOGO DE SABERES INTERCIENTÍFICOS E INTERCULTURAIS SOBRE A ÁGUA NO CONTEXTO DA BACIA DO PRATA

Franklin de Paula Júnior (Doutorando e mestre pelo PPGDH da UnB), franklintermedio@gmail.com

Rita Silvana Santana dos Santos (Docente da Faculdade de Educação (UnB)), ritasilvana@gmail.com  

 

Segunda maior bacia hidrográfica de águas transfronteiriças da América do Sul e quinta do mundo, a Bacia do Prata abarca porções territoriais de 5 países (Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai), com uma extensão de 3,1 milhões de km² e notória sociobiodiversidade, também constituindo um território subcontinental referencial da experiência sócio-histórica derivada do projeto de modernidade ocidental que tem a colonialidade (a sujeição da natureza, o racismo, o sexismo, o patriarcado, a lógica capitalística) como a sua contraface constitutiva. Ao mesmo tempo em que estabeleceu, histórica e unilateralmente, enunciados hegemônicos relacionados à água e à natureza, vinculados ao paradigma da dominação, com reflexos indeléveis na esfera do instituído (legal e institucional), este projeto moderno-colonial também expropriou os enunciados originários, instituintes, extramodernos, pós-abissais e contra-hegemônicos, em especial, aqueles correspondentes às cosmologias, saberes e modos de vida dos povos originários ameríndios, afro diaspóricos e das comunidades tradicionais. Neste sentido, o diálogo de saberes, intercientífico e intercultural, é condição indispensável para ‘rematriar’ enunciados sobre a água e a natureza que foram expropriados pela modernidade-colonialidade, bem como para criar outros imaginários e modos de vida sustentáveis e incidir nas políticas públicas de água e educação neste contexto territorial.

 

Palavras-chave: colonialidade, colapso ambiental, Bacia do Prata, ecologia de saberes, educação, sustentabilidade

 

 

2 Paisagens em movimento: emaranhamentos entre águas e terras no Vale do Alto-Médio São Francisco

Luiz Felipe Rocha Benites (Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ), felipebenites74@gmail.com

 

Este artigo busca refletir sobre o emaranhamento de fios que tecem histórias entre ribeirinhos, as terras/areias e as águas do Rio São Francisco, em seu trecho alto-médio. Para tanto, busco conectar as memórias e práticas dos habitantes da comunidade quilombola e ribeirinha de Ribanceira, localizada no município de São Romão, em Minas Gerais, com os dados do relatório da Expedição Halfeld, ocorrida na segunda metade do séc. XIX, sobre as ilhas, barrancos, croas e bancos de areia do entorno em que residem. Desta forma, procuro pensar o lugar da água, em seus fluxos pluviais e fluviais, e as terras e areias no emaranhamento das relações dos habitantes da Ribanceira com os dispositivos estatais (de infraestrutura e proteção ambiental), com os fazendeiros vizinhos e com entes outros-que-humanos (animais, plantas, ventos, etc.), na produção de uma socialidade mais-que-humana às margens do Velho Chico, em um contexto de mudanças climáticas.

 

Palavras-chave: Água; terra; socialidade mais-que-humana; quilombolas; Vale do São Francisco.

 

 

3 Hidro-grafias: pensar-com ou desenhar-com os rios

Maria Luz Carvalho Borges (Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Goiás), maria_luz@discente.ufg.br  

 

Fernando Antonio Oliveira Mello (Doutor/Professor Adjunto do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Goiás/Campus Goiânia), fernando.mello@ufg.br  

 

Gabriel Teixeira Ramos (Doutor/ Professor Adjunto do Curso de Arquitetura e Urbanismo da  Universidade Federal de Goiás/Campus Goiás), ramosgabriel@ufg.br  

 

Este trabalho se propõe a construir um vínculo entre o método cartográfico e as ideias defendidas pelo antropólogo britânico Tim Ingold para explorar maneiras de cartografar com os rios, no sentido de tentar superar a aridez tradicional que registra os corpos d’água como meras linhas vazias de vida. O entendimento sobre cartografia e mapeamento parte dos escritos de Deleuze e Guattari. Para esses autores, as representações geradas a partir da cartografia são poderosos registros que se apresentam como alternativas, lançadas pela geografia crítica, para a apropriação dos mapas como ferramenta de lutas. Com esse aporte conceitual, voltamos a Ingold para conjecturar a pesquisa cartográfica como uma forma de se juntar ao que o autor chama de “processo de formação”. Buscamos entender a constituição das paisagens, lugares e territórios como formações continuamente abertas. Logo, pesquisar e representar os corpos d’água pressupõe superar a separação objeto-sujeito, pesquisador-meio. Tendo como mecanismos de investigação a pesquisa bibliográfica e iconográfica, pretende-se defender que a compreensão dos rios e dos imaginários que se misturam às suas águas estão para além de desenhos que os representam vistos de cima e de fora. A intenção é debater como cartografar e mapear com os rios. Parte-se da compreensão que é com o corpo que se faz pesquisa, experimentando as fronteiras borradas entre o corpo pesquisante e os corpos d’água para o rio finalmente molhar o mapa.

 

Palavras-chave: Rios, Cartografia, Mapas, Tim Ingold.

 

 

4 Nas margens do doméstico: interações entre humanos e animais nas paisagens hídricas de duas metrópoles amazônicas

Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares (Universidade Federal do Amazonas)

pedropaulosoares@ufam.edu.br  

 

Em Belém (PA) e Manaus (PA) a água é parte significativa da vida urbana. Intensas chuvas e grandes massas hídricas no entorno dessas cidades conectam fragmentos de florestas, igarapés, nascentes e alagadiços que compõem um sistema de drenagem bastante transformado por intervenções do Estado ou ocupações espontâneas em áreas de grande adensamento residencial. Este trabalho consiste na aproximação de dois universos de pesquisa em que se observou a interação entre humanos e animais selvagens por meio da presença da água no cotidiano. Em Belém essas interações ocorrem majoritariamente nas situações de desastre – inundações e alagamentos – em que são borradas as fronteiras da cidade com o mundo tido como “natural”, enquanto que em Manaus especula-se sobre a adesão desses animais às franjas do ambiente doméstico, onde passam a coexistir com os humanos. A etnografia – concluída em Belém e preliminar em Manaus – discute como essas interações expressam as relações contraditórias entre água e cidade mediadas por intervenções técnicas sobre o meio hídrico nos dois contextos e aponta para os agenciamentos interespecíficos que configuram paisagens de perturbação na Amazônia urbana.

 

Palavras-chave: Paisagem; humanos e não-humanos; água; Amazônia urbana.

 

 

5 No manguezal com os aratus: relações de gênero e ecologia política em paisagens mais-que humanas

Pedro Castelo Branco Silveira (Fundação Joaquim Nabuco-Fundaj), pedro.silveira@fundaj.gov.br  

 

Os aratus (Goniopsis cruentata) são pequenos caranguejos avermelhados que habitam os manguezais da costa do Brasil. Em parte do Nordeste brasileiro, o aratu é capturado costumeiramente por pescadoras e pescadores artesanais, processado nas residências e tem sua carne revendida em forma de catado. O aratu tem um ritmo de vida que alterna período de atividade diurno, na maré baixa, entre a lama do manguezal e os troncos das árvores, e período de repouso noturno, quando habita as copas das árvores de mangue. Este ritmo de vida informa diferentes modos de capturar o aratu, um deles considerado mais feminino, mais antigo, mais justo e mais sustentável, e outro considerado mais masculino, mais recente, mais injusto e mais predatório. Assim, este trabalho discute as práticas envolvidas na pesca do aratu, que produz agenciamentos/assembleias em que o ritmo de vida dos caranguejos está interligado aos ritmos das marés, que por sua vez associa-se a relações humanas de gênero e debates de ecologia política. Apresentamos etnografia realizada no litoral Pernambucano, na comunidade pesqueira de Tejucopapo, trazendo também aportes de pesquisa em outros manguezais nordestinos. As conclusões vão no sentido de apontar como se imbricam questões de gênero e socialidades mais-que-humanas, bem como de defender que as relações entre humanos e não-humanos devem ser enquadradas na complexidade dos arranjos socio-ecológicas que conformam as paisagens dos manguezais.

 

Palavras-chave: antropologia mais-que-humana; paisagem; manguezais; gênero e pesca artesanal.

 

 

6 Território do vazio e Memória do fim dos dias: Catástrofes e narrativas do fim do mundo

Winifred Knox (UFRN), winifred.knox@ufrn.br  

Este trabalho objetiva falar sobre as catástrofes que afetam os entes humanos e não humanos que vivem no ambiente marinho, na beira mar, nos alagados, nas ilhas e a memória do fim dos dias, representações construídas, criações, crenças, medos da finitude da vida, da aproximação da morte, das injustiças humanas e ambientais. Neste sentido, o mar, os seres que nele habitam, e os seres que dele dependem, têm sido percebidos de diferentes formas em contextos diversos, estabelecendo aproximações, pontes, distanciamentos e isolamentos no tempo histórico. O artigo procurará dialogar com autores que falam do vazio no território beira mar até o século XVIII e utilizará de recursos artísticos-literários, de etnografias e pesquisas realizadas para construir um pensamento crítico que recoloque a questão geopolítica decolonial dos países do Sul frente às formas de ocupação desta região costeira. Pergunta-se o poder destas narrativas e se elas favorecem a organização da resistência desses povos tradicionais.

Palavras-chave: catástrofes; humanos e não humanos; povos tradicionais; geopolítica decolonial; ambiente marinho.

 

 

Sessão 3

1 Disputas territoriais e ambientais da comunidade quilombola da Anastácia (Viamão/Rio Grande do Sul)

Eleandra Raquel da Silva Koch (antropóloga e doutora em Desenvolvimento Rural – UFRGS)

eleandraraquel@gmail.com

Vanessa Flores dos Santos (Mestra e doutoranda em Antropologia Social – UFRS)

 

Este artigo aborda a luta da comunidade quilombola da Anastácia (Viamão/Rio Grande do Sul) pelo reconhecimento de seus direitos territoriais e ambientais, ainda que nas brechas da política pública de regularização fundiária quilombola. A principal disputa se relaciona com os usos da água do Rio Gravataí, que é objeto de exploração das lavouras de arroz lindeiras. As quilombolas descendentes da matriarca Anastácia exercem convivências e reciprocidades ancestrais na paisagem, entretanto, as modificações decorrentes das inúmeras intervenções realizadas por projetos de exploração do ambiente colocam em risco a existência das quilombolas e demais vidas

que coexistem no território tradicional. O próprio rio Gravataí é fortemente afetado pelos aparatos sociotécnicos empregados por esses projetos. Analiticamente esta pesquisa se sustenta nas abordagens sobre as políticas de reconhecimento territorial quilombola e naquelas que situam os conflitos ambientais em lutas por direitos territoriais. Concluímos que, embora em situação de enfrentamento às inúmeras vulnerabilidades e precariedades para continuar resistindo e vivendo no lugar, a comunidade encontrou na política de reconhecimento de territórios quilombolas um caminho possível para realizar disputas ambientais decisivas. Bem como, observa-se que o rio Gravataí é o principal aliado e testemunha da luta da comunidade por continuar existindo nas suas margens.

 

Palavras-chave: Quilombolas, Água, rio Gravataí.

 

 

2 Sobre cores e dores: como um crime-desastre que (a)tingiu um rio e sua foz submerge em meios de comunicação

Eliana S. J. Creado (docente UFES, Dr. em C. Sociais, Unicamp), eliana.creado@gmail.com

Amanda Kapiche Brito (graduanda em C. Sociais, UFES), amanda.kapiche@gmail.com

Giovana Martins Araújo (bacharel em C. Sociais), giovana.ma25@gmail.com

Esther Almeida Borges (graduanda em C. Sociais), estheralmeidab@gmail.com

 

A proposta refere-se a um levantamento da circulação de materiais textuais e imagéticos em portais de notícias online entre os anos de 2015 a 2022. Baseando-nos também em estudos anteriores (SILVA, 2010; TADDEI, 2020), registramos e analisamos as alterações ocorridas nessa circulação ao longo do tempo, de modo a verificar se haveria ou não uma desintoxicação simbólica do crime-desastre da Samarco SA e suas parceiras coorporativas nesses portais online, que (a)tingiu as águas do rio Doce e as águas do Oceano Atlântico. O levantamento está a ser realizado desde a ocorrência do rompimento da barragem em Fundão em Minas Gerais. Observamos a passagem de momentos mais intensos nessa circulação, com muita carga crítica e emotiva, até a normalização da mesma, com a apropriação da pauta por preocupações tecnocientíficas, seja através da problematização da toxicidade associada ao fluxo aquático de metais, seja através da redução da discussão de direitos a questões administrativo-jurídicas, e, sobretudo, as financeiras.

Para nós, as águas compõem emaranhados aquáticos com força material-simbólica que pode ser potencializada ou minimizada, como no caso em tela. Nesses emaranhados, elementos variados, corpos humanos e não humanos, conhecimentos científicos e não científicos, e, ainda textos, coproduzem-se (HARDING, 2019).

 

Palavras-chave: crime-desastre; Samarco S.A.; estudos sociais em ciência e tecnologia; emaranhados aquáticos.

 

 

3 Formas de voltar ao mangue: estratégias de retorno e conexão territorial dos Tupinikim e Guarani pós-desastre da Samarco

Carolina Llanes Guardiola (Pesquisadora - Grupo de pesquisa Abolição, UFES); Antropóloga, Mestre em Antropologia e Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais-UFF), ninallag@gmail.com   

 

No presente trabalho pretendo refletir sobre as formas em que se re-estabelecem os usos e as relações entre os povos indígenas Tupinikim e Guarani com seu meio ambiente, em especial, com o mar, rio e manguezal após o rompimento da barragem de Fundão, do desastre ambiental da mineradora Samarco, Vale e BHP, que afetou o rio Doce e a região costeira do Espírito Santo em novembro de 2015. Meu objetivo é analisar, as estratégias utilizadas pelos povos indígenas para re-estabelecer a sua conexão com seu território, no meio das afetações causadas pelo desastre e a insegurança sobre o uso dos recursos naturais. Meu foco para tal análise será a interface entre a reivindicação pelo reconhecimento dos impactos causados à população indígena e a dinâmica social observada em relação ao uso do meio ambiente e seus recursos. A pesquisa se desenvolveu a partir da observação participante no trabalho de campo, entrevistas estruturadas e conversas informais com os atores envolvidos, participação em eventos relacionados à realização do ECI que avaliou os impactos ocasionados pelo Desastre e outras pesquisas acadêmicas que tenho acompanhado desde então. Os resultados descrevem as condições sociais e históricas das relações entre os indígenas e agentes externos às Terras Indígenas e as mudanças decorrentes das transações e negociações pelo uso da terra e seus recursos fornecendo novos elementos para a discussão sobre os modos de vida dos grupos indígenas no Brasil e sua relação com o território.

 

Palavras-chave: Samarco, desastre-crime, Piraquêaçu, Tupinikim e Guarani, Espírito Santo (estado).

 

 

4 Isto aqui não é um aquário: contaminação das águas do litoral norte capixaba, em decorrência do crime ambiental da Samarco/Vale/BHP Billiton

Márcio Antônio Farias de Freitas (Doutor em Antropologia - Universidade Nova de Lisboa),  marcfreeitas@gmail.com

 

Neste artigo pretendo ampliar o debate em torno da contaminação por metais pesados do oceano Atlântico e toda a sua biota - no litoral norte do Espírito Santo -, um debate que se estende desde novembro de 2015 entre os atingidos (pescadores, ribeirinhos, quilombolas, indígenas e pequenos agricultores), poder público, pesquisadores, ambientalistas, dentre outros, no âmbito do maior crime ambiental ocorrido no Brasil, com o rompimento da barragem de Fundão (Mariana-MG), de propriedade da Samarco/Vale/BHP Billiton. Tenho o intuito de encarar o oceano como agente que produz processos de negociação que dialogam com outros agentes, produzindo consensos e controvérsias. Assim, num cenário de oitos anos de desastre, onde a pesca encontra-se proibida entre Barra do Riacho (Aracruz-ES) até Degredo (Linhares-ES), impactando severamente a vida de milhares de pescadores que possuem a atividade da pesca como modo de vida e sua principal fonte de renda, vivendo um momento de inseguranças e incertezas, este texto é fruto de minhas vivências a partir de meu trabalho de campo de doutorado em Antropologia - onde realizei uma etnografia multiespécie -, bem como enquanto um agente colaborativo que continua a investigar os impactos do rompimento da barragem de Fundão no litoral norte do Espírito Santo junto às comunidades tradicionais que ali vivem.

 

Palavras-chave: rompimento barragem, metais pesados, contaminação, proibição pesca.

 

 

5 Escassez hídrica em contexto de desastres - relações com as águas que narram ausências

Bianca de Jesus Silva (doutoranda em Ambiente e Sociedade, Nepam/Unicamp), biancacsoufes@gmail.com

 

Entre os anos 2015 e 2019, os rompimentos das barragens de Fundão e da B1, localizadas no estado de Minas Gerais, criam cenários em que os rejeitos espalhados nos rios Doce e Paraopeba transformaram a realidade das localidades afetadas. A chegada dos rejeitos em comunidades próximas às margens dos rios citados alterou os modos de vida observados a partir dos vínculos com as águas, em duas comunidades nos municípios de Linhares-ES e Betim-MG. As alterações impuseram às comunidades novos arranjos para os usos das águas, compreendendo desde o acesso à água para consumo humano até sociabilidades vinculadas aos rios. Observou-se nos trabalhos de campo realizados entre os anos 2015 e 2021, a partir das discussões sobre momento etnográfico de Strathern (2014), a possibilidade de apontar para noções de escassez hídrica em contextos de desastres. Neste sentido, os arranjos impostos pelos desastres indicam outras formas de conviver, agora com uma ausência pronunciada de água que, analisada juntamente com discussões sobre a emergência climática, promove reflexões sobre o “tempo” enquanto mais um problema de escala que os desastres levaram as comunidades. Busco apresentar como a relação das pessoas atingidas com as águas narra, além de uma forma de vida alterada, uma escala de tempo em divergência com os indicativos de reparação presentes nos territórios atingidos pelos desastres. Essas relações entre os desastres e as escalas, sejam elas de tempo ou espaço, serão apresentadas como formas de compreender os desastres em um cenário ampliado de emergência climática na era do Antropoceno.

 

Palavras-chave: desastres; rompimentos de barragens; escassez hídrica; escalas de tempo e espaço.

 

 

 

ST 15 – Encontro de Saberes - Transversalidades e Experiências Coordenação: Edgar Rodrigues Barbosa Neto (UFMG/FAE) - edgar.barbosa.neto@gmail.com Isabel Santana de Rose (CNRS/Instituto Brasil Plural) - belderose@gmail.com Tiago Heliodoro Nascimento (PPGAS/UFMG) - tiagohn@gmail.com

Retomando discussões iniciadas em edições anteriores da ReACT, este seminário pretende reunir reflexões de natureza etnográfica, político-pedagógica e epistemológica tendo por objeto as experiências de “encontro de saberes” e outros tipos de “encontros complexos”, englobando diferente tipos de iniciativas, tais como: 1) aquelas direcionadas para a inclusão de mestras e mestres do conhecimento tradicional como professores; 2) as que envolvem estudantes matriculados(as) em cursos de natureza intercultural, incluindo licenciaturas indígenas e quilombolas; 3) as de estudantes que acessaram a universidade por meio de políticas de ação afirmativa ou vestibular diferenciado; 4) aquelas ligadas às formas de aprimoramento e fiscalização das políticas afirmativas, como as comissões de heteroidentificação racial; 5) outros tipos de encontros complexos que acontecem tanto em contextos acadêmicos quanto nas fronteiras da academia. Nosso objetivo central é examinar as consequências desses encontros sobre as práticas de conhecimento e as formas de organização acadêmicas, e os diferentes modos em que esses encontros são implementados por seus participantes nos contextos fora da universidade. O debate em torno dos “riscos” implicados nesses encontros é parte fundamental da proposta: de um lado, um “verticalismo hierarquizante”, que apenas inverteria a posição respectiva de saberes acadêmicos e não acadêmicos; de outro, um “horizontalismo democratizante”, supondo que as relações entre esses saberes são de mera equivalência e que, no fundo, as diferenças não importam. Nesse sentido, nossa sugestão é um esforço para pensar a relação entre saberes heterogêneos enquanto heterogêneos numa experiência de “transversalidade criativa”.

Palavras-chave: encontro de saberes; encontros complexos; transversalidade; conhecimentos tradicionais; práticas epistemológicas.

 

Sessão 1 (22/11/23)

1 Sobre o aprender com o silêncio: as mestras da ‘pintura de toé’ e da ‘construção de enchimento’ das terras indígenas xakriabá

Adriano Mattos Corrêa (Professor de Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG),  adrianomattos.arquiteto@gmail.com

Maria Clara Vieira da Silva (Estudante de graduação e bolsista programa de extensão Morar Indígena na Escola de Arquitetura – UFMG), clara2021ar1@gmail.com

Thais Gontijo Braga (Estudante de graduação e bolsista programa de extensão Morar Indígena na Escola de Arquitetura - UFMG) thaisgonbraga@gmail.com

A proximidade, a escuta silenciosa e o fazer comum como modos de ensinar e aprender com a Mestra D. Libertina e com as outras mestras Xakriabá. Para elas o conhecimento é um saber compartilhado e coletivo. Aprende-se fazendo juntos e juntas. Cada um ensina e aprende com a prática e o fazer do outro. Não se tem a ideia de autoria, ou assinatura, individualizada da obra. A referência a quem fez é compartilhada por todos aqueles que participam e que colocam a sua própria mão no processo de construção: o fazer/aprender está aberto a todos e todas que quiserem praticar e aprender fazendo junto. Tal processo de produzir através de um fazer compartilhado não separa aquele que sabe daquele que veio ajudar e aprender fazendo. Todos e cada um têm o seu papel reconhecido no processo de produção: não existe uma hierarquia pré-definindo e não há alguém que é o mestre e ensina a um outro que se submete para aprender. Também não há uma obrigação de permanência durante o processo construtivo, nem uma ordem cronológica sequenciará para a transmissão de um conhecimento. Cada um pode chegar e sair quando lhe aprouver. Cada um pode atuar no processo como se sentir melhor, se dispondo a fazer junto ou apenas observando aquilo que se faz. Qualquer um pode se aproximar silenciosamente e participar do processo construtivo. Experimentamos tal prática de aprendizado na construção da casa xakriabá na Faculdade de Educação da UFMG, e em outras tantas práticas no território xakriabá no município de São João das Missões - envolvendo estudantes da graduação e pós-graduação de diversos cursos da UFMG, estudantes de escolas indígenas em terra xakriabá do ensino médio e estudantes do FIEI (Formação Intercultural de Educadores Indígenas, FAE/UFMG). Mais recentemente, em 2022/23, praticamos tal modo de fazer na construção da arquitetura de acolhimento e do formo comunitário de queima de cerâmica na Aldeia Barreiro Preto - em parceria com a D. Etelvina, mestra da ‘pintura do toá’ e da ‘construção de enchimento’, e com o Mestre Nei, da cerâmica tradicional xakriabá.

Palavras-chave: experiências construtivas; xakriabá; práticas pedagógicas; arquitetura de terra.

 

 

2 Educação e cultura: diálogos entre saberes e pertencimento a partir de Círculos de Cultura 

Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez (Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais Campos dos Goytacazes, UFF), profmariaclaudiapitrez@gmail.com   

O diálogo educacional e intercultural entre conhecimentos formais e não formais muitas vezes se torna desafiador diante da hierarquia de saberes e da formatação curricular das instituições de ensino. O presente trabalho busca levantar alguns questionamentos em torno de educação, cultura e pertencimento a partir da pesquisa em andamento que venho desenvolvendo conjuntamente na Universidade Federal Fluminense. O objeto de análise da pesquisa centra-se na prática pedagógica desenvolvidas no curso de licenciatura em Ciências Sociais e no projeto de extensão, onde são realizados Círculos de Culturas. Nestas práticas são realizados trabalhos de campo em grupos e coletivos de artes e cultura popular da cidade e a realização de roda de saberes dentro e fora do espaço universitário. Como o campus está localizado no interior do Rio de Janeiro, grande parte dos discentes é de outras localidades e não conhecem muito bem a cidade, restringindo suas atividades entre local de estudos e moradia. Com isso, os Círculos de Culturas vem se tornando uma prática educativa importante na construção de vínculos na universidade e também de laços de pertencimento com a cidade a partir de trocas de saberes e mapas  afetivos entre a cidade de origem e com a cultura local. 

Palavras-chave:rculos de culturas; educação; pertencimento.

 

3 Experimentando encuentros. Reflexiones etnográficas, experiencias personales y trama de saberes reunidos en una investigación sobre la Regla de Ocha

Indira Mones Guevara (Doctora en Antropología/Escuela Nacional de Antropología e Historia de México), imonesguevara@gmail.com  

El presente trabajo propone desarrollar una serie de reflexiones sobre algunas experiencias atravesadas durante una investigación sobre la Regla de Ocha. Centrado mayormente a lo vivenciado durante etapas de trabajo de campo, desarrollado en la Ciudad de México y la Ciudad de la Habana, entre el año 2014 y el 2020. Durante la investigación para la tesis doctoral, ciertos factores como mi nacionalidad cubana, o mi formación como antropóloga, condicionaron experiencias singulares. Ideas preconcebidas, prejuicios e intereses de diversos tipos, desde tres posicionamientos distintos, generaron algunos desaciertos investigativos en el período inicial. Del mismo modo el esfuerzo por condicionar los saberes ajenos a paradigmas académicos en un optimismo ingenuo, fue resueltamente transformado, por la necesidad de horizontalizar la relación con ellos. Experimentar de forma viva el contacto constante con esos otros saberes, religiosos si se quiere; transformó el saber propio y originó como resultado una investigación muy distinta de la concebida inicialmente. Con este trabajo se pretende reflexionar sobre ese proceso, desde la entrada en campo en un país ajeno, con redes de apoyo limitadas y condiciones de origen que marcan ideas preconcebidas, hasta las presiones teóricas ejercidas desde la academia. Todo eso, también como practicante. El resultado: una investigación que fue constantemente modificada, y dos familias religiosas, una a cada lado del Golfo de México.

 

4 Repensando a escola: experiências a partir de uma aldeia do Alto Xingu

Veronica Monachini de Carvalho (doutoranda em Antropologia Social/ PPGAS-Unicamp)

veronicamonachini@gmail.com 

A escolarização entre o povo Kalapalo, povo falante de uma língua karib, habitantes da região do Alto Xingu, no Território Indígena do Xingu, localizado no estado do Mato Grosso, é recente, tendo seu início nos anos 80. Apenas em 2016 a escola da aldeia Aiha se tornou uma escola central, não sendo mais anexa à uma escola central da etnia Kuikuro, localizada do outro lado do rio Culuene (o que dificultava a relação). Com esse movimento, a comunidade se viu convidada a repensar o que escola queriam, a partir da elaboração coletiva do Projeto Político Pedagógico e da proposta curricular da nova escola, que era uma escola diferenciada, intercultural e bilíngue, segundo sua própria legislação. Realizamos diversas reuniões com a comunidade escolar, em que todos os moradores da aldeia participaram, para discutir os principais pontos do Orientativo ao Projeto Político Pedagógico enviado pela própria Secretária de Educação do Estado do Mato Grosso. Juntos, definiram seus marcos conceituais: o que é a sociedade kalapalo e quais os seus valores, qual o ideal de pessoa kalapalo e como formar essa pessoa em sala de aula, o que é nossa cultura, ou nosso jeito de fazer”. Refletiram sobre os modos kalapalo de ensinar e aprender, e identificaram a importância da observação, escuta e treino, aliada à importância da autonomia e iniciativa do próprio aprendiz em buscar seu conhecimento. Identificaram que seria muito proveitoso trazer os mestres para dentro da sala de aula e a necessidade da produção de materiais didáticos na língua kalapalo, com suas próprias histórias, matemáticas, geografias, e formas de ver o mundo. Nesta interlocução, apresentarei algumas destas experiências que tenho desenvolvido junto aos kalapalo.

Palavras-chave: saberes indígenas; educação escolar indígena; maestria.

 

5 Pensando a mudança de um currículo monoepistêmico para um currículo pluriepistêmico: Um ensaio sobre a fricção

Emerson Costa Carvalho Souza (Mestrando em Antropologia Social, Universidade de Brasília)  emersoncosta1444@hotmail.com

 

A ideia central desse ensaio é considerar quais mecanismos poderiam ser acionados quando pensamos a passagem de um campo de ensino monoepistêmico  para um campo pluriepistêmico, no qual a inclusão seria o seu princípio fundamental. Para refletirmos sobre as inúmeras possibilidades de se fazer essa passagem,  recupera-se nesse texto dois conceitos que guiaram o debate. O primeiro deles será  o Epistemomêtro, cunhado pelo antropólogo brasileiro José Jorge de Carvalho, no  texto EPISTEMÔMETRO: Uma Metodologia para a Descolonização e  Transformação do Currículo das Universidades Brasileiras” de 2023. O segundo, será  o de fricção, postulado por Roberto Cardoso de Oliveira, no seu livro O índio e o  mundo dos brancos” publicado em 1964. Entende-se nesse ensaio que quando falamos de uma passagem monoepistêmica para uma pluriepistemica, não estamos descartando toda a produção ocidental, o que se defende é a inclusão de novas formas e fontes. A ideia  de complementariedade é o que talvez melhor sintetize essa discussão, visto que a pluralidade dos saberes complementará uns aos outros na medida em que dada realidade escape àquela determinada teoria. Modificar o currículo não está necessariamente vinculado a essa noção de substituição de um em detrimento do  outro, a atenção para a multiplicidade é o que elucida a finalidade do Epistemomêtro  e não um evidente rompimento com o currículo em si.

Palavras-chave: currículo pluriepistêmico; fricção; saberes múltiplos.

 

 

6 O clima da educação e das artes em Muã Mimatxi: relato compartilhado de uma experiência nas Formações Transversais em Saberes Tradicionais na UFMG

Paulo Maia (Doutor em Antropologia pelo PPGAS-MN-UFRJ, Professor Associado FaE-UFMG) pmaia47@gmail.com

Dona Liça Pataxoop (Liderança e Professora na aldeia/escola pataxoop Muã Mimãtxi – Itapecirica-MG)

Saniwê Braz (Mestre em educação PPGE-FaE-UFMG e professor na aldeia/escola pataxoop Muã Mimãtxi – Itapecirica-MG). 

Em setembro de 2023 ofertamos na UFMG uma disciplina nas Formações Transversais em Saberes Tradicionais com a seguinte ementa: O clima da educação e das artes nos territórios indígenas; O que é e o que pode ser feito com um têhêy?; Uma incursão guiada pela "escrita condensada" dos Têhêy - pescaria de conhecimento”: imagens que ensinam sem a escrita de palavras, somente pela oralidade, a "ciência da terra"; Contextualizando alguns valores”, modos de ensinar e aprender no território/aldeia/escola pataxoop [pataxó] de Muã Mimãtxi: Na terra cada um tem o seu lugar de vida; A alegria de quem é vivo e se movimenta com a natureza; O manejo de cuidar da terra; Tudo na natureza vive acompanhado; As plantas ajudam a terra a ficar bonita; A força dos brotos; Plantio é a alegria da terra; A fartura; Compartilhar e ajudar os animais; Camaradagem; A alegria e a liberdade Pataxó com a natureza. A presente comunicação pretende apresentar um relato da experiência compartilhada nesta disciplina tendo em vista os processos pedagógicos, metodológicos, avaliativos e organizacionais empregados neste encontro de saberes.

Palavras-chave: Formações Transversais, Saberes Tradicionais, Pedagogias Indígenas, Escolas Indígenas, Pataxoop, Muã Mimãtxi. 

 

Sessão 2 (23/11/23)

 

1 Educação antirracista do quilombo de Extrema: etnografando a partir da arte dos encontros com os nossos

rcia Sacramento Rocha (Mestra em Antropologia Social-UFG),  marciasacramento@discente.ufg.br  

É na arte de ensinar e de aprender em casa no quilombo, por meio de nossos saberes, que nosso povo quilombola tanto lutou para preservar e fazer ecoar, é que resistimos e lutamos. Apesar das tentativas de morte continuamos vivendo, e por meio de nossa educação quilombola antirracista atuamos no combate ao racismo, e fizemos isso em casa no quilombo, nos encontros com os nossos. Assim, a presente etnografia intenta apresentar os afetamentos provocados pela educação antirracista, através da arte dos encontros com os nossos, baseada em saberes e educação de dentro do quilombo de Extrema. Esta caminhada ancestral será impulsionada por todos que lutaram nessa batalha por nossas existências no combate ao racismo e manutenção do emaranhado de vidas existentes no quilombo. Abordaremos sobre as batalhas antirracistas, pois vivemos em estado permanente de guerra contra o racismo, para provocar o quebramento e a descontinuidade de práticas racistas a partir de uma educação de dentro, diferenciada, e se dará pelo olhar de uma pesquisadora quilombola.

Palavras-chave: quilombo de Extrema, educação quilombola antiracista, educação.

 

2 Arquiteturas no diálogo entre o território xakriabá e a universidade

Lucas Carvalho de Jesus (Graduando em Arquitetura e Urbanismo), lucascjesus@gmail.com

Renata Moreira Marquez (Universidade Federal de Minas Gerais/ Escola de Arquitetura), renatapiseagrama@gmail.com

 

A partir da ideia de Marisol de la Cadena do não somente, aprendemos a expandir a prática da tradução acolhendo a multiplicidade e as diferenças percebidas quando estamos entre mundos. Em visita recente ao território xakriabá, conversávamos sobre o que era arquitetura e não chegávamos a um acordo. As definições não estavam erradas. Mas não são eram só aquilo. O que talvez possamos chamar de arquitetura xakriabá não é a mesma coisa que chamamos de arquitetura na universidade ou em outro lugar. Não eram as mesmas práticas, eram diferentes. Esse processo de tradução feito com mal-entendidos só é um problema se a nossa intenção for que o entendimento seja único. A equivocação, desse modo, não é algo a ser evitado. No território xakriabá, arquitetura também era o processo coletivo de construção das casas tradicionais e suas reverberações ou não nas práticas construtivas atuais, as lutas e conquistas pela diferenciação do espaço escolar indígena, as práticas de retomada que geram os diversos espaços comunitários, etc. Mas para o povo Xakriabá, não. O que chamávamos de arquitetura, para eles, era parte da vida cotidiana. Talvez o conceito de arquitetura estivesse em germinação, ali naquele encontro e diálogo com a universidade. Como pensar o que as práticas espaciais xakriabá podem nos ensinar sobre arquitetura e como temos que considerar as práticas tradicionais nos processos de aproximação para que o conceito e a prática de arquitetura que chegam ao território xakriabá não sejam os mesmos que discordamos na cidade?

 

Palavras-chave: arquitetura tradicional xakriabá; tradução; equivocação.

 

3 A casa de farinha do Quilombo Dandá - Simões Filho/BA: projeto de ensino e extensão enquanto uma prática de encontro de saberes

Anderson de Jesus Costa (Professor Substituto IFBA/Simões Filho, Doutor em Ciências Sociais -UFBA),  andersoncostajc@gmail.com

A presente proposta comunica a experiência pedagógica de supervisão de um  projeto de ensino e extensão realizado através do Instituto Federal da Bahia (IFBA-Simões Filho), no primeiro semestre de 2023. Nesse sentido, me proponho aqui a pensar o encontro entre os estudantes de engenharia mecânica e os mestres populares do Quilombo Dandá, a partir da construção de uma  máquina nova para a casa de farinha. O Quilombo Dandá realiza o processo de  produção de farinha de forma artesanal há cerca de 250 anos, que vai desde o  plantio da mandioca até o armazenamento da farinha. Durante esse processo de produção uma série de técnicas particulares, vinculadas ao modo de vida  quilombola, que extrapolam as necessidades materiais ligadas a atividade, são mobilizadas. Por outro lado, os estudantes de engenharia mecânica vivenciam  um processo de formação acadêmica em que a técnica é percebida como uma  forma de construção e manutenção de objetos e equipamentos, sendo  compreendida como um meio de dominação da natureza. A experiência de construção da máquina aparece como um meio para refletirmos como, ao se  encontrarem, essas percepções e vivencias acerca da técnica produzem uma vinculação entre diferentes saberes e formas de articulá-los. Mas, mais do que isso, avaliarmos as políticas de ensino e extensão do ponto de vista dos riscos” que a sua execução comporta, ao buscarem estabelecer e formular o encontro de técnicas e saberes como uma experiência de troca. Ao fim da construção da  máquina, é perceptivo o desafio de construir novos caminhos para pensar a extensão universitária, ultrapassando não só a lógica da intervenção social como um meio de suprimento de necessidades, mas lidando com as diferenças, sem  a ambição de operacionalizar uma igualdade dos saberes.

Palavras-chave: Extensão universitária, Quilombo Dandá, engenharia mecânica, encontro de técnicas.

 

 

 

 

4 A potência da dissidência: um olhar descolonizador sobre a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil

Jéssica Cristina de Souza (Mestranda no programa de pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas),  j203799@dac.unicamp.br

Esta proposta busca compreender o cânone acadêmico ocidental que associa Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) a potencialidades desenvolvidas exclusivamente por homens brancos heterossexuais cisgênero do norte global, de acordo com a narrativa que impera nas universidades ocidentalizadas e, em especial, no campo da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), tanto em sua origem como em suas implicações contemporâneas, em particular para os grupos epistemologicamente subalternizados por sua dissidência. Trata-se de pesquisa atualmente em andamento, que consiste em um estudo referencial baseado nas correntes de pensamento pós-coloniais e decoloniais. São explorados os conceitos de tecnologia e inovação no campo de CTS e sua conexão com relações de poder hegemônicas, epistemicamente racistas e sexistas, bem como a relevância dos conhecimentos indígenas e afrodescendentes, e suas potencialidades enquanto tecnologias e inovações elaboradas desde a América Latina. A partir do conceito de justiça cognitiva, sublinhamos a potência contida na valorização e reconhecimento do pluralismo brasileiro, no que se refere à restauração do equilíbrio da vida no planeta e ao enfrentamento das desigualdades sociais em consonância com as realidades locais. Portanto, desde uma perspectiva descolonizadora do campo dos Estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade, propomos o descolamento da mimetização do panorama cultural norte-americano e europeu para resolução dos problemas de nossas comunidades.

Palavras-chave: ciência, tecnologia, inovação; justiça cognitiva; pluralismo.

 

5 A monocultura de eucalipto segundo uma licencianda em Educação do Campo: uma análise sob a ótica de Stengers

Aline Mendes Bernardes-Santos (Mestra em Educação – Faculdade de Educação/ Universidade Federal de Minas Gerais - FaE/UFMG), alinemendesbsantos@gmail.com

Luana Cordeiro da Fonseca (Mestranda em Educação – Faculdade de Educação/ Universidade Federal de Minas Gerais - FaE/UFMG), luanafonsecacordeiro123@gmail.com

Ana Paula Silva-Freitas (Doutora em Educação - Faculdade de Educação/ Universidade Federal de Minas Gerais - FaE/UFMG), annapaullaqueny@gmail.com

 

O presente trabalho busca apresentar uma discussão suscitada por um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de um curso de Licenciatura em Educação do Campo (LECampo) que aborda impactos socioambientais da monocultura de eucalipto em uma cidade do Vale do Jequitinhonha - MG. Objetivamos analisar tal monografia escrita por uma das autoras deste trabalho, relacionando-a a algumas ideias desenvolvidas por Isabelle Stengers, filósofa da ciência. Stengers (2015) tece uma crítica acerca da articulação Empresário-Estado, que fomenta um capitalismo que se coloca como verde”. Em sua monografia, Fonseca (2021) apresenta as visões de grupos que pertencem a mundos múltiplos e divergentes: empresários favoráveis à monocultura de eucalipto e de pequenos agricultores, tendo sido os últimos seduzidos pela promessa de lucro que, no entanto, não gozam dos benefícios dos empresários e sofrem com os impactos dessa atividade. Apesar da escrita de TCCs como requisito para a obtenção do título de licenciado/a ser uma imposição que pode indicar que os campesinos podem ter sua presença apenas tolerada nas universidades (Despret e Stengers, 2014), tencionamos destacar a potencialidade das LECampo de fazer pontes” (Stengers, 2017) entre campesinos e acadêmicos como articulações pela luta anticapitalista. Essas pontes podem resultar na formação acadêmica de campesinos que usam a escrita em favor da desaceleração e hesitação diante de empreendimentos que desconsiderem as vidas dos pequenos agricultores.

 

Palavras-chave: Licenciatura em Educação do Campo; questões socioambientais; articulação Empresário-Estado; campesinos; Stengers.

 

 

6 Saberes Xakriabá em TCCs da FIEI/UFMG: o que revelam sobre nossas sociedades científicas e técnicas?

Adriana Maria Loureiro (Doutora em Ciências do Meio Ambiente/Professora do Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), fatima.branquinho@uol.com.br

Fátima Teresa Braga Branquinho (Doutora em Ciências Sociais. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), amloureiro@ufrrj.br

Ancorado, principalmente, na obra de Bruno Latour, este trabalho nasce a partir de questionamentos sobre a possibilidade de a ciência e os saberes tradicionais fertilizarem um ao outro. A opção pela Teoria Ator-rede como referencial teórico-metodológico apoia-se: a) no entendimento de que há diferentes modos de se produzir conhecimento; e b) na tentativa de superação das dicotomias e hierarquias entre saberes características da ciência moderna. Assim, ao dialogar com a Antropologia das Ciências e das Técnicas, esta apresentação tem por objetivo descrever o que o povo Xakriabá, do Norte de Minas Gerais, pensa de si, a partir das associações entre humanos e não-humanos reveladas por trabalhos de conclusão de curso de estudantes dessa etnia na Formação Intercultural para Educadores Indígenas, licenciatura oferecida pela Universidade Federal de Minas Gerais. As pesquisas realizadas por esses cursistas, com muitos temas que mergulham na questão ambiental, apontam para a produção de conhecimento tanto sobre os Xakriabá quanto sobre a nossa sociedade científica e técnica. Tal estudo aponta para a possibilidade de descrição da indissociabilidade entre natureza e cultura. O relato escrito a partir deste estudo – que culminou com uma tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – indica que a produção de conhecimento dos povos indígenas na universidade pode nos dar pistas sobre como escapar da crise que é, ao mesmo tempo, ambiental e epistemológica.

 

Palavras-chave: Teoria Ator-rede; Formação Intercultural para Educadores Indígenas; Associações entre humanos e não-humanos; Povo Xakriabá.

 

Sessão 3 (24/11/23)

 

1 Pesquisas cocriadas e novos processos de construção de acervos comunitários: a experiência do Projeto Curas no Terreiro do Caboclo Pedra Branca

Gabriela Acerbi Pereira (Doutoranda PPGAS/UFSCAR ),  gabiacerbi@gmail.com

Ana Maria de Paula Cruz (Mãe Ana de Iansã no Terreiro de Umbanda Caboclo Pedra Branca),   projetocuras@gmail.com 

O Projeto Curas (www.projetocuras.com.br) é uma plataforma digital e uma rede de pesquisa, produção artística e construção de acervos da memória localizada no sul de Minas Gerais. Somos uma pesquisa progressiva em cocriação que registra e compartilha experiências e  dimensões sagradas da vida e da gestão comunitária da saúde. Somos também um projeto audiovisual de arquivamento dos percursos espirituais e das relações de afeto e cuidado no Sul de Minas Gerais e somos uma iniciativa de reconstrução e circulação de acervos familiares,  comunitários e individuais. Somos uma equipe múltipla, em sua maioria não inserida no contexto da pesquisa acadêmica, que atua a partir de uma perspectiva de reconstituição e circulação de narrativas e trajetórias, expondo experiências e composições sociais que em grande medida não estão representadas nos acervos institucionais da região sul mineira e que são diretamente afetadas  por políticas de embranquecimento que não reconhecem as presenças afro-indígenas no território sul-mineiro. Temos como base de sustentação e articulação o Terreiro de Umbanda do Caboclo Pedra Branca. Atuamos a partir de outros entendimentos em relação ao significado de trabalho de  campo”, tendo em vista dimensões comunitárias de elaboração de registros e de pesquisas articuladas, seja a partir de memórias familiares, documentações históricas, construção de  encontros de saberes e produções literárias e audiovisuais próprias (que estão disponíveis em nossa plataforma e canais de comunicação).

Palavras-chave: projeto curas; sul de Minas Gerais; cocriação; comunidade; modos de pesquisar.

 

2 Discentes e mestres contra-hegemônicos na universidade: experimentações na Cátedra Kaapora-Unifesp

Valéria Macedo (Professora Associada Departamento de Ciências Sociais - PPGCS/Cátedra Kaapora/Unifesp), vmacedo@unifesp.br

 

A Cátedra Kaapora é um órgão complementar da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Unifesp voltada para a promoção de ações protagonizadas por conhecedores indígenas, de matriz afro e coletividades contra-hegemônicas. Desde 2016, tais conhecedores vêm participando na condição de palestrantes, debatedores e professores em cursos de extensão e graduação, bem como em eventos de diversas ordens. Como membro da coordenação colegiada da Kaapora, espero compartilhar algumas implicações dessas iniciativas na formação antropológica de discentes no campus em que leciono (em Guarulhos/SP), cuja maioria constitui a primeira pessoa da família a cursar uma universidade pública. Centrarei foco em transfluências (no sentido de Bispo) ensejadas nesses encontros, em que a alteridade em relação à orientação eurocentrada da formação universitária é diferentemente experimentada por alunes e mestres convidades. Contrastando com a autoridade etnográfica (no sentido de Clifford, eu estive lá e contarei aos daqui”), a força enunciativa desses encontros advém também do que é incontável no ambiente universitário, trazendo à cena o que ali é invisível ou indizível. Daí sua potência formativa, recusando holismos exotizantes e ensejando nexos criativos entre saberes situados.

 

 

 

3 Nossa palestra é andando 

Renata Moreira Marquez (Doutora, Universidade Federal de Minas Gerais/Escola de Arquitetura), renatapiseagrama@gmail.com

 

Em outubro de 2022, a UFMG concedeu o título de doutor a 15 mestres e mestras dos saberes tradicionais de Minas Gerais e da Bahia reconhecidos por sua atuação como guardiões e transmissores de conhecimentos fundantes de suas comunidades. Na ocasião, este grupo viajou até a universidade para a outorga e para palestras, conversas públicas e visitas na cidade. Em abril de 2023, os dois titulados doutores pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Cacique Babau e Joelson Ferreira de  Oliveira, voltaram à UFMG para o I Colóquio do Programa, quando planejamos com eles, para outubro do mesmo ano, o nosso deslocamento em direção aos seus territórios. Este convite, que é também uma intimação para a ressignificação das noções de encontro e aprendizagem, já havia sido feito em momentos anteriores da Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG, onde Babau e Joelson atuaram como professores. Nossa palestra é andando”, nos disse Babau, inspirando a compor esta escola  territorializada e territorializante, terrana, terrestre, corporizada no caminhar e no viver junto à terra. A disciplina da FTSB Saberes Tradicionais Artes e Ofícios: Saberes e fazeres da terra propôs, assim, o deslocamento para o Assentamento Terra Vista e para a Terra Tupinambá Serra do Padeiro, no sul da Bahia, respectivamente territórios onde atuam Joelson e Babau. O objetivo desta proposição ao ReACT é, então, compartilhar e discutir outras versões possíveis às noções de encontro e aprendizagem, através da experiência coletiva de vida-ensino-pesquisa-extensão que se dará no Sul da Bahia.

 

Palavras-chave: Notório Saber; encontro etnográfico; Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG; Assentamento Terra Vista; Terra Tupinambá Serra do Padeiro.

 

 

4 Diálogo de saberes: encontro de mestres e estudantes não indígenas em territórios compartilhados

Mariana Ribeiro Romero (Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas), m241472@dac.unicamp.br

Chantal Vitoria Medaets (Professora na Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas), cmedaets@unicamp.br

O programa Encontro de Saberes, apesar de implementado de formas diversas nas universidades brasileiras, busca trazer mestres/as dos conhecimentos tradicionais para o ambiente acadêmico universitário, gerando diversas implicações desde o confronto de epistemologias, visões de mundo até de metodologias e das próprias formas de construção do conhecimento dentro do espaço. Apesar deste movimento representar uma ação política, pois coloca mestres em posições/espaços de poder e desenvolve um processo de legitimação dos conhecimentos ensinados, a Universidade Federal de Minas Gerais adota também o movimento inverso, levando estudantes universitários para os territórios dos mestres. Esse movimento tem sido objeto de reflexão através de um trabalho etnográfico que acompanhou uma disciplina concentrada na Aldeia Barreiro Preto, no território Xakriabá. A duração dessa disciplina foi de uma semana e discorreu sobre os "Saberes Tradicionais: Artes e Ofícios - Arquitetura, cerâmica e culinária Xacriabá". A análise abordou as diferentes representações de cultura construídas na relação entre os mestres, a comunidade Xakriabá e os estudantes e professores não-indígenas, bem como as relações criadas nesse ambiente e as expectativas e benefícios de todos os lados. Também foram refletidos os desafios do movimento dialógico entre conhecimento tradicional e a espacialidade, uma vez que o movimento inicial do Encontro pode prejudicar a associação dos saberes tradicionais à prática em um território específico.

 

Palavras-chave: Encontro de Saberes, conhecimentos tradicionais; práticas epistemológicas.

 

 

5 Notórios territórios e ocupações epistêmicas

Ana Lúcia Liberato Tettamanzy (doutorado/UFRGS), atettamanzy@terra.com.br

Carla Beatriz Meinerz (doutorado/UFRGS), carlameinerz@ufrgs.br

Celina Nunes Alcântara (doutorado/UFRGS), celinanalcantara@gmail.com

Claudia Luisa Zeferino Pires (doutorado/UFRGS), claudia.pires@ufrgs.br

Eráclito Pereira (doutorado/UFRGS), eraclito@ufrgs.br

Luciana Prass (doutorado/UFRGS), luciana.prass@ufrgs.br

Marília Raquel Albornoz Stein (doutorado/UFRGS), mariliastein@ufrgs.br

Rumi Regina Kubo (doutorado/UFRGS),  rumi.kubo@ufrgs.br

Valéria Viana Labrea (doutorado/UFRGS), valeria.labrea@ufrgs.br  

 

Encontro de Saberes (ES) é um projeto político de descolonização das instituições de ensino no Brasil cujo enraizamento ocorreu a partir da UnB e INCTI, em 2010. Na UFRGS, advém de uma atividade de ensino (2016) e um projeto de extensão (2017). Constituída como uma comunidade de aprendizagem (hooks) e organizada através do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Africanos e Indígenas, sob orientação de lideranças intelectuais de diferentes lugares de conhecimento e pertencimentos étnico-raciais, a ES/UFRGS defende a educação intercultural crítica e antirracista alinhada a uma produção e difusão científica que busca constituir territórios contra-hegemônicos no ensino superior. Alia-se às retomadas -histórias, lutas, conquistas e mobilizações- de territórios físicos e simbólicos dos/as mestres/as e produz saberes tecidos nos diálogos entre mestres e estudantes. No trabalho, busca-se refletir a partir de produções da disciplina em que palavras se misturam a sonoridades, sementes, instrumentos musicais, plantas que nos remetem às diferentes formas de resistir. Esses múltiplos elementos evocam os territórios e performances culturais de mestres/as e põem as comunidades em relação. Produzem a força de estar, pertencer e se territorializar no lugar de vida, assim como lançam a coragem de se curricularizar, emancipando e descolonizando, ao som de maçacalhas, sygsygs e caxixis. Propostas de mudanças administrativas baseadas na qualidade da formação humana diversa, pró-vida e contradisciplinar promovida pelas/os mestras/es em sua diversidade cognitiva e cultura levaram à aprovação na UFRGS do reconhecimento do Notório Saber de mestres/as de saberes populares e tradicionais (CEPE 11/2022). A comunidade ES se desafia à instauração de sentidos na diferença, do cultivo do respeito e ao enfrentamento da urgência do combate à desigualdade.

 

Palavras-chave: encontro de saberes; comunidade; mestres/as tradicionais e populares; territórios; interculturalidade crítica.

 

 

ST 16 – ANTROPOLOGIA RIBEIRINHAS: saberes e mundos ressurgentes diante das crises ecológicas e científicas

Coordenação: Igor Luiz Rodrigues da Silva (UNEAL/ FASVIPA/CANOA-UFSC) igorluizcso@gmail.com

Diego Alano de Jesus Pereira Pinheiro (IFNG/ UFRN) alanodiego@hotmail.com

Ramon Santos Carvalho (FASVIPA) ramoncarvalho.pi@gmail.com

 

Este ST, propõe dentro da temática do evento, estabelecer diálogos, narrativas, expressões criativas, memórias orais, experiências de pesquisas e vidas, que possam contribuir para construções e reflexões epistemológicas que transitem entre água, terra, territórios, margens e identidades. Além de trazer à tona, outras conexões, sejam elas, práticas, físicas, cosmológicas, não humanas que estejam estabelecendo e criando cotidianamente rupturas, ressurgências, violências, imagens, disputas, apropriações, de corpos, de modos singulares de entendimento sobre vida e ciência, sobre rios e seus múltiplos usos e significados. Do mesmo modo que buscamos estabelecer tramas relacionais entre o fazer antropológico (questionando e interpelando esse fazer) de grupos sociais, comunidades e ou sociedades que estabeleçam relação com às águas, advindas destas, pesquisadores e pesquisadoras que estão propondo modos particulares e situados de fazer da disciplina em contextos religioso, terapêutico, crise, de seca, de desmatamento, de catástrofes, acidentes, sem esquecer suas dores, seus sofrimentos, angústias e também suas esperanças em mundos de bem-viver, ecologias da vida, como possíveis de serem experienciadas no hoje.

 

Palavras-chave: antropologia, crise ecológica, rios, ecologias da vida.

 

 

Sessão 1 (23/11/2023) - Antropologias ribeirinhas amazônicas: experiências, resistências e lutas em favor da vida e dos mundos possíveis:

 

Debatedores: Ramon Santos Carvalho (FASVIPA), Diego Alano de Jesus (UFRN) e Igor Luiz Rodrigues (FASVIPA/ INCT Brasil Plural e CANOA/UFSC)

 

1 Nas trilhas do Guabiraba: temporalidades e agências mais-que-humanas nas lutas pelo território.

Carlos Calenti (Doutorando, PPGAS/UFAM), carloscalenti@gmail.com

 

Quando cheguei à Pimental, em meu primeiro campo de fato, estava preocupado com as noções de futuro dessa comunidade beradeira do médio Tapajós, uma vila que quase teve o seu território inundado pela construção de uma hidrelétrica. Foi numa conversa com seu Luís, liderança do movimento de resistência à barragem, que tudo mudou. Ele me contou uma história do seu pai, seu Ernesto. A história de uma promessa ao João Guabiraba: se a barragem não fosse construída, ele e sua família fariam a limpeza da capela do santo e do caminho que leva a ela desde o porto. Desde então, sigo as trilhas do João Guabiraba pela paisagem do médio e do altoTapajós, entre Itaituba, Pimental e Montanha e Mangabal. O Guabiraba, as histórias contam, era um seringueiro do tempo do carrancismo, da escravidão, que ficou doente e foi abandonado pelo patrão, pendurado em um pau sem água ou comida. Depois de morto, seu melhor amigo, num momento de necessidade, fez um pedido a ele, que foi atendido. E assim a sua fama se espalhou e até hoje os beradeiros se pegam ao santo quando mais precisam. Como a história do seu Luís (e outras) pode atestar, o Guabiraba também faz parte das lutas das comunidades ribeirinhas do Tapajós pela defesa e manutenção dos seus territórios. Seguir a sua trilha, pra mim, significa estar atento às múltiplas temporalidades e agências mais-que-humanas que perfazem a paisagem em coordenações complexas. Pedindo licença ao santo, é sobre isso que pretendo falar na minha comunicação.

 

Palavras-chave: Tapajós; beradeiros; João Guabiraba; temporalidades.

 

 

2 Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões: Um patrimônio cultural e natural na Amazônia Alvatir Carolino da Silva (docente do IFAM), alvatir.silva@ifam.edu.br

 

O Encontro das Águas, formado pelo encontro dos Rios Negro e Solimões, situado entre os municípios de Manaus/AM, Iranduba/AM e Careiro da Várzea/AM, para além de ser uma paisagem natural de beleza singular que, conforme os agentes de turismo, é o ponto turístico mais visitado do Amazonas, tem profunda importância em múltiplos processos socioculturais no Amazonas. Para os ribeirinhos moradores do entorno da referida paisagem, o lugar possui outros significados, pois a pesca, a agricultura e o turismo formam elementos essenciais para sua subsistência. No entanto, estas pessoas estão prestes a ver sua fonte de vida ser ocupada por uma estrutura de concreto armado e a intensificação de circulação de navios, contêineres e caminhões. O trabalho analisa o conflito que emerge quando os moradores do bairro Colônia Antônio Aleixo tomam conhecimento do projeto de TPL e se mobilizam para impedir sua edificação, cujo desdobramento gerou o Tombamento da paisagem em tela no final de 2010 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Trata-se de uma reflexão sobre os impactos das intervenções de empresas privadas em articulação com feitores de políticas públicas naquela região e a forma pela qual os agentes sociais se mobilizam em defesa de seus espaços de uso coletivo, acionando a legislação que institui os processos de tombamento de bens culturais no Brasil como arma de luta.

 

Palavras-chave: Conflito, Encontro das águas, ribeirinhos, tombamento, patrimônio cultural.

 

 

3 Mobilização Social e os Itinerários das Mulheres Ribeirinhas vítimas de Escalpelamento na Amazônia.

Diego Alano de Jesus Pereira Pinheiro (Doutor em Antropologia-UFRN), alanodiego@hotmail.com

 

Para produzir esta etnografia, objetivou-se compreender narrativas e itinerários terapêuticos em contexto de dor e sofrimento de mulheres pescadoras e ribeirinhas vítimas de escalpelamento nas regiões de rios da Amazônia. O Escalpelamento é um termo do campo biomédico que se refere ao arrancamento do couro cabeludo, no contexto em que investigo, o “acidente” ocorre através do enrolamento dos cabelos das mulheres no eixo dos motores de pequenas embarcações confeccionadas por mestres carpinteiros. O presente texto tratase do trabalho de campo realizado dentre os meses de agosto de 2018 a agosto de 2019 em Belém, no Estado do Pará, realizado em particular, na ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor – ORVAM, com cerca de 150 integrantes cadastradas que visa acompanhá-las no pós-acidente. As mulheres vitimadas por esse “acidente”, que em suma, ocorre quando são crianças ou adolescentes, tem suas vidas alteradas drasticamente, desde a privação do meio social, abandono dos estudos, abandono de conjugues, algumas sofrem até com o abandono da família, a vida laboral com a pesca torna-se impraticável, devido as dores de cabeça e às altas temperaturas da região Norte. Logo suas trajetórias são tomadas por itinerários terapêuticos, com cirurgias plásticas, enxertos, inserção de próteses como orelhas (também por vezes mutiladas) e usam-se de perucas, uma vez que o escalpelamento impossibilita o crescimento de cabelos outra vez, nesse sentido, buscam através desses meios, reconstruírem seus corpos e tornarem-se o que chamam de “mulheres de verdade”. O Estado, por sua vez, atua elaborando políticas num discurso de combate e prevenção ao “acidente”. Neste sentido, sob a luz da Antropologia, busco refletir essas questões na interseção do Corpo, Saúde e Emoções.

 

Palavras-chave: Escalpelamento; gênero; emoções; sofrimento social; Amazônia.

 

 

4 Da lama ao caos: uma análise multiespécie da expansão portuária em São Luís-MA

Amanda Marques Gomes (doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG)

amandamarquesg2@gmail.com

 

Este trabalho, fruto ainda em processo de amadurecimento da minha pesquisa de doutorado que está em curso, pretende discutir o processo de expansão portuária da cidade de São Luís, Maranhão, relacionando-o com a contaminação, nos termos de Anna Tsing, das vidas multiespécies da localidade. Considerando que nos arredores do Porto do Itaqui, o principal da região e um dos principais no cenário nacional, estão fixadas comunidades de pescadores, a maioria de forma ancestral, que vivem não só mas também do que é colhido e pescado, cultivando um modo de vida rural, busco discutir as relações entre não humanos, humanos e suas infraestruturas, abrindo caminho para a análise multiespécie dos problemas sociais e ambientais que os humanos e não humanos vivenciam na referida área desde a década de 1970, quando o Porto começa a ser construído. A partir de levantamentos bibliográficos de estudos sobre a área, além de visitas já realizadas por mim às comunidades diretamente afetadas, coletando imagens e diálogos, sigo humanos e não humanos que vivem nas ruínas do capitalismo, em um contexto sul americano, brasileiro e nordestino.

 

Palavras-chave: paisagem multiespécie; Porto do Itaqui; contaminação.

 

 

Sessão 2 (24/11/2023) - Antropologia ribeirinhas e encontros de saberes no nordeste do São Francisco: práticas, memorias e resistências diante das crises ecológicas:

 

Debatedores: Ramon Santos Carvalho (FASVIPA), Diego Alano de Jesus (UFRN) e Igor Luiz Rodrigues (FASVIPA/ INCT Brasil Plural e CANOA/UFSC)

 

 

 

 

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  • 1 Saberes tradicionais da pesca: Um estudo sobre o caso na comunidade pesqueira de Nova Aparecida - Icaraí de Minas – MG
  • Patrique Antonio Soares de Queiroz, FaE/UFMG, antonio.3@gmail.com
  • Luana Cordeiro da Fonseca, FaE/UFMG, luanacordeiro402@gmail.com

 

O município de Icaraí de Minas, localizado na região Norte de Minas Gerais, tem o rio São Francisco como o marcador de limite natural do município. A pesca artesanal realizada no rio é uma atividade de extrema importância para a subsistência das famílias do município, especialmente na comunidade ribeirinha de Nova Aparecida - local de realização desta pesquisa. Na pesca artesanal, há muitos saberes tradicionais envolvidos, como a relação com o calendário lunar, reconhecimento do território e a preservação socioambiental. No entanto, a poluição doméstica, industrial e agropecuária e a pesca predatória no período da piracema, traz como principal consequência a morte de várias espécies de peixes no rio (ZELLHUBER, 2007). Nesse sentido, temos a preocupação de que estes conhecimentos tradicinais da pesca possam se perder. Dessa forma, considerando a importância de se reconhecer e preservar estes conhecimentos, propõe-se, neste trabalho, identificar e descrever os saberes tradicionais dos pescadores artesanais da comunidade de Nova Aparecida. Os caminhos metodológicos da pesquisa consistem na observação participante da pesca e na realização de semiestruturadas com pescadores da comunidade. Os dados coletados serão submetidos às fases de análise de conteúdo estabelecidas por Bardin (2011). Espera-se que, com este estudo, contribuir para a compreensão da importância dos saberes tradicionais ligados à pesca e ampliar o conhecimento sobre os saberes tradicionais da pesca.

 

Palavras-chave: Rio São Francisco. Pesca artesanal. Saberes tradicionais.

 

 

  • 2 Reencontrar o rio e o povo do São Francisco: transformações na pesquisa e experiências para uma antropologia ribeirinha
  • Leon Patrick Afonso de Souza (mestrando UFG), leonafonsosouza@gmail.com

 

Na tentativa de etnografar movimentos de resistência contra um projeto de hidrelétrica no rio São Francisco, em Buritizeiro, norte de Minas Gerais, decidi experimentar o afeto com o rio porque as pessoas com quem compartilho o campo querem falar sobre o respeito, os namoros na ilha, sobre quem e quando aprenderam a pescar, o período em que aparece cada espécie de peixe. Não encontrei outra opção que não fazer esta pesquisa com o São Francisco, com os pescadores, com meu pai, com as minhas memórias. Decidi não me concentrar apenas nas margens, mas no fluxo do rio que promove reencontros com outros e comigo, um antropólogo nascido na beirada daquelas águas. Este trabalho nasce nos reencontros com essas pessoas. E, principalmente, com o rio São Francisco. Na minha infância, meu pai me levava para pescar na beira do rio. Na porta da minha casa, na infância, Gelson, João e Jânio subiam a rua todo fim de tarde com surubins imensos, suspensos no remo do barco. Todos os dias, cedo e de tarde eu atravessava a ponte para estudar do outro lado, em Pirapora. Os pescadores. Meu pai. Eu. O Rio São Francisco. Agora, reencontro os pescadores, meu pai, minha mãe e outras pessoas para realizar a pesquisa de mestrado. É um reencontro com o rio São Francisco. Com eles, busco refletir sobre como as experiências no campo podem favorecer transformações não apenas na pesquisa antropológica, mas nas socialidades e composições para habitar e experimentar o mundo.

 

Palavras-chave: antropologia ribeirinha, afeto, ecologias da vida, transformações epistemológicas.

 

 

  • 3 Atravessando com o Paraguaçu: memórias, histórias e experiências entre o sertão e o recôncavo da Bahia
  • Emili Conceição (docente da UESB/ doutoranda da UNB), conceicao@uesb.edu.br

 

As águas do Paraguaçu abrem caminhos desde o sertão do estado da Bahia até o litoral, conformando rotas de acesso e integração muito aproveitadas desde o século XVI para a dominação colonial, o povoamento do território, as atividades comerciais e os refúgios de sujeitos africanos escravizados e indígenas desterritorializados. Há muito que histórias, pessoas e coisas atravessam ao longo do leito deste rio, construindo encontros, fazendo laços, barrando o tempo em eventos e nos apresentando outras possibilidades de conhecimentos que mantém vidas. No fim da década de 70, o rio assistiu a construção e a instalação da barragem da Pedra do Cavalo, fruto da política desenvolvimentista da ditadura militar. A presente proposta se volta para as margens do Paraguaçu, especificamente, para a zona de transição entre o recôncavo e o sertão do Estado da Bahia, a partir de vivências e pesquisas etnográficas desenvolvidas entre as cidades de Cabaceiras do Paraguaçu, Santo Estevão e Rafael Jambeiro, para imaginar (Ingold, 2015) acerca da construção desta paisagem, pensando em meios de escutar e entender as águas diante do evento crítico de instalação da barragem (Veena Das). Para tanto, busco considerar as narrativas e memórias locais sobre travessias neste território e tomo como ponto central de investigação a travessia realizada pelos ribeirinhos para o sertão na década de 80. Uma travessia sem retorno, dada a inundação que ocorreu para a construção do lago da barragem, que marcou para parte da população local o distanciamento da vida ribeirinha e a instauração de um jeito particular de habitar o sertão. Suspeito que uma travessia nos conta uma história, que é uma narrativa ecológica sobre manutenção de vidas.

 

Palavras-chave: Rio Paraguaçu, travessias e narrativas ecológicas.

 

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  • 4 Ensaio sobre Antropologia Ribeirinha: premissas epistemológicas para conexões apaixonantes e vidas emaranhadas com e no Baixo rio São Francisco
  • Igor Luiz Rodrigues da Silva (docente FASVIPA/ INCT BRASIL PLURAL e CANOA/UFSC), igorluizcso@gmail.com
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A Antropologia brasileira, com a implementação cada vez mais substancial e abrangente das políticas de ações afirmativas nas Universidades, incluindo ai os programas de pós-graduação, tem passado por processos de transformações epistemológicas que dialogam, as duras penas e com muito enfrentamento político, com as demandas de alunos, alunas e alunes, pretos, pardos, quilombolas, indígenas, LGBTQIPA+ e com deficiências, provocando assim rupturas, encontros e alargamento de saberes, fazeres científicos. Inspirado por movimentos decoloniais, cosmológicos, de saberes ancestrais que se perpetuam através das oralidades afro-indígenas, de comunidades ribeirinhas, este ensaio busca lançar algumas questões para a construção do que venho chamando e propondo acerca da antropologia feita no quintal de casa e às margens do rio São Francisco, “Antropologia (s) ribeirinha (s). Desde que formulei pela primeira vez essa narrativa epistemológica, ainda na tese de doutorado defendida em 2022, tenho me debruçado com mais atenção para essa questão, afim de narrar e descrever mudanças significativas de paisagens, práticas, relações humanas e mais que humanas, especialmente na região do Baixo São Francisco, entre Alagoas e Sergipe. Neste sentido, procuro estabelecer e me aprofundar sobre as bases que sustentam (em um primeiro momento) essa ou essas Antropologias ribeirinhas, entendendo que ela é (ou deva ser) epistemológica, mas também metodológica e conceitual, calcada nas inderteminações, nas conexões apaixonantes, de se deixar guiar pelas emoções, pelo amor, pela vida em frenéticos devires, mas também pelo sofrimento, das angustias demarcadas nos corpos que mergulham, nadam, pescam, se educam e se espiritualizam no tecer de novas marolas de destruição ambiental presentes no Opará.

 

Palavras-chave: Antropologia Ribeirinha; Rio São Francisco; Epistemologias; Paisagens; Fazer científico.

 

 

ST 17 – Tecnologias religiosas-terapéuticas nos sistemas religiosos de inspiração afro: desfazendo mal-estares humanos-no-humanos na diáspora

Coordenação: Hans Carrillo Guach (Universidade Federal De Goiás, Brasil) - hanscarrillo@ufg.br  Luis Carlos Castro Ramírez (Universidad de los Andes, Colômbia) - olofidf@gmail.com Guilherme Dantas Nogueira (Harvard University, Estados Unidos) - guidantasnog@gmail.com  

Nos diferentes sistemas religiosos de inspiração afro —espiritismo cruzao, palo monte, santería-ifá, candomblé, entre outros— há uma série de sistemas de interpretação-adivinhação —e de especialistas— que dispõem de um conjunto de tecnologias religioso-terapêuticas (cartas, tarot, obí, diloggún, ékuele/ọ̀pẹ̀lẹ̀, inkins, búzios), que variam de uma prática para outra na sua forma de produzir conhecimento, na sua estética e na sua práxis. Embora possam ser consideradas separadamente, pois cada uma destas tecnologias responde a cosmologias particulares, por vezes podem convergir se a situação em questão assim o exigir. Essas tecnologias fazem emergir mundos possíveis e, dessa forma, tornam-se mecanismos de diagnóstico e intervenção capazes de enfrentar os problemas cotidianos dos praticantes por meio da construção de complexas relações humanos-não-humanos. A partir desse cenário, o objetivo neste seminário temático é colocar em diálogo análises que abordem diferentes tensões e contradições derivadas do uso dessas tecnologias religioso-terapêuticas por praticantes em contextos em que essas religiões estão em diáspora. A implementação destas tecnologias em geografias diferentes das de origem, supõe o desencontro com outros sistemas de referência, com outros mundos, em que é necessário renegociar o seu estatuto de validade histórica e sociocultural.

 

Palavras-chave: humanos-não-humanos; religiões diaspóricas; religiões de inspiração afro; sistemas de interpretação-adivinhação; tecnologias religioso-terapêuticas.

 

 

Sessão 1: 22/11/2023

 

1 Trance-posesión como tecnología religiosa-terapéutica corporal en los sistemas religiosos de inspiración afro

Luis Carlos Castro Ramírez (Universidad de los Andes, Colombia)

Juan Manuel Saldívar (Universidad de Los Lagos, Chile)

 

Às religiões de inspiração afro lhes são consubstanciais fenômenos de incorporar/passar referidos geralmente na literatura acadêmica como fenômenos de transe-possessão. Essas experiências consideram a entrada de uma entidade que pode ser entendida como um jinete —chama-se espírito, eggun, nfumbi, mpungo, oricha, orixá, entre outros— em uma pessoa que é vista como seu “cavalo”, médium ou matéria. Tal experiência conecta os mundos transcendentes-imanentes e ao fazê-la, passado, presente e futuro se entrelaçam e se desvanecem em um movimento de simultaneidade que coproduz o espaço-tempo ritual dos praticantes. Por essa via, o objetivo é entender o modo como o corpo-religioso dentro dos fenômenos de transe-possessão se desenvolve em uma tecnologia religiosa-terapêutica capaz de enfrentar o mal-estar introduzido pela perda de ordenes classificatórias cotidianas. A compreensão de incorporar/passar dentro destes sistemas de referência, supõem que os jinetes- “cavalos” —que são um e o mesmo— entrem em contato com outras tecnologias religiosas, próprias destas práticas, algumas das quais estão destinadas a incidir sobre sua própria agência instrumental e/ou sobre as agências dos/as participantes. Finalmente, é importante indicar que nas experiências de transe-possessão esses corpos-religiosos vistos como tecnologias terapêuticas estão sendo atravessados por tensões socioculturais ao interior delas, as quais tem a ver com a linguagem, o gênero e o poder, dentre outros.

 

Palavras-chave: agência instrumental; corporeidade; corpo-religioso; religiões de inspiração afro; tecnologias religioso-terapêuticas; transe-possessão.

 

 

2 O destino em ifá e suas concepções

Gabriel Swahili Sales de Almeida (UFBA), swahili@ufba.br

Mazai Oliveira Azevedo (UFBA), mazaioliveiraazevedo@gmail.com

 

As interpretações acadêmicas sobre o Sistema Oracular de Ifá usualmente se utilizam de categorias como adivinhação, divinação ou previsão para descrevê-lo. A partir da revisão bibliográfica do tema feita com suporte da análise de conteúdo (Bauer, 2002), esta pesquisa buscou direcionar o olhar à noção de destino tal como emerge da prática oracular feitas pelos babalaôs e colocá-la em diálogo com as noções de destino presentes nas produções de comentaristas sobre a temática. Utilizamos a noção de omoluabi (Popoola, 2014), de lugar (Mazama, 2009) e de diálogo (Matory, 2020) para refinar nossa compreensão sobre a posição dos comentadores frente aos assuntos abordados. A interpretação sobre as práticas incorpora, ainda, nossa experiência enquanto consulentes. Ambos os pesquisadores buscam regularmente o oráculo de Ifá há pelo menos uma década. A investigação nos levou a compreender que, apesar do destino aparecer em alguns comentaristas clássicos sobre Ifá como um elemento determinístico na experiência humana (Bascom 1991; Maupoil, 2017), nos poemas de Ifá e na prática oracular o destino apresenta-se aberto à ação humana. Assim, concluímos que sacerdote e consulente - em diálogo com um universo complexo e animado, influenciado por agentes humanos e não-humanos - manifestam agência, podendo exercê-la pela realização de oferendas e educação de si.

 

Palavras-chave: Orunmila-Ifá; Oráculo; Sistemas Divinatórios; Tecnologias Religiosas, Espiritualidade de Origem Africana.

 

 

 

3 Cosmopercepção e Saberes Afro-Religiosos: o lugar dos mitos

Guilherme Dantas Nogueira (Instituto de Pesquisas Afro-Latino-Americanas da Universidade de Harvard), gdantasnogueira@fas.harvard.edu

 

Andréa Carvalho Guimarães (Calundu – Grupo de Estudos sobre Religiões Afro-Brasileiras), andreacarvalhoguimaraes@gmail.com  

 

Religiões afro-brasileiras são baseadas em um corpo de saberes e conhecimentos ancestrais, transmitidos geracionalmente desde tempos imemoriais em África, atualizados na diáspora ao Brasil, como um reflexo das condições de (re)existência encontradas neste país, por africanas, africanos e seus descendentes escravizadas/os e, posteriormente, subalternizadas/os, no pós-abolição. Ditos saberes e conhecimentos são erigidos, dentre outros, pelos mitos das dividindades e dos ancestrais afrorreligiosos. A gênese dos cultos pode ser recontada a partir dos mitos, bem como as histórias dos povos que se re-conhecem na diáspora, sem prejuízo, com isso, de novas alianças diaspóricas, como aquelas com nativos ameríndios. Em que pese o fato de a episteme eurocentrada relegar-lhes um lugar secundário, reiteramos com essa apresentação a potência e centralidade dos mitos africanos e afro-brasileiros para as religiões e comunidades de terreiro no Brasil.

 

 

4 A tradição de ifá-Òrúnmìlà e sua cosmologia sobre antropoceno

Hans Carrillo Guach (UFG), hanscarrillo@ufg.br 

 

Angélica María Rivera López (UFG), angemaria.rl@gmail.com

 

Vários estudos nas ciências sociais têm alertado sobre a necessidade de avançar na concretização de relações de solidariedade entre sistemas sociais e ecossistemas. A partir de visões peculiares de um mundo cíclico e relacional, entre as dimensões física, ambiental e espiritual, muitos desses estudos sugerem prestar atenção para tradições pouco examinadas, a fim de compreender formas alternativas de conhecimento, organização e comportamento social que orientem outros caminhos para dita existência mais harmoniosa entre os componentes do ecossistema. Este trabalho trata de uma dessas tradições, conhecida como ifá-Òrúnmìlà, e descreve em sua cosmologia noções que convergem com conteúdos essenciais do conceito de Antropoceno. O objetivo é demonstrar que essa tradição de inspiração africana envolve saberes para lidar com realidades de conflitos e rupturas típicas do Antropoceno, não necessariamente através do desespero e da negação, mas por meio da orientação das relações coletivas de seus seguidores nas diversas ordens. Dessa forma, contribui-se para a compreensão desse sistema espiritual —objeto frequente de inferiorizações e estigmatizações que o associam ao diabólico—, em seus vínculos com sabedorias sobre formas de vida que são constantemente ignoradas nas diversas esferas da vida cotidiana.

 

Palavras-chave: ifá-òrìsà, natureza, odù, ontologia, religião, Yorùbá.

 

 

 

 

 

 

Sessão 2: 23/11/2023

 

1 Los saberes de los alfa. Genealogía y hermenéutica de las bases epistemológicas del esotérico islamo-africano en las Américas

Antonio de Diego González (Universidad de Sevilla, España), adediegog@us.e   


La ponencia estudia las bases epistemológicas, desde una perspectiva genealógica y hermenéutica, del esoterismo islámico en las Américas. Para ello, delimitamos el caso de nuestro estudio al islam practicado por los afrodescendientes provenientes de África Occidental durante los siglos XVIII y XIX. Llevados como esclavos fruto de la compleja jihad y política de los Dan Fodio en el Sahel, las diversas etnias portaron un marco epistemológico híbrido y transculturado fruto, a su vez, de siglo de recepción e importación de saberes en un contexto global. En el mundo islámico siempre se ha percibido el conocimiento esotérico (‘ilm al- bāṭin) como un elemento fundamental para poder lidiar con los asuntos mundanos (purificación, sanción, etc), pero también como una vía teúrgica para alcanzar un conocimiento divino (ma‘rifa). Saberes extendidos a través del sufismo por todo el mundo islámico e islamicate. Que, a su vez, ésta se contrapone con la práctica de la hechicería (siḥr) o magia negra (siḥr aswad) prohibida por la sharía o ley islámica. En el contexto africano el alfa, el sabio versado en la sabiduría exotérica y esotérica, se enfrenta en una batalla espiritual al boko, al brujo extranjero, aunque las prácticas usadas por ambos sean idénticas. Pues en estos saberes esotéricos hay encuentros con las prácticas propias de sus etnias y la asimilación de diversos grados de saberes antiguos de diversa índole. En los últimos años, trabajos como los de Liana Saif, Ariela Marcus-Sells, Zachary Wright o Matthew Melvin-Koushki han comenzado a cambiar el paradigma de lo que entendemos por esoterismo islámico y es desde ahí de donde queremos partir para realizar esta investigación, rompiendo gran número de tabúes y prejuicios sobre el tema. De este modo, exploraremos el contexto epistemológico, los procesos de transculturación y las principales tecnologías espirituales, así como su impacto en las Américas y, finalmente, proponer la posibilidad de un proyecto meta-político tras estas prácticas de liberación y autoconocimiento.  

 

2 O diloggún en la Regla Osha-IFÁ como tecnología terapéutica para la fertilidad: aproximaciones etnográficas

Angélica María Rivera López (UFG), angemaria.rl@gmail.com

Hans Carrillo Guach (UFG), hanscarrillo@ufg.br  

 

Nas últimas décadas as doenças reprodutivas femininas e suas respectivas formas de cura ganharam espaço nas análises antropológicas voltadas para a área médica, especialmente em seus aspectos críticos e interpretativos. Assim, têm sido recorrentes estudos relacionados com a gravidez, o parto, a mortalidade materna e a assistência ginecológica e obstétrica em diferentes grupos populacionais, dentre outros aspectos. Por outro lado, no campo da Antropologia da religião, notam-se importantes contribuições teóricas e metodológicas relacionadas ao tema. No entanto, uma pesquisa recente na plataforma Web of Science me permitiu vislumbrar certas lacunas e associadas a formas de cura no âmbito de certas religiões de inspiração afro, tanto globalmente quanto na América Latina. A essência fundamental deste trabalho é descrever algumas tecnologias terapêuticas para o avivamento da fertilidade feminina na tradição Regla Osha-IFÁ, a partir de uma autoetnografia. Dessa forma, espera-se contribuir com o a aplicação de conhecimentos sobre religiões africanas e afrodiaspóricas e seu papel na incidência em formas de ser-estar no mundo de mulheres com dificuldades materializar a maternidade.

 

 

ST 18 – Carne e ferro: Agências materiais e processos técnicos nos encontros entre o vivo e o metal Coordenação: Felipe Vander Velden (UFSCar) - felipevelden@yahoo.com.br Fabiano Campelo Bechelany (UNIFESSPA) - fabianobechelany@gmail.com Carlos Emanuel Sautchuk (UnB) - carlos.sautchuk@gmail.com

 

Muitas das interações entre seres humanos e outros-que-humanos caracterizam-se por processos técnicos e agências materiais que põem em contato, em conjunção e, muitas vezes, em confronto, os corpos dos viventes com diversos objetos tidos como inanimados ou inertes: armas, agulhas, enxadas, facas, moedores, raspadores, anzóis, correntes e vários outros, feitos de ferro, aço e outros metais. Esse Simpósio Temático busca interrogar a natureza desses choques entre corpos vivos e corpos metálicos, por meio da observação etnográfica dos usos, gestos, modos de ação e relações entre esses materiais metálicos e o vivente, tomando-se a precaução de não definir de antemão o conteúdo dessas mesmas categorias e usando-as aqui de forma provisória. No contexto dessas interações, quais são as propriedades que emergem e que se tornam significativas para os agentes? E que transformações estão em curso nos processos técnicos envolvendo esse contato/confronto? Assim, cabe perguntar, por exemplo, o que fazem flechas indígenas ao penetrarem a carne das presas? Que modificações nos corpos são produzidas por agulhas? Como facas e outras ferramentas e seus diferentes usos constituem distintos modos de matar ou morrer e produzem modalidades diversas de produção, apropriação e consumo? De que formas objetos técnicos e materiais podem constituir modalidades de controle ou de libertação de corpos humanos e outros-que-humanos? Por fim, serão bem-vindas também explorações sobre o que a atenção etnográfica aos encontros matéria metálica-corpo vivo pode dizer sobre as diferentes composições de mundos e sobre a as relações ecológicas em crise na atualidade?

 

 

Sessão 1: Animais e metais

 

1 Título: Flecha de ferro não mata anta: Materialidades vegetais, animais e metais nas armas Karitiana

Felipe Vander Velder (UFSCAR), felipevelden@yahoo.com.br  

 

Um arraigado senso comum (e mesmo muitos estudos) sobre o que usualmente se denomina cultura material entre povos indígenas nas terras baixas sul-americanas alcançados pela conquista costuma sugerir uma rápida e completa substituição de vários objetos nativos produzidos a partir de matérias-primas de origem animal, vegetal ou mineral por instrumentos feitos de metal (ferro, aço e outros). Essa substituição geralmente se explica pela eficácia – o metal seria tecnicamente superior, mais durável, resistente e muito mais eficiente do que outros materiais na execução das mesmas tarefas ou de tarefas análogas – e pela abundância – o metal, em suas variadas formas (panelas, pregos, latas, facões, enxadas, limas etc.), barato e produzido em massa pela civilização ocidental, levaria os artefatos indígenas à obsolescência, dada sua ubiquidade, preço baixo e acesso relativamente fácil. Não obstante, pesquisas dedicadas aos detalhes desses processos de “substituição” de objetos de confecção indígena demonstram que podem ser muito mais complexos e menos unidirecionais do que o cenário em que o metal se impõe ou é imposto. A partir dos meus dados sobre as flechas Karitiana, povo de língua Tupi-Arikém no norte do estado de Rondônia, pretendo discutir os múltiplos determinantes que parecem estar envolvidos nas escolhas entre o metal, de um lado, e matérias-primas locais, como dentes, bambu ou madeira, de outro, para a fabricação de armas. Meus dados sugerem, entre outras coisas, que diferentes materiais usados na confecção das pontas de flechas ou zagaias servem ao abate de distintas presas de caça. Nesse sentido, mais do que substituir prontamente as matérias-primas tradicionalmente empregadas, o metal torna-se mais um elemento no interior do conjunto disponível para seleção e uso basedos em critérios variados, nos quais a avaliação da eficácia e da abundância seguem outras e insuspeitas diretrizes.

 

 

2 A faca de Ogum regada com dendê: a sacralização de animais nas religiões de matriz africana

Julia Aparecida Rodrigues da Silva (Mestranda PPGAS/UFSCar), juliasilvappgas@gmail.com  

 

Na ritualística das religiões de matriz africana, a sacralização de animais compõem um fundamento essencial na conexão dos humanos com as Deidades e, na sequência, distribuir a carne do animal a todos da comunidade de terreiro e outros adeptos. Porém, para chegar a esse objetivo final, a imolação animal como oferenda e alimento, é realizado diversos procedimentos antes, durante e depois da sacralização, são estas: a limpeza do corpo físico, as rezas e cantigas durante o ato e o preparo final do fundamento. Esta pesquisa tem o objetivo de compreender o processo ritual pelo qual o instrumento tão essencial da sacralização animal passa, consagração e afiação da faca para Ogum, o Orixá ferreiro, criador e dono de todo instrumento metalúrgico. Na intenção de investigar os fundamentos religiosos e técnicas manuais adotada durante a imolação animal, qualquer faca serviria para este fim? Se a faca bem afiada não passar pelo fundamento (azeite de dendê) de Ogum, o ritual perderia sua eficácia? Quais outros instrumentos de metais poderiam ser substituídos? Quais corpos afrorreligiosos podem realizar esse procedimento? Tendo como ponto de partida a etnografia em um terreiro de Umbanda Traçada, na cidade de São Carlos (SP) a bibliografia e fundamentos da cosmologia nagô desempenhará o diálogo entre os fundamentos religiosos, as finalidades dos diversos instrumentos, procedimentos e outros elementos que constituem esta ritualística.

 

Palavras-chaves: relação humano e não-humano, antropologia da religião de matriz africana, sacralização animal, etnografia.

 

 

3 “Tem que matar”: o abate de serpentes nas regiões norte e noroeste de Minas Gerais

Luzimar Paulo Pereira (Professor de Antropologia do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF), luzimar.pereira@ufjf.br  

 

Como ocorre em outras regiões do Brasil, o abate indiscriminado de serpentes - peçonhentas e não-peçonhentas - é um hábito bastante disseminado entre pequenos e médios produtores do norte e noroeste de Minas Gerais. A matança ocorre sempre que os animais são avistados pelas pessoas. As cobras são abatidas com paus, pedras, facões, enxadas, foices, tiros de arma de fogo e mesmo atropeladas. Nessa comunicação, quero refletir etnograficamente o uso destes instrumentos nos abates dos animais, dando enfoque aos sentidos que se dão aos seus corpos, tanto vivos como mortos.

 

Palavras-chaves: abjeção; corpos; instrumentos; morte de animais.

 

 

4 Notas sobre a caça e a matança do jacaré-açu na Amazônia marajoara (1783-1981)

Matheus Henrique Pereira da Silva (Universidade Federal de São Carlos Doutorando em Antropologia Social-PPGAS), matheusk11@hotmail.com  

 

Os jacarés compõe ao longo do tempo um dos grupos faunísticos de maior valor econômico mundial e estão sujeitos a variadas formas de relação com humanos. Na Ilha de Marajó, desde a colonização portuguesa, os animais tem sido observados ao longo de rios, de campos alagadiços e de fazendas na região Oriental, com atenção especial ao jacaréaçu (Melanosuchus niger), devido a sua capacidade de predar outros animais, além do valor alimentar, do couro, do fascínio e do medo que exerce na região. Desse modo, pretende-se explorar relações entre artefatos metálicos e corpos humano-animais componentes da caça e da matança do jacaré-açu em dois períodos históricos: o primeiro localiza-se entre os séculos XVII-XIX, quando a ilha era vista por naturalistas e viajantes como o “El Dorado phenomenal dos Jacarés”, ao passo que os animais se configuravam como praga para o gado vacum e cavalar, segundo relatos de fazendeiros e criadores da nascente indústria pastoril marajoara, o que motivou a matança de milhares de répteis com arpões, machados e armas de fogo. O segundo período irá enfocar na metade do século XX, quando impulsionado pelo boom do segundo Ciclo da Borracha, ocorre a consolidação de uma indústria do couro em Belém, levando novamente a caça intensa do jacaré-açu pelos campos marajoaras subsidiários deste comércio, o que também chama atenção para perspectivas emergentes quanto a extinção e ao extermínio da espécie. Ao perseguir as relações entre humanos e jacarés ao longo das paisagens é possível indagar o que arpões, armas de fogo, machados, couros e peles podem nos dizer sobre histórias de matanças, técnicas e ecologias mais-que-humanas na Amazônia marajoara.

 

Palavras-chaves: Jacaré-açu; Caça; Técnica; Ecologia; Amazônia Marajoara.

 

 

5 Do fio à carne: etnografia como registro do poder, autoinstituído, dos seres humano sobre vida e morte de outros-que-humanos

Osmar Lúcio Custódio (doutorando em Antropologia Social-PPGAS/UFG), osmar_custodio@discente.ufg.br  

 

Este artigo pretende discutir, a partir de interações com o campo, o poder autoconcedido aos humanos, de legislarem sobre a vida e a morte de outros-que-humanos, infligindo penas capitais, mediante interesses alimentares e outros consumos. Para além dos preceitos humanos de ética e moral, seres vivos não humanos são compulsoriamente convidados a participar e contribuir com seus corpos em rituais macabros. Outrossim, o manuseio de artefatos de corte, cuja constituição e propósitos visam, que estes, cada um a seu tempo, agenciem a morte, a mutilação, o descarne, dividindo os corpos de nãohumanos em parte úteis e inúteis, conforme pressupostos humanos. O registro dessas interações entre seres humanos e outros-quehumanos faz parte de minha pesquisa sobre a produção de alimentos em ambiente urbano e periurbano. Em determinada fase da pesquisa participei, a convite de um interlocutor, de um ritual de morte e dilaceramento de um porco, para fins alimentares. Nesse contexto, a etnografia daquele confronto entre as facas e o corpo de outro-que-humano, impõe indagações sob uma perspectiva menos privilegiada de “homens enquanto espécie e humanidade enquanto condição”. Ainda, às questões religiosas e dogmáticas, indicativas de que ao porco só cabe a função de alimentar humanos. Outras lógicas para algumas aves e seus ovos, bovinos e seu leite. Por fim, a função comercial, pela qual classificamos outros-que-humanos conforme interesses: alimentos, de estimação e companhia para outros.

 

Palavras-chave: poder, humanidade, consumo.

 

 

Sessão 2: Corporeidades, pessoas e seus metais

 

1 Os Outros da violência

Andressa Lidicy Morais Lima (UnB), andmoraislima@gmail.com  

 

A cadeira, que costumeiramente acomoda e descansa os corpos, pode ser um agente violento contra aqueles mesmos corpos. Sobre ela estão fixadas as marcas de um encontro tenso e malsucedido com um corpo vivente. A faca que antes deslizava rente ao osso para retalhar a mistura do almoço, agora está impregnada com os cabelos que acabou de cortar e raspar. O carro precipitou o confronto com o corpo de alumínio do velho portão e o sangue em gotejo se afasta da carne e se acumula no chão. O óculo escuro age para modificar o corpo inchado e roxo que foi impactado pelo cabo de uma doze. Os objetos co-protagonizam ritos de humilhação, participam e memorizam sobre si as cicatrizes das cenas de violência doméstica. Como os objetos produzem materialidade nas relações sociais? A depender da perspectiva, lugares e coisas são instrumentos ou apenas matéria inerte. Podem ser agentes, coadjuvantes ou mesmo testemunhas da materialidade da violência. Como os corpos humanos, outros-que-humanos podem apresentar marcas, cicatrizes, retalhos e ativar memórias de agressões. A partir disso, novas interrogações emergem, e o corpo em etnografia percebe os confrontos entre a carne e os metais no contexto da violência doméstica. Os outros da violência podem vincular moralidades, sensações e, mais, modificações e modalidades de controle.

 

Palavras-chave Etnografia. Violência Doméstica. Outros-que-humanos. Novas materialidades.

 

 

2 “Pink e o cérebro: um furador de gelo na horta dos alienados”

Carlos Estellita-Lins (Casa de Oswaldo Cruz, Depes-Fiocruz; Museu Nacional, PPGAS)

cefestellita@gmail.com  

 

O trabalho parte de pesquisa histórica com documentos médicos em arquivo acompanhando psicocirurgias em 2 hospícios (RJ e SP) nas décadas de 40 e 50 para descrever o que seria uma caça às cabeças ao longo dos séculos XIX, XX e XXI no Brasil. De um ponto de vista de estudos sociais de ciência - eventos de antropologia criminal associados a Nina Rodrigues, produção científico-política sobre mundurucus e “botocudos”, a exumação de Antônio Conselheiro e as práticas craniométricas no Hospital Nacional de Alienados são discutidos. Tenta-se aproximar uma perspectiva cinegética e estratégias de captura conceitual. No caso dos “shrinks” – indicação cirúrgica, proposta terapêutica e negociações vazias permitem circunscrever o instrumento de trepanação e a história do quebrador de gelo como ícones. Os tribunais de Nürenberg e a ética em pesquisa subsequentemente apontam para “cemitérios de vivos” com prontuários “mexidos” ou “em sofrência”. Por outro lado, os grandes museus da frenologia e criminologia se tornam dessuetos, incômodos e vergonhosos demandando soluções distintas daquelas reivindicadas por etnias tradicionais sob jugo colonial. A partir de algumas etnografias esparsas e circunstanciais discute-se o “retorno dos cérebros” nos biobancos, os bancos de dados orgânicos, robôs neurais, museus de crânios humanos sob performance estética. Por fim, o cérebro invadido por dentro é colecionado em sessão de churrascaria para especialistas, com aulas padronizadas sobre novos medicamentos para Alzheimer.

 

Palavras-chave: caçadores de cabeças; psicocirurgia; crânio; antropologia criminal; psiquiatria; coleção.

 

 

3 Entre o tanque, a maca e o bisturi: análise de práticas e relações desenvolvidas durante a dissecação de cadáveres em um laboratório de anatomia humana

Flora Nina Silva Arrais (Mestranda PPGAS/UFSC), fninasarrais@gmail.com  

 

Ao realizar trabalho de campo em um laboratório de anatomia humana, percebi que o cadáver utilizado para estudo era um dos principais agentes relacionais dentro desse núcleo social. Apesar de aparentemente inerte e objetificado, o cadáver também possuía status, papéis e funções sociais a cumprir como se ainda estive vivo. Enquanto era transformado por professores, técnicos, estudantes e outros objetos e materiais, o cadáver também os transformava, principalmente no processo de aprendizado de dissecação do seu corpo. E na relação entre humanos vivos, mortos e outros materiais, objetos como o tanque, a maca, e o bisturi eram elementos essenciais para a manutenção dessas relações e para que essas transformações acontecessem no laboratório. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é analisar as práticas, técnicas, discursos e relações desenvolvidas durante a dissecação de cadáveres em um laboratório de anatomia humana. Para isso, utilizarei a perspectiva antropológica de Mauss (2012), com a Dádiva, para discorrer sobre como a circulação de corpos e materiais contribui na construção de redes de sociabilidade no laboratório; de Hallam e Ingold (2014), sobre Making and Growing, para discutir a relação desenvolvida entre humanos, não humanos e outros sociais, em especial a dos metais para que as transformações aconteçam; e de Medeiros (2012) sobre a vida social dos mortos no que diz respeito a construção simbólica e material desses corpos na formação dos profissionais de saúde.

 

Palavras-chave: Cadáver; Metal; Técnica; Sociabilidade; Antropologia; Ciências da Saúde.

 

 

4 “Facas de dois legumes”: sobre os emaranhamentos e tramas no aprendizado de um curso de culinária

Guilherme Henrique Vasconcellos Leonel (Mestrando PPGAS-UFSC), guil_leonel@hotmail.com

 

“É como se a flecha estivesse pensando, inseparável que é do corpo tanto como ferramenta quanto como beleza” (Taussig, 2021, p. 2, grifo do autor). Como entender a relação entre os sujeitos e as coisas que se emaranham (Ingold, 2012) ao longo da trama de uma determinada superfície, e como o aprendizado de uma prática atravessa essa reunião e a produção mútua tanto das coisas como dos sujeitos? Situando-se no contexto de um curso de culinária da cidade de Florianópolis (SC), este trabalho se situa dentro de uma “etnografia afiada” para apresentar um conjunto de observações iniciais sobre a rotina de aulas e exercícios neste lugar, notando como o desenvolvimento das habilidades culinárias pelos estudantes participa da produção de um campo de práticas relacionadas (Ingold, 2010) em que as técnicas corporais (Mauss, 2005) se emaranham às ferramentas e materiais do trabalho - em especial as facas -, como as formas dessas “coisas” produzem seus próprios modos de fazer na dinâmica entre corpo humano e corpo metálico, entre traços e rastros feitos pela atividade culinária nesta malha de pessoas e coisas.

 

Palavras-chave: Antropologia da Técnica; culinária; coisas; aprendizado.

 

 

5 No caminho de Ogum: corpo, técnica e trabalho no ofício dos ferreiros de orixá (ou: esboços de uma cosmotécnica do candomblé)

Lucas de Mendonça Marques (Pós-doutorando no Departamento de Antropologia – FFLCH/USP),  paralucas@ymail.com  

 

Este trabalho buscará refletir sobre as agências materiais, técnicas e cosmológicas na formação do corpo e da pessoa no candomblé, e, de modo mais específico, no ofício dos ferreiros de orixá. Para isso, parto de uma etnografia realizada na oficina de José Adário dos Santos, mais conhecido como Zé Diabo, artesão que se dedica à produção das chamadas ferramentas de orixá, artefatos de ferro das religiões de matriz africana que, após uma série de “preparações”, tornam-se a expressão material dos deuses na terra. Meu intuito é explorar aquilo que Zé Diabo denomina como o “jabá de Ogum”, o trabalho com o ferro, e que ele relaciona diretamente com a ideia de “caminho” no candomblé. Ou seja, que para trabalhar com o ferro, tornar-se ferreiro, é preciso ter/seguir o caminho de Ogum, artesão divino que domina as tecnologias do metal. Afinal, no candomblé, todo ferro possui a energia potencial de Ogum, embora alguns ferros sejam mais “vivos” que outros. Desse modo, ser ferreiro requer um caminho que engloba um atravessamento de diversas agências outras-que-humanas (técnicas, materiais e cosmológicas). Por fim, essa reflexão nos levará a esboçar aquilo que poderíamos denominar provisoriamente, através de um diálogo com a filosofia de Yuk Hui, de uma “cosmotécnica” do candomblé, um modo singular de conceber a vida, o cosmos e a técnica nessa religião.

 

Palavras-chave: técnica; corpo; cosmotécnica; candomblé; caminho.

 

 

6 Mais Pesado que o Ar: tensões e negociações entre pilotos militares da FAB no processo de incorporação de Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP)

Pedro Augusto P. Francisco (Professor Assistente na University of Virginia), pedro.francisco@virginia.edu  

 

O presente trabalho tem por objetivo expor e analisar as tensões, conflitos e negociações realizadas entre pilotos e operadores militares junto às diversas aeronaves remotamente pilotadas (ARP) empregadas pela Força Aérea Brasileira (FAB), popularmente conhecidas como drones. A implementação das ARPs no Brasil é um processo que vem ocorrendo desde os anos 1980, tendo se intensificado a partir dos anos 2000. Contudo, a existência desse processo só se torna possível mediante a constante negociação entre os corpos humanos dos pilotos e os corpos metálicos dessas aeronaves. Os pilotos militares, enquanto categoria profissional e identitária, se constroem dentro do cockpit um avião. É como se estes fossem um arranjo sociotécnico construído a partir do seu corpo e do agenciamento de elementos não-humanos: a aeronave, seus instrumentos e a força g. Expor-se ao perigo dentro de um objeto voador de metal, mais pesado que o ar, e ao mesmo tempo mantendo controle sobre todos esses elementos é parte do processo de tornar-se piloto. Por meio de uma etnografia multi-situada, realizada em exercícios militares, seminários e workshops das FFAA e feiras de tecnologia de defesa, este trabalho procura entender o que acontece quando a FAB retira o piloto de dentro do cockpit e o coloca em solo mas no controle de uma aeronave pilotada há quilômetros de distância e que, no entanto, envolve o agenciamento de metais raros e materiais na rede sociotécnica dos pilotos, das ARPs e da FAB.

 

Palavras-chave: drones, Forças Armadas, pilotos, etnografia, aeronaves.

 

 

Sessão 3: Sistemas técnicos e seus metais

 

1 “A fome de ferro”: comunicações e “armadilhas” dos objetos de metal no contato

Clarisse do Carmo Jabur (UnB/ PPGAS), jabur.clarisse@gmail.com  

 

Esse trabalho é parte de um projeto mais amplo, que pretende conceber o contato como um sistema sociotecnico, por meio da análise do relacionamento social, cultura e político entre os povos indígenas isolados e os sertanistas/indigenistas representantes do Estado brasileiro, o qual é engendrado sobretudo com uma comunicação própria, não verbal e mediada a partir de objetos ,sons, silêncio, sinais, vestígios ou de transformações na paisagem. Nesse contexto, pretendemos explorar as relações emanadas através dos “objetos do contato”, que desempenham o papel de mediadores e irradiadores dessas relações. Os objetos de metal eram composição obrigatória entre os “brindes” distribuídos para promover o “encantamento”, baseado na ideia de os indígenas teriam um invariável fetiche por esses objetos e que ainda os auxiliariam em suas supostas vidas de penúria. No entanto, contrastam os inúmeros relatos dos indígenas quanto à chegada dos objetos de metal, mas consequentes epidemias associadas que trouxeram mortes e fome. Temos o objetivo de analisar as interpretações das equipes de contato sobre a “fome de ferro” descrita por Rondon, utilizando-se da figura de “armadilha” e a teoria de tecnologia do encantamento de Gell (1988:7 e Gell, 1999).

 

Palavras-chave: povos indígenas isolados, contato oficial, comunicação.

 

 

2 A química, os metais e perspectivas de agência

Igor José de Renó Machado (Dr., DCSo UFSCar), igor@ufscar.br  

Sofia Nikolaou (Drª., FFCLRPUSP), sofia@ffclrp.usp.br  

 

Como podemos interpretar a agência de metais, a seguir, por exemplo, os laboratórios dos químicos? Substancias como moléculas, de um ponto de vista recorrente nesses laboratórios, têm “comportamentos”. Esses comportamentos são vistos como agências, embora sem qualquer apreensão de consciência ou “animação”. Assim, nesses contextos de pesquisa científica, substâncias inanimadas podem ter agência por terem comportamentos que podem até ser antropomorfizados. Encarar a relação entre vivos e não vivos do ponto dos químicos embaralha nossos modos de ver os processos. Nessa perspectiva, o metal não está em contraposição ao vivente, mas, como ele, tem comportamentos. E adentrando a escala molecular e a perspectiva reflexiva dos químicos, a questão de uma oposição entre entes vivos e não vivos pode não fazer tanto sentido. Nessa perspectiva, o comportamento de certos metais é parte essencial da produção da vida, marcando a relação entre metal e viventes como muito relativa aos níveis e escala da análise. Ou seja, dada uma certa escala, não há diferença qualquer e o que acontece num organismo vivo é parte integral de certos comportamentos do metal. A partir de uma pesquisa antropológica ex post facto (Machado 2019) apresentamos alguns exemplos retirados da experiência nos laboratórios e no aprendizado de química para discutir as questões acima.

 

Palavras-chave: química, metais, agência.

 

 

3 Técnicas de cuidado com a terra e plantio a partir de mediações de objetos para construção de espaços florestais produtivos em uma comunidade ribeirinha em Ananindeua, Pará

Israel Martins Araújo (Mestrando na Universidade de Brasília/Muséum National d’Histoire Naturelle) israelmacs@gmail.com   

 

O presente artigo se trata da estruturação de reflexões inicias sobre o que convencionei chamar de técnicas de cuidado com a terra e plantio desenvolvidos e praticados por comunidades ribeirinhas do nordeste amazônico. Em um cenário estatal e municipal institucional de incentivo e valorização de práticas consideradas sustentáveis, comunidades ribeirinhas intensificam cada vez mais suas já realizadas práticas de construção de espaços produtivos a partir da combinação de árvores frutíferas e tubérculos sendo centrais na atividade agroextrativista. Para erigir esses espaços distintos, os ribeirinhos recorrem às mediações possibilitadas pela motricidade de uma miríade de objetos cortantes e laminados, como: terçados, roçadeiras e foices. Busca-se então entender a gestualidade, ritmo e organização implicadas na atividade de roçar. Este artigo pretende, então, expor as reflexões inaugurais quanto ao possível teor dessas mediações. Quanto aos valores construídos, as contradições implicadas, propriedades que emergem, como eficácias distintas são evocadas e como modos de ação diversos permitem que ferramentas, humanos e árvores emerjam com novos status. Entende-se que uma atenção específica aos acoplamentos e ações entre ferramentas, humanos, árvores e o espaço florestal no momento de cuidar da terra e plantar as árvores são um campo que deve ser explorado e observado com mais afinco a fim de perceber as sutilidades e inovações técnicas promovidas por esses grupos.

 

Palavras-chave: ferramentas; ribeirinhos; Amazônia; agroextrativismo; técnica.

 

 

4 Título: Uma história do facão: Lâminas de metal no sistema técnico panará

Fabiano Campelo Bechelany (Unifesspa/Ministério da Igualdade Racial) fabianobechelany@gmail.com

 

Entre os objetos dos brancos que foram absorvidos pelo universo ameríndio, facões, terçados, machados e outras lâminas metálicas parecem ter tido uma penetração significativa. Seus usos podem ser investigados em muitos sentidos. Do ponto de vista arqueológico, na transformação das paisagens, mas também nos quadros sociológicos que implicaram – guerras, trocas, comércio ou saques em que lâminas sempre foram objetos desejados. Tais lâminas, em especial os facões, parecem abertas a uma multiplicidade de funcionalidades, que operam sobre o mineral, o vegetal e o animal, e que colocam em relação o corpo humano e o corpo da terra. Etnograficamente, é possível rastrear que operações, forças, velocidades, capacidades e outras propriedades neles são reconhecidas. A partir de elementos da minha pesquisa feita com os Panará, coletivo que vive na bacia do rio Xingu, procuro refletir sobre algumas histórias dessas lâminas entre eles, tendo como perspectiva a sua relação com o vivente. Nesse sentido, algumas interrogações sobre as transformações do sistema técnico serão trabalhadas. Se a ideia de transferência de tecnologia implicada nas ferramentas de metal aponta em geral para o avanço da eficácia (uma gramática do trabalho e produção), como é que o sistema técnico panará absorveu esse instrumento?

 

Palavras-chave: sistema técnico; artefatos metálicos; Panará.

 

 

5 Conexões Metálicas: Explorando as interações do metal na Comunidade Quilombola Arapucu

Matheus Pereira de Andrade (Mestrando em Antropologia Social – UnB)

andraddem@gmail.com  

 

A Comunidade Remanescente de Quilombo de Arapucu, localizada em ÓbidosPA, tem demonstrado diversas formas de interação com o meio através do metal. O encontro dos seres humanos com outros-que-humanos, tem sido marcado na pescaria, através de diversas escolhas técnicas, como a zagaia, espinhel e malhadeira. Neste último caso, embora marcada especialmente pela panagem, a sua eficácia depende especialmente de como o pescador maneja o chumbo, na parte inferior, e as bóias, na parte superior. Caso seja mal "entralhada", uma malhadeira fica "panema". A utilização do metal também é central nos processos de produção de farinha. Instrumentos como a faca e a raspadeira marcam parte do processo, que é descascar. A raspadeira, item feito pela família, é produzida por uma serra curvada, pregada na madeira talhada em cubo. O motor, o forno, a motosserra ou o machado que cortava a lenha, entre outros objetos técnicos, tinham diferentes formas de metais dispostos. Os processos de produção das embarcações locais, nos estaleiros observados, evidenciam, para além da madeira, a centralidade do ferro para o seu manejo. Dessa forma, a presença do metal marca os dois elementos principais da dieta local, o peixe e a farinha. Apresentados em diferentes formas, e processos técnicos, é um elemento central no dia a dia da comunidade.

 

Palavras-chave: Comunidade Quilombola; Uso do Metal; Pescaria; Produção de Farinha.

 

 

 

ST 19 – Relações Sociotécnicas em mundos botânicos e vegetais Coordenação: Magda dos Santos Ribeiro (UFMG) - jacquelinesflima@gmail.com Jacqueline Ferraz de Lima (imuê) -  magdasribeiro@gmail.com

 

Neste Seminário Temático, propomos reunir pesquisas etnográficas e analíticas dedicadas ao encontro de práticas e relações sociotécnicas que envolvam mundos botânicos e vegetais; pretendemos reunir trabalhos que versem sobre circuitos produtivos de castanhas, sementes, flores, frutas, folhas, grãos, tubérculos, dentre outras espécies botânicas, vegetais e plantas. Desejamos pensar coletivamente aspectos materiais e imateriais das interseções de práticas diversas de cultivo, manejo, cuidados e relações sócio-naturais que envolvam grupos e/ou populações igualmente diversas - agricultoras, pescadoras, extrativistas, marisqueiras, cafeicultoras, populações indígenas, camponesas, quilombolas, ribeirinhas. Interessa-nos também compreender as relações dos grupos e das populações com redes e mercados transnacionais de comercialização e especulação, bem como seus atravessamentos por associações, cooperativas, projetos e políticas públicas, atentas: aos modos singulares de ação de economias globais em contextos locais, suas contingências e seus inversos; aos contrastes entre distintas temporalidades e formas de precificações, geração de renda e valor; às transformações de paisagens e biomas; às discussões sobre práticas bioeconômicas e sociobiodiversas; às disputas em torno da produção conhecimento e tecnologia.

 

Palavras-chave: plantas, economia, manejo, relações sócio-naturais.

 

 

Sessão 1

 

1 Cultivar o invisível: A relação entre lótus e moradores de Mombuca em paisagens multiespécies

Lucas Rigo Yoshimura (Graduação em andamento em Ciências Sociais, FFLCH-USP)  – lucasyoshimura@usp.br

 

Lótus (Nelumbo nucifera) é uma planta que nasce em ambientes alagados. A flor de lótus desabrocha apenas uma vez ao ano. Nas outras estações, manejo, consumo e produção se dão em torno dos rizomas. Sua colheita envolve imergir na lama, sentir as raízes com os pés, percorrer uma rede invisível de rizomas conectados e retirá-la delicadamente da terra com as mãos: uma tarefa artesanal, que tem o tato como um sentido primordial. Lótus e humanos têm se afetado ao longo de milhares de anos, seja no corpo ou no espírito. Nos dias atuais, em meio às grandes fazendas de monocultura de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto (SP), a comunidade de Mombuca – fundada pela imigração japonesa – produziu técnicas para o cultivo de lótus, representando para parte dos agricultores uma garantia de renda e uma forma de se conectar com suas raízes. Seguindo ideias de Anna Tsing, “somos contaminados por nossos encontros; eles transformam o que somos na medida em que abrimos espaço para os outros” (2022, p. 73). Nesse artigo busco entender de qual maneira a contaminação entre lótus e humanos em Mombuca possibilitou a criação de um mundo compartilhado. Questionando por que esses agricultores plantam lótus diante das dificuldades de manejo da planta, defendo que a motivação para o cultivo não é apenas econômica, mas está relacionada com a noção de identidade e pertencimento da comunidade. Nessa direção, ao alargarmos nossa visão sobre os mundos, conseguimos enxergar as raízes que os sustentam.

 

Palavras-chave: Nelumbo nucifera; lótus; Mombuca; antropologia multiespécie.

 

 

2 “Não dá pra só tirar”: notas etnográficas sobre preservação da natureza e trabalho Sem Terra com as árvores nativas

Mariana Cruz de Almeida Lima (Doutoranda em Antropologia Social, PPGAS – IFCH/Unicamp) - mariana.tum@gmail.com

 

Nas últimas décadas, a ‘confluência’ entre o povo Sem Terra e outros povos – indígenas, quilombolas e o povo da academia – tem provocado habitantes do Assentamento Terra Vista (Arataca - BA) a combinar o trabalho agrícola com certas práticas extrativistas. Destacam-se atividades como a coleta de sementes de árvores nativas identificadas e marcadas na extensa Reserva Legal, a utilização de madeira caída naturalmente nas matas e a produção de fitocosméticos a partir de ‘essências florestais’. Que mediações são realizadas pelos/as Sem Terra para configurar tais práticas sem, com isso, desestabilizar os preceitos locais da preservação da natureza e, portanto, da separação entre as áreas de proteção e as áreas produtivas? Sugiro que, em uma instância, este acordo se firma ao negar a precificação de certos materiais. Nesses casos, não é possível vender algo que não tem dono já que não envolveu trabalho. Em outra instância, quando há trabalho envolvido em processar a matéria coletada, faz-se necessário devolver trabalho em retribuição à natureza. Nesses casos, as coletas são alternadas com atividades de reflorestamento e manejo em paisagens consideradas áreas degradadas outras-que-humanas. Esta comunicação parte de pesquisa etnográfica em andamento e se propõe a tematizar a gramática local do trabalho, especialmente a relação entre seus signos mais fundamentais (valor, posse e cultivo), a partir dos agenciamentos Sem Terra de e por um conjunto botânico específico – as nativas.

 

Palavras-chave: Práticas agroecológicas de manejo florestal; áreas de preservação ambiental; trabalho agrícola; árvores nativas; assentamentos rurais.

 

 

3 Jardins para as abelhas nativas: notas etnográficas sobre a rede de relações multiespécies no Ceará

George Arruda de Albuquerque (Acmel). Doutor em Educação (Antropologia da Educação)/UFC - georgeantropologia@hotmail.com

 

Brasil é o país com a maior diversidade de espécies de abelhas do planeta Terra, com aproximadamente 3000 espécies. Estima-se que 300 espécies são eussociais e o restante de hábito solitário (PAOLINELLI; RODRIGUES, 2022). As abelhas eussociais são chamadas popularmente de abelhas indígenas, abelhas nativas, abelhas sem ferrão ou meliponíneos (CORTOPASSI-LAURINO; NOGUEIRA-NETO, 2021). Destas, foram identificadas no Ceará até o momento, 49 espécies (FÉLIX; BRENO, 2021). A criação das abelhas nativas, denominada meliponicultura, é uma atividade tradicional milenar (NOGUEIRA – NETO, 1997), praticada pelos povos originários e por comunidades rurais. Porém, nos últimos anos essa atividade tem crescido entre pessoas de diversos segmentos sociais. Diante disso, surgiu a demanda de cultivar jardins com plantas selecionadas que oferecessem recursos tróficos (néctar e pólen) para suprir às necessidades de forrageamento das abelhas. O comércio dessas plantas tem se expandido dentro de uma rede de relações multiespécies (HARAWAY, 2021; SÜSSEKIND, 2018; TSING, 2015) que envolve seres humanos, plantas e abelhas. Essa prática, além de beneficiar diretamente às abelhas, proporciona trocas que permitem a circulação de diversas espécies de plantas e sementes, nativas e exóticas. Cabe ressaltar que essas interações entre os meliponicultores contribui para o fluxo de conhecimento sobre plantas e abelhas, principalmente de técnicas (SAUTCHUK, 2017). O trabalho visa apresentar algumas notas etnográficas (KIRKSEY, 2020) vinculadas a esse universo botânico direcionado aos jardins destinados às abelhas. É uma investigação inicial, exploratória; por esse motivo, foquei no mapeamento dos produtores, nos critérios de escolhas das plantas e nas suas características, dentre outros temas difusos associados à pesquisa. Acompanho a discussão e o comércio dessas plantas em diferentes grupos de WhatsApp, onde produtores e interessados negociam valores e locais de entrega. Também fui a locais de produção e distribuição.

 

Palavras-chave: jardins; abelhas nativas; comércio; rede; relações multiespécies; técnicas.

 

4 Luta interseccional e transformações na paisagem: etnografia de uma horta comunitária da periferia de Olinda-PE

Marinara Allegrine Porphirio (UFSCar) - marinara@estudante.ufscar.br

 

Este trabalho busca etnografar as atividades do “Projeto Horta Semeia Saúde e Liberdade”, realizado pelo Coletivo Mulheres Periféricas e LGBT+, na comunidade de Peixinhos, em Olinda-PE. O Coletivo se propõe atuar na luta contra o racismo e a violência de gênero e sexualidade, ocasionando um encontro marcado pela diferença, entre mulheres periféricas, majoritariamente hetero e cisgênero, e jovens LGBT+. Sua luta é atravessada pela interseccionalidade e está pautada em três eixos: troca de saberes; ações do bem viver; exercício da política cidadã. O Projeto mobiliza esses eixos através de atividades coletivas, como: cultivo de alimentos na horta comunitária; entrega de cestas orgânicas; ensino de técnicas de plantação; estímulo às práticas de cuidado e autocuidado e etc. Essa dinâmica tece relações de trocas (de saberes, vivências, cuidados, alimentos, estratégias de lutas e etc), que implicam transformações na paisagem, o que inclui modificações no território e também nos conceitos, terminologias e práticas que circulam na comunidade. Através da abordagem feminista negra e dos estudos sobre capitalismo na geografia, pretende-se voltar atenção às diferentes paisagens alternativas, desenvolvidas em territórios periféricos, como forma de enfrentamento às desigualdades raciais e de gênero que marcam o capitalismo. Compondo com o pensamento local, propõe-se mapear as ecologias de circulação operadas pelo Coletivo e sistematizar de maneira acessível as lições aprendidas.

 

Palavras-chave: relações de troca, transformações na paisagem, ecologias de circulação, interseccionalidade, horta comunitária.

 

 

5 PAISAGENS MULTIESPÉCIES E A CULTURA DAS PLANTAS: ESCRITAS ENTRE DRAMATURGIA DA DANÇA E FORÇA VEGETAL

Belize de Melo Neves (Mestranda, Universidade Federal de Ouro Preto – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, UFOP-PPGAC), abelizea@gmail.com

Dannyel Sá (Doutorando, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Programa de Pós-Graduação em Antropologia, PPGAS), dannyel.sa@gmail.com

 

Pretendemos experimentar as potencialidades de um diálogo entre biologia, antropologia, filosofia, literatura e dança para explorar possibilidades de lidar com a agência das plantas em um contexto de sujeitos constituídos por múltiplas relações sociais. Iremos discutir como é possível compor com diferentes modos de conhecimentos, áreas de pesquisa científica e modos de expressão para multiplicar não apenas histórias, mas também temas e sujeitos; insistir que histórias são escritas de perspectivas ou pontos de vista fundamentalmente diferentes - na verdade inconciliáveis - nenhum dos quais completos ou totalmente verdadeiro. Nesse sentido, questionamos a possibilidade de “Vegetabilizar” o corpo enquanto uma opção para explorar a contribuição de abordagens “literárias” e outras formas de expressões poéticas para alargar o alcance da observação participante na descrição das socialidades mais que humanas borrando a fronteira que separa arte e ciência. Se “a etnografia é muitas vezes uma espécie de ficção e a ficção é muitas vezes uma espécie de etnografia (Ruth Behar citando Feye Harrison)”, uma variedade de gêneros criativos de não-ficção e novos tipos de textos colaborativos podem ampliar as perspectivas de etnografias multiespécies. Seguindo as obras de ficção científica, iremos nos deter mais especificamente em especulações para processos dramatúrgicos junto às práticas de manejo no exercício de engajamento para etnografar o mundo das plantas.

 

Palavras-chave: etnografia multiespécies; dramaturgia; ficção científica.

 

 

Sessão 2

 

1 Das florestas antropogênicas da indigeneidade ao impulso da agricultura agroflorestal.

Gabriel de Araujo Silva (Graduando em filosofia Unicamp)

g235604@dac.unicamp.br  

 

Este trabalho explora as consequências do avanço do debate em torno das chamadas florestas antropogênicas – o reconhecimento de que florestas como a Amazônia foram e são promovidas também com o cultivo humano dos povos que as habitam. As práticas agrícolas tradicionais de diferentes povos indígenas vêm conquistando crescente reconhecimento em relação a cultivar a floresta, promovendo biodiversidade e melhores condições ecológicas. Inspirada na relação indígena com a floresta é realizada a sistematização técnica atualmente denominada como agricultura sintrópica de Ernst Götsch, amplamente utilizada na implementação de sistemas agroflorestais no Brasil contemporâneo. Investigando a disseminação de técnicas agroflorestais, serão relatados sumariamente os principais empreendimentos empresariais e de assentamentos dos Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na realização de plantios agroflorestais recentes. Por fim, serão feitas considerações sobre as especificidades do cultivar floresta indígena, identificando as convergências, tensões e diferenças de perspectiva entre as práticas de Götsch e as dos povos indígenas em que ele se inspira.

 

Palavras-chave: Floresta. Floresta antropogênica. Indígena. Agricultura. Agrofloresta.

 

 

2 Transformação dos espaços agrícolas e deslocamentos entre espaços: fenômenos de movimento como tecnologia agrícola na Amazônia indígena

Larissa Mattos da Fonseca (Doutoranda em Antropologia Social pelo PPGAS-UFRGS)

larafonsecamattos@gmail.com

 

Neste texto advogo pela ampliação de significados do que seja agricultura. Para tal, seleciono, dentre as descrições etnográficas da etnologia indígena brasileira, dois fenômenos que se mostram fundamentais na criação e manutenção de um conjunto de atividades envolvendo humanos e vegetais que opto por intitular de agricultura indígena amazônica: a transformação dos espaços agrícolas e o deslocamento de pessoas e vegetais entres tais espaços. Atenta à diversidade de espaços agrícolas que ocorrem na Amazônia – o que inclui roças, hortas, trilhas, pousios, capoeiras, matas etc. –, dou destaque às práticas agrícolas de movimento, isto é, atividades como caminhadas diárias às roças, forrageio nas matas ou deslocamentos sazonais a acampamentos de caça e coleta. Sendo assim, o argumento central deste texto é o seguinte: a transformação e o deslocamento entre espaços de cultivo vegetal são fenômenos agrícolas, o que significa, necessariamente, incluir, dentro do escopo “agrícola”, espaços e atividades que correntemente não são entendidas como agrícolas.

 

Palavras-chave: tecnologia; agricultura; etnologia indígena; Amazônia.

 

 

3 Sóciotécnicas e plantations: o papel da borracha natural na reconfiguração mundos botânicos

Tiago Silva Alves Muniz (Doutor em Antropologia/Arqueologia pela Universidade Federal do Pará/ Pós-doutorando PPGAS-UFG),

tiago_samuniz@yahoo.com.br

 

Em 1876, Sir Henry Wickham enviou 70.000 sementes de seringueira do Brasil (atual Vila de Boim, Santarém, Pará) aos Jardins Kew. A partir de tal trans-plantação, as colônias britânicas na Ásia emergiram começando pelo Ceilão (hoje Sri Lanka). Tal evento, transformou a economia mundial e seu sistema produtivo – colapsado a hegemonia brasileira sobre o dito “ouro negro” da Amazônia. Muitas tentativas ocorreram globalmente para encontrar o látex ideal a ser explorado. Enquanto um segundo auge da economia gomífera veio durante a Segunda Guerra Mundial, outras espécies lactescentes se tornaram importantes actantes desse sistema extrativista. Nesse cenário, Henry Ford sonhara com sua "Fordlândia" (1928-1945), uma metrópole amazônica, que também veio ao colapso devido às doenças tropicais e, principalmente, pela presença do fungo “mal-das-folhas” que devastou as plantações de borracha e interrompeu o sonho americano na Amazônia. Essa fala almeja abordar as materialidades do complexo patrimônio industrial da borracha, por meio de história oral, lembranças, objetos, plantas, fungos, seres humanos e não-humanos. Assim, essa pesquisa em andamento busca compreender como saberes locais e diferentes técnicas se entrelaçam com o trabalho, as diferenças coloniais, a ontologia de objetos nesse contexto.

 

Palavras-chave: Hevea, plantationoceno, modernidade, eficácia, economia gomífera, arqueologia da borracha.

 

 

4 Reflexões meteodologicas acerca de uma semente aromática

Taynara Sanches da Silva (Mestranda do programa de Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS da Universidade Federal do Amazonas – UFAM) taynarasanches58@gmail.com

 

Foi no século XIX que a Amazônia foi o centro de pesquisas de vários naturalista que movidos pela ideia de avanço na ciência utilizaram-na como laboratório para seus estudos. Dentre esses viajantes estava presente a dupla de bávaros Carl Philippe Von Martius (1794-1868), Johann Baptist Von Spix (1781-1826) e quinze anos mais tarde o inglês Richard Spruce (1817-1893). Esses homens em seus relatos mencionaram uma árvore aromática da qual os indígenas do Rio Negro utilizavam suas sementes. A semente utilizada como propriedade medicinal no século passado descrita especificamente por Von Martius trata-se do puxuri (Licaria puchury-major (Mart.) Kosterm.)., uma espécie nativa da família Laurácea que esta presente no Amazonas, especificamente no município de Borba na região do Rio Madeira, onde a população realiza atualmente o uso dessa espécie na culinária, na medicina popular, na área de cosméticos e como um inseticida natural, através das práticas sóciotécnicas que envolve o cultivo e manejo interligado com o poder de agenciamento econômico local através das práticas desenvolvidas através da manipulação da semente. Sendo assim, pretendo compreender as técnicas de transformação vegetal nas formas de uso, coleta, manejo, processamento e armazenamento do puxuri. Este artigo é um recorte da minha pesquisa de mestrado que está em desenvolvimento, no qual trabalho a relação gente e planta e a partir disso pretendo demostrar alguns aspectos metodologicos utilizados para compreender as técnicas de transformação vegetal do puxuri em produtos consumidos pela população local, em escala comercial e as relações que se estabelecem, utilizo o conceito de “cadeia operatória” (COUPAYE, 2017) onde a partir da descrição discursiva dos indivíduos que utilizam a planta ocorre o registro de uma narrativa que se localizada em um lugar e momento especifico, possibilitando assim que as etnoconcepções locais sejam observadas. Essa metodologia tem a possibilidade de mostrar um momento da vida cotidiana onde se tece as relações existentes entre as pessoas e plantas, pois a cadeia operatória expressa uma trajetória particular que atravessa um tempo e espaço, um recorte no qual não se revela tudo, mas pode-se compreender aspectos das relações que os humanos possuem seja com plantas, animais e seres de outros patamares cósmicos que ajudam a materializar e viabilizar não só aspectos social, mas os processos invisíveis que atravessam a transformação do puxuri.

 

Palavras-chave: Relações; Puxuri, Gente, Planta, Metodologia.

 

 

Sessão 3

 

1 Socialidades além das palavras: a arte de notar as relações entre humanos, aves e palmeira juçara no sul da ilha de Florianópolis, SC, Brasil

Vitória da Silveira (Universidade Federal de Santa Catarina, Graduanda em Antropologia), silveiravicks@gmail.com 

Marcus Vinícius de Souza Mouzer (Universidade Federal de Santa Catarina, Estudante de graduação em Antropologia; biólogo (UFRGS); mestre em desenvolvimento rural (UFRGS))

gengibre76@gmail.com

 

Este trabalho pretende observar, ou perceber observações e engajamentos de diferentes entes que interagem nas malhas ecossistêmicas do sul da ilha de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, especialmente de certas aves, a palmeira juçara e alguns humanos, tendo como referência teórica coemergente às linhas que compõem os trajetos, paisagens e movimentos destes ambientes, as ideias de autores como Gragory Bateson, Jakob Uexkull e Tim Ingold, entre outros seres, buscando-se comunicar nos trajetos discursivos do texto, os possíveis agenciamentos que fazem corroborar mundos, perspectivas, movimentos outros-que-humanos, configurando desenhos de compreensão que dialoguem entre si, e convidem-nos a ir além na arte de notar a comunicação além das palavras entre os seres nas malhas-mundos. Neste trajeto, as palavras são análogas às pedras, fluxos dos rios, estradas, que permitirão que entendamos como a prática de coleta de frutos da Juçara por humanos no sul da ilha de Florianópolis coemerge nestes ecossistemas, e o que dizem as aves, seres alados que delas se alimentam, e outros humanos que as protegem nestas malhas, destas relações ecológicas que envolvem frutos da juçara e escaladores de palmeiras. Em suma, o trabalho emergirá de um encontro entre uma antropologia dos ecossistemas no antropoceno, que comunicações surgem nestas malhas, e tão insurgente como o brado feminino neste século, o que pode revelar-nos a perspectiva dela, musa também destes mundos vegetais: a Euterpe edulis, ou palmeira Juçara, inaugurando um mundo próprio que se fará notar no próprio fazer antropológico, colocando-nos atentos também nestas tramas, à natureza-cultura de Donna Haraway, e às transindividualidades de E. Coccia.

 

Palavras-chave: Palmeira Juçara; Aves; Humanos; Comunicação além das palavras; Antropologia dos Ecossistemas; Malhas-mundos.

 

 

2 Práticas e tecnologias em torno da coleta de sementes nativas no Cerrado

Solana Irene Loch Zandonai (Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (PPGDSCI), no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da Universidade de Brasília (UnB))

solana.irene@gmail.com  

 

A restauração ecológica tem se consolidado como um potencial de enfrentamento às mudanças climáticas, conciliando a conservação de ecossistemas com o desenvolvimento local. Na cadeia de produção, a coleta de sementes nativas é parte fundamental. Em meio ao Cerrado goiano, a Associação Cerrado de Pé reúne coletoras e coletores quilombolas Kalunga, da agricultura familiar, de contexto rural-urbano, brigadistas e pesquisadores. A fim de entender como se dão as práticas e tecnologias em torno da coleta, uma pesquisa qualitativa com abordagem etnográfica foi desenvolvida junto ao emaranhado mais que humano da coleta e da restauração. A investigação parte da ideia de dinâmicas relacionais de Escobar (2014) sobre as relações humanas e não-humanas que se estabelecem nos territórios. Por esse caminho e em uma visão sobre tecnologias, que não separa as noções de natureza e cultura (HARAWAY, 2009; HUI, 2017), mais do que quibandos e martelos improvisados compõem o fazer da coleta. São também, formulários sobre pés de árvores, áreas de coleta e outros dados, que conectam coletoras e sementes. Para o caso em questão, os formulários estão enredados à comercialização e às políticas de registro de sementes. Porém, revelam gargalos e falta de adaptação para o contexto das sementes nativas, das comunidades tradicionais, ou da agricultura familiar. Além disso, as comunidades coletoras deparam-se com desafios de tradução no preenchimento dos formulários, que exige informações que não refletem os esquemas locais de relação com o território e com as sementes. Por fim, conclui-se que pensar a restauração ecológica requer enxergar diferenças cosmotécnicas no trânsito entre políticas públicas e as realidades locais.

 

Palavras-chave: restauração; tecnologias; cosmotécnicas; políticas públicas; sementes nativas; comunidades coletoras.

 

 

3 A mariscagem no Rio Mamanguape: transformações técnicas e alterações do trabalho feminino indígena no universo pesqueiro

José Glebson Vieira (Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRN)/Doutorado em Antropologia Social – FFLCH/USP) - jglebson@gmail.com

 

A atividade de coleta de marisco desenvolvida pelos Potiguara no estuário do Rio Mamanguape (litoral norte da Paraíba), tem experimentado transformações nos últimos anos. Diante do crescimento exponencial da comercialização de frutos-do-mar, os/as marisqueiros/as têm-se apropriado de novas técnicas de coleta e beneficiamento e adotado estratégias para a comercialização dos seus produtos. A demanda por uma produção em larga escala de camarão e de ostras através da criação em viveiros implicou em mudanças na atividade de coleta de marisco que precisou se redefinir no contexto local para garantir sua inserção no mercado regional e maior retorno econômico às famílias. Esta comunicação pretende discutir o reposicionamento da mariscagem no contexto da pesca e da coleta de crustáceos e moluscos e das redes comerciais que envolvem famílias indígenas e atravessadores, com ênfase nas alterações do trabalho feminino indígena. O interesse em trazer esse tema para a reflexão decorre da constatação, a partir da experiência etnográfica com mulheres indígenas, de que a coleta de mariscos, que era anteriormente realizada quase que exclusivamente por mulheres, hoje é assumida principalmente por homens. Essa mudança é justificada pela adoção de novas técnicas de coleta e beneficiamento do marisco e reforça a ótica dos pescadores e coletores de crustáceos e moluscos do estuário de que no universo pesqueiro, as mulheres são vinculadas às atividades complementares, e os homens às atividades produtivas.

 

Palavras-chave: Potiguara, paisagem, mulheres indígenas, mercado consumidor, transformações.

 

 

4 Caminhos do açaí através do Cerrado

André Gondim do Rego (Doutor em Antropologia – UnB e Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília – IFB)

andredorego@gmail.com  

 

O açaí é hoje considerado um dos principais produtos da biodiversidade brasileira em razão de sua crescente demanda, tanto no país, como no exterior. Trata-se do fruto de uma palmeira do gênero Euterpe, nativa da região amazônica. Dentre as várias espécies ocorrentes, o açaí em touceira (E. oleracea Mart.), mais comum em áreas de várzea e de igapós da região, se destaca por sua abundância e exploração comercial. Sua produção, embora marcadamente extrativista, conta atualmente com açaizais nativos manejados e com cultivos realizados em áreas de terra firme. Pesquisas envolvendo seu melhoramento genético também se concentram no bioma amazônico. Ações voltadas ao cultivo fora deste bioma, portanto, são restritas. Nos últimos anos, porém, duas iniciativas ganharam visibilidade por abrirem caminhos para o açaí no Cerrado. Uma delas envolve a trilha aberta por uma pioneira nesta produção no âmbito do Distrito Federal, trilha esta que já se desdobra tanto na coleta, como no processamento do fruto, a princípio, destinado ao abastecimento local. A outra diz respeito a um grande projeto de desenvolvimento regional (a Rota da Fruticultura da RIDE-DF), cujo roteiro, até aqui materializado em sua fase de plantio, fomenta expectativas de expansão dessa produção tendo em vista uma escalabilidade projetada para a demanda de um mercado internacional. O objetivo deste trabalho é descrever os processos sociotécnicos mobilizados em cada um destes caminhos, destacando suas interseções e incongruências. A pesquisa que o fundamenta teve início em julho de 2022 e segue ocorrendo, estando pautada em entrevistas e observações de campo, bem como em relatos públicos envolvendo tais experiências.

 

Palavras-chave: Açaí; Cerrado; Antropologia da técnica.

 

5 Economias da castanha: valor e renda no mercado do Baru no cerrado mineiro

Jacqueline Ferraz de Lima (imuê/doutora em Antropologia - UFSCar)

Magda Ribeiro (UFMG/doutora em Antropologia-USP)

 

Esta comunicação pretende pensar a organização da cadeia produtiva da castanha do Baru no cerrado de Minas Gerais, porção noroeste do estado. A apresentação visa explorar a materialidade da intersecção de práticas econômicas bastante heterogêneas, além desiguais e instáveis: a realizada por mulheres agricultoras rurais habitantes da região – na colheita, quebra, torra e venda da castanha do Baru – e a realizada pela cooperativa da agricultura familiar – responsável pelo transporte, armazenamento e comercialização da castanha em diferentes mercados, nacionais e internacionais. Ainda em fase inicial, esta pesquisa, entre outras intenções, pretende abordar etnograficamente o cerrado a partir de suas lógicas de formação dos preços, tal como os fazem e desfazem as pessoas que ali vivem, o que leva adiante a proposta de Jane Guyer (2016) de etnografar uma outra economia pragmática e moral, isto é, aquela capaz de produzir narrativas contra a ideia generalizada de que há um mercado autorregulado a estabelecer um preço impessoal (mediador de oferta, demanda e impostos), à medida que evidencia os componentes do preço como experienciados pelas pessoas em transações econômicas bastantes singulares.

 

Palavras-chave: etnografia; castanha do baru; cerrado; antropologia econômica.

 

 

 

ST20: Etnografias das paraciências e das formações conspiratórias

Coordenação: Rafael Antunes Almeida (UNILAB), almeida.rafaelantunes@gmail.com

Daniel Pícaro Carlos (UEMS), d.picaro@yahoo.com

 

Na obra “Knowledge and Social Imagery”, David Bloor, uma figuras centrais no campo das Sociologia do Conhecimento, travou uma batalha contra o argumento do filósofo da ciência Imre Lakatos, segundo quem, enquanto a Filosofia deveria se encarregar das teorias científicas validadas, às Ciências Sociais caberia o estudo das teses científicas fracassadas, esdrúxulas e descartadas. Ou seja, enquanto o tema da “evolução do conhecimento” seria uma tarefa dos filósofos, aos sociólogos caberia uma “sociologia do erro” (Bloor,1976). Bloor reagiu a essa afirmação tentando produzir o que ficou conhecimento como Programa Forte, corrente para a qual os Estudos de Ciência deveriam se voltar prioritariamente para o conhecimento científico estabelecido. Já Bruno Latour, embora formalmente não bloqueasse o estudo das paraciências pela ANT, estava mais interessado nos pesquisadores de buracos negros, do que nos estudiosos de discos voadores (Latour,1990). Ocorre que, paralelamente à pesquisa sobre as práticas científicas, a Antropologia da Ciência passou a contar recentemente com um crescente número de acadêmicos que têm se dedicado à etnografia de coletivos que, ao mesmo tempo em que se constroem em relação à ciência, pretendem estudar objetos, empregar métodos ou sustentar teses que antagonizam com práticas científicas estabelecidas. O objetivo do presente Seminário Temático é, portanto, acolher pesquisas se voltem aos temas das paraciências, isto é, a domínios, como a ufologia, o terraplanismo, a cripitozoologia e a parapsicologia, além de investigações que se debrucem sobre as formações e saberes conspiratórios, suas redes, seus modos de relação com a ciência, suas tramas e seus especialistas.

 

Palavras-chave: paraciências; teorias conspiratórias; coletivos críticos à ciência.

 

 

Sessão 1: 22/11/2023 - 09:00 às 12:30

 

1 Negacionismo científico, gramáticas conspiratórias e feitiçaria: comparações epistêmicas entre discursividades produtoras do oculto em distintos contextos ontológicos

Daniel Alves de Jesus Figueiredo (Professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia – UFMG; Laboratório de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas/LACS - UFMG)

devirmaquina@gmail.com

 

A partir de uma pesquisa feita em Nampula, no norte de Moçambique, sobre as relações de poder entre a elite política e econômica local, identificou-se a copresença de metafísicas divergentes entre o Estado e uma cosmopolítica do reino invisível, que se perfaz pela presença da discursividade da feitiçaria no campo político. De outra maneira, existem discursividades divergentes que operam também por meio de metafísicas produtoras do oculto, que têm se proliferado em diversos campos políticos no ocidente, identificadas de forma um tanto imprecisa sobre as alcunhas de negacionismo e pós-verdade.Tais discursividades se propagam nas redes sociais por meio de boatos, que foram apressadamente nomeados como fake news. Assim, o objetivo desta apresentação é expor um estudo comparativo que permite estabelecer uma conexão epistêmica entre discursos não modernos oriundos de diferentes contextos ontológicos. Desta maneira, pretende-se alcançar uma “boa medida” analítica acerca das características epistêmicas presentes em determinadas discursividades negacionistas contemporâneas, por meio de uma comparação possível entre feitiçaria, negacionismo científico e boatos/fake news. De modo geral, objetiva-se também abordar diferentes modos de instauração de discursos de verdade, que se encontram em disputa por legitimidade, no atual cenário da chamada era da pós-verdade.

 

 

2 Operação Ararahacker: teoria de uma conspiração

Piero C. Leirner

Professor do Departamento de Ciências Sociais - UFSCar

pierolei@ufscar.br

 

Walter Delgatti, mais conhecido como “Hacker de Araraquara” – ou “Ararahacker” – se tornou uma figura pública e controversa após os fatos conhecidos como Vaza-Jato virem à tona através do The Intercept Brasil, em junho de 2019. Seu conteúdo diz respeito a uma série de conversas “hackeadas” dos membros da Operação Lava-Jato – procuradores, juízes e advogados que, segundo as mensagens vazadas, atuavam em conluio visando uma ampla interferência na política brasileira, neutralizando Lula e o PT. Alvo de uma controvérsia inicial – que girou em torno da (i)legalidade da obtenção das mensagens, mas também de acusações de referendar um “conspiracionismo petista” –, depois de um tempo serviu como “elemento de prova” para em efeito cascata fazer o “mundo jurídico” e boa parte da imprensa mudarem de opinião, provocando efeitos consideráveis. Passados 4 anos, o “Ararahacker” volta à cena em um movimento aparentemente errático: em um primeiro momento associa-se à “bolsonaristas” para tentar desvendar a fraude em urnas eletrônicas; logo depois é elencado como a “prova viva” de intenções golpistas de Bolsonaro. Mais do que ser uma espécie de “coringa” ou “trickster” que é acionado toda vez que uma conspiração necessita deixar de ser uma teoria, este personagem se enquadra numa predisposição cognitiva em que o “hackeamento” se tornou um de “código-fonte” da política. Esta apresentação é, deste modo, a teoria de uma conspiração, procurando situar a construção relativa de consensos políticos.

 

 

3 “Teorias da conspiração” e sensibilidades contemporâneas

Laura Graziela F. F. Gomes (UFF)

Professora titular PPGA/UFF (Núcleo de Estudos da Modernidade).

lauragraziela@gmail.com

 

Diogo Coutinho Iendrick (UFF)

Doutorando do PPGA/UFF (Núcleo de Estudos da Modernidade).

iendrick@gmail.com

 

Vimos propor uma reflexão sobre dois livros que abordaram o tema da emergência do neoconservadorismo nos EUA, a partir do governo Regan. O primeiro, é uma obra de ficção escrita por Margaret Atwood, intitulada O Conto da Aia (1985). O segundo, é o livro escrito pelos jornalistas Carl Bernstein e Marco Politi, intitulado Sua Santidade João Paulo II e a história oculta de nosso tempo (1996). Apesar dos livros pertencerem a gêneros distintos e haver uma diferença de 11 anos entre eles, chama nossa atenção como a ideia de uma “conspiração religiosa” ultra conservadora no campo do Cristianismo, já estava avançada e madura àquelas alturas no Norte, uma vez que os livros já apontavam para questões cruciais que norteiam pesquisas e publicações recentes na área de ciências sociais. Tal constatação nos fez retomar as reflexões de Wolf Lepenies (1985) a respeito da disputa entre literatura e sociologia pela “primazia de fornecer a orientação-chave da civilização moderna” [...] apropriada à sociedade industrial” (Lepenies, 1985:11), ocorrida desde a metade do século XIX. O fato de nos encontrarmos sob os efeitos de transformações e incertezas que puseram fim ao projeto civilizatório moderno, as representações de futuro estão se impondo cada vez mais na escatologia contemporânea — em termos práticos, científicos e filosóficos. Ao invés de negar esses relatos, consideramos importante incorporá-los às premissas heurísticas e especulativas da própria Antropologia.

 

 

4 O “Grande Reset” em redes sociais: Uma caracterização através de métodos digitais

Alisson Magalhães Soares

Doutor em sociologia pela UFMG e pós doutorando em ciência política pela UFPE

alissonmsoares@gmail.com

 

Assim como as religiões, as teorias da conspiração são também explicações para o mal no mundo, porém em uma versão secularizada (Barkun 2003). Pesquisa recente na Grã-Bretanha indica que 1/4 da população acredita que a Pandemia de Covid-19 foi uma farsa e acreditam na teoria da conspiração do “grande reset”, tendo sido o YouTube o lugar de primeiro contato, seguido de Facebook e Twitter (Duffy and Dacombe 2023). Esta teoria teve origem em um livro e evento no Fórum Econômico Mundial, de título “Covid19: The Great Reset”, que foi interpretado na “complosfera” como confissão dos planos da elite mundial de forçar mudança global rumo ao comunismo, com um governo, moeda digital e religião globais únicos; promoção da vigilância generalizada; sob o mote “você não terá nada e será feliz” e da sustentabilidade, iriam abolir a propriedade privada; a carne tradicional ficaria restrita apenas aos ricos/poderosos, enquanto os pobres poderão ingerir proteína de insetos/minhoca processados (Audureau 2021). Segundo esta mesma teoria, grande parte do discurso sobre mudança climática, na verdade seria mera estratégia para tornar mais palatável à população em geral tais mudanças sociais. Dentro da complosfera, esta teoria pode ser a principal fonte de aversão à agenda climática atualmente. Objetiva-se aqui uma caracterização e análise da difusão destas ideias em redes sociais online, como YouTube e Telegram, através de métodos digitais.

 

 

5 A invenção de um contexto: a conspiração militar de uma teoria conspiratória onguindígena na Amazônia Brasileira

Mariana Vilas Bôas Mendes - PPGAN-UFMG

Mestra em Sociologia; Mestra em Antropologia; pesquisadora de doutorado em antropologia

marivbm@gmail.com

 

Segundo Wagner, um inventor da cultura, um contexto é ao mesmo tempo parte de uma experiência e algo que nossa experiência constrói (WAGNER, 2001, pp. 111-112). Neste trabalho pretendo discutir a produção de um contexto no qual forças estrangeiras tentam roubar do Brasil as riquezas ocultas pela floresta amazônica. Me concentrarei nos eventos ocorridos ao longo da ditadura civil-militar instaurada no Brasil em 1964 que, como pretendo demonstrar, operaram como uma cama de gato sobre a qual militares, ruralistas, mineradoras e políticos buscam derrubar os direitos dos povos indígenas. Artigos publicados na revista do exército “A defesa nacional” e o livro “A farsa Ianomâmi”, presenteado ao ex-presidente Jair Bolsonaro quando da cerimônia de sua posse serão tratados como a síntese de rumores que correram ao longo de três séculos pela Amazônia e que emergiram sobretudo no território/estado de Roraima quando da revelação da grande invasão do garimpo nas terras Ianomâmi nos anos 1970. Tais rumores são o fundamento desde a promulgação da Constituição Federal de 1989 até os dias atuais para legitimar ataques à FUNAI, à antropologia, às políticas públicas e ações de organizações não governamentais de proteção ao meio ambiente e aos povos originários.

 

 

Sessão 2: 23/11/2023 - 09:00 às 12:30

 

1 A Terra e o plano: eixos discursivos em cenas da pós-verdade

Jorge Garcia de Holanda

Doutor em Antropologia Social (UFRGS)

jorgegholanda@gmail.com

 

A defesa do modelo da Terra Plana ganhou popularidade em diversos países, incluindo o Brasil, em meados da década de 2010, tornando-se um dos fenômenos mais expressivos do que vem sendo chamado de “pós-verdade”. Terraplanistas (em sua imensa maioria, pessoas sem formação ou atuação na ciência oficial) vêm afirmando que o contato em anos recentes com vídeos, páginas e grupos dedicados ao assunto foi decisivo para, em suas palavras, “despertarem” para uma série de “verdades” que teriam sido “ocultadas” da humanidade — a primeira delas, a de que vivemos num mundo plano e estacionário, radicalmente distinto do que descreve o paradigma heliocêntrico. Neste trabalho, parto do entendimento de que o terraplanismo é um tipo de “formação estética” (Meyer, 2019) que modula sentidos, práticas e discursos e produz públicos, mediada por uma configuração de mídia que tornou possível a emergência e a sustenção de um ambiente de defesa da Terra Plana. Com isso, o interesse aqui é o de traçar um breve panorama da produção audiovisual terraplanista para o YouTube (um setor-chave na consolidação do ecossistema digital terraplanista) a fim de apontar como os eixos discursivos de “ciência”, “religião” e “conspiracionismo” se complementam e organizam estratégias de validação do modelo perante suas audiências.

 

 

2 Plataformas, sujeito influenciável e ciência paranoide

Paulo Faltay

Doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ) e Pesquisador de Pós-Doutorado no PPGCOM da UFPE

pfaltay@gmail.com

 

O artigo se debruça sobre o grupo autointitulado Targeted Individuals (TIs), ou Indivíduos-Alvo. Reunidos em sites, blogs e redes sociais, os TIs partilham da crença de serem vítimas de manipulação e de controle mental por meio de aparelhos eletrônicos e tecnologias digitais. Para tanto, analisaremos o conteúdo produzido por TIs em canais do YouTube. O objetivo é debater a relação entre ciência e plataformas digitais em duas dimensões que se entrecruzam: uma visível, própria dos conteúdos conspiratórios que circula pelas redes; e outra mais opaca que refere-se ao modo como dados e informações pessoais são usadas para o direcionamento deste conteúdo. Na primeira dimensão, defendo que não há o estabelecimento de um discurso propriamente negacionista, mas a disseminação de discursos e práticas de uma ciência paranoide. Já na segunda dimensão, interessa perceber a emergência da figura do sujeito influenciável, a partir do entendimento de que é possível tornar os indivíduos e suas condutas objetos de intervenção por meio da análise automatizada de dados digitais pessoais e relacionais. A hipótese defendida é de que a relação problemática das plataformas com o conhecimento não diz respeito tão somente à natureza do conteúdo que circula. Ela é fruto também dos investimentos das empresas de tecnologia em técnicas e procedimentos de produção de conhecimento sobre indivíduos e populações com fins a influenciar, gerir e intervir no comportamento.

 

 

3 Os alienígenas estão chegando: o “grande advento” na ufologia brasileira antes e após as recentes mudanças na política internacional sobre OVNIs/UAPs

Leonardo Breno Martins

Doutor em Psicologia Social (Universidade de São Paulo)

leobremartins@usp.br

 

Desde ao menos os anos 1950 até os dias atuais, ufologia brasileira (em parte de modo sincrônico com a ufologia de outros países, em parte com especificidades) aguarda o reconhecimento e a manifestação aberta dos alienígenas em nosso ambiente (um equivalente seu do “grande advento” cristão). Ao longo das décadas, houve mudanças parciais no modo como isso ocorreu. A partir de 2017, houve mudanças significativas no cenário internacional em relação ao tema OVNI/UAP entre governos, forças armadas e a comunidade científica (especialmente, mas não somente, nos Estados Unidos). Em sintonia, a ufologia brasileira passou a aguardar e a trabalhar por seu “grande advento” de modo parcialmente distinto. Isso envolve, entre outros elementos, a intensificação de campanhas contra o “acobertamento ufológico”, o engajamento em práticas associadas a contatismo e uma participação maior de agentes políticos (como visto na Sessão Especial no Senado em homenagem à ufologia em 2022). Serão discutidas características e implicações desse processo e o que ele sugere sobre a construção social da realidade.

 

 

4 O animismo tecnológico: uma perspectiva de ontologia alienígena

João Francisco Schramm

Doutor em História (Universidade de Brasília)

joao.francisco.schramm@gmail.com

 

Esta apresentação tem como objetivo analisar o debate teórico presente na ufologia, que envolve a hipótese extraterrestre - que pressupõe que os óvnis têm origem em civilizações de outros sistemas solares - e a hipótese multidimensional - que afirma que esses objetos podem ser provenientes de outros mundos dentro da própria Terra. Essa discussão reflete um paralelo entre diferentes ontologias, destacando a virada ontológica, especialmente contrastando o naturalismo e o animismo. O naturalismo concebe a ideia de uma natureza única, interpretada de maneiras diversas por múltiplas culturas. Por outro lado, o animismo sugere uma realidade com múltiplas naturezas, onde a cultura é um fator universal. Essa correspondência entre a teoria antropológica e as discussões na ufologia fica evidente quando associamos a hipótese extraterrestre à ontologia naturalista, enquanto a hipótese multidimensional se assemelha à ontologia animista. Em outras palavras, o propósito desta apresentação é destacar como a hipótese multidimensional, ao admitir a possibilidade de diversas origens para os óvnis, amplia a própria concepção da realidade humana, incluindo a ideia de que os seres humanos podem estabelecer uma troca cultural com entidades não humanas, representadas pelos seres alienígenas. Isso reforça uma noção de cultura universal, onde diferentes formas de vida podem se interconectar. Em última análise, a hipótese multidimensional transcende seu caráter meramente hipotético, refletindo uma ontologia específica - o animismo tecnológico.

 

 

5 Scully e Arroway: representações femininas cinematográficas de cientistas na investigação do sobrenatural

Ana Luiza da Silva Dias - Mestranda em Antropologia no Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)

analuiza.silvaj@gmail.com

 

O presente trabalho busca analisar representações femininas cinematográficas do campo da investigação científica do sobrenatural, comparando as personagens Dana Scully, da série Arquivo X (1993-2002), e Ellie Arroway, do filme Contato (1997). A primeira é uma médica legista e agente do FBI que recebe a missão de desmascarar (debunk) as investigações de Fox Mulder, um agente tido como “lunático” e que gere, sozinho, uma seção do FBI que investiga eventos tidos como sobrenaturais. A segunda é uma radioastrônoma renomada que investigou, durante a maior parte de sua carreira, evidências de vida extraterrestre. Apesar de abordarem o fazer científico com o devido rigor e objetividade, Scully e Arroway, por serem pesquisadoras mulheres em áreas majoritariamente masculinas, precisaram enfrentar atitudes machistas de seus pares e ataques à sua competência e senso de valor. Além de se esforçarem muito mais do que seus colegas homens para terem validadas suas investigações e descobertas. Há, entretanto, diferenças entre essas duas mulheres: enquanto Ellie Arroway acreditava e perseguia a hipótese da existência de civilizações extraterrestres, Dana Scully permaneceu cética e relutante, mesmo em face de evidências que provassem o contrário. Na cultura popular, ambas personagens se tornaram referências de cientistas mulheres nas ciências chamadas “duras”, inspirando jovens meninas a perseguirem essas carreiras na vida real.

 

 

6 “Contra Fatos Não Há Argumentos”: negacionismo, conspiração e política em torno do caso de Ratanabá

Izabela Henriques Feffer

Mestranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional - UFRJ

izafeffer@gmail.com

 

André Luiz Coutinho Vicente

Mestrando em Antropologia Social pelo Museu Nacional - UFRJ

alcoutinho1996@gmail.com

 

Jaqueline de Araújo Vieira

Mestranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional - UFRJ

araujovieira.jaqueline@gmail.com

 

A presente comunicação visa analisar o contexto de efervescência de postagens sobre a suposta cidade perdida na Amazônia brasileira, Ratanabá, cujo debate ganhou maior repercussão por meio das redes sociais nas primeiras semanas de junho de 2022. Nosso objetivo é demonstrar de que forma essas publicações se inserem num campo mais amplo, afirmando e propagando desinformação de cunho conspiracionista e negacionista através de um regime de produção de "fatos" cuja metodologia é inacessível - e sua atuação num projeto discursivo e político que passa pela mineração de dados, plataformas de mídia, capitalização de recursos naturais e consolidação ideológica da ficção narrativa da extrema-direita. As postagens às quais nos referimos foram disseminadas pelo grupo “Dakila Pesquisas”, integrante do “Ecossistema Dakila” - interface de "divulgação científica" que nos serve como ponto de partida - e o trabalho se desenvolve por meio de uma incursão etnográfica virtual, propondo a investigação e mapeamento de postagens feitas em redes sociais, vídeos no youtube e blogs e sites relativos ao tema e sua respectiva repercussão. Para elucidar o debate são mobilizados recursos teóricos advindos da Filosofia e Antropologia da Ciência, além de perspectivas que busquem desenvolver os conceitos de negacionismo e conspiração em contexto nacional.

 

 

Sessão 3: 24/11/2024 - 9:00 às 12:30

 

1 Arte, Pós-Verdade e Teorias da Conspiração: Investigações em Poéticas Visuais

Fabiano Mota Luiz

Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

fabianogummo@gmail.com

 

A pesquisa de doutorado em poéticas visuais, intitulada "Continuum: compilações maximalistas em  tempos de pós-verdade", explora a relação entre o processo poético e os fenômenos da pós verdade e da disseminação de teorias da conspiração. Analisando um corpo de obras artísticas que  dialogam com a complexidade da sociedade atual, permeada por informações ambíguas e  desinformação, investigamos a interconexão entre realidade e ficção, questionando as fronteiras  entre o documental e o ficcional. A pesquisa também examina o papel da arte como uma lente crítica e reflexiva sobre a manipulação de informações e a disseminação de narrativas enganosas,  contribuindo para a compreensão da estética contemporânea em meio à pós-verdade na sociedade digital. Sabe-se que o conceito de pós-verdade abrange desvios e flexibilizações da linguagem no ambiente virtual, operando contradições na recepção de informações. Diante de um mundo repleto de "verdades alternativas" e fake news, percebe-se que, muitas vezes, a racionalidade dos julgamentos desvanece, abrindo espaço para a intuição e a emoção. Nesse contexto, a pós-verdade é abordada como um refluxo teórico e um gatilho para a produção de conhecimento e desenvolvimento de poéticas visuais. A pesquisa contribui para uma compreensão mais profunda do impacto cultural de imagens e palavras em um contexto de pós-verdade, incentivando uma atitude crítica e o questionamento das narrativas construídas no ecossistema digital. Como procedimentos de criação são identificados a apropriação, o arquivismo e o remix como elementos operantes no processo de Poéticas Visuais.

 

 

2 Cosmologia e “conspiracionismo cósmico” na obra de Luis Felipe Moyano

Alexandre Sugamosto e Silva

Doutorando em Ciências da Religião (PUC - MG). Membro do GREPEP- Grupo de Pesquisa Religião, Política e Espaço Público

 

Maurício Salles Oltramari

Graduado em Filosofia e Ciências Contábeis (UCS)

 

Uriel Irigaray Araujo

Doutorando em Antropologia Social (DAN-UnB), pesquisador do INCT/InEAC

urielaraujo@hotmail.com

 

Nesta comunicação, abordaremos alguns aspectos da cosmologia e do “conspiracionismo cósmico” na obra do escritor Luis Felipe Cires Moyano Roca (1946-1996), também conhecido pelo pseudônimo Nimrod de Rosário. Moyano foi um prolífico escritor argentino e um relevante personagem do cenário neonazista latino-americano dos anos 80 e 90. Moyano é o criador de uma complexa cosmologia gnóstica – que denominou “Sabedoria Hiperbórea” – que reúne elementos da mitologia nórdica, de diversas correntes ocultistas do século XIX, neoplatonismo, psicologia jungiana, seitas milenaristas – especialmente ariosofia – que remontam às últimas décadas da Monarquia de Habsburgo e aos ambientes ocultistas da Alemanha das décadas que antecederam a ascensão do nazismo. A análise dessa cosmologia se dará por meio da leitura crítica de alguns trechos dos livros Fundamentos de la Sabiduría Hiperbórea  e El Misterio de Belicena Villca.   Por “conspiracionismo cósmico”, entendemos o aspecto gnóstico da obra de Moyano e sua descrição da história da humanidade como uma luta perene entre polos antagônicos sustentados por duas doutrinas esotéricas: uma, a dos “deuses liberadores” ou dos chamados “Siddhas Leales” de Agartha, que propõem a “liberação espiritual” das cadeias do “mundo material criado pelo Demiurgo” e sua “hierarquia de demônios” e servos; e a outra, dos chamados “Siddhas Traidores” de Shamballa, os responsáveis pelo aprisionamento dos “espíritos hiperbóreos” ao corpo e ao “mundo da matéria” em tempos imemoriais, encarregados também pela sustentação e ordenamento do “universo físico”. Nos trabalhos Moyano, tanto Agartha quanto Shamballah são retratadas como bases arquetípicas situadas numa dimensão metafísica, e não como lugares físicos.

 

 

3 Conspiracionismo e conspiratualidade durante a pandemia do novo Coronavírus na cidade de Olinda

Gabriel Ferreira de Brito

Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco

gabriel.fbrito@ufpe.br

 

O objetivo deste trabalho é apresentar parte dos resultados de uma pesquisa sobre a pandemia do novo Coronavírus mediada por ambientes digitais. O local de realização foi um bairro da cidade de Olinda-PE, durante os anos de 2020 e 2021. Dois casos foram selecionados para esta comunicação. Trata-se de um caso cuja informante criticava supostos interesses midiáticos e farmacêuticos contra a gestão do então presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia; a outra informante relacionava interesses de classes dominantes e, também, de alienígenas, por trás da pandemia. A teoria utilizada para pesquisa foi a antropologia dos modernos, de Latour. A conceituação da etnografia em ambientes digitais, de Leitão e Gomes, e da análise de mídias sociais, de Miller. A metodologia foi baseada na observação participante e análise de ambientes digitais, de conversas informais no WhatsApp, e de entrevista em profundidade (informante 1). A análise dos dados foi categorial, com base nos modos de existência desenvolvidos por Latour. Os resultados indicam tanto uma politização da ciência (informante 1), quanto uma “mistificação” da pandemia (informante 2). Ambas as informantes entendem a ciência em um sentido que dialoga com o que se tem chamado de alt-science e i-pistemology.

 

 

4 O Sangue de Cordeiro: a teoria da limpeza no Sertão de Pernambuco

Diego Vinícius de França Bezerra

Doutorando em Antropologia - PPGA/UFPE

diego.vfbezerra@ufpe.br

 

Elissa Deimling de Santana

UFPE/FDR

elissa.dsantana@gmail.com

 

No Brasil, milhões de habitantes são ameaçados de morte pelo Estado. O alvo prioritário são os “bandidos”, considerados grandes inimigos internos da sociedade. Eles geralmente são da população negra e são perseguidos por grupos armados. Chamaremos isto de teoria da limpeza, porque atua na eliminação de diferenças e faz aquela ameaça ser compreendida num processo de purificação: 1) O problema da cidade é o crime, se as vítimas são vistas como “cidadãos de bem”, os criminosos são considerados elementos degenerados; 2) Delega-se a determinados grupos armados a função de matar em defesa da sociedade; 3) A celebração das execuções identifica tais ações de “limpeza”, por produzirem a expectativa de uma solução final. Esse discurso está no cerne do totalitarismo no Brasil e faz jus ao bolsonarismo. Para um movimento totalitário, a legalidade não passa de uma manipulação dos mais poderosos em prol de privilégios para si. A fim de refletir sobre a teoria da limpeza a partir da sua natureza conspiratória, abordaremos estes eventos ocorridos no Sertão Pernambucano: os entregadores por apps de Arcoverde (PE) reivindicaram uma limpeza no município, em 2021; e a repercussão de uma execução policial em Parnamirim (PE), em 2023. A nossa pesquisa etnográfica, como residentes “de fora” nessas cidades, conta com entrevistas e observações, inclusive das mobilizações locais. Assim, esperamos contribuir para a análise das teorias conspiratórias no âmbito da segurança pública no interior do Brasil.

 

ST 21 – "Lutas” indígenas e de populações tradicionais: regimes de criatividade e territorialidades em risco

Coordenação: Lauriene Seraguza (UFGD/FAIND/PPGAnt) - seraguzza@gmail.com

Paola Andrade Gibram (CEstA/USP) - pagibram@gmail.com

Tatiane Maíra Klein (PPGAS/USP) - tatimaklein@gmail.com

 

Este seminário temático busca abordar diferentes formas como a categoria "luta" é mobilizada, em contextos em que modos de existência de povos indígenas e populações tradicionais estão em risco. Visamos aqui reunir e conectar pesquisas, em especial etnografias e autoetnografias, sobre movimentos de "luta" de povos indígenas, quilombolas, mulheres trans e cisgênero, camponeses, caiçaras, ribeirinhos, pessoas LGBTQIAPN+, ciganas, povos de terreiro, quebradeiras de coco, pescadoras artesanais, comunidades de fundo de pasto, entre outras populações cujas vidas se fazem em territorialidades específicas e estão postas em risco por políticas de desenvolvimento. "Lutas" que compreendem técnicas do corpo, artes da fala, cantos-rezas-danças, que se adensam em festas, mobilizações e "retomadas" territoriais e existenciais. Assim, serão recepcionados trabalhos que enfoquem regimes de criatividade indígenas e de populações tradicionais, em processos marcados por dissensos, equivocações e pelo confronto com forças desiguais. Serão especialmente valorizadas pesquisas de autoria dessas populações, que reúnam discussões sobre ameaças a seus modos de existência e sobre seus modos de habitar territorialidades em risco.

 

Palavras-chave: lutas, territorialidades, riscos, regimes de criatividade, povos indígenas e populações tradicionais.

 

 

Sessão 1

 

1 Criações Políticas da Marcha das Mulheres Indígenas: do chamado da terra ao chamado ao reflorestar

Janaina Betto (UFSM), janaina.btt@hotmail.com

 

A partir de meu encontro com as marchas das mulheres indígenas, nas suas edições de 2019 e 2021, busco dar atenção à dimensão de escuta do “chamado da terra”, do qual as lideranças femininas indígenas falam durante os eventos. Da mesma maneira, busco demonstrar como, por meio da mobilização feminina indígena, esse chamado da terra é posto em movimento, sendo prolongado como um chamado ao reflorestar, com sua dimensão “para dentro”, como retomada existencial, reiterando processos de retomadas que acontecem nos territórios, e sua dimensão “para fora”, na qual toma forma de uma proposta política, um convite à escuta e à ação, que é direcionado à sociedade não indígena. Nas ruas, durante as marchas, como parentas essas mulheres apostam em uma aliança em diversidade para oposição à política de morte, fruto de encontros que potencializam a luta pela terra. Assim, a proposta política do “reflorestar” é uma singularidade no modo de fazer política das mulheres indígenas que confere abertura ao múltiplo, não nos convoca a um modelo de luta único, se não a uma composição, é um chamado feminino indígena a se compartilhar responsabilidades e à criação de outras relações possíveis com a terra, onde “cuidar” ganha centralidade. Em que modos de viver e de morrer estamos apostando e colocando nossa escuta a serviço? As mulheres indígenas sinalizam que o chamado não pode ficar retido nas marchas, ele precisa ressoar.

 

Palavras-chave: retomada, escuta, cuidado, luta pela terra, mulheres indígenas.

 

 

2 No caminho do ouro: a luta yanomami

Laila Zilber Kontic (PPGAS/USP), laila.kontic@usp.br

 

Este trabalho reflete sobre a configuração de uma luta política do povo yanomami resiliente à atividade garimpeira ilegal. A categoria “luta yanomami” surgiu da exposição do trabalho fotográfico de Claudia Andujar inaugurada em 2018 (e até hoje em itinerância por diferentes países) em resposta às ameaças que representavam as falas de Bolsonaro sobre o garimpo clandestino na Terra Indígena Yanomami. A exposição evidenciou os dois períodos que colocaram em xeque a sobrevivência desse povo: a primeira (1987-1990) e a segunda (2020-2022) “corrida do ouro” no oeste de Roraima, marcados pelo deslocamento de milhares de garimpeiros para o território e pela grave crise socioambiental gerada pela atividade garimpeira. São muitas as semelhanças entre esses dois períodos, sobretudo no que diz respeito às disputas políticas geradas por interesses antagônicos. Congregando até hoje diferentes setores da sociedade, o que está em jogo nessas disputas é, sobretudo, o ouro, seja pelo aprimoramento e ampliação da atividade garimpeira ilegal, seja na luta pelo fim da extração mineral clandestina como única possibilidade de colocar um fim à crise yanomami. Pretende-se refletir sobre como lideranças e associações yanomami se adaptam criativamente a uma linguagem e a uma pragmática circunscritas no quadro jurídico e administrativo do Estado e no campo do ambientalismo. Em ambos os casos, é a capacidade de articulação de um discurso cosmológico com a reprodução das categorias estatais e ambientais que dão forma à luta yanomami.

Palavras-chave: Yanomami, luta, garimpo, disputas políticas.

 

 

3 Ecos, tons e megapixels do modo Maíra: Os Tentehar-Guajajara na guerra da comunicação no contexto da TI Cana Brava
Dhiogo Rezende Gomes (IFMA e PPGAS/UFG), dhiogo.gomes@ifma.edu.br


O povo Tentehar que vive na Terra Indígena Cana Brava, no centro-sul maranhense, enfrenta desafios diante das pressões da colonização sobre suas terras ancestrais por séculos, estabelecendo na região conflitos de grandes proporções. Diante das presenças de missões religiosas e povoados intrusivos, segue a luta na defesa da terra e dos modos de vida. Os conflitos interétnicos intensificados com o asfaltamento da rodovia BR-226 que corta a Cana Brava, desde o final dos anos 90, traz impactos socioambientais irreversíveis e não mitigados pela inconclusão do licenciamento ambiental. Através do modo Maíra e do regime de aproximações controladas, modo de resistência política de fundo cosmológico e ontológico enunciado por seus heróis criadores, traçam estratégias de manipulação das alteridades relacionadas aos impactos dessa obra, entre os quais, está a deterioração da sua identidade com a produção exógena da imagem de “índios da BR: donos e promotores do caos na rodovia”. Na guerra da comunicação, constituem um complexo áudio visual analógico e digital, produzindo contra imagens e discursos instrumentalizando a resistência diante das ameaças nas relações interétnicas. Assim, no modo Maíra, apresentam-se nesse trabalho, dinâmicas das agências tentehar diante das imagens de “índio” na região, tendo como pano de fundo, duas reportagens televisivas.

 

Palavras-chave: Tentehar-Guajajara; Terra Indígena Cana Brava; Rodovia BR-226; relações interétnicas.

 

 

4 Mbaekua'a Ta'anga Kuery: o mundo das imagens e os modos de fazê-las entre os Kaiowá

Letícia Espadim Martins (PPGG/UFGD) - espadimleticia@gmail.com

Iulik Lomba de Farias (PPGCINE/UFF)


Este texto tem como objetivo refletir as afetações cosmológicas dos conceitos nativos Mbaekua ́a e Ta ́anga nos modos de produção imagética e fílmica dos Kaiowá em Mato Grosso do Sul. O conceito de Mbaekua ́a, evoca modos de fazer compreendidos como uma espécie de sabedoria ancestral, ou aqueles que sabem fazer. Mbae pode significar modo/como, enquanto kua'a está relacionado à fertilização, ao germinar. Em um sentido amplo, Mbaekua ́a conota práticas de fazer

germinar bons agouros. Já as Ta ́anga, imagens, habitam o multiverso cosmológico na qualidade de seres não-humanos dotados de perspectiva própria e integram redes cosmopolíticas. Tal acepção conceitual de imagem passa, conquanto, por um mosaico político de relações entre humanos e não-humanos, visíveis e invisíveis também agenciados pelo xamanismo. O caráter relacional imanente das imagens, faz com que seu manejo esteja revestido de certa periculosidade, visto que são capazes de ativar efeitos maléficos no corpo e na vida dos que participam dessa fabricação. Nossa hipótese é a de que os modos de produção de imagens têm agência política na (des)estabilização da vida social deste povo. O que nos leva ao intento de pensar como os conceitos nativos Mbaekua ́a e Ta ́anga, produzem agenciamentos cosmopolíticos que potencializam a produção imagética e fílmica, como um campo intensivo de forças que venha a fertilizar territorialidades insurgentes e novos mundos compartilháveis, através das aberturas operadas pelas imagens.

 

Palavras-chave: Cosmopolítica; Audiovisual indígena; Territorialidades, Lutas.

 

5 Júlio Cardoso e os patrões-inimigos: parentesco e luta baniwa no Alto Rio Negro
João Vianna (UFES), joaojbvianna@gmail.com 

 

Esse artigo pretende explorar a biografia do senhor Júlio Cardoso, homem do clã Awadzoro, 88 anos, meu principal anfitrião durante trabalho de campo entre os Baniwa, Alto Rio Negro. O contexto que Dapiroa, seu nome tradicional, escolhe para contar a história de sua própria vida é o das relações pessoais que estabeleceu com os não indígenas enquanto trabalhava no aviamento, sistema de endividamento que rege a exploração do trabalho extrativista indígena na Amazônia. Seguindo seu fio narrativo, percorreremos a territorialização do aviamento nas vidas e nas terras indígenas, recortando as fronteiras nacionais do Brasil, Venezuela e Colômbia, entre as décadas de 1950 e 1980. Poderemos notar, durante os mais de trinta anos em que Júlio viveu fora de sua comunidade, um confronto de forças desiguais, uma espécie de guerra de mundos, cuja expressão mais saliente era o risco de ele ser definitivamente capturado e “não mais voltar” para os seus parentes e território, tornando constante a possibilidade de uma ruptura com o modo de existência baniwa. As “viagens de ida”, com os brancos, e “de volta”, para os seus parentes, se revelam a partir das categorias de parentesco, em que os patrões eram considerados por Júlio ora pais ora inimigos, codificações tanto da opressão encarnada por sua vida, como das estratégias de resistências e retomadas que se agenciam a partir dele. Por fim, teremos a descrição de um território existencial que articula simultaneamente a vida de um chefe baniwa em particular, a paisagem regional, uma rede relações “comerciais” e de parentesco e extraparentesco. Projeta-se desta cartografia diferentes sentidos de luta que os povos indígenas do Alto Rio Negro empreenderam individual e coletivamente entre o engajamento nas relações com os patrões não indígenas ao associativismo.

Palavras-chave: Autobiografia; Parentesco; Aviamento; Baniwa, Alto Rio Negro.

 

 

6 Biografias de mulheres indígenas e seus desdobramentos discursivos no campo da "luta"

Amanda Cristina Danaga  (UEMS/PPGCS – UNESP), amanda.danaga@uems.br

 

Esta proposta tem origem na reflexão sobre as possibilidades da escrita etnográfica a partir de biografias, narrativas e trajetórias indígenas, sobretudo de mulheres. A discussão a respeito da noção de pessoa ao longo da história da Antropologia passou por muitos caminhos conceituais. O ponto de partida é discutir, por meio do tema das biografias ameríndias, a “noção dessa noção de pessoa”, refletindo acerca das subjetividades no mundo ameríndio e tensionando as razões políticas e estéticas que movem a escrita ao pensar em composições possíveis entre etnografia e biografia. Muitas iniciativas têm mostrado a potência presente no movimento de mulheres indígenas. É sabido o quanto elas têm adentrado na luta pela conquista de locais que antes lhes eram recusados ao apontar em suas agendas (e na agenda do movimento indígena) pautas fundamentais em torno dos direitos indígenas. Por isso, atentar-se para esse cenário e para a sensibilidade das narrativas pessoais, nesse caso das mulheres, traz novos desafios para a antropologia, mostrando que subjetividades são potencialmente e politicamente criativas. Em linhas gerais, pretendo pensar experiências contemporâneas de mulheres indígenas e suas trajetórias no movimento indígena, mas não somente, vinculando essa estratégia com as potencialidades de grafia que emergem a partir das histórias de vida e dos desdobramentos discursivos das narrativas de "luta".

 

Palavras-chave: Subjetividades. Biografias ameríndias. Mulheres indígenas. Lutas.

 

 

7 Movimentos de volta para o futuro: memória, estética e luta entre os Xetá (Paraná, Brasil)

Rafael Pacheco (PPGAS/USP), raffespacheco@gmail.com


Esta comunicação explora as possibilidades de entendimento da categoria “luta” articulada por pessoas do povo indígena Xetá (tupi-guarani, Paraná, Brasil), para designar atividades ou ações encampadas em caráter coletivo e incidentes sobre algo que pretendem alterar em sua realidade de vida: revitalizar a cultura, reunir os parentes, retomar a terra, defender direitos. A luta acontece em toda parte - no campo dos direitos, na espiritualidade, no museu, na universidade, na Justiça. Acompanhando a luta xetá, pretende-se abordar alguns dos aspectos formais, dos objetivos, das figuras e das reflexões implicadas na experiência de lutar, a partir de um exercício de base etnográfica, compreendendo a luta como uma força e um movimento cosmopolítico caracterizado como uma função recondicionante.

 

Palavras-chave: Estudos Ameríndios, Xetá, Luta.

 

 

8 Regimes de criatividade e resistência na “luta” do povo Avá-Canoeiro (TO)
Ana Clara Ribeiro Prado (PPGAS/UFG), clara.prado@discente.ufg.br

 

Em nome do desenvolvimento do Brasil e da ocupação de terras “ociosas”, o Estado brasileiro tem um histórico repleto de violências contra os povos indígenas e, parte desse desejo de invadir e colonizar todo pedaço de chão desse país; se materializa na Marcha para o Oeste (1937) e a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). O projeto capitalista e colonial de Estado não mediu esforços na crueldade com que tratou dos povos indígenas e aqui faço um recorte político-afetivo – e não há outra justificativa para tal escolha de tal povo a não ser essa; para tecer algumas considerações sobre o modo como tais violências atingiram aos Avá-Canoeiro da Ilha do Bananal, no estado do Tocantins, mas principalmente, como a criatividade no uso da fuga como estratégia vital para a sobrevivência e existência, foi bem manejada por eles. Na “luta” contínua para que a Terra Indígena Taego Ãwa seja demarcada, o povo continua sendo atravessado por diversas violências, mas se sustentam a partir de uma criatividade ancestral ao desejo de finalmente viver na terra que lhes é de direito. Pela memória ancestral de Tutawã Ãwa, liderança Avá-Canoeiro que encantou em 2016, mas que antes disso enfrentou todo tipo de violência e perda para garantir a vida e a existência dos seus; que a vida, os sonhos e “luta” dos que ficaram, continua acontecendo cotidianamente, e é por uma aliança político-afetiva estabelecida com Tutawã que essa escrita acontece.

 

Palavras-chave: etnologia indígena, antropologia política, regimes de sobrevivência, alianças políticas.

 

Sessão 2

 

1 Território, Conservação e Relações Multiespécies entre os Paῖ/Kaiowa do Cerro Marangatu

Gustavo Costa do Carmo (PPGAnt/ UFGD), gustavoagroms@gmail.com

 

Cerro Marangatu é a forma como os Paĩ/ Kaiowá (tupi-guarani) se referem à porção sul da região da Serra de Maracaju, em uma área transfronteiriça entre o sudoeste de Mato Grosso do Sul, Brasil, e o Paraguai Oriental. A partir da descrição de uma experiência etnográfica entre os Paĩ/ Kaiowá do Cerro Marangatu, procuro dar enfoque a essa região e um pouco da sua biodiversidade, as relações ali vividas e os sentidos dados pelos Paĩ/ Kaiowá a ela. As relações multiespécies são tratadas aqui a partir das espécies em situação de quase ameaçados de extinção (NT), vulneráveis (VU) ou em perigo (EN), de acordo com o status de conservação da IUCN (International Union for Conservation of Nature’s). Atualmente, em termos de vida selvagem existem cerca de 57 espécies ameaçadas de extinção na região do Cerro Marangatu. Entretanto, muitos desses animais descritos com ocorrência natural no ecossistema, embora não avaliados com status CR (Criticamente em Perigo), EW (Extinta na Natureza) e EX (Extinto), não são avistados com frequência pelas pessoas há décadas. Os dados levam a uma análise da situação a partir da noção cosmológica paĩ/ kaiowá sobre o domínio e a maestria, os donos e os guardiões das coisas, bastante difundida nas terras baixas da América do Sul. Essa categoria dirige seu foco, sobretudo, para a socialidade, consultas prévias, para os diálogos e a diplomacia entre as intencionalidades, além de ser uma eficiente ferramenta de manejo da biodiversidade entre os Paĩ/ Kaiowá.

 

Palavras-chave: Biodiversidade; Cosmologia; Etnologia.

 

 

2 “O Jara só vai embora quando você morre”: Notas Sobre Alteridade e a Produção de uma Cosmopolítica Kaiowá e Guarani

Arthur Paiva Octaviano (PPGAnt/UFGD), arthuropaiva@hotmail.com

 

Refletir os modos de fazer política entre os povos Kaiowá e Guarani envolve algumas prerrogativas, entre elas as relações que estes estabelecem com outros mundos, em uma comunicação realizada pelos Ñanderu e Ñandesy, respectivamente o xamã homem e a xamã mulher, com os guardiões dos “modos de ser”, os Teko Jara”, os quais estão distribuídos pelos reinos animal, vegetal, mineral e fluvial. Desse modo, o que se convenciona por “natureza” não se trata como o espaço amorfo e inabitado, conforme preconizado pelo pensamento moderno e euro-americano, no caso dos povos falantes de língua guarani, este é o lugar habitado por uma série de seres intencionais, sejam estes humanos ou não humanos, onde a palavra - ñe’e, circula por entre estes lugares talvez seja o estatuto que mais toque estruturalmente a existência destes povos, assim, são as palavras que fazem as pessoas e as pessoas são feitas de palavras, a rigor a natureza é mais um espaço da multiplicidade de relações políticas dos Kaiowá e dos Guarani. Portanto, ao se tratar da noção de pessoa e a categoria de humano – ava, significa tomar as qualidades relacionais que o corpo desempenha nas cosmologias dos Kaiowá e Guarani. A inspiração deste trabalho surgiu durante uma conversa entre mim e três jovens Kaiowá na aldeia Tei’y Kue, no município de Caarapó, no estado de Mato Grosso do Sul, durante uma reunião do conselho de juventude Kaiowá e Guarani. Na ocasião conversávamos sobre os problemas que os Kaiowá e Guarani lidam rotineiramente em suas aldeias, como as violências, suicídio, arrendamento de suas terras e a mudança pela qual a paisagem passou após sucessivos processos de devastações, na ocasião perguntei a um dos três, que é professor na escola indígena Pa’i Chiquito, da Aldeia Panambizinho, em Dourados- MS, se os jara iam embora depois que a floresta estivesse totalmente devastada, ao que ele me respondeu que, depois que desmatada a floresta, os jara ficavam em um patamar celeste superior, esperando que a reza de um rezador os fizesse descer, e que eles estavam ao nosso redor sempre, e que só iriam embora com a morte do corpo do ava. Contudo, este trabalho visa refletir as categorias relacionais e políticas que envolvem a noção de pessoa e produção do corpo, bem como suas implicações nos contextos de luta e reivindicação dos povos Kaiowá e Guarani por seus direitos territoriais e modos de ocupação espacial.

 

Palavras-chave: Cosmopolítica; Noção de Pessoa; Corpo, Territorialidade; Regimes de Criação e Criatividade.

 

 

 

 

 

 

3 Os guardiões apinaje e a pandemia de COVID-19

Júlio Kamêr Ribeiro Apinaje (Secretaria de Educação e Cultura de Tocantins. Diretoria Regional de Educação de Tocantinópolis)

Odilon Rodrigues de Morais Neto (UFT), odilonrmorais@gmail.com

Amanda Horta (UFSCar), amandahorta@gmail.com

 

Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa conduzida, em grande parte, em terra Apinaje, por pesquisadoras e pesquisadores panhῖ que atuaram no enfrentamento à COVID-19, em regime de colaboração com pesquisadoras e pesquisadores não indígenas, no contexto do projeto Respostas Indígenas à COVID-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global. O fio condutor é o grupo “Guardiões Apinajé", principal protagonista no estabelecimento e manutenção das barreiras sanitárias autônomas na T.I. Apinaje durante a pandemia. O grupo remonta às iniciativas comunitárias em torno de questões emergenciais anteriores, quando jovens se reuniram para conter o avanço de bebidas alcoólicas em suas comunidades, protestar contra o desmatamento e reivindicar a melhoria das estradas vicinais que dão acesso ao território. Quem são os Guardiões Apinaje? Como sua atuação em situações de emergência se articula à produção contínua de corpos? Para responder essas perguntas, descrevemos como a pandemia ativou memórias de genocídio e guerra que se conectam com a experiência contemporânea de luta contra pressões externas ao seu território. Juntos, argumentamos que a sobreposição de emergências – territorial, ambiental e sanitária - é central para compreender que a resposta dos Panhĩ à crise sanitária global e ao stress por ela causado é uma forma de imunização por meio da feitura de corpos em permanente estado de luta.

Palavras-chave: Pandemia, Covid-19, Apinaje, Luta, Ritual.

 

 

4 Ocupando os dois primeiros ODS com os ensinamentos da Tabanka Blom na Atual Guiné-Bissau

Mario Alfredo Mendonça (Shelter For Life/Guiné-Bissau)

Lilian Aldina Pereira Mendonça e Mendonça (Lilian Mariacó Kumá Katchaki) (UFRGS)

lialdina276@gmail.com

 

Este artigo propõe ocupar os dois primeiros ODS com a voz da tabanka Blom, interpelando suas soluções e propostas a partir da sua realidade. As tabankas são formadas por conjunto de moransas (unidades habitacionais familiares) e também definem o lugar da construção cultural, concretização familiar, étnico, orientação espiritual, iniciação religiosa, centro de comércio e lugar de realização de conselhos e reuniões políticas das comunidades. A pergunta é: o que sobra dos ODS1e2 ao serem confrontados, deslocados, interpelados pelas vivências e estradas dessa tabanka? A etnografia e djumbai (convocação do coração para entrar na roda de conversa de forma aleatória à medida que se sente tocada) entram como ferramentas metodológicas. Ao abordar ODS1, a pobreza aparece como koitadesa, “para nós: saber fazer algo e não ter instrumento de uso, isso é koitadesa". Lembrando que djumbai com interlocutoras e interlocutores  foi na língua kriol e pepel, a pobreza não existe nessas línguas. Quanto a ODS2, a fome foi estranhada, "aqui dividimos tudo que tivermos com a vizinhança". Acrescentando ainda “aqui quando uma pessoa não tem o que comer, outra casa tira a comida ou arroz e manda para a casa que não tem, ninguém nunca fica sem ter o que comer, não partilhar alimento é visto com maus olhos aqui, se o meu filho mesmo come em todas as casas aqui por quê que eu não posso dar comida para o meu vizinho?” Sobre as frutas, "apenas comemos e o resto fica para os animais e a terra”.

 

Palavras-chave: Etnografia; ODS1; ODS2; Djumbai; Tabanka Blom.

 

 

5 “E hoje nós estamos numa luta ainda. Continua a luta pelo território. Porque nosso território já tá na fase final”: uma análise da mobilização da categoria luta pela comunidade quilombola Grotão

Bruno dos Santos Hammes (PPGAS/UFG), brunohammes@hotmail.com

 

A comunidade quilombo do Grotão ocupa, a oito gerações, território no município tocantinense de Filadélfia. Os quilombolas que atualmente vivem na parcela do território, infelizmente não fogem à narrativa das comunidades tradicionais brasileiras. Viver no território e tocar a vida é uma luta cotidiana. A insegurança, decorrente da cobiça dos posseiros que tentam tomar a terra assim como a falta de oportunidade de trabalho digno e de profissionalização tanto para produzir na própria que leva parte dos quilombolas a se submeterem as jornadas degradantes em fazendas vizinhas ou distantes representando formas de luta, são algumas destas lutas. Contudo, compreendemos que a população do Grotão se encontra em sua relação dinâmica com o tempo presente. A noção de pertencimento e a identidade se reformula e se constrói cotidianamente em um processo de mobilização de uma origem que remete aos idos de 1850 quanto de uma luta cotidiana no presente. A narrativa do grupo nunca está fechada ou concluída e sempre há espaço e justificativa para reelaborar noções de identidade, alteridade, memória e território. E há até mesmo espaço e condições para elaborar narrativas de retorno para os que precisaram sair, como as que a pandemia do covid-19 alimentou ou o fortalecimento que a ação do Ministério Público do Trabalho (MPT-TO), produziu. Dito isto, temos que é nesse contexto que este trabalho busca nuançar as múltiplas formas de mobilizar a categoria luta no discurso da comunidade.

 

Palavras-chave: Grotão-TO, quilombo, luta, território, cotidiano.

 

 

6 Repertórios de Lucha del Colectivo Agenda Ambiental en Colombia: una perspectiva emergente a su conformación

Diana Yizel Goyes Valencia (PPGAS/UnB), giseval123@gmail.com

 

Este estudio analiza los distintos repertorios de lucha del colectivo Agenda Ambiental en Movimiento, una plataforma nacional donde convergen distintas organizaciones ambientales en Colombia. En ese sentido este artículo describe las principales demandas y reclamos en torno a la defensa del territorio  en los acuerdos de paz en Colombia durante el año 2016, en este contexto, los ambientalistas sostienen que la naturaleza también fue víctima de este conflicto.. De este modo, el presente análisis se enfoca en la agencia que tiene las conexiones y redes de relación en los escenarios de movilización y repertorios que van configurando estas organizaciones ambientales y en cómo se conforman como colectivo a partir de la noción de ambiente.. En aspectos metodológicos, este es un estudio  cualitativo de tipo exploratorio-descriptivo. Las técnicas de recolección de la información se trataron de  observación participante, entrevistas en profundidad y la revisión documental. Este estudio plantea que los repertorios no solo responden a las condiciones de un contexto político favorable o desfavorable; su conformación y formatos también responden a las redes de relación que envuelven a los agentes que los crean y organizan, y que la acción de los colectivos responde a factores estructurales como relacionales y disruptivos.

 

Palabras clave— Repertorios de lucha. Agencias. Redes.Organizaciones ambientales.

 

 

7 A luta em Ilha de Maré tem cara de mulher

Patricia Rodin (Ibama), patriciarodin@gmail.com

 

A maré dita o ritmo e a organização da vida das mulheres marisqueiras e quilombolas de Ilha de Maré, localizada no fundo da Baia de Todos os Santos (BA). A relação mulher-maré é profunda. É em contato com as águas e coroas que emergem durante a maré vazante que essas mulheres das águas se sentem bem, livres e integradas ao seu ambiente natural, exercem sua atividade produtiva, fazem uso de seus saberes, conhecimentos tradicionais e criatividade, bem como vivenciam o sagrado e todo um universo cosmológico que permeia a forma como elas se relacionam com seu território, conformando, assim, sua experiência enquanto sujeito no mundo. Contudo, nas últimas décadas, essa relação mulher-maré tem sido perturbada pela ocupação e apropriação do território de vida dessas comunidades pela cadeia de petróleo e gás, seus efluentes e resíduos, seus corriqueiros vazamentos e graves desastres ambientais.Na perspectiva dessas mulheres, não só seu território quilombola pesqueiro, como seus próprios corpos têm sido transformados, em suas palavras, em uma “zona de sacrifício do capital” e suas vidas, em vidas descartáveis (MBEMBE, 2016). Com isso querem dizer que a elas são impostas as chamadas "externalidades" do modelo de acumulação capitalista, são em seus corpos e no de seus filhos e companheiros que recai o ônus desse modelo de desenvolvimento, que em sua forma mais brutal, tem levado crianças e jovens à óbito por câncer....

 

 

8 O turismo como instrumento de lutas de povos e comunidades tradicionais: um olhar sobre a Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária (Rio de Janeiro) e a Rede Cearense de Turismo Comunitário (Ceará)

Teresa Cristina de Miranda Mendonça (UFRRJ) – teresam@ufrrj.br

Edilaine Albertino de Moraes (UFJF) - edilaineturmoraes@hotmail.com

Renato de Oliveira dos Santos (Promuspp/USP)- renatosantos.adm@gmail.com

 

O turismo de base comunitária (TBC), enquanto prática social, tem sido construído, no Brasil, como estratégia de defesa da permanência e protagonismo dos povos e comunidade tradicionais em seus territórios, contrapondo-se aos processos de gentrificação, especulação imobiliária e mercantilização da natureza, bem como na conscientização sobre a importância da preservação do território e da valorização de suas práticas culturais. Nessa perspectiva, este estudo busca analisar como o TBC tem sido mobilizado como uma das bandeiras de “luta” de povos e comunidades tradicionais, por meio da leitura das iniciativas da Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária (Região da Costa Verde, Rio de Janeiro) e da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Rede TUCUM) (Zona Costeira Cearense). Baseada em uma perspectiva etnográfica, incluindo trabalho de campo, essa pesquisa foi desenvolvida em contextos onde modos de existência de povos e comunidades tradicionais estão em risco, diante da implementação e pressão de grandes projetos de desenvolvimento. Dentre os inúmeros resultados alcançados, destacamos que o TBC, em diferentes realidades, compõe processos marcados por dissensos, resistências e enfrentamentos, que estão intrinsecamente ligados à luta por direitos ao território, à educação popular, à cultura tradicional, à pesca artesanal, à agroecologia, entre outros.

 

Palavras-chave: Turismo de base comunitária; Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária; Rede Cearense de Turismo Comunitário; Conflitos; Resistência.

 

Sessão 3

1 O direito à educação como princípio de emancipação das populações quilombolas brasileiras: um estudo sobre a produção acadêmica em Educação Escolar Quilombola no Brasil, entre 2012 e 2019

Ricardo Tadeu Barbosa (IFNMG), ricardo.barbosa@ifnmg.edu.br

 

O presente trabalho possuiu como propósito central comunicar o atual estado do conhecimento relacionado às pesquisas de doutoramento em Educação Escolar Quilombola (EEQ), desenvolvidas em Programas de Pós-Graduação em Educação no país, no período compreendido entre 2012 e 2019, revelando e analisando os diversos contextos e processos inerentes às dinâmicas que envolvem a produção de teses em EEQ no período especificado. O corpus de análise deste estudo, que é fruto de uma tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é constituído pela perscrutação de vinte e cinco teses que tiveram como objeto de estudo a Educação Escolar Quilombola. O suporte teórico desse estudo está fundamentado pelas categorias analíticas ligadas à esfera do direito, dos movimentos sociais e da cultura, perpassadas através de diálogos com os campos da História Social, da Antropologia, das Ciências Sociais e da Educação. Os resultados revelam o caráter afirmativo da educação como mecanismo de resistência, situando a EEQ como um ator político em constante construção. Neste viés, a EEQ engendra premissas que se assentam nas pautas das lutas do povo negro no país, possibilitando a afirmação de identidades específicas e de sentidos de pertencimento étnico-racial, reforçando a organização social nos territórios aquilombados em ações emancipatórias, voltadas para o bem-estar coletivo das populações tradicionais quilombolas brasileiras.

 

Palavras-chave: Educação Escolar Quilombola. Escola Quilombola. Comunidades Tradicionais Quilombolas. Estado do Conhecimento.

 

 

2 Rodoanel ou Rodominério? Notas sobre a recente disputa em torno do projeto de produção-exploração do espaço metropolitano de Belo Horizonte

Luiz Henrique Campos (PPGS/IESP/UERJ), luizhenriquecampos@iesp.uerj.br

 

O papel do Estado tem sido questionado na produção e enfrentamento das crises socioecológicas, principalmente em sua operação de acordo com a racionalidade neoliberal (DARDOT E LAVAL, 2016). A ideologia do desenvolvimento enquanto pilar de atuação do Estado tem desenhado a relação entre neoliberalismo e o antropoceno na produção de injustiças socioambientais (SVAMPA, 2018). No final de 2022 o governo de Minas Gerais anunciou a homologação da licitação do projeto do Rodoanel, por meio de uma (PPP) com a empresa italiana INC S.P.A., sendo parte dos recursos oriundos do crime cometido pela mineradora Vale S.A em Brumadinho. Com a proposta de fornecer “segurança e fluidez ao tráfego comercial” (MINAS GERAIS, 2018), o projeto de estrada tem aliado o projeto neoliberal de Romeu Zema ao capital da mineração e processado disputas sobre a produção do espaço metropolitano e o combate às injustiças ambientais. Neste trabalho, tomando como lente analítica uma infraestrutura de mobilidade, o projeto do Rodoanel, discuto a centralidade das estradas para a circulação de pessoas, coisas, produtos, mercadorias, dinheiro, projetos, informações, etc., ao mesmo tempo em que produz imobilidades. Tomando como dados empíricos, entrevistas e fontes jornalísticas, apresento a partir do caso da comunidade quilombola de Pinhões, localizada em Santa Luzia – MG, como tem sido articuladas redes de resistência às obras do que tem sido chamado de “Rodominério”, cuja a centralidade da luta territorial tem evidenciado o protagonismo de comunidades tradicionais enquanto sujeitos políticos potentes na crítica de fundamentos da sociedade, como o racismo, o industrialismo e o extrativismo, sem a qual não se pode pensar transições socioecológicas.

 

Palavras-chave: Rodoanel; Estradas; Mobilidades; Antropoceno; Neoliberalismo; Território.

 

 

3 Retomada é irradiação: recomposição e decomposição de relações sociocosmológicas entre os Kaiowá e Guarani

Felipe Mattos Johnson (ICS/Universidade de Lisboa), felipemattjo@gmail.com

 

As retomadas dos Tekoha Kaiowá e Guarani consistem em recuperações de territórios ancestrais, ações orientadas e conduzidas pelos nhanderu (rezadores) e nhandesy (rezadoras) destes povos. Tais ações começam a ocorrer principalmente a partir do final da década de 1970 no sul do Mato Grosso do Sul, região centro-oeste do Brasil. Este período é caracterizado por intensa atividade extrativista e um novo dimensionamento dos monocultivos de grãos e da consolidação da propriedade privada da terra, escalonando bruscas transformações na paisagem, em especial, no macroterritório denominado pelos Kaiowá e Guarani de Ka’aguyrusu ( “mata grande/densa”), associada a remoções forçadas de suas terras. Contemporaneamente, a emergência de novas retomadas desafia a simbiose entre Estado e latifúndio. Este trabalho intentará discutir, precisamente, a recomposição de relações entre os patamares celestes, seres xamânicos e terrenos radicalizada pelas recentes recuperações dos Tekoha em distintas localidades correspondentes ao antigo Ka’aguyrusu. Para tanto, nos basearemos em experiências de uma etnografia em curso junto aos Kaiowá e Guarani, que afirmam a existência de uma força irradiadora dos Tekoha, impregnada nas terras originárias. Os olhos humanos não percebem seus vestígios - muitas vezes onde há soja e cana - senão através dos xamãs, que diferenciam a Yvy – terra – da Yvy Rendy – terra iluminada, dimensão que compõe a existência do cosmos e para onde são recolhidos os animais, rios, córregos, florestas e outros seres quando confrontados pela intrusão do Karai Kuera Reko, o modo de ser capitalista dos brancos. O recolhimento destes seres ocorre através da ação dos Jara, guardiões espirituais das forças vitais, que resguardam o ordenamento do Ava Reko Ymaguare, a multiplicidade dos modos de ser Kaiowá e Guarani. Como ressurgir as relações e redes de reciprocidade dos Tekoha, danificadas pelo neoextrativismo e pelas redes de violência estatal e privada? Esperamos responder a esta e outras questões conforme a orientação dos rezadores e rezadoras Kaiowá e Guarani frente a latência e iminência de novos cataclismas.

 

Palavras-chave: Guarani e Kaiowá; Retomadas; Jara; Relações; Ka’aguyrusu.

 

 

 

4 Retomadas Guarani e Kaiowa no Entorno da Reserva Indígena de Dourados

Aline Castilho Crespe (PPGAnt/UFGD), alinecrespe@ufgd.edu.br

 

O objetivo deste trabalho é apresentar resultados parciais do projeto de pesquisa em andamento no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados, intitulado “Retomadas Guarani e Kaiowa no entorno da Reserva Indígena de Dourados”. O objetivo do projeto é cartografar a presença das retomadas territoriais no entorno do município de Dourados/MS, principalmente aquelas que se encontram no entorno da Reserva Indígena de Dourados (RID). As retomadas Guarani e Kaiowa vêm, nos últimos vinte anos, se multiplicando entorno do período urbano de Dourados e apontam para o alto crescimento demográfico da RID, que não tem espaço para assentar novas famílias. A falta de espaço, a alta densidade demográfica e os problemas vividos em seu interior, tem motivado parentelas a se deslocarem para áreas que reconhecem como antigos territórios tradicionais. Por outro lado, vemos que o crescimento das retomadas estão cada vez mais próximas ao perímetro urbano. Deste modo, interessa conhecer os modos pelos quais os Guarani e Kaiowa que vivem em retomadas se relacionam com seu entorno, seja a RID, seja a cidade. A pesquisa se insere na discussão sobre transformações sociais e povos indígenas no MS, realizadas a partir do Grupo de Estudo do CNPQ “Etnologia e História Indígena”.

 

Palavras-chave: Retomadas; Guarani e Kaiowa; Dourados; território.

 

 

5 Uma etnografia da comunidade cigana calon de Sousa, Paraíba: os sentidos da terra e a regularização fundiária
Luan Gomes dos Santos de Oliveira (UFCG), luan.gomes@professor.ufcg.edu.br

 

O texto visa refletir sobre o processo de luta (desde 2010 com o apoio do Ministério Público Federal do município de Sousa/PB, Alto Sertão da Paraíba, que entrou com ação civil coletiva de Usucapião, tendo acesso ao direito de ocupação da terra em 2020) da Comunidade Cigana Calon pela regularização fundiária da terra em que ocupam há mais de trinta anos. Como base teórica para acompanhar na leitura dessa problemática, tomou-se como categoria analítica a ideia de “contradições do espaço” (LEFEVBRE, 2016). Tem-se um fio central no texto, porque Sousa/PB acolheu a comunidade Cigana há mais de 40 anos para se fixarem? O que levou a empresários depois de 40 anos observarem a terra ocupada pelos ciganos como capaz de gerar valor de troca? Do ponto de vista do espaço-tempo, a terra, enquanto socialidade e os modos de vida dos ciganos, além de constituir nos marcos do Estado brasileiro um direito na CF de 1988, além de ter sido elaborado o Decreto nº 6.040/2017, que instituiu a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, sendo emblemática a composição da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais: seringueiros, fundos de pasto, quilombolas, faxinais, pescadores, ciganos, quebradeiras de babaçu, índios, caiçaras, etc. Com orientação metodológica etnográfica, tendo por centralidade entender os sentidos atribuídos a terra, ou a produção de territorialidades pelos ciganos calon.

 

Palavras-chave: Ciganos Calon. Territorialidades. Regularização fundiária.

 

 

 

 

6 A realidade da população negra no Brasil como produto do sistema colonial
José Henrique Cavalcante Silva (PPCP/UFG), kvalcante10@gmail.com

 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pretos e pardos – 56,1% da população brasileira - continuam com menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento. E embora seja maioria no mercado de trabalho (53,8%), a população negra brasileira está longe da igualdade quando se fala em remuneração, postos de gerência e condições de vida. Também as comunidades quilombolas no Brasil, em sua grande parte majoritariamente negras, ainda vivem às margens do Estado brasileiro. E enfrentam uma situação de extrema violência no campo, devido a insegurança fundiária de seus territórios tradicionalmente ocupados. É muito importante situarmos a realidade da população negra no Brasil no transcurso da história do capitalismo mundial. Entendendo que o processo histórico de colonização das américas trouxe uma série de transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que influenciaram na forma como estas sociedades pós-coloniais se desenvolveram, e que ainda reverberam até os dias de hoje. E que, portanto, a promoção de direitos humanos para afrodescendentes no Brasil passa pela superação da ferida aberta da colonização. Fazendo-se ainda necessário um enfrentamento sistemático ao racismo que ainda persiste na sociedade brasileira, e limita o acesso dessa população a direitos e políticas públicas, e em especial uma política pública de regularização fundiária responsável.

 

Palavras-chave: População Negra, Quilombola, Territorialidade, Políticas Públicas, Governança Fundiária.

 

 

7 Dos rejeitos do Capitaloceno: cosmopolítica e ecologias contracoloniais dos povos tradicionais de matriz africana no Rio Paraopeba - MG

Laura Cristina Martins Araújo (UEMG) - laura.1396326@discente.uemg.br

Pedro Henrique de Jesus Assis (UEMG) - pedro.1397314@discente.uemg.br

Emmanuel Duarte Almada - emmanuel.almada@uemg.br

 

Frente às ruínas geradas pelo avanço do Capitaloceno, comunidades humanas e mais que humanas se mobilizam por justiça ambiental. No contexto brasileiro, os recentes episódios de rompimentos de barragens de mineração explicitam a multidão de seres que tecem ecologias contra-coloniais para regenerar a vida. O rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, da Vale S.A. em Brumadinho em 2019, cenário deste estudo, destruiu centenas de territórios de povos tradicionais de matriz africana. Diante desse desastre sociotécnico, buscamos compreender como santos e orixás participam da luta por reparação e justiça ambiental. Nossa pesquisa, de caráter etnográfico, tem sido conduzida junto ao PCTRAMA (Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz. Africana), organização que reúne 36 comunidades tradicionais dos municípios da Região 2 do Rio Paraopeba. Os dados de campo produzidos até o momento indicam o papel central destes outros seres mais que humanos nos processos judiciais e de negociação das comunidades junto ao Estado e a Vale. Santos e orixás são ao mesmo tempo atingidos como também sujeitos da luta, orientando as lideranças as comunidades e mobilizando sua organização. Esta cosmopolítica dos atingidos, gestadas nas ruínas de mineração, evidencia o caráter múltiplo e mais que humano destas outras ecologias que, entre audiências públicas, cantigas, folhas, rezas e xirês mobilizam e agenciam águas, terras, assentamentos e tambores. Afinal, santo também luta.

 

Palavras-chave: Brumadinho. Etnoecologia. Povos de Terreiro.

 

 

8 Rezando forte, louvando baixo - pentecostalismo, conflito e luta entre os Kaiowa e Guarani no Mato Grosso do Sul (Brasil)
Giovanna Coutinho Marra (École Pratique des Hautes Études) - giocoutinhomarra@gmail.com

 

Esta apresentação oral investiga sobre os dispositivos de enfrentamento e luta de alguns coletivos Kaiowá e Guarani face a um contexto de ampla conversão ao pentecostalismo e recrudescimento de conflitos, como a perseguição a moradores, acusações de feitiçaria e incêndios criminosos de casas de reza nos tekoha. O fortalecimento do nhande reko [nosso é entendido como uma das formas possíveis de luta e enfrentamento à conversão massiva, assim como ao fortalecimento espiritual. Pretendo explorar as relações que se dão entre distintas categorias, como cultura, política e espiritualidade, todas elas presentes em um contexto de fortes disputas territoriais e processos de retomadas.

 

Palavras-chave: Etnologia indigena; Kaiowá; Pentecostalismo.

 

 

 

ST 22 –  Práticas de conhecimento e processos de retomada Coordenação: Antônio Augusto Oliveira Gonçalves (UEMG) - antonioaogoncalves@gmail.com Camila Mainardi (UFG) - camilamainardi@ufg.br Talita Lazarin Dal Bo (USP) -  talita.lazarin@gmail.com

 

Nos últimos anos, pesquisadoras/es de diferentes áreas, tem-se dedicado aos processos de retomada, compreendidos aqui numa acepção ampla, envolvendo a luta pela terra (Tonico Benites, 2014; Luiz Henrique Eloy Amado, 2020), a retomada da língua (Anari Bomfim, 2012), o ativamento de memórias e práticas rituais (Célia Xakriabá, 2018), o retorno de parentes e encantados (Daniela Alarcon, 2020) e a capacidade de voltar a sonhar para concertar ações (Jurema Souza, 2019) frente à violência em áreas de reocupação territorial. Mas a retomada não se fecha nos limites do território, ela se desdobra nos trajetos, nos desafios que estudantes indígenas, quilombolas e negras/os enfrentam nas universidades, no tensionamento das relações de poder entre diferentes práticas de conhecimento que revelam o racismo e o epistemicídio presentes nos espaços acadêmicos, como denuncia Marta Quintiliano (2019). Tomando como ponto de partida que práticas de conhecimento estão em movimento, são experimentadas e transformadas o tempo todo e que os saberes de coletivos tradicionais não são conjuntos estáticos, mas sim formas particulares capazes de gerar novos conhecimentos, como destaca Manuela Carneiro da Cunha (2009), convidamos pesquisadoras/es a compartilhar reflexões e experiências sobre práticas de conhecimento e processos de retomada em seus múltiplos aspectos: territorial, linguístico, espiritual, político, epistemológico, dentre outros.

 

Palavras-chave: conhecimentos tradicionais, retomadas, pluriversidade.

 

 

 

Sessão 1 - Retomadas, práticas de conhecimento e resistências

 

1 Ãxyga maramamytopaãwa ou Xiwe/Cerimônia de Cura

Koria Valdvane Tapirapé (UFG) - koriamya@discente.ufg.br  

Neste trabalho tratarei de "Ãxyga maramamytopaãwa", termo utilizado no contexto do Povo Apyãwa, o qual pode ser aproximado como "cerimônia de cura" ou "ritual de cura". No contexto dos Apyãwa, o "ãxyga aparamamytoparama’e" (espírito) que cura o enfermo, livrando-o da sua doença. Já no contexto dos Inỹ, é o "Xiwe" que abrange um significado muito amplo, vinculado aos saberes sagrados, aos etyma (territórios) e aos "ãxyga" (espíritos) que equilibram a vida humana. Essa cerimônia, também conhecida como "ãxyga maramamytopaãwa" ou "Xiwe", é essencial para a saúde física, mental e espiritual dos membros da comunidade. É conduzida por um "paxẽ", que possui conhecimentos e práticas relacionados à (ãxyaxyga) espiritualidade. O povo Apyãwa possui duas áreas delimitadas, registradas e homologadas, reconhecidas: A Terra Indígena Urubu Branco, com a extensão de 167.533 hectares e Terra Indígena Tapirapé / Karajá, com a extensão de 66.000 hectares, ambas localizadas na região nordeste de Mato Grosso, que pertencem aos municípios de Confresa/Porto Alegre e Santa Terezinha. O objetivo principal dessa cerimônia é tratar doenças que são consideradas de origem espiritual, restabelecendo o equilíbrio entre o mundo material e o mundo espiritual, ou seja, aquilo que possui vínculo de saberes com "ywyxeowa/ma’exeowa" (natureza). Ela é especialmente destinada a tratar doenças espirituais, restabelecer o equilíbrio do corpo e fortalecer os laços com a natureza. Além disso, a cerimônia é vista como um momento de conexão com a ancestralidade, com as forças espirituais que regem o universo, promovendo, assim, a preservação da identidade cultural do Povo Inỹ.

Palavras-chave: Ãxyga maramamytopaãwa, saúde, paxẽ.

 

 

2 Guajajara mulheres em suas interfaces

Paula Guajajara (UFG) - paulaguajajara@discente.ufg.br

 

Azeru’u pe katu aipo é uma forma de cumprimento Guajajara. Sabemos que ao longo da história do Brasil os povos indígenas foram e ainda são um dos principais focos de violências institucionais, ao passo que a pluridiversidade ainda não tem seus devidos reconhecimentos. São também os primeiros corpos estuprados e mortos quando invasores entram em nossos territórios. Isso se deve principalmente ao fato de que os povos indígenas são guardiões da nossa mãe terra e estamos na linha de frente desses impactos. Os nossos conhecimentos precisam ser reconhecidos e respeitados uma vez que também somos os grandes responsáveis pela mitigação das mudanças climáticas e por transformações epistêmicas. O que nos torna alvo para aqueles que buscam violar nossos direitos coletivos. Por isso é urgente e imprescindível garantir a atuação dos povos indígenas nos espaços de tomada de decisão, precisamos garantir e retomar nossos direitos enquanto corpos-territórios, enquanto mulheres, enquanto universitárias, como uma alternativa para um mundo melhor para todos. Pretendo aqui apresentar e qualificar possíveis alternativas de implementação para trazer as vozes que emanam de nossas comunidades por meio de propostas e argumentos numa perspectiva enquanto Guajajara mulher pertencente a aldeia Ypaw Myz’ym, comunidade comandada pelo matriarcado de Kari’amora (anciã e fundadora da aldeia), a origem de onde aprendi e compreendi sobre a política Guajajara, a política das Guajajara mulheres.

Palavras-chave: Guajajara mulher, epistemologias, política Guajajara.

 

3 A construção do “Kuña Reko” e seus efeitos nos processos de retomadas entre os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul

Camila Rafaela Marques Moda (PPGAS/UFSCar) - camsrafaelagp@gmail.com

Clarice Cohn (PPGAS/UFSCar) - clacohn@ufscar.br

Amanda Cristina Danaga (PPGCS/UNESP) - amanda.danaga@uems.br  

Essa comunicação propõe debater algo que chama atenção entre os Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, de que os gêneros feminino e masculino, além de possuírem em conjunto seus modos de vida Guarani, detêm também o “modo de ser mulher” (Kuña’reko) e o “modo de ser homem” (Kuimbae’reko), constituindo uma singularidade entre o feminino e o masculino. O foco da pesquisa que embasa essa apresentação é a análise do modo como se deram esses processos, principalmente o kuña’reko, e com isso refletir acerca de um tema e de uma situação política fundamentais no que diz respeito a essa população que vive no estado de Mato Grosso do Sul, que são as lutas por suas terras. Juntos, homens e mulheres retomam suas terras, e o “modo de ser mulher” (kunã’reko) é fundamental para que essa sociabilidade retomada de terras entre eles aconteça de maneira significante. O escopo desse projeto faz parte da minha pesquisa de mestrado em andamento, onde procuro compreender com maior profundidade os elementos que compõem o kuña’reko e como ele aparece nos mitos e nas histórias contadas pelas Kaiowá e Guarani, até as experiências mais recentes, com ênfase nas retomadas.

Palavras-chaves: antropologia; mulheres; Guarani e Kaiowá; retomadas.

 

4 O método autoetnográfico é sobre si?

Marta Quintiliano (UFG) carpemubuntu@gmail.com  

Este artigo tem como objetivo refletir sobre o método autoetnográfico que vem sendo utilizado por discentes indígenas, negras/os, negras/os quilombolas e trans na pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás (UFG) em suas pesquisas. Nas discussões sobre o método em salas de aula, defesa e congressos locais é perceptível por parte de alguns pesquisadores da área um ranço pelo método, tornando-se comum ouvir comentários tais como: “virou modinha”, “como vão se distanciar do seu campo?” No entanto, como pesquisadora negra quilombola, compreendo que a metodologia autoetnográfica é mais apropriada para realização das nossas pesquisas, uma vez que NÓS no território acadêmico nos tornamos a OUTRA(O) sem autonomia, refém da escrita dos pesquisadores de FORA, e quando os de DENTRO produzem conhecimento a partir de um método que mais nos aproxima das nossas cosmologias há um incomodo. Torna-se necessário uma outra compreensão do que venha ser autoetnografia para esses sujeitos pesquisadores/as, para mim é a metodologia que me permite em primeiro lugar deixar a condição de “objeto etnográfico”. Ou seja, reafirmo meu lugar de sujeita. A autoetnografia proposta nesse texto parte do eu-coletivo consolidado na pesquisa que venho realizando desde a graduação e que se desenvolveu melhor no mestrado com as redes afro-indígenafetivas construídas dentro da UFG que ouso, em alguns momentos, chamar de quilombo universitário devido as características de enfrentamento para resistir no território acadêmico e pelas estratégias de paz quilombola como nos ensina Beatriz Nascimento. A potencialidade da escrita dos estudantes negros(as), negras(os) quilombola, indígenas e pessoas trans é um ato revolucionário dentro da antropologia do cerrado brasileiro. Portanto a autoetnografia deve ser entendida aqui como algo coletivo e não voltado para o " próprio umbigo” das vaidades acadêmicas.

Palavras Chave: Autoetnografia; Antropologia Social; UFG; Cotistas.

 

5 Dança da cutia: minha cultura, minha identidade na escola mura

Ana Mary Mello de Azevedo (UFAM) - culturasmura.autazes.am@gmail.com  

É importante salientar que este estudo coletivo, apresenta sugestão didática e pedagógica para o professor indígena Mura no processo ensino e aprendizagem diferenciada e significativa, contextualizando a cultura, a língua e a valorização da etnia na práxis docente específica da educação escolar indígena. A escola indígena visa planejar e construir a identidade própria da escola Mura, o Projeto Político Pedagógico, onde o planejamento, execução e avaliação de todas as ações da escola Mura estão inseridos, é um instrumento de luta e organização de uma instituição educacional. Objetiva valorizar os saberes indígenas na ação didática e pedagógica na escola Mura. E os objetivos específicos busca articular a educação escolar indígena e cultura numa perspectiva antropológica; identificar a educação escolar como palco de saberes indígenas na escola Mura; conhecer o processo de retomada linguística (Nheengatu) e fortalecimento cultural na escola Mura; reconhecer a Dança da cutia como saber cultural na escola Mura; produzir uma cartilha com as letras das músicas da Dança da cutia como recurso paradidático na escola Mura. Quanto a metodologia utilizei técnicas de pesquisas: observação participante, coleta de dados, como exemplos: filmagens, fotografias e os cadernos de campo e conversas informais. Na investigação documental: primários e secundários que contribuíram para este estudo. Sendo pesquisa de cunho qualitativo, pautou-se na subjetividade da interpretação dos dados, favorecendo a atribuição de significados à realidade social, com base na cultura alinhada a educação escolar indígena. Três fases: diagnóstico, encontro pedagógico e o projeto de intervenção: minha cultura, minha identidade, logo, olhar, ouvir e escrever. Quanto aos resultados, certificou-se que a Dança da cutia serve de instrumento nos movimentos sociais, nas manifestações culturais e bem como, dialoga com a escola Mura, a Dança da cutia para o nosso Povo tem significado símbolo de poder: cultural e político, em cada apresentação da Dança da cutia tem um significado simbólico, uma mensagem a ser transmitida, produção coletiva de uma cartilha com as letras das músicas da Dança da cutia em Língua Portuguesa e Nheengatu. Assim, este estudo demonstra que práticas de conhecimento estão em movimento, dialogando a cultura e a educação escolar indígena. A antropologia cultural e a antropologia da educação contribuem no processo de retomada linguística e fortalecimento cultural de nosso Povo, valorizando a Dança da cutia como saber cultural na escola Mura.

Palavras-chave: Cultura, Identidade, Mura, Dança da cutia, Murutinga.

 

6 Programa Encontro de Saberes no Centro-Oeste Mineiro: chá com as mestras e o conhecimento vivo

Agatha Nelise de Castro Jesus (UEMG) - agatha.1653824@discente.uemg.br

Antonio Augusto Oliveira Gonçalves (UFG / UEMG) - antonio.goncalves@uemg.br

Apresento um relato de experiência no Programa Encontro de Saberes, realizado na Universidade do Estado de Minas Gerais, em Divinópolis, região do Centro-Oeste Mineiro. Nessa comunicação, enfoco na vivência do corpo em contato com formas plurais de como sentir, estar e pensar o mundo que transcendem as formas canônicas do conhecimento eurocêntrico-colonial. Me voltei a um dos momentos vivenciados no programa que foi simbolicamente nomeado de “Chá com as Mestras”, cuja ideia é, com base na intenção da troca de saberes, reunirmo-nos de forma que fizesse sentido orgânico o conhecimento de cada Mestra: cada corpo presente poder ter não só uma recepção verbal destes, mas a experiência de viver de corpo inteiro aqueles saberes. Isso se dá na escolha do lugar; na maneira de acomodação no espaço; na presença de alimentos tradicionais; no sentar-se em roda; em não nos colocar como grupo seleto e separado. Saímos dos cômodos universitários naturalizados pela colonialidade e fomos para dentro da Comunidade Jardim Copacabana, em Divinópolis-MG. Sobre a sombra de uma aroeira e um pé de jenipapo, ocupamos a rua, espaço amplo de contato com o mundo onde o conhecimento se dá, onde todas as pessoas presentes e as disponíveis eram convidadas a se juntar conosco para ouvir, falar e se alimentar. Como dito por Werymehe Pataxoop, naquilo que "acham que não é nada, mas é um tudo" manifestam-se em detalhes os valores e saberes ancestrais, o conhecimento vivo e a sua extensão nas gerações presentes.

Palavras-chave: conhecimento vivo; saberes tradicionais; contra-colonial.

 

7 Epistemologia da retomada dos saberes dos coletivos e coletivas tradicionais/marandu jechukapy ypy mbykymi

Antonio Carlos Benites (UFG) - benites@discente.ufg.br  

A proposta da apresentação do trabalho é buscar algumas reflexões a partir do pensamento indígena kaiowá, a busca de refletir e desvendar a hipótese da ideia do poderia ser uma kaiowalógia a partir da retomada, já que não existe uma única kaiowalogia devido a complexidade de comunidade para comunidade. Assim, irei trazer algumas definições prévias de kaiowalogia, se seria um estudo sobre os kaiowá ou o pensamento de se organizar dentro de seus costumes no regimento dos saberes dos jaras. Descrever a partir da oralidade o conhecimentos dos jaras, a partir da formação e iniciação dos seres celestiais e seus iniciadores e iniciadoras de acordo com as sábias e sábio tradicionais que vivem e (re)existem nas retomadas. De como são pensadas as formações de aprendiz do canto, das rezas e da cura partindo da organização própria, de acordo com o pensamento indígena. O bem viver, que atualmente na retomada é muito difícil de produzir, esbarra na situação de precariedade de vida. Os ensinamentos tradicionais, ainda vigentes nas retomadas, dão-se pela resistência kaiowá e são fortalecidos pelos ensinamentos tradicionais, de acordo com cada condição familiar e a retomada.

Palavras-chave: epistemologia, pensamento, modo de (re)existir, kaiowá e guarani.

 

Sessão 2 - Retomadas, territórios e universidades

 

1 Conhecimentos Indígenas e tecnocientíficos: o caso do licenciamento da UHE Belo Monte e os Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá

Clarice Cohn (UFSCar) - clacohn@ufscar.br

 

Desde 2009, o povo Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá tem se visto com o processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica, atualmente em operação, em uma luta constante desde seu reconhecimento como povo diretamente impactado até o de seus saberes e conhecimentos para a avaliação, e consequentemente mitigação e compensação, destes impactos. Essa comunicação propõe debater, a partir de uma etnografia de longa duração e de atuações junto a esse povo como parceira em diversas instâncias, a assimetria que permanece entre os conhecimentos indígenas e os técnico-científicos nestes processos, assim como o modo como as e os Xikrin têm se confrontado a ela na busca de se fazer ouvir e em ter seus conhecimentos, que em grande parte não condizem com os científicos, em especial sobre o seu rio, reconhecidos neste processo.

Palavras-chave: Xikrin, Mebengokré, Estudos de Impacto Ambiental.

 

2 A mobilização do Mutirão e de outros saberes no serviço na comunidade remanescente de quilombo Grotão, Filadélfia-Tocantins: estratégias para resistência e retomada do território ancestral

Bruno dos Santos Hammes (PPGAS/UFG) - brunohammes@hotmail.com  

Esse texto é um olhar etnográfico para a observação e a interação do/no cotidiano da comunidade remanescente de quilombo Grotão, fixada na região da Barraria do município tocantinense de Filadélfia. Para tanto, tomo com especial enfoque o contexto de interação entre seus saberes de cultivo de gêneros alimentícios e criação de animais quando em contato com os saberes trazidos à comunidade pelos técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), no contexto de intervenção consentida de ação promocional de política pública do Ministério Público do Trabalho (MPT-TO), chamado “projeto ubuntu”. Busco então nuançar como a comunidade se apropria dos “saberes sintéticos”, os articula a seus saberes tradicionais/orgânicos e os mobiliza na luta pela recuperação da posse da área total do território ancestral que se encontra em fase de demarcação. Para tanto, buscamos lançar luz sobre um conjunto de aspectos entre eles o uso da metodologia do mutirão de pessoas nas etapas da produção de gêneros na comunidade com vistas a soberania alimentar. Na análise buscamos enfatizar a organização política da Comunidade Grotão que se manifesta no mutirão visto que ajudam a entender seu comportamento no diálogo com o saber técnico de mão-de-obra marcando assim sua forma de resistência que fortalece a luta pela retomada do território que vem sendo restringido a uma parcela sem com isso perder de horizonte o desejo da retomada da totalidade dele que ainda se encontrava (2022) sob judice.

Palavras-chave: Grotão-TO, quilombo, mutirão, retomada, mpt, saberes orgânicos.

 

3 A história do povo Apyãwa com sua origem e trajetória milenar

Samuel Oparaxowa Tapirapé (UFG) - oparaxowa@dicente.ufg.br  

 

O objetivo deste trabalho é apresentar as transformações que vêm ocorrendo no nosso território Apyãwa, com relação aos invasores que estão nos prejudicando diretamente em relação a nossa cultura. De acordo com os entrevistados as transformações não indígenas estão causando muito problemas nas nossas vidas como: em relação aos nossos territórios e a nossa cultura, invadidos pelos fazendeiros, pelos madeireiros e pescadores. Para alcançar os objetivos realizei diversas pesquisas, não só nos livros, mas principalmente nas comunidades Apyãwa, em diferentes momentos e espaços, como: na Takãra casa cerimonial, na casa, na escola, na roça, na pescaria e na caçada, onde as conversas são direcionadas entre os Apyãwa. Através de entrevista feitas em duas aldeias (Tapi’itãwa e Wiriaotãwa) já foi possível perceber os motivos das mudanças que vem acontecendo antes mesmo dos contatos com a sociedade não-indígena. E também foram registrados alguns territórios Apyãwa que não poderiam estar fora da nossa reserva por direito originário. Acredito que, a partir do meu trabalho de pesquisa e dos nossos debates, as pessoas, principalmente as crianças e os jovens do nosso povo, terão chance de ouvir as histórias reais da nossa terra e origem. Hoje as crianças não ouvem os mais velhos contarem nossas histórias à noite, elas só estão interessadas no mundo da tecnologia, por isso é muito importante resgatar as nossas histórias Apyãwa. Escolhi esse tema com muita preocupação porque estou vendo as nossas bibliotecas vivas aos poucos desaparecerem, como se fosse em câmera lenta, sem que ninguém esteja percebendo. Por isso, eu fiz o desafio para mim mesmo, registrar os saberes e conhecimentos dos nossos anciões(as). Esse projeto tem todo interesse para contribuir com o nosso povo Apyãwa, principalmente na formação dos professores atuantes em nossas comunidades, em diferentes disciplinas, facilitando e possibilitando a documentação dos nossos saberes tradicionais e socioculturais conforme as nossas necessidades. Essa foi a forma para realização de estudo sobre o passado e atualidade do meu povo.

Palavras-chave: Apyãwa, Trajetória, História, Conhecimento, invasores e território.

 

4 “Agora temos território para tecer o nosso bem viver”: o ritual Krenjê Maranhão

Rosimeire de Jesus Diniz Santos (UFMA / CIMI) - meiretirim@hotmail.com  

 

Este trabalho acompanha a ação insurgente da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão que envolve povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores, camponeses, grupos de estudos e pastorais sociais, como o CIMI, que ficou conhecida como “Ritual Krenjê”. Essa ação contribuiu para a chegada do povo Krenyê ao território, localizado no município de Tuntum/MA. O povo Krenyê foi considerado extinto pelo Estado, no final dos anos 50, quando perdeu seu território tradicional para o latifúndio. A política adotada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) foi a de transferir os Krenyê para territórios de outros povos, inclusive culturalmente diferente deles, onde permaneceram no “escondimento”. Em 2003, famílias que estavam dispersas se juntam na luta pelo reconhecimento étnico e territorial. Em 2011, o povo se encontrou com a Teia e a luta pela aquisição do território ganhou novos rumos, com a inserção em discussões acerca de processos de descolonização e da busca do bem viver. Em 2018, o povo junto com Teia ocupou uma fazenda vistoriada pela União para a compra. Nessa ocupação, rituais ancestrais refundaram a existência povo, a partir da força dos “companheiros” (encantados), num processo de chegada a um lugar, de territorialização e retomada. Depois de um ano do povo no território, a União efetivou a compra e entregou o documento de registro da terra, num dia em que os encantados conduziram a cerimônia.

 

Palavras-chave: povo indígena, articulação, território, retomada, bem viver.

 

 

5 (Re)traçar caminhos e (re)tomar a universidade: experiências e desafios na implementação de ações afirmativas para quilombolas na Unilab

Antonio Jeovane da Silva Ferreira (UFG) - jeovane@discente.ufg.br  

 

No decurso dos últimos anos, o ensino superior brasileiro tem vivenciado transformações significativas, especialmente quanto à renovação do perfil universitário. Isso pode ser atribuído, dentre outras razões, as políticas de expansão universitária, investimentos governamentais e a pressão exercida pelos movimentos sociais quanto à implementação de políticas afirmativas. Neste sentido, este estudo analisa as experiências e os desafios relacionados à implementação do Programa de Ações Afirmativas voltados aos estudantes quilombolas no âmbito da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Instituído por meio da Resolução nº 40, de 20 de agosto de 2021, esse programa visa à promoção do ingresso e permanência de distintos grupos étnico-raciais e sociais, tais como indígenas, quilombolas, ciganos, entre outros, na instituição. Por meio de um trabalho de campo etnográfico realizado entre os anos de 2020-2022, e de análises documentais, foi possível inferir que a criação desse programa representa uma conquista sem precedentes para a concretude do projeto institucional da Unilab. Contudo, como ocorrido em outras IES, há inúmeros desafios na implementação desse programa. Logo, interessa-nos discutir a ação política, conquistas e as reivindicações do coletivo de universitários quilombolas. Conclui-se que as ações afirmativas desempenham um papel essencial no que diz respeito a (re)tomada da Universidade, possibilitando a construção de novas rotas e projetos de vida para os estudantes quilombolas. Ao mesmo tempo, tem apresentado a necessidade de aprimoramento e efetivação, o que vem sendo sinalizado intensamente pelos movimentos sociais.

 

Palavras-chave: Universidade; Política Afirmativa; Quilombolas; Unilab.

 

 

6 Monografias de autoria indígena na área de antropologia: modos de divulgação científica e apontamentos iniciais

Camila Mainardi (UFG) – camilamainardi@ufg.br  

Marina Barbosa e Silva (Unicamp) - mariquinha_cs@yahoo.com.br  

 

A crescente presença indígena em programas de pós-graduação na área de Antropologia tem sido abordada em uma significativa quantidade de trabalhos, que em geral, tratam de experiências particulares. Se por um lado a presença indígena na antropologia tem sido valorizada, por outro percebemos a ausência de informações sobre esta e a dificuldade em acessar a produção de pesquisadoras/es indígenas. Ademais, práticas racistas e epistemicidas são reproduzidas e atualizadas nas instituições de produção de conhecimento e, inclusive, nos modos de divulgação científica. Com vistas a contribuir com as reflexões sobre os ‘caminhos’ da antropologia, com as políticas de ação afirmativa e colaborar com pesquisadoras/es indígenas e não indígenas, este ensaio tem como objetivo apresentar um mapeamento das dissertações e teses de autoria indígena defendidas em programas de pós-graduação na área de Antropologia. Como se verá, tal produção é crescente ainda que desigualmente distribuída. Em um primeiro momento, discorremos sobre o processo de pesquisa e as escolhas que nortearam o levantamento. Em seguida, tratamos dos dados a partir de um recorte temporal (2010 a 2022) e apresentamos um ‘retrato’ da produção indígena caracterizando-a a partir de informações sobre os povos, identificação de gênero/sexo e formação inicial das/os autoras/es.

 

Palavras-chave: programas de pós-graduação, divulgação científica.

 

 

Sessão 3 - Retomadas, trocas e criações

1 Xiapa Museu xerexewe: construindo um museu, trocando saberes e protegendo o território do Povo Apyãwa

Elizabeth Pissolato (UFJF) - elizabeth.pissolato@gmail.com  

Koria Valdvane Tapirapé (Escola Tapirapé/UFG) - koriamya@discente.ufg.br

Ana Coutinho (UFRJ)

Pedro Oliveira (UFJF)

 

O Povo Apyãwa, que vive na Terra Indígena Urubu Branco, MT, orgulha-se de sua história, nas últimas cinco décadas, de múltiplas retomadas. Da recuperação demográfica à reativação do ciclo anual de festas, passando pelo fortalecimento da língua e a elaboração de um projeto próprio e potente de Educação Escolar, muitas têm sido suas conquistas após o retorno à região de habitação dos antepassados e refundação da aldeia de Tapi’itawa. Animado pela presença das famílias apyãwa, ativado por meio dos cantos e da visitação durante as festas, portando materiais e objetos dos ancestrais que ali viveram, o território, contudo, não se vê livre de intrusões por grupos maira (não indígenas) de madeireiros ou do agronegócio, nem da ameaça constante de queimadas que não só atingem as florestas, mas atacam a saúde das pessoas nas aldeias. Se o território compreende uma “conexão de saberes”, como tais saberes podem ser ativados para se contrapor ao perigo iminente da destruição? Neste trabalho, focalizamos a elaboração em curso do Museu Apyãwa, um novo sujeito na composição do território, que vem sendo gestado a partir de práticas colaborativas de conhecimento. Interessa-nos refletir sobre essas práticas no âmbito da colaboração em antropologia, sobre as potencialidades do conhecimento que o próprio museu instrumentaliza/instrumentalizará em conexão com a proteção do território e da vida do Povo Apyãwa.

 

 

2 Transbordando conexões: reativamento de memórias e relações nos mebêngôkres a partir de sua produção audiovisual

Amilton Rosa de Lima (PPGAS/UFSCar) - amiltonr.lima@gmail.com  

Desde os primeiros contatos dos mebêngôkre com os equipamentos audiovisuais, eles têm sido utilizados como artefatos de luta. Evidentemente, enquanto documento político, quando registram reuniões com autoridades, funcionando como prova sobre promessas feitas para pressionar autoridades, ou quando denunciam os conflitos enfrentados pelo grupo, ou ataques a seus direitos originários, mas também quando produzem filmes sobre suas festas, seu cotidiano, as histórias de seus “personagens”, numa luta contra o etnocídio promovido de forma permanente pelo Estado: o apagamento de suas memórias, de seus saberes. A partir de experiências fílmicas realizadas por membros da aldeia A’Ukre, no Território Indígena Kayapó, este trabalho visa entender como essa produção audiovisual vem sendo utilizada como arma na defesa de sua cultura. Atentando para a própria experiência do audiovisual, durante a produção de um filme durante uma oficina, de como são mobilizados os mais diversos elementos, reforçando ou retomando as diversas relações existentes na aldeia e outras que estavam em via de desaparecer.

Palavras-chave: Etnologia, Mebêngôkre-Kayapó, Cinema.

 

3 Mulheres negras em seus novos zungus: cozinha e poder no Rio de Janeiro

Debora Rios de Souza (Museu Nacional/UFRJ) - professora.debora.rios@gmail.com

No Rio de Janeiro novos espaços foram inaugurados durante a pandemia, muitos geridos por empreendedoras(es) negras(os). Cozinheiras(os) que apostaram durante um período em que estabelecimentos passavam por dificuldades ou eram fechados. A maioria desses lugares, segundo suas administradoras, são Novos Zungus. Oportunamente, a prefeitura da cidade lançou o Zungu: Guia de Gastronomia Preta, com 21 restaurantes com sócios e/ou cozinheiras(os) negras(os), dos quais, treze possuem suas cozinhas comandadas por mulheres negras. A resistência, a determinação e a união sendo resgatadas dos modelos ancestrais do Século XIX. A reconfiguração mantendo a persistência em existir, a resistência em sobreviver e a força por lutar tipicamente oriundas da ancestralidade quilombola perpetuada nos Zungus e renascidas nestes novos espaços. Os Zungus ou Casas de Angu de outrora também eram comandados por mulheres, por isso proponho analisar de que modo, as cozinheiras negras atuais driblam e enfrentam as violências e amarras do trabalho gastronômico que, impulsionado pelo racismo, sexismo e pela estratificação social tentam imobilizá-las. Outra forte marca presente nos Novos Zungus é a noção de solidariedade, o sentido de comunidade. Muitos trazem a pluralidade presente pois são floricultura, livraria, loja de roupas e acessórios; onde cada um tem um/uma gestor(a) próprio(a), mas todos sob a égide do restaurante, ou seja, a cozinha como o centro agregador para o funcionamento de outros espaços.

Palavras-chave: Zungus, Mulheres negras, Gastronomia, Cozinha, Poder.

 

4 O ecoar das vozes Guarani Kaiowá do conjunto rapper Brô Mc's: conjugando práticas e saberes José Cleomar Francinette Gonzaga (UFG) - josefrancinette@gmail.com

O presente resumo discorre sobre a pesquisa em andamento que trata, dentre aos povos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, especificamente na Reserva Indígena de Dourados, de um grupo de jovens integrantes de um conjunto rapper ameríndio intitulado Brô Mc's. A partir de suas composições musicais denunciam as tensões territoriais, o descaso público e os preconceitos vivenciados pelo seu povo, além de articularem no seu processo criativo musical conceitos fundamentais como a constituição de corpo/pessoa, bem como aos conceitos que a ela são indissociáveis, como a "palavra" e o "Nhandereko" que, por sua vez, utilizando da poética Guarani Kaiowá, se combinam a aspectos estruturais do gênero rap. A pesquisa, que será realizada a partir de levantamento e revisão bibliográfica, de videoclipes e entrevistas acerca do Brô Mc's, procura responder a seguinte pergunta: Como o conjunto rapper Bro Mc's ao comporem com recursos musicais da cultura hip hop e da poética Kaiowá e Guarani são agentes de novas formas de produção de saberes e práticas?

Palavras-chave: Guarani; Kaiowá; Brô Mc's; Saberes; Práticas.

 

5 Retomada na Encruzilhada: Polêmicas na Experiência Indígena Recente nas Artes Visuais Brasileiras

Leonardo Bertolossi (EBA/UFRJ e IART/UERJ) - leobertolossi@gmail.com  

Em 2010 o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro foi envolvido numa querela envolvendo a revista Veja. Sua frase "No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é", usada para se referir à condição subalterna e periférica dos indígenas em comum com a maioria dos brasileiros, foi usada para endossar a sugestão de que antropólogos estariam apoiando falsos índios com laudos duvidosos. A matéria intitulada "A farra da antropologia oportunista" deflagrou o racismo estrutural para com as populações indígenas, sobretudo aquelas em processos de retomada e etnogênese no Nordeste brasileiro, negligenciadas por parte da tradição antropológica. Tomando como ponto de partida essa polêmica, o objetivo dessa comunicação é refletir sobre a polêmica da demarcação das fronteiras étnicas no interior das próprias populações ameríndias a partir do campo das artes visuais, em especial dos trabalhos dos artistas Gustavo Caboco Wapichana e Xadalu Tupã Jekupé. Pergunta-se: como reconhecer e traduzir as categorias conceituais êmicas e as redes de saberes ameríndias sem incorrer em teorias da transformação cultural ocidentais? Pretende-se ainda tencionar o problema da "autenticidade" e da suposta "pureza ontológica" da indianidade de determinados grupos privilegiados no campo das artes no país como os Yanomami, categorias essas ocidentais, em diálogo com teorias estéticas e antropológicas diversas, dentre elas o primitivismo artístico, o perspectivismo versus o contatualismo, cultura com aspas e contramestiçagem.

Palavras-chave: Indianidade, retomada, artes visuais.

 

6 Retomada da imagem: poéticas e políticas de uma arqueologia visual indígena

Leonardo Nascimento da Silva (Museu Nacional/UFRJ) - leonascimento7@yahoo.com.br  

 

“O que falaram de nós? O que falamos por nós? Que imagens de nós?” Essas são questões presentes numa das telas expostas em Retomada da imagem – Investigações indígenas no acervo fotográfico do MUPA, projeto de pesquisa, documentação e criação realizado pelo Museu Paranaense entre junho de 2021 e janeiro de 2022, com coordenação dos artistas Denilson Baniwa e Gustavo Caboco. Nos últimos anos, a ideia de retomada tem-me inspirado como uma importante metodologia de trabalho para refletir sobre a produção de artistas e coletivos indígenas. Penso, por exemplo, na retomada da antropofagia por Denilson Baniwa; na volta do manto tupinambá, peça sagrada cuja produção foi retomada por Glicéria Tupinambá após um sonho; em Uýra — A retomada da floresta (2022), documentário que retrata a história da artista que viaja pela Amazônia para ensinar aos jovens indígenas que eles são os guardiões das mensagens ancestrais; no chamado de “retorno à terra” de Gustavo Caboco, que alia sua produção estética ao processo de retomada de suas raízes indígenas; ou ainda à retomada do espaço público por Xadalu Tupã Jekupé, que por meio da arte urbana atua contra o apagamento das culturas indígenas nas cidades. Dessa forma, pretendo demonstrar que as artes visuais são, atualmente, ferramentas fundamentais para os povos indígenas expressarem suas demandas por terra, território e bem viver; e, sobretudo, para demarcarem subjetividades e imaginações políticas contra o Estado e contra toda forma de monocultura.

 

Palavras-chave: retomada; imagens; arte indígena; território; bem viver.

 

 

 

 

 

7 Acervo Karuxo Dendê Pataxó: retomadas de saberes e produções de autoria pataxó

Mariana Freitas da Silva (UEMG) - mariana.1697134@discente.uemg.br  

Antônio Augusto Oliveira Gonçalves (UFG/UEMG) - antonio.goncalves@uemg.br  

 

A dispersão de produções textuais de autoria pataxó se faz presente no meio digital e, dessa forma, contribui para a dificuldade na pesquisa desses textos. Os escritos txihi (autodenominação dos Pataxó), em geral, estão disponibilizados em sites diversos, impossibilitando a fluidez que corrobora para que a busca dos trabalhos seja efetiva. Nesse sentido, com o objetivo de fortalecer a retomada de saberes nos textos txihi e facilitar o acesso aos mesmos, foi criado o Acervo Karūxo Dendê Pataxó. Karūxo Dendê é rezador e vive na aldeia mãe Barra Velha (Porto Seguro - BA), principal território do povo pataxó. Ele esteve presente e fortaleceu alguns movimentos de retomada em Minas Gerais. Como um makiami (anciã, ancião), é um guardião dos saberes dos antepassados, os guerreiros que morreram lutando pelo povo. Quando um ancião falece, os Pataxó enunciam tristemente “lá se vai uma biblioteca do nosso povo”. Nessa perspectiva, o nome do acervo traz a necessidade da retomada e valorização desses saberes, visando facilitar o encontro de produções como: TCC’s, dissertações, livros de histórias e materiais didáticos de autoria pataxó.

Palavras-chave: retomada; escritos indígenas; formação de acervos.

 

ST 23  - Etnografias do agronegócio e da plantation: políticas, tecnologias e conflitos nas caatingas e cerrados brasileiros Coordenação: Jorge Luan Teixeira (PPGAS/MN/UFRJ) - jorge.luant@gmail.com Natacha Simei Leal (UNIVASF) Cristiano Desconsi (UFSC) Debatedores: John Cunha Comerford (PPGAS/MN/UFRJ) e Luciana Schleder Almeida (UNILAB)

 

Caatinga e Cerrado estão entre os três maiores biomas nacionais. Abrigando expressiva bio e sociodiversidade, essa porção do país vem sendo historicamente explorada e degradada por empreendimentos públicos e privados como a mineração, a “plantation”, a pecuária extensiva e, mais recentemente, o chamado “agronegócio”. Neste seminário, reuniremos pesquisas que etnografem a dinâmica da plantation e do agronegócio e os conflitos e tensões com comunidades camponesas, quilombolas e tradicionais, bem como a complexidade das relações desses empreendimentos com a ecologia local. As formas de acesso às e apropriação das terras e águas, a relação com tecnologias digitais e financeiras, máquinas agrícolas, agrotóxicos, irrigação, sementes e rebanhos geneticamente “melhorados” etc; as composições de parentesco envolvidas, os cortes étnico-raciais das configurações emergentes, os pressupostos políticos da expansão (ou limitação) dos grandes empreendimentos, os arruinamentos ecológicos, as novas composições entre humanos e não humanos, e as formas de resistência, recomposição ou destruição de comunidades/ecologias locais são temas de interesse. Igualmente, consideraremos em que medida a noção de plantationoceno, criticamente construída nos debates contemporâneos sobre o antropoceno, potencializa (ou não) a abordagem etnográfica sobre embates e dilemas éticos, políticos e cosmológicos em torno da construção dos mundos do agronegócio, da plantation, e da destruição de mundos camponeses.

 

Palavras-chave: Agronegócio; Política; Conflito; Caatinga; Cerrado.

 

 

Sessão 1 - 22/11/2023

 

1 É Preciso Cultivar Dados? Precisão e Escalabilidade na Agricultura do Distrito Federal e Entorno

Evandro Smarieri (UNICAMP) - esmasoares@gmail.com

 

As “transformações digitais” do agronegócio incorporaram os dados eletrônicos como insumo e produto de suas atividades. Os sistemas de posicionamento global e de sensoriamento remoto convergiram com técnicas de mensuração agronômica no que é chamado “agricultura de precisão”, um modelo de gestão das lavouras que busca descrever numericamente e georreferenciar a heterogeneidade das áreas de cultivo para, com uma ação diferenciada de acordo com estas características, homogeneizar a produção e aumentar a produtividade. Em um processo de dataficação que se informa recursivamente por dados descritivos e preditivos do solo e das plantas, as operações com o maquinário nas lavouras são orientadas por “dados de localização”, elas estão prescritas por “dados de aplicação a taxas variáveis” e são descritas por “dados de telemetria”, ao final, os resultados são avaliados a partir dos “dados de produtividade”. O presente trabalho propõe investigar esta redução a “quantificações” a qual são submetidos os solos, as plantas e o trabalho, entendendo-a como um processo de incorporação destas redes de relações a um projeto “escalável” de expansão pretensamente ilimitada. Esta reflexão é informada por uma etnografia da agricultura de precisão em quatro cenários: uma feira de tecnologia agropecuária sediada em Brasília-DF; a Central de Inteligência de uma revendedora de máquinas agrícolas em Cristalina-GO; uma plataforma digital de gestão de fertilidade de solo; e uma fazenda do Distrito Federal.

 

Palavras-chave: Agricultura de Precisão; Agronegócio; Dados.

 

 

2 Mulheres do Agro e a Produção de Engajamentos na Agrossociedade

Cleyton Henrique Gerhardt (UFRJ) - cleytonge@gmail.com

 

No final dos anos 2000, a confluência de interesses de grande parte da elite da chamada "sociedade do agronegócio" resultou no investimento em campanhas midiáticas de valorização do signo agro como símbolo de brasilidade. Esforço que levou à estruturação de uma potente engrenagem produtora de sentidos, significações e significantes que, embora conserve o sentido positivo do referido termo, com o tempo se autonomizou do controle de seus proponentes. Emblema inclusivo, totalizante e purificado de estigmas negativos anteriores (caso do termo "agronegócio"), a categoria agro representa uma síntese totêmica para quem habita o mundo agro, a ele se acha referido ou nele se vê incluído compulsoriamente. Por trás deste movimento de captura - ideológica, mas também simbólica e psíquica - está em curso a fabricação de uma cosmologia agro cujos participantes desenvolvem formas próprias de agir, expressar e sentir. Ocorre que, ao se produzirem espaços de socialização comuns, estes se estendem àqueles que ocupam posição subordinada no que tem sido chamado de agrossociedade. Embora hierarquizado, nesta última parece haver lugar para todos se inserirem, ou melhor, para todes. Digo isso pensando na distinção de gênero que envolve o processo de segmentação e engajamento social citado acima. Com base em tal constatação e através da imersão no principal meio por onde circula o emblema agro (internet), descrevo como se dá a estruturação de ambientes compartilhados pelas mulheres do agro. Mas a opção pelo meio digital não é fortuita, visto estar atuando como um poderoso mediador de encontros atravessados por agrosociabilidades. Mapear, portanto, a criação de situações sociais deste tipo faz parte das pretensões do presente trabalho.

 

Palavras-Chave: Agronegócio, Agro, Mulheres do Agro, Agromulheres, Sociedade do Agronegócio

 

 

3 Cerrado e a Agroindústria no Município de Santa Filomena, Piauí

Cristhyan Kaline Soares da Silva (UFRN) - cristhyankaline2017@gmail.com   

 

A partir do final do século XX, na década de 70, a região sudoeste do estado testemunha o avanço da fronteira agrícola sobre o cerrado piauiense. Grandes áreas dos planaltos foram desmatadas para dar lugar a grandes fazendas de monocultura. Anna Tsing (2019), ao cunhar o conceito de escalabilidade, chama a atenção para a capacidade que grandes projetos têm de se instalar e se espalhar pelo globo, dizimando diversidades culturais e biológicas. Um dos primeiros exemplos dessa produção em grande escala no Brasil, foi a produção açucareira no nordeste brasileiro. Em tempos mais recentes, a agroindústria vem ganhando espaço no Piauí. De acordo com Tsing (2005), a proliferação é um princípio chave da expansão capitalista, que se ancora em uma economia extravagante de lucro assim como de perdas. A região passa a possuir um alto valor especulativo sobre suas terras, e atrai grandes investidores na área de agroindústria. De todo modo, as mudanças e efeitos na paisagem estão presentes nas narrativas dos moradores da comunidade indígena Gamela do Vão do Vico e do povoado Matas, dentre elas podemos sublinhar o desmatamento, extinção de espécies, a diminuição e contaminação dos cursos d`água, aparecimento de pragas e conflitos pela terra. A nova fronteira agrícola do país, o MATOPIBA, e consequentemente a região sudoeste do estado do Piauí, passa por inúmeros processos em escala regional em conexão global. Segundo Anna Tsing (2005), a categoria “fronteira” não tem relação apenas com o espeço geográfico em si, para a autora, a categoria de “fronteira” é, pois, um projeto imaginário capaz de moldar tanto os lugares, como os processos de vidas e conexões. A parti de reflexão de pesquisa de mestrado em antropologia na região supracitada, a intenção é falar acerca das convivências das comunidades com a expansão do agronegócio.

 

Palavras-chave: agroindústria, cerrado piauiense, mudanças na paisagem.

 

 

4 Dominação e Controle: um Olhar sobre as Práticas Ambientais em Jovens Trabalhadores do Agronegócio da Região Sudoeste de Goiás

Laís Lobo Noleto Lima (UFG) - lais.noleto@discente.ufg.br

Para entender de que maneiras o agronegócio afeta no enfrentamento das mudanças climáticas e em possíveis questões eco políticas é preciso conhecer a visão de pessoas que estão inseridas dentro dessa comunidade e que tem seu estilo de vida moldado por essa forte economia nacional. Através da análise etnográfica em fazendas de criação de gado do Município de Aparecida do Rio Doce na região Sudoeste de Goiás, busco entender como jovens trabalhadores do agronegócio vivenciam o meio ambiente, e as trocas de conhecimento e valores que são estabelecidas entre eles, além das possíveis maneiras que isso afetaria nas mudanças climáticas. São interlocutores da pesquisa jovens que cresceram dentro de fazendas, que fizeram do trabalho o seu modo de vida, transformando em suas paixões. O estado de Goiás é um dos principais produtores do agronegócio do país, com suas ideologias bem enraizadas na população, apresentando apenas o que seria o lado positivo desse mercado e encobrindo todas as consequências negativas, negligenciando os impactos disso no nosso ecossistema. A partir dos dados coletados se espera conhecer a visão de mundo desses jovens que trabalham na área, suas práticas ecológicas e suas relações de domínio e cuidado com os animais e o meio ambiente, observando possíveis eventuais rupturas dentro da comunidade do agronegócio para traçar novos caminhos de análises mais complexas que busquem novas narrativas para as mudanças climáticas a partir de uma perspectiva antropológica.

 

Palavras-chave: Agropecuária, Mudanças Climáticas, Dominação, Sujeição, Etnografia.

 

Sessão 2 - 23/11/2023

1 Um Mundo Desmantelado: Notas sobre a Plantation de Ouro-Branco no Semiárido Paraibano

Gabriel Holliver (PPGAS/MN – UFRJ / DAC – UFRJ) - g.holliver@hotmail.com

 

Neste ensaio, com base na experiência de antigos trabalhadores da plantation de algodão (Gossypium hirsutum L. Marie galante.) no semiárido paraibano, pretendo descrever como operava o referido sistema agrícola que vigorou nesta região até o início da década de 1980, quando a aparição de um inseto conhecido como bicudo (Anthonomus grandis)  terminou por impossibilitar a continuidade do cultivo do chamado ‘ouro-branco’ em regime de larga escala. A partir do sistema de ‘meia’, coadunando algodão e gado com plantios de subsistência de milho e feijão, a monocultura articulava paralelamente a dominação humana – por meio de diversos modos de violência difusa que terminava por imobilizar a mão de obra – e exploração da natureza – com a devastação da vida social mais que humana do bioma –, o que culminou no que hoje se reconhece como zonas em avançado estado de desertificação. Em minha reflexão, considerando o atual estado ‘desmantelado’ do tempo e do mundo neste território, mobilizo a escatologia nativa cuja tônica afirma que “Deus disse que quando o homem quiser saber mais que ele, ele vai mudar os tempos” afim de explorar a potência destrutiva do Homem (Tsing 2016; Rose 2017) em seus projetos que objetivam exercer o controle e dominação da paisagem.

 

Palavras-chave: algodão, plantation, semiárido, desmantelo.

 

 

2 Diálogos com a Terra: um Estudo de Caso no Sertão de Pernambuco

Janice Alves Trajano (UFPel) - janicetrajano@live.com

Renata Menasche (UFPel) - renata.menasche@gmail.com

 

Este texto é baseado em um estudo de caso realizado com uma família que vive em um sítio no sertão de Pernambuco e tem implementado práticas agroecológicas no local há uma década. A pesquisa de campo foi conduzida entre 2019 e 2021, utilizando observação participante e entrevistas não estruturadas com os membros da família: Vicente, Cícera e seus quatro filhos. O casal relata que, durante a aquisição da propriedade, vizinhos e familiares se opunham, argumentando que aquela terra seria improdutiva por ser excessivamente seca. Assim, eles se viram compelidos a buscar estratégias que pudessem transformar aquele ambiente. Com esse cenário, o presente trabalho objetiva discutir mudanças na relação entre seres humanos e terra durante a transição do cultivo convencional para o manejo de base agroecológica no sertão. A partir dos relatos, percebe-se que o manejo agroecológico exige mais do que alterações nas práticas de cultivo; também envolve uma mudança na visão sobre a terra, que passa a ser compreendida como um ser vivo, dinâmico e dialogante com o espaço. Aqueles humanos veem sua missão de vida no cuidar da terra, e, por sua vez, a terra também cuidaria deles. Alguns obstáculos podem surgir nessa relação, como a diferença na percepção que humanos e terra têm sobre o tempo. No entanto o sucesso estaria na virada de perspectiva de uma visão utilitarista sobre a terra, para uma concepção de construção de vida compartilhada entre múltiplos seres, entre eles, humanos e terra.

 

Palavras-chave: agroecologia, sertão, antropologia rural.

 

 

3 “Quando eu Era Pequeno Nunca Tinha Visto Soja”: Composições e Coexistências Kaiowá Face a Devastação

Diógenes E. Cariaga (UEMS) - diogenes.cariaga@uems.br

 

As famílias kaiowá que vivem ao longo da Bacia do Rio Dourados no Mato Grosso do Sul, vivenciam há mais de um século a intensificação das suas relações como os não indígenas, marcadas pelas transformações em seus modos de vida devido a privatização dos seus territórios de ocupação tradicional promovida pelo Estado Brasileiro, afim de promover frentes coloniais e de expansão agropastoril. Neste cenário as famílias kaiowá tem se engajado em produzir estratégias políticas e ontológicas para assegurar seus modos de existência (teko) face aos saberes, poderes e tecnologia dos brancos (karai reko), se movimentando entre conflitos e possibilidades de alianças com uma miríade de entes. Deste modo, o que pretendo seguir são algumas reflexões kaiowá sobre os limites e impasses em produzir relações face a devastação de seus recursos ontológicos/ecológicos em razão do avanço das monoculturas com a introdução de espécies estrangeiras, em particular a soja. Tentarei seguir narrativas kaiowá sobre as plantações de soja em seus territórios de habitação tradicional na tentativa de problematizar se, em sua perspectiva (ore reko), como poderão criar possibilidades de compor com outros modos de relação contrários aos seus, que sejam capazes assegurar sua coexistência diante aos poderes, saberes e tecnologias dos karai.

 

Palavras-chaves: Kaiowá, coexistências, monomundo.

 

 

4 Levante dos Ribeirinhos no Vale do Arrojado: a Gênese de uma Etnografia da Sociedade do Agronegócio no Oeste Baiano

Suzana Barroso de Mattos (UFBA) - sucamattos@gmail.com

 

Este texto versa sobre a expansão de áreas destinadas à agricultura de commodities na microrregião do Extremo Oeste da Bahia a partir do episódio Levante dos Ribeirinhos, ocorrido em 2017 em Correntina. O objetivo geral da pesquisa é compreender as especificidades da “sociedade do agronegócio” na área considerando a articulação entre a colonialidade do poder, enquanto centralidade das noções de raça e de gênero, e o colonialismo de ocupação (settler colonialism), onde a terra é um um espaço vazio e limitado e a ser conquistado (e modernizado). E onde o significado situado deste tipo de colonialidade é performado cotidianamente através da sociabilidade entre os colonos e os Outros (Almeida, 2021; Lugones, 2020; Kilomba, 2019 e 2022; Wolfe, 2006). Neste contexto, as comunidades tradicionais ribeirinhas e de fundo e fecho de pasto atuam como a negação do agronegócio enquanto relação homem-natureza na configuração de territorialidades e formas de reprodução social (Almeida, 2011; Camarote, 2009; Germani et all, 2020). O trabalho apresenta os primeiros resultados da revisão bibliográfica sobre a expansão do agronegócio no Extremo Oeste da Bahia e da viagem de prospecção aos municípios de Correntina e Luís Eduardo Magalhães. A partir dessa aproximação espera-se estabelecer uma agenda de pesquisa para analisar os conflitos ambientais e o processo de mobilização étnica no Vale do Rio Arrojado (Correntina, BA) a partir das concepções de plantation contemporânea e de outras leituras decoloniais (Carneiro, 2005; Cunha, 2022; Ferdinand, 2021).

 

Palavras-chave: agronegócio, oeste baiano, cerrado, comunidades tradicionais, conflitos socioambientais

 

 

5 Impactos Socioambientais da Monocultura do Eucalipto na Comunidade Córrego do Soares – Município de Capelinha (MG)

Luana Cordeiro da Fonseca (FaE/UFMG) - luanacordeiro402@gmail.com

Patrique Antônio Soares de Queiroz  (FaE/UFMG) - patrique.antonio.3@gmail.com

 

O Vale do Jequitinhonha, desde os anos de 1960, é considerado pelo poder público como uma região de pobreza e miséria, com terras improdutivas e devolutas. Como solução para melhorar o índice de desenvolvimento da região, os governos militares, a partir da década de 1970, investiram no monocultivo de eucalipto aliado à tecnologia da Revolução Verde. O monocultivo de eucalipto no município de Capelinha – MG, localizado no Alto Jequitinhonha, no bioma do Cerrado, iniciou-se na década de 1970, com a implantação da empresa Floresta Acesita. Entre as comunidades rurais do município que aderiram ao monocultivo de eucalipto, temos a comunidade Córrego do Soares. Na comunidade, após a adesão à monocultura de eucalipto, observa-se conflitos e tensões em diversas dimensões: geração de trabalho, uso da água e da terra, economia, cultura e saúde. Nesse sentido, esse trabalho tem como objetivo analisar as modificações na ocupação da terra, na força de trabalho e na renda das famílias a partir da década de 1970, na comunidade Córrego do Soares. Os caminhos metodológicos da pesquisa consistem na realização de entrevistas semiestruturadas e análise documental. Os dados coletados foram submetidos às fases de análise de conteúdo estabelecidos por Bardin (2011). Os dados coletados evidenciam que a partir da introdução do monocultivo de eucalipto na comunidade de pesquisa, houve a precarização do trabalho, redução da renda familiar e impactos ambientais.

 

Palavras-chave: Monocultivo de eucalipto. Cerrado. Impacto socioambiental. Conflitos. Terra. Trabalho.

 

 

  ST 24 – Tecnologias de financeirização e endividamento Coordenação: Catarina Morawska (Universidade Federal de São Carlos) - morawska-vianna@ufscar.br Flávia Melo (Universidade Federal do Amazonas) - flaviamelo@ufam.edu.br Jessica Sklair (Queen Mary University of London) - j.sklair@qmul.ac.uk  Paula Cristina Correa Bologna (University of Leeds) -  sspccb@leeds.ac.uk

 

Este Seminário Temático tem como objetivo aproximar pesquisas que abordam etnograficamente tecnologias de financeirização que crescentemente atravessam paisagens das mais diversas: créditos de carbono em comunidades indígenas; empréstimos consignados entre beneficiários de políticas sociais; linhas de crédito para a agricultura familiar condicionadas à compra de sementes transgênicas e agrotóxicos; novas formas de investimento em pequenas centrais hidrelétricas que se multiplicam ao longo de bacias hidrográficas; a disseminação da noção de ‘indivíduo empreendedor’ em editais que circulam em movimentos sociais; novos negócios de impacto em projetos socioambientais. Pretendemos agregar trabalhos que, inspirados por uma abordagem feminista ao estudo do capitalismo (Bear, Ho, Tsing, Yanagisako, 2015; Gibson-Graham 2006) e pela crítica da teoria social negra ao capitalismo racial (Robinson, 1983; Davis, 2000; Gonzalez, 2020; Vergès, 2020; Ferdinand, 2022), enfatizem os efeitos políticos de dispositivos sociotécnicos de mercado em socialidades mais que humanas. Incentivamos trabalhos que descrevam recusas pragmáticas que emergem em territórios que se veem diante de tecnologias de financeirização, bem como as disjunções temporais impostas a essas tecnologias por ritmos e ciclos de vida que lhes extrapolam, como é o caso de rios, solos ou formas de vida tomados como investimentos potenciais. Interessa-nos especialmente descrições dos contornos particulares que as muitas formas de endividamento assumem no encontro das tecnologias de financeirização com práticas de conhecimento localizadas.

 

 

Sessão 1: 22/11 - Paisagens financeirizadas: dados, infraestrutura e visões de futuro

 

1 Controvérsias sociotécnicas em torno de NFTs amazônicas

Barbara Moraes (Doutoranda no PPGAS/Museu Nacional) - brbgmoraes@gmail.com  

 

O objetivo desta apresentação é mapear algumas controvérsias em torno dos discursos de conservação de tokens digitais verdes, como a Amazon NFT comercializada pela climatech Moss. A empresa foi pioneira na emissão de créditos de carbono no Brasil e, recentemente, lançou uma série de ativos lastreados em terras no sul do Pará, em uma região atravessada pelos rios Azul e São Benedito, com o objetivo de promover a preservação da floresta. Esse modelo de NFTs para conservação da floresta amazônica já vinha sendo testado por outras empresas, como a Nemus, alvo de um processo movido pelo Ministério Público no qual se investiga a regularidade dos títulos de propriedade nos quais cunhava seus ativos digitais. Não se trata, então, de averiguar a eficiência desses ativos em promover e financiar projetos de sustentabilidade e conservação na Amazônia, mas pensar nas infraestruturas técnicas - como sistemas de vigilância e georreferenciamento - e infraestruturas epistêmicas - como modelos de financeirização - que dão corpo às diferentes compreensões de impacto e preservação acionadas por agentes desse mercado. A apresentação é uma primeira incursão descritiva no material de pesquisa do doutorado e, portanto, pretende abrir perguntas e reflexões.

 

 

2 O meio ambiente e a financeirização: novas táticas e técnicas de acumulação de capital e de apropriação dos espaços locais

José Alex Rego Soares (Professor da PUC-Campinas) - jalex.economia43@gmail.com  

 

Essa comunicação se trata de um exercício teórico e reflexivo sobre as táticas e técnicas de financeirização a partir do que Elizabeth Povinelli denomina “geontopoder liberal tardio”, um projeto que atua “por meio da governança específica da diferença e dos mercados que alcança formas humanas e não humanas de existência” (Povinelli, 2023, p.271). A “destruição criativa da terra” (Harvey, 2011) implica que “a paisagem geográfica da acumulação do capital está em perpétua evolução” (Harvey, 2011, p. 152), enquanto a mercantilização da natureza está subordinada à financeirização do capital. A financeirização salta de uma órbita quase metafísica para penetrar nos poros mais específicos de cada grupo social, indiferente às suas particularidades. A lógica da financeirização da natureza reverbera justamente como solução à própria destruição da mesma, constituindo um conjunto de princípios e técnicas que flexibilizam as condições e colocam a partilha e acumulação no interior da sociedade capitalista em condições únicas. A preservação ambiental, em função da acumulação, passa a ser materializada na forma de títulos financeiros, em um mercado secundário de ações, levando ao que Lohmann (2012) denomina “carbono subprime”. Essa nova condição gera um ambiente tóxico em função das instabilidades desse quadro financeiro e produz uma situação de extrema vulnerabilidade ao clima, justamente por imbricar povos originários, povos tradicionais e a mercantilização dos seus espaços e práticas.

 

 

3 Instrumentos de dívida sustentáveis e as transformações no financiamento à agricultura no Brasil

Vanessa Parreira Perin (Pesquisadora de Pós-doutorado PPGAS-UFSCar/Queen Mary University of London) - vanessa_pperin@hotmail.com

 

Durante o período conhecido como modernização do campo no Brasil (entre as décadas 1960 e 1980), a concessão de crédito público farto e subsidiado foi fundamental para a expansão da fronteira agrícola para as diversificadas paisagens do Cerrado – consolidando o agronegócio no país. A partir da década de 1990, porém, um arranjo de políticas neoliberais passou a delegar o financiamento agrícola à iniciativa privada, especialmente às empresas conhecidas como traders. Tal processo se aprofundou a partir de 2000, quando um conjunto de atores financeiros, não necessariamente vinculados às cadeias agrícolas, passaram a investir nesse setor da economia. Um dos resultados tem sido o adensamento do processo de financeirização na agricultura brasileira. Entre os principais mecanismos que têm levado a essa transformação estão os títulos do agronegócio criados pela lei 11.076/04, pois ampliam os meios para que mercadorias agrícolas possam ser transformadas em ativos financeiros. Nessa comunicação pretendo explorar alguns efeitos gerados por esse processo de “assetização” (Birch e Muniesa, 2020) da agricultura, tratando particularmente dos chamados títulos rotulados (verdes, sociais, sustentáveis, de transição). Pretendo descrever como discursos de sustentabilidade, intermeados a estes instrumentos de dívida, ao mesmo tempo em que mobilizam investidores para financiar a agricultura no Brasil, também podem eclipsar processos mais situados de degradação ambiental, concentração de terras e conflitos com os modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais.

 

 

4 Financeirização da Energia Elétrica em Tempos de Crise: Etnografia das Infraestruturas e Perspectivas Futuras

Felipe Silva Figueiredo (Unifesp), felipe.figueiredo@unifesp.br  

Jean Carlos Hochsprung Miguel (DPCT/Unicamp), jean.dpct@gmail.com

 

Essa apresentação toma como ponto de partida uma etnografia realizada em meio às infraestruturas de informação do setor elétrico, baseada em observações de campo nas reuniões de programação do Operador Nacional do Sistema elétrico (ONS) durante a pandemia. O objetivo é apresentar os principais processos de financeirização da energia elétrica por meio de artefatos tecnoeconômicos a partir do contexto da crise pandêmica. Momentos de crise no setor elétrico contribuíram para sua reestruturação no passado e a intrusão viral colocou novos problemas para sua operação. Ao longo da pesquisa foi possível notar como o setor de energia elétrica é formado por agenciamentos humanos e mais-que-humanos, desde artefatos informacionais e decisões políticas até o ciclo das águas dos rios e vírus. Apresentaremos como a lógica tecnoeconômica que guia as infraestruturas elétricas se constitui através da mercantilização da energia e da transformação de socialidades mais-que-humanas em recursos energéticos e informação. A partir disso, apresentamos as perspectivas dos tomadores de decisão frente à pandemia e nos perguntamos: como momentos de crise colocam em evidência futuros energéticos possíveis? Responder a esta pergunta é também uma forma de fazer proliferar alternativas ao modelo mercantil do setor energético.

 

 

5 Financeirização e datificação da água: a promessa de universalização do saneamento na Região Metropolitana do Recife

Catarina Morawska (PPGAS/ UFSCar), morawska-vianna@ufscar.br

Maíra Vale (imuê), vale.maira@gmail.com  

Graciela Froehlich (imuê), graciela@institutoimue.org

 

O objetivo deste trabalho é descrever como o processo de financeirização dos serviços de abastecimento de água vem acompanhado da datificação das infraestruturas hídricas na Região Metropolitana do Recife (RMR), em Pernambuco. A partir de pesquisa com ativistas e grupos da sociedade civil da cidade de Olinda, o trabalho procura retratar imaginários sociotécnicos associados aos sistemas de gestão da água a partir da datificação promovida pela Compesa, empresa responsável pelo saneamento naquele estado. A Compesa vê nos sistemas de água datificados a promessa não apenas de universalização do saneamento, mas também de oportunidades de negócios por meio da produção de conhecimento corporativo baseado em análise de dados e sistemas de informação. O trabalho busca mostrar como a noção de eficiência de serviços baseados em dados, que está no cerne do novo Marco Legal do Saneamento Básico de 2020, não se reflete no cotidiano das comunidades periféricas abastecidas pela Compesa. Analisar a financeirização e datificação da água evidencia, ademais, como tais processos chegam a periferias urbanas não apenas por meio de linhas de crédito e formas de endividamento, mas também por meio de mudanças corporativas na provisão de serviços públicos.

 

 

Sessão 2: 23/11 - Tecnologias do endividamento e transformações do setor financeiro

 

1 Investimento de Impacto: Financeirização e Dívida na Filantropia Brasileira

Jessica Sklair (Queen Mary Universidade de Londres) - j.sklair@qmul.ac.uk  

 

Ao longo da última década, a elite filantrópica brasileira contribuiu para o crescimento do ‘investimento de impacto’ no plano nacional. Através do investimento de impacto, filantropos e outros investidores sociais institucionais e individuais investem em ‘negócios de impacto’ socioambientais, que prometem gerir tanto o impacto social e ecológico quanto o retorno financeiro. Com essa prática, a virada empreendida pela elite brasileira no âmbito dos regimes financeirizados de suas atividades corporativas e de investimento reflete-se na financeirização de sua abordagem filantrópica, facilitando a expansão do mercado financeiro em nome do desenvolvimento social. Baseado em uma etnografia entre consultores filantrópicos, gestores de patrimônio e gerentes de fundos de investimento de impacto na cidade de São Paulo, esse paper investiga como a financeirização da filantropia brasileira traz uma mudança na forma pela qual a elite brasileira aborda o desenvolvimento social, visto na substituição de um modelo filantrópico baseado na integração dos pobres ao mercado produtivo por um modelo alicerçado na sua integração ao mercado financeiro, através do consumo com base no endividamento de produtos e serviços sociais. O investimento de impacto serve, portanto, como meio de trazer o problema da redução de pobreza para dentro dos processos mais abrangentes da financeirização econômica.

 

2 Como pobreza, gênero e Estado se cruzam? Uma perspectiva sobre Autonomia, Consumo e Dinheiro

Erica Fabricia Melo (Doutoranda Universidade Federal do Amazonas - UFAM)

ericaantropos@gmail.com  

 

Este resumo faz parte de um pequeno recorte de minha dissertação de mestrado com mulheres indígenas Ticuna no Amazonas que recebem o Bolsa Família, maior política pública do Estado Brasileiro. O Bolsa Família é uma política que visa a redução da pobreza imediata, que usa as condicionalidades como estratégias para garantir alguns direitos fundamentais, o programa também tem por objetivo reforçar a importância do papel das mulheres no âmbito da família, assim como a administração do dinheiro. Nesta perspectiva, destaco principalmente a administração do dinheiro, a autonomia dessas mulheres e suas famílias para responder algumas questões sobre, manutenção do dinheiro, consumo, noções de pobreza e efeitos do Programa Bolsa Família nas relações de gênero nas comunidades indígenas e como tudo isso perpassa pelo Estado. Sendo as mulheres as responsáveis legais pelo benefício, qual o impacto deste no seu cotidiano? Como essa renda fixa mensal e regular contribui para a manutenção dessas famílias. Proponho apresentar, portanto, certos lineamentos para pensar as políticas públicas como atuação do Estado, gênero e pobreza e como essas categorias se cruzam no cotidiano dessas mulheres indígenas Ticuna no Amazonas.

 

3 Ciência econômica e a expansão do setor financeiro no Brasil: tecnologias de análise, previsão e amortização de dívidas

Gabriel Lino de Almeida (UFSCar) - gabriel.lino@estudante.ufscar.br

 

Através da análise de artigos publicados na Revista Brasileira de Mercado de Capitais (RBMEC), periódico editado entre os anos de 1974 e 1989, procuro demonstrar quais são as noções de dívida presentes no periódico e quais são os dispositivos sociotécnicos mobilizados pelos autores ali publicados para sua análise e apreensão. Com artigos versando a respeito de noções tão variadas quanto dívidas de Sociedades Anônimas, dívidas externas do Estado e políticas de crédito, a RBMEC fornece um amplo vocabulário a respeito deste assunto. Os autores se dedicaram, ainda, a explorar tanto metodologias mais teóricas — como explicar teses de economistas estrangeiros não publicados no país —, quanto mais práticas — testar modelos matemáticos de previsão e gerenciamento para que empresas possam abater suas dívidas, por exemplo. Os artigos presentes no periódico abrem diversas janelas para compreendermos como as tecnologias de análise, previsão e amortização de dívidas estavam sendo mobilizadas por uma parcela da Ciência Econômica brasileira entre as décadas de 1970 e 1980, compondo parte do processo de financeirização que o país tem experienciado nas últimas décadas.

 

 

4 Gênero, dívida e “investimento”: uma etnografia do golpe do Grupo Lotus Corporate (GLC) e do empréstimo consignado do Auxílio Brasil

Socorro de Souza Batalha (Universidade Federal do Amazonas - UFAM) socorrobatalha19@gmail.com  

 

O texto apresenta uma análise etnográfica nas mulheres levando em consideração dois estudos de casos, contextos, públicos e situações distintas do endividamento, em áreas de periferias da cidade de Manaus (AM). Nessa senda, a problemática do estudo está encorada a partir de duas visões a respeito do endividamento, de um lado temos, o empréstimo consignado permeado pela ideia de investimento e aplicação de dinheiro no mercado financeiro, no qual se encontram as servidoras públicas da rede municipal e federal de educação, vítimas do golpe do GLC, do outro lado, temos a concessão de crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, que em sua maioria são mulheres com baixa escolaridade e renda, subempregadas e em situação de vulnerabilidade social. Dentro dessa perspectiva, o estudo visa contribuir para uma reflexão antropológica sobre a dívida com mulheres que trabalham e residem em aéreas urbanas e periféricas da cidade e também colaborar com o aprofundamento de estudos, pautando temas como: gênero, dívida, investimento e política social na Amazônia.

 

 

5 Transformações digitais e estratégias criativas e comerciais no mercado de histórias em quadrinhos independentes

Victoria Perfeito (PPGAS/UFRGS) - victoriaperfeito1@gmail.com  

 

A partir de pesquisa etnográfica construída na cidade de Porto Alegre/RS busco, neste trabalho, debater estratégias que intentem a viabilização de publicações físicas de histórias em quadrinhos por meio de recursos próprios, bem como formas de comercialização, empreendidas por seus autores. Práticas que cada vez mais passam a ser atravessadas por dispositivos sociotécnicos que então integram e reconstituem a dinâmica deste mercado. O aprimoramento e barateamento das impressões gráficas, o desenvolvimento de tecnologias de hardware e software referentes às etapas de criação, a autopublicação online de quadrinhos em espaços como blogs e redes sociais, assim como a popularização de ferramentas  plataformas digitais de financiamento coletivo estão a reconfigurar as dinâmicas dos mercados independentes de HQs.

 

 

6 Antropologia do dinheiro: influência das tecnologias na mudança da cultura e do consumo.

Maria Eduarda Ribeiro Taques (UFG) - taques@discente.ufg.br  

Letícia Sued (UFG) leticia.sued@discente.ufg.br  

Milena Fonseca Rodrigues (UFG) - milena.fonseca@discente.ufg.br

 

Neste artigo, procuramos abordar as questões antropológicas da criação do dinheiro enquanto instrumento de influência nas relações econômicas, culturais, sociais e de consumo. Como percurso metodológico, é adotado uma abordagem de revisão bibliográfica em bancos de dados de produção científica, a destaque para o base de tese e dissertações e periódico capes, sobre o desenvolvimento tecnológico de consumo a partir do dinheiro. Passando por diversos momentos da história em que foram elaborados conceitos, da docilização dos corpos, da sociedade de controle, de uma busca sobre a universalização da cultura, trabalhados por Foucault, Deleuze, Lévi-Strauss, que são referenciais teóricos para refletir sobre a cultura capitalista de consumo através do dinheiro físico e digital. Nesse contexto, questões como a criação da moeda dinamizam as relações de escambo, representando um valor comercial acerca das produções humanas e das relações de consumo. As novas transformações do dinheiro, exemplo do pix, cartão de crédito e débito produz novas relações sociais, que são objeto deste estudo. Portanto, percebe-se que essas novas transformações otimizam o cotidiano dessas relações, em que ocorre uma maior facilidade e acessibilidade para transações monetárias que é proporcional ao consumo exacerbado e estimulado na sociedade capitalista.

 

 

Sessão 3: 24/11 - Fluxos monetários, contrafluxos criativos

 

1 Monetarização e financeirização do tempo-espaço na TI Tenonde Porã: fluxos e contrafluxos

Carlos Melo de Oliveira Paulino (UFSCar e Funai)

carlosmopaulino@gmail.com  

 

O processo de monetarização (entendido como um aumento na entrada e uso de dinheiro) das vidas e do tempo-espaço Guarani Mbya é relativamente recente. Na Terra Indígena (TI) Tenonde Porã, concomitantemente ao uso de dinheiro no cotidiano, noções ligadas à lógica do empreendedorismo, como investimento e lucro, vão se aproximando cada vez mais das vidas indígenas, passando a coexistir com valores tradicionais, dos quais no mais das vezes destoam. Cada vez mais, o acesso ao dinheiro e seu uso colocam os Guarani frente a processos de financeirização. Os bancos - que intermediam o acesso dos Guarani ao dinheiro das políticas públicas de distribuição de renda e previdenciárias - adotam posturas agressivas na venda de seus produtos, dificultando o acesso a esse dinheiro dos benefícios para aqueles que não adquirem esses produtos. Além disso, o território da TI Tenonde Porã é objeto de interesse de diferentes agentes econômicos que vêm nele potenciais de investimento, como na grilagem e ocupação de terras para expansão da mancha urbana, no extrativismo vegetal ou mineral, nos seus atrativos turísticos, ou na passagem de uma linha férrea nesse território. Diante desses conflitos entre valores tradicionais e de mercado e entre os interesses dos indígenas que habitam o território e daqueles que querem explorá-lo, os Guarani vêm adotando diferentes estratégias para defender seu modo de vida e evidenciar, para si mesmos e para seus outros, os efeitos perversos da exploração financeira.

 

2 Por entre os trilhos: um estudo inicial sobre a relação dos Awá-Guajá e a distribuição de recursos pela VALE.

Josy Marciene Moreira Silva (PPGAS/UNICAMP)

marciene.josy@gmail.com

 

O presente trabalho tem por objetivo a compreensão da circulação de recursos entre os Awá, a partir da apresentação de um panorama sócio-histórico das mudanças envolvidas na interação dos Awá com os “brancos” e também com outros povos indígenas da região. A principal fonte de recursos recebidos pelos Awá é a compensação financeira via Componente Indígena do Plano de Impacto Ambiental da empresa mineradora VALE S.A, em razão da construção e funcionamento da Estrada de Ferro Carajás. Os Awá são um povo indígena que habita a porção oriental da Amazônia, mais precisamente localizados no noroeste do estado do Maranhão, entre as bacias do Rio Pindaré e Gurupi, nas proximidades da divisa do Maranhão com o Pará. Foram, contatados e aldeados pelo órgão indigenista brasileiro a partir da segunda metade da década de 1960 sob a justificativa de proteção, tendo como mote principal a construção da estrada de Ferro Carajás, que cortou seu território tradicional. O recebimento de tais recursos trouxe ao cotidiano Awá uma nova dinâmica, são recorrentes a realização de obras de infraestrutura, tais como estradas, assim como a presença de funcionários da VALE nas aldeias para realização de reuniões, por exemplo, para ajustes de ações prestação de contas. Aliado a esse cenário, nos últimos anos houve um aumento do quantitativo de indígenas que recebem salários, seja como professores, agentes de saúde, ou ainda Benefício Sociais como o Benefício de Prestação Continuada e bolsa família.

 

3 Uma etnografia da dívida e gênero nas fronteiras Amazônicas: um olhar para Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira e Benjamin Constant

Paula Corrêa Bologna (University of Leeds) - sspccb@leeds.ac.uk

Érica Fabricia Melo (Universidade Federal do Amazonas) - ericaantropos@gmail.com

Marilene Aicate Peres (Universidade Federal do Amazonas) - maryperes5@outlook.com  

 

A partir de pesquisa etnográficas realizadas nas cidades de Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira e Benjamin Constant, pretendemos explorar como gênero, dinheiro e dívida se relacionam nessas fronteiras amazônicas, território povoado por inúmeros povos indígenas, ribeirinhos, caboclos, não-caboclos e imigrantes. Neste contexto, nos motiva pensar a partir das narrativas de mulheres indígenas e não-indígenas, como elas se relacionam com dinheiro, noções de reciprocidade, crédito e dívida. Nossas etnografias nos permitem descrever processos de endividamento das mulheres devido ao aumento do acesso a produtos bancários, conexões com agiotas, participação em redes de comercialização, e suas ligações com o principal benefício social brasileiro, o Programa Bolsa Família. Embora algumas pesquisas tenham sido realizadas no contexto geral do Brasil para entender o avanço do endividamento feminino, pouca atenção foi dada ao contexto amazônico. Nosso objetivo, portanto, é preencher essa lacuna respondendo a perguntas como: Como estas mulheres se relacionam com dinheiro? O que é dívida para elas? Como as noções de reciprocidade e dívida se entrelaçam? Quais são suas principais vias de acesso ao crédito? Quais são as principais regras e condições para o pagamento das dívidas? Quem são essas mulheres e quais são seus principais marcadores sociais? Em que medida estar endividada repercute em suas vidas? Ao responder estas questões, dentro de uma perspectiva etnográfica e comparada, acreditamos poder melhor compreender como processos de reciprocidade e dívida incidem singularmente nos contextos femininos e amazônicos.

 

 

4 Mulheres indígenas no comércio: relações de gênero, dinheiro, reciprocidade e dívida no processo de negociação e aquisição de mercadorias na tríplice fronteira Amazônica – Brasil, Peru e Colômbia.

Marilene Aicate Peres (Universidade Federal do Amazonas) - maryperes5@outlook.com

 

Sabe-se que o campo dos estudos das relações de gênero, no que tange às mulheres indígenas na atualidade está em ascensão mas, a discussão de como gênero, dinheiro, reciprocidade e dívida se entrelaçam ainda necessita de mais estudos, principalmente quando se trata de mulheres indígenas, tendo como especificidade o Alto Rio Solimões/Amazonas. Deste modo, minha proposta é apontar, a partir de uma perspetiva etnográfica, como gênero, dinheiro, reciprocidade e divida se entrecruzam e como se fazem presente na realidade local. Com esse intuito, o objetivo geral que norteia este trabalho é reconhecer a partir das mulheres indígenas Ticuna e Kokama como dinheiro, reciprocidade e dívida se relacionam no processo de negociação e comercialização de produtos principalmente alimentícios, na tríplice fronteira Amazônica Brasil, Peru e Colômbia, no Alto Solimões/Am. O lugar da pesquisa é marcado pela tríplice fronteira, onde o fluxo de pessoas dos três países é intenso, produzindo assim uma conjuntura de transnacionalidade e transfronteiriça, onde os diferentes contextos são tanto de colaboração quanto de conflito.  Olhar para este lugar nos permite apreender como ocorrem as interações entre as/os agentes que vivem na região e partilham um mesmo território e intensas trocas. Nesse sentido, a grande diversidade étnica e o fluxo de nacionais dos países que compõem essa tríplice fronteira nos revelam uma intrincada rede de relações culturais, sociais e econômicas, marcadas por diferenças de nacionalidade, classe social, gênero e raça/cor/etnia.

 

 

5 Caminhos e trajetos: experimentações etnográficas com mobilidades indígenas urbanas em São Gabriel da Cachoeira (AM)

Caio Mader - UnB - caiomader16@gmail.com

 

Proponho uma tentativa preliminar de analisar os dados etnográficos do trabalho de campo em andamento de minha pesquisa de doutorado. Trata-se de estudo realizado no município de São Gabriel da Cachoeira, noroeste amazônico, que tem como objeto sua “governança fundiária”, expressão utilizada pelos poderes públicos locais para se referirem à diversidade de regimes territoriais ali presente (Terras Indígenas, Assentamento Fundiário, Unidades de Conservação, áreas municipais, entre outras) em interface com mobilidades de pessoas indígenas residentes na cidade e suas produções agrícolas e artesanais. Interrogo as maneiras pelas quais os caminhos percorridos por certas pessoas indígenas no meio urbano e periurbano, majoritariamente por mulheres, sejam eles ruas, rodovias, trilhas florestais, ramais e vicinais, ou mesmo o próprio rio Negro, em cujas margens se erigiu a cidade, informam categorias de regionalidade, origem e sistemas de precificação de seus produtos, considerados “locais”. Ou seja, como os vários tipos de caminhos e as áreas que estes atravessam/conectam, bem como as distâncias entre origem e destino influem em cotizações? O que a história da construção desses caminhos, de noções desenvolvimentistas que os fundamentaram, tanto quanto de quem e como os percorre dizem a respeito de desigualdades econômicas e disputas de poder entre os atores da sociedade civil e da municipalidade?

 

 

ST 25 - "Agarrados à terra": Corpo, território e resistência diante da crise climática Coordenação: Clara Flaksman (IFCS/UFRJ) - claramflaksman@gmail.com Joana Miller (IFCS/UFRJ) Marina Vanzolini (FFLCH/USP)

 

Neste ST propomos reunir experiências etnográficas com os povos indígenas, povos de terreiro, quilombolas, ribeirinhos entre outros que, na definição de Ailton Krenak em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, escolheram permanecer “agarrados nessa terra”. Para muitos desses povos, as noções de território e de corpo são indissociáveis e se implicam mutuamente. Pretendemos refletir, a partir de uma perspectiva etnográfica, sobre as noções de corpo-território formuladas por esses povos em diferentes contextos. Levando em conta a proposta temática do congresso que nos instiga a pensar diferentes modos de atuação frente às crises climáticas a partir de um debate com a antropologia da ciência e da tecnologia, nos perguntamos em que medida colocar em diálogo diferentes éticas ecológicas implica considerar diferentes ontologias. Como a noção de “corpo-território” pode ser tomada como um modo de existência e como uma proposição política diante das crises ecológicas? Em que medida as estratégias criadas por esses povos para atravessar mundos perigosos não indicaria que o perigo está justamente nas possibilidades de cruzamento dos mundos, na recusa de um mundo comum a todos os viventes? Pretendemos assim reunir trabalhos etnográficos que abordem as noções de corpo e de território e seus desdobramentos para refletir sobre estratégias e modos de vivenciar crises climáticas.

 

Palavras-chave: Terra; corpo; território; afro; indígena.

 

 

Sessão 1 – Território

 

1 As capas da terra: esboço de uma teoria etnográfica do território

Kauã Vasconcelos (doutorando pelo PPGAS-Museu Nacional/UFRJ) - kauamonde@gmail.com

 

Qual a singularidade de um território encantado - um espaço habitado e constituído por um ser encantado? Qual a potência transformativa de um encante – uma passagem/paragem para a dimensão encantada de um lugar? A partir da experiência de campo que venho realizando no município de Soure, na Ilha de Marajó, busco esboçar algumas dessas questões para pensar imagens de territórios atravessados pela encantaria. Ao formularem o aparecimento de certos guias em diferentes linhas como animais” ou bichos”, meus amigos em Soure me explicavam que os encantados eram atravessados por alguma coisa do bicho”, como se vestissem uma capa”. É essa capa de bicho que permite, como me explicou o pai de santo Sebastião, que Mariana, por exemplo, seja vista na linha de pena-e-maracá como uma arara. Cantam- se doutrinas para Mariana como arara, é por conta dessa capa de arara que ela usa quando cruza a linha, assim como Jarina, sua irmã, tem uma capa de cobra, outros têm outras capas, de onça, de jacaré, colibri, etc. Por isso, mesmo sendo animais que surgem como encantados do fundo, eles falam durante as sessões de cura”. A capa aqui entendida como uma outra pele, que atua como um princípio de individuação e que fundamente a transformação interespecífica de que falam os mitos e os discursos xamânicos: é possível um homem transformar-se em onça ou arara na medida em que é possível vestir uma outra pele” (Lima 2002: 5). Se os encantados vestem capas ao cruzarem as linhas de trabalho, se transformando no processo, quais as transformações que ocorrem no território enquanto um corpo ocupado por encantados?

 

Palavras-chave: Encantaria amazônica; Território; Ilha de Marajó; Afroindígena.

 

 

2 Ontologia das encantarias e dos filhos de mãe d`água

Juliana Loureiro (UFRJ) - julianaloureiro.abaetesocial@gmail.com  

Gleydson de Castro Oliveira (UFMA)

 

No Maranhão acredita-se que a Mãe d ́Água, a sereia de água doce, exerce um magnetismo sobre as crianças inocentes”, de até sete anos, principalmente sobre as que não foram batizadas, pois ela é pagã. Deste modo, no interior ou na área rural, quando uma criança pequena desaparece, suspeita-se logo da Mãe d ́Água. E, na cidade, quando uma criança que ainda não foi batizada tem pesadelo ou convulsão, aparece sempre alguém afirmando que isso é coisa de Mãe d ́Água e procurando batizá-la de emergência, com a água do banho.” (Ferretti, M. 2000:58) Vivendo no quilombo de Santa Rosa dos Pretos aprendemos que os poços, olhos d ́águas e açudes têm donos” e são encantarias de mães d ́águas. Um dos maiores medos das mães e pais é de as crianças serem levadas por mães d ́águas. Elas levam por muitos motivos, porque se afeiçoou ou mesmo para proteger as crianças agredidas. O sofrimento leva ao encantamento. Para evitar a perda de meninas e meninos para a encantaria, os pais procuram não bater em seus filhos, fazem questão de os batizarem ainda bebês e os proíbem de se aproximarem sozinhos dos cursos d ́águas. Para não aborrecer as mães d ́águas é importante preservar suas encantarias. Em nossa comunicação, refletiremos sobre a potência ontológica das encantarias e dos filhos mãe d ́água, a partir da vivência na Encantaria Quilombola, do que nos contam as doutrinas de mina, os mitos, os corpos, suas afetações e atuações, as histórias de vida e as experiências.

 

 

3 Filhos da cobra-grande: os Okoymoyana do rio Jatapu

Victor Alcantara e Silva (Doutorando do DAN/PPGAS UnB) - victor.alcantara@gmail.com  

 

Viver nas beiras do rio Jatapu já há pelo menos dois séculos é muito perigoso para os povos indígenas que tem nelas seu território ancestral. No entanto, é a elas que atualmente os Okoymoyana “se agarram” e se recusam a ser, uma vez mais, expulsos pelos karaiwa (não-indígenas). Contatados pelo SPI em 1942 nas cabeceiras de afluentes deste rio, os Okoymoyana foram aldeados nas margens que evitavam há gerações por temer a violência e a virulência dos colonos, conhecidas de experiências de gerações passadas. Seria dali que três décadas depois seriam forçados pela Funai a deixar novamente seus lugares para dar espaço a empreendimentos minerários e hidrelétricos. No dramático período do contato, em que as doenças trazidas pelos inspetores do SPI voltaram a matar em abundância, os Okoymoyana reencontraram um antigo aliado. Nas proximidades da cachoeira de Katuema o pai do velho Yeriyeri encontrou com um desconhecido que, amigavelmente, o convidou a segui-lo para uma festa debaixo das águas do rio Jatapu. Lá, tal como num espelho, havia um mundo refletido abaixo da superfície, onde ele viu um povo enfeitado que dançava, consumia caxiri e se fartava de alimentos. O pai de Yeriyeri retornou várias vezes ali para ver os verdadeiros Okoymoyana, aqueles que haviam permanecido todo o tempo no Jatapu. Até que nunca mais voltou para sua aldeia. Tornou-se, ele mesmo, cobra-grande, Okoymo, e permaneceu vivendo abaixo do rio. Seus parentes o escutavam, mas só avistavam uma grande cobra se esquentando nos pedrais de Katuema e de Kamara Kahxe, onde acabaram por refundar suas aldeias. Reestabelecido o antigo parentesco outrora perdido com Okoymoyana do fundo através da transformação corporal do pai de Yeriyeri, os atuais Okoymoyana refundaram também uma relação com o Jatapu, forjando lugares de coabitação com esses seus antigos parentes e hoje insistem junto com eles contra o arruinamento de seu rio frente às investidas minerárias e pesqueiras.

 

Palavras-chave: Jatapu, Okoymoyana, espelho.

 

 

4 Cosmopoéticas para adiar o fim do mundo”: o corpo-território na poesia de Josephine Bacon, e outros

Benjamin Bruyère (Mestrando UQAM - Université du Québec à Montréal) bruyere.benjamin@courrier.uqam.ca 

 

A comunicação proposta começará examinando a poesia de Joséphine Bacon, escritora da nação indígena Innu, no Canadá, e a maneira como seus poemas nos falam sobre seu relacionamento com seu território ancestral, o Nitassinan. De acordo com o tema do painel, ilustraremos como seus poemas entrelaçam inseparavelmente as noções de corpo e território. Em seguida, construiremos pontes com histórias de povos ribeirinhos do Pará e com pinturas Huni Kuin (ou seja, histórias expressas visualmente). Esses paralelos mostrarão como a ideia de corpo-território” não é simplesmente uma figura de linguagem, mas envolve um equívoco ontológico: tanto os poemas de Josephine Bacon quanto as pinturas Huni Kuin incorporam, em si mesmos, o território. O objetivo é mostrar como, por meio de sua própria forma, essas narrativas incorporadas atualizam o apelo de Ailton Krenak para "adiar o fim do mundo".

 

Palavras-chave: indígenas, corpo-território, histórias, equívocos.

 

 

Sessão 2 – Corpo

 

1 Aspectos da escatologia entre os Rikbaktsa

Gabrielle Cardoso Meneses (Doutoranda Antropologia Social, Museu Nacional\UFRJ)

gabriellecardosomeneses@gmail.com  

 

O artigo pretende perseguir as seguintes questões: por que os Rikbaktsa, uma população Macro-Jê do sudoeste amazônico, não sustentam mais a realização das festas do ciclo chuvoso? Qual a relação disso com a prevalência dos espíritos (hyrikoso) dos mortos no cotidiano? Atualmente, os Rikbaktsa dizem que os espíritos dos mortos estão destruindo as roças e é isso os que os impede de fazerem as festas. Afinal, a presença de alimentos vegetais em abundância é imprescindível para a realização do ciclo de cerimonias da chuva, cuja fase final é dedicada às escarificações corporais e confirmações cerimoniais de nomeação. Dessa maneira, os Rikbaktsa atestam que a destruição das roças é uma das formas possíveis de agressão causada pelos espíritos dos mortos. Com essa modalidade de agressão, os espíritos comprometem a vitalidade e a construção dos corpos em contexto ritual. Essa imagem nos servirá de pretexto para apresentar a classificação que os Rikbaktsa fazem dos espíritos dos mortos, os quais eles dividem em menos agressivos e mais agressivos. Ao abordar esse problema, pretendo demonstrar também de que modo os indígenas incluem os espíritos dos brancos na categoria de mais agressivos (tsakyriaĩta). Tenho como hipótese que, o fato de os brancos figurarem nesse esquema permite traçar uma relação entre a ganância dos brancos em destruir a floresta e a ânsia de destruição dos espíritos dos mortos, exposta sucintamente aqui para o caso das roças.

 

 

2 Do mel ao azendo: A construção do corpo feminino e do corpo do xamã entre os Makurap do Guaporá

Breno Duarte Castro (UFES) - bdc0907@gmail.com  

 

Este trabalho tem como objetivo discutir o processo de construção do corpo das mulheres e do corpo do xamã Makurap, povo de língua Tupi-Tupari habitantes da margem direita do médio Guaporé, e como esses diferentes processos se relacionam e produzem relações com entes outros-que-humanos a partir da chave da embriaguez. Nessa região, um aspecto central do cotidiano indígena são as chichadas, festas cujo componente central é essa bebida fermentada à base de macaxeira, a chicha azeda (mayu xati, em Makurap), que só é produzida pelas mulheres. Desde pequenas os xamãs tiram mel do céu e colocam em suas gargantas, enquanto seus parentes mais idosos as fazem mastigar uma raiz doce (não consegui identificar qual) para que possam ser capazes de azedar a chicha, isto é, torna-la embriagante. Essas festas tematizam as relações com os mortos e os espíritos a partir da embriaguez, qualidade produzida pelo azedume dos corpos femininos. A palavra Makurap para embriaguez ueunam/aweup é também usada para descrever a embriaguez por rapé” (aximbe ueunam) realizada nas iniciações xamânicas para fazer com que os noviços sejam capazes de ver os espíritos e os donos-mestres da caça. A partir disso, pretendo debater as relações que tanto o rapé quanto a chicha mantém com o atributo do azedume e da embriaguez como forma de relacionar-se com diferentes não-humanos e como esse atributo circula entre diferentes corpos.

 

Palavras-chave: Chicha; Embriaguez; Mulheres; Xamanismo.

 

 

3 Corpos, remos e relações: O que contam as histórias de canoas e gentes na foz amazônica?

Queiton Carmo dos Santos (doutorando em História - Ppgh-UFMG)

tonqueiton@gmail.com

 

Neste estudo me interesso em pensar as relações entre dois elementos nas histórias da Ilha do Pará, nas comunidades ribeirinhas do rio Furo Seco, localizada foz do Rio Amazonas; o remo e a canoa, a partir dos meus estudos etnográficos e arqueológicos na Ilha. Esse interesse é baseado nos debates, levantados já há algumas décadas, sobre a fabricação de pessoa na Amazônia indígena, e nas interpretações de materiais arqueológicos sobre a figuração do corpo. Inspirado pela noção de Donna Haraway, proponho a capacidade de criarmos parentes com as coisas e seres, ao entender sobre como as pessoas e as suas coisas se entrelaçavam e faziam (fazem) mundos na Ilha, ou seja, como a própria materialidade do mundo, o corpo como umas delas, reside na sua compreensão ontológica e temporal. Frente as alterações hoje vivenciadas; tudo estava diferente” diziam as e os mais velhos que escutei durante essa pesquisa. Diante dos muitos conhecimentos que antes praticados estão sendo modificados com muita rapidez, como nas épocas das altas marés, períodos de fortes chuvas e estiagens, previsíveis por observações locais desses fenômenos, os quais agora estão cada vez mais irregulares. Assim, frente aos distintos desastres históricos ecológicos que vem ocorrendo na Amazônia, não há escolha que não seja a de compreender novas e velhas maneiras de criarmos parentes em paisagens mais que humanas e seus mundos.

 

Palavras-chave: Corpos. Relações. Amazônia ribeirinha. Mudanças climáticas.

 

 

4 Dos lados do mundo: sobre o nahualismo entre afromexicanos na Costa Chica de

Guerrero e Oaxaca

Priscilla Lessa de Mello (Doutoranda; PPGAS – UFRJ) - priscillaldm@gmail.com  

 

O trabalho buscará explorar etnograficamente alguns aspectos da experiência vivida por comunidades afrodescendentes da Costa Chica do Pacífico mexicano, dando destaque à maneira como esses grupos singularmente vivenciam o ‘nahualismo’, modo de relação entre humanos, animais e a terra presente em povos da Mesoamérica. Esta relação que também atravessa a experiência afromexicana, dirá que todas as pessoas nascem com um duplo, um animal que habita o outro lado do mundo, o ‘monte’. Assim, há pessoas que nunca saberão que também são animais’, e outras, contudo, que por motivos desconhecidos são convocadas a ter uma relação mais ativa com esse fato e a compor uma malta, um grupo, processo de cura que é repleto de segredos, cuidados e perigos. Assim, o trabalho busca contribuir para a compreensão sobre como essas comunidades se relacionam com o que usualmente definimos como corpo, espírito, terra e território, assim como seus modos de composição na diferença e a relação afroindígena presentes nesse contexto, onde a terra, viva, é muito mais que mero recurso a ser explorado.

 

Palavras-chave: afromexicanos, nahualismo, relação afroindígena.

 

 

Sessão 3 – Comunidade

 

1 Da antropofagização do código ao hackeamento narrativo: como tecer incomunidades?
Márcia Nóbrega, doutora em antropologia social, Unicamp/Tech for forest  marciamnobrega@gmail.com  
Luciana Ferreira, doutora em pedagogia, Unesp/Tech for forest

 

Colocamos em linha de encontro através deste empenho de pesquisa algumas conexões entre mundos geograficamente opostos no Brasil indígena. Um ao norte do país, em uma Amazônia onde o sinal de internet é ainda tímido, mas que avança dando-lhes a possibilidade de manejo ou controle quando este sinal chegar. Na outra ponta, indígenas que habitam o sul e sudeste do país onde o sinal de internet é potente, está em toda parte e que nas aldeias ganhou forças durante a pandemia. Chegou sem pedir licença e se instalou em seus corpos e sua terra. Com ambos realizamos encontros-oficinas sobre Cuidados Digitais, ocasiões em que exploramos leituras diferentes sobre a internet, infraestrutura digitais, aplicativos, cosmologias. Nosso esforço não persegue a forja de um consenso entre mundos, mas a uma aliança entre conceitos. Levando a sério os equívocos, dissensos e dissonâncias implicados nesse encontro, nos interessa pensar de que maneira as cosmologias indígenas se apropriam do código, seja ele o código digital (das máquinas e seus programadores) ou o código enquanto linguagem (o que possibilita a comunicação intra e interespécies), frente ao novo mundo que se abre. Como modo de inspiração para o arranjo das histórias aqui narradas, nos guiaremos pelo que Donna Haraway (2016) chamou de geoestórias” (geostories). Perseguimos histórias de como escapar do vaticínio de: ou bem somos consumidores ou bem somos produtores; ou bem somos usuários ou bem somos desenvolvedores".

 

Palavras-chave: Internet, infraestruturas digitais, geoestórias.

 

 

2 “As migrações climáticas e suas reverberações”: Uma discussão sobre como o Antropoceno tem influenciado nas relações humanas na Terra

Lara Noronha Xavier (Universidade de Brasília) - laranoronha123@gmail.com

 

Refletindo sobre fluxos humanos, suas intensificações e reconfigurações, penso que há motivos que vão além dos pessoais para que esses sujeitos se movimentem. Dessa forma, no presente trabalho desejo compreender as conexões entre o advento do antropoceno e os fluxos contemporâneos, visando entender como que a ação de um antropos (que não necessariamente será generalizante) faz com que toda a humanidade sofra as consequências de o que pode ser chamado de avanço tecnológico”. Assim, entendo que para além de migrantes econômicos e refugiados de guerra, existem refugiados climáticos (como exemplo teríamos o caso dos haitianos no ano de 2010, que posteriormente se tornou também um problema social). Os últimos sendo tocados pelas principais consequências do antropoceno, as mudanças que ocorrem no planeta Terra por causa da ação humana. Desejo não apenas entender as relações das dinâmicas de refugiados climáticos com o antropoceno, mas sim de diversos tipos de fluxo, entendendo que não é apenas uma questão de desestabilização dos fenômenos naturais mas também sociais. Para isso, além de ter como base minha própria pesquisa tanto de graduação quanto de mestrado, me utilizarei de autores que estudam o antropoceno como Andrew Bauer e Mona Bhan, Alf Hornborg, Andrew Mathews e Malcom Ferdinand para compreender como esse advento aparece no mundo da academia e como ele pode ser lido de diversas formas. Após entender o conceito do antropoceno e suas contradições, começarei a lidar com os dados etnográficos, para analisar como esse advento se conecta (ou não) com as migrações. Assim, visando compreender como sujeitos da diáspora entendem no fluxo uma solução possível em sua trajetória, estando em mais de um lugar ao mesmo tempo.

 

Palavras-chave: Antropoceno; Migrações Climáticas; Diáspora; Migração Haitiana.

 

 

3 “Mudanças climáticas e populações pesqueiras: desastres ambientais, memória e resiliência coletiva.”

Isabela de Oliveira Brasil (mestranda; Universidade de Brasília) - isabelabrasuca@gmail.com  

 

O escopo desta pesquisa tem como objetivo compreender de que forma as mudanças climáticas tem sido percebidas e vivenciadas pelos pescadores artesanais da praia da Cocanha, situada em Caraguatatuba, no Litoral Norte Paulista - buscando apurar de que maneira estes grupos, que cultivam vínculos peculiares com os ecossistemas que habitam, tem experienciado os reflexos das mudanças ambientais globais em suas vidas e ofício. O alto nível pluviométrico da região do Litoral Norte Paulista e os resultados trágicos decorrentes das intensas chuvas que ocorreram no início do ano de 2023 - instaurando um estado de calamidade pública por 180 dias nas cidades de Bertioga, Guarujá, Ubatuba, Ilhabela, São Sebastião e Caraguatatuba - abrem espaço para a discussão acerca do que pode ser um regime de intensificação de eventos climáticos extremos, bem como para a notável vulnerabilidade socioambiental de suas comunidades tradicionais. Com base em tal contexto, buscarei nesta pesquisa observar de que forma os pescadores artesanais e marisqueiros foram particularmente afetados pelo desastre ambiental em questão, atentando-se às reações coletivas de organização, resiliência e enfrentamento das crises vivenciadas. Para tal, emprega-se a metodologia de entrevistas semiestruturadas, a observação direta do dia a dia dos pescadores e o mapeamento de iniciativas de ajuda, doações, mutirões, reuniões, recorrendo aos atores chaves, lideranças, e parceiros internos e externos.

 

Palavras-chave: Mudanças climáticas; Desastre Ambiental; Pescadores Artesanais; Resiliência Coletiva.

 

 

ST 26 - Etnografias de Saberes Psi: naturezas, formas de existência e modos de subjetivação Coordenação: Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ) - arleal1965@gmail.com Vitor Simonis Richter (PPGAS/UFRGS)

 

Este simpósio visa refletir sobre tecnologias de cuidado e processos de produção de subjetivação presentes no campo dos saberes e práticas psi, sem qualquer juízo sobre sua cientificidade ou eficácia, ou divisão entre conhecimento legítimo ou ilegítimo. Serão considerados estudos e etnografias voltados aos conhecimentos e práticas das neurociências, psiquiatria, psicologia, psicanálise, primatologia que abordem, sob diferentes perspectivas, dispositivos, políticas e técnicas presentes, de um lado, nas práticas terapêuticas, itinerários, agenciamentos sociais, saberes científicos, locais e/ou tradicionais mobilizados por sujeitos e coletividades em relação a processos de saúde-adoecimento; e de outro, políticas públicas e ações do Estado, atravessados por processos de institucionalização e desinstitucionalização de serviços e redes de atendimento em saúde mental. A intenção é ampliar a compreensão e interlocução entre trabalhos que problematizam a construção de saberes e técnicas que tomam a esfera psicológica como campo de atuação e que envolvam questões de gênero, espécie, raça, classe, etnia, entre outros marcadores sociais da diferença como experiências de sofrimento, aflição, perturbação e adoecimento enquanto processos de subjetivação. Também serão bem-vindas propostas teóricas e empíricas que articulem a crítica dos binômios indivíduo/sociedade, natureza/cultura e objetividade/subjetividade ao estudo dos modos de subjetivação hegemônicos no capitalismo tecnocientífico.

 

Palavras-chave: saberes psi, subjetivação, neurociências, saúde mental.

 

 

Sessão 1

 

1 Trauma e violência na assistência pública em saúde mental: reflexões a partir de uma investigação etnográfica

Yuri Coutinho Vilarinho (Doutor em Psicologia pelo PPGP – UFF), yurivilarinho@gmail.com

 

 

O objetivo deste trabalho é discutir os resultados de nossa incursão etnográfica a um dispositivo público de saúde mental, no Estado do Rio de Janeiro, onde acompanhamos, em pouco mais de dois anos, o trabalho diário de profissionais de saúde mental. A pesquisa buscou entender de que maneira a discussão sobre o trauma ocorre nas diferentes práticas cotidianas de cuidado e de que modo a retórica teórica sobre tal conceito se traduz em prática. Ela teve como foco a relação entre trauma e cuidado em saúde mental, e como essa relação é percebida e tratada por profissionais e usuários do serviço. A partir dos diferentes quadros e cenários estudados, os achados gerais do trabalho apontam para uma diversidade de questões, como a multiplicidade de sentidos e dificuldades envolvidas em sua conceituação, para as discordâncias quanto às suas diferentes dimensões, em especial as entendidas como individuais e intrapsíquicas, de um lado, e sociopolíticas, de outro, bem como para questões de ordem de saúde pública, como a prevalência de condições relacionadas à violência. Os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas e práticas de cuidado em saúde mental sensíveis às particularidades do contexto brasileiro, particularmente no que diz respeito aos efeitos da violência na saúde mental da população assistida.

 

 

2 “Terapias de conversão”: Estado, religião, saberes e práticas psi na normatização de

corpos/sujeitos dissidentes

Maria Carolina de Araujo Antonio (UEL); Professora Colaboradora no Depto. Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina – UEL; Doutora em Antropologia Social pela UFSCar; mariacarol@uel.br

Ayron Santos Camargo (Universidade Estadual de Londrina); Residente em Saúde da Mulher pela UEL; ayron.camargo0799@uel.br

Lucas Jivago Lourenço Franco; Psicólogo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); lucasjivagolfranco@gmail.com

 

Em 26 de julho de 2023, a deputada federal Camila Jara (PT), junto com Duda Salabert (PDT-MG) e Tabata Amaral (PSB-SP), assinaram um projeto de lei com intuito de proibir a prática de “terapias de conversão sexual”, sob pena de prisão, de 2 a 4 anos, além de multa. Segundo o projeto de lei: “Há estabelecido um consenso científico de que a orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexo, Assexuais, Pansexuais e Não-binárias (LGBTIAPN+) não podem ser consideradas anormais ou patológicas, mas, sim, variações naturais. (...) existem evidências robustas de que as terapias de conversão não funcionam, não são baseadas em ciência e que causam danos graves às pessoas que são submetidas.” Este projeto de lei acompanha uma série de desdobramentos governamentais e jurídicos em torno das “terapias de conversão” travados nos últimos anos no Brasil. Nesta apresentação, buscamos analisar as controvérsias tomando como ponto de partida uma audiência pública sobre o tema na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, seguida de uma liminar judicial que buscou tornar legítima a terapêutica de “reversão sexual”, caso levado ao STF que determinou a imediata suspensão da liminar. Nosso objetivo é seguir controvérsias e decisões que envolvem profissionais psi, governantes, religiosos, advogados, juízes, que aparecem em processos, documentos e audiências públicas em referência a sexualidades, gênero e modos de subjetivações de sujeitos/corpos dissidentes. Problematizamos embates entre profissionais psi na categorização patológica de identidades sexuais e de gênero a partir de argumentos sobre a origem e/ou causa das homossexualidades e transgeneridades que expõem dualismos como natureza X cultura, inato X constituído, normal X patológico, além da liberdade individual; a cientificidade dos saberes e práticas psi; a laicidade, com discursos de profissionais misturados a argumentos religiosos. A partir do acompanhamento das controvérsias suscitadas pela judicialização da “terapia de conversão”, o intuito é pensar a relação entre Estado, saúde mental e o controle e governamentalidade de corpos/sujeitos.

 

Palavras-Chave: Estado; saúde mental; terapia de conversão; sexualidades e gêneros Dissidentes.

 

 

3 Digitalização de Práticas Psis: uma problematização sobre o uso alienado de tecnologias digitais na psicologia

Camila Pereira Alves. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGIE/UFRGS). psicamilalves@gmail.com

 

Letícia Cardoso da Silva. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPSI/UFRGS). leticiacardosos97@gmail.com

 

Vanessa Soares Maurente. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional (PPGPSI), do Programa de Pós-graduação em Informática na Educação (PGIE) e do curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). vanessamaurente@yahoo.com.br

 

A digitalização das práticas psis compõe uma das faces de um processo amplo de captura digital da vida, catalisado e evidenciado pela pandemia. As formas de conhecer, comunicar e intervir psis têm sido moduladas amplamente pelo uso de TDIC’s que mediam e conectam profissionais e usuários. Plataformas digitais que além dos serviços fins que oferecem, também compõem um projeto de dataficação e algoritmização da vida. Propomos um ensaio teórico que problematize a digitalização das práticas psis através do uso ingênuo e alienação técnica com a qual a psicologia tem usado plataformas comerciais para deslocar práticas tradicionalmente analógicas na ecologia digital. Como pode a psicologia modular suas práticas de trabalho com interfaces digitais para promover saúde mental coletiva e ampliar modos de ser e existir no mundo fazendo uso de TDIC’s situadas no domínio de big techs de vigilância, colonialismo e extrativismo digital? A paradoxal digitalização das práticas psis através de interfaces digitais hegemônicas coloca em análise o problema da crença na neutralidade das tecnologias e no desenvolvimento alienado de práticas psis que têm sido catalisadoras de elementos singulares e sensíveis transformados em dados na maquinaria hegemônica da informática de dominação que controla e quer ditar modos de subjetivação contemporâneos. Como saída possível, apostamos na desalienação digital das práticas psis e no uso de tecnologias de software livre.

 

Palavras-chave: Produção algorítmica de subjetividade; alienação técnica; redes sociotécnicas; colonialismo digital.

 

 

 

 

 

 

4 A simulação diferencial em equipes de uma Divisão de Psicologia Aplicada: onde as semelhanças enganam e instruem

Letícia Gomes Canuto (UFRJ)

Iohanna Saches Grammatikopoulos (UFRJ)

Nina Wettreich (UFRJ)

Arthur A. Leal Ferreira (UFRJ) arleal1965@gmail.com  

 

O presente trabalho parte da pesquisa “Campo Terapêutico e Produção de Subjetividade: O Estudo de Uma Divisão de Psicologia Aplicada”, a qual debruça-se sobre o campo da Divisão de Psicologia Aplicada da UFRJ, onde desenrolam-se práticas de estágios clínicos em diversas abordagens psicológicas. A pesquisa investiga a pluralidade de mundos psi existentes, os quais se alicerçam em diferentes concepções de sujeito, terapia, psicologia e, assim, também engendram diferentes subjetividades. A aposta da pesquisa é no vislumbre das Psicologias por intermédio da Etnografia e dos ensejos da Teoria Ator-Rede. Assim, o trabalho em questão entende que a pluralidade de Psicologias pode ser analisada por meio da observação de atores como práticas empregadas pelas equipes e busca descreve como a prática de simulação dos atendimentos é alçada em equipes muito distintas: a de Psicologia Fenomenológica Existencial e a de Terapia Cognitivo Comportamental. A simulação, nesse caso, diz respeito a uma performance de como seria o atendimento, realizando-a em supervisão, com o horizonte de auxílio para o atendimento real. Observa-se como essas abordagens divergem no uso de tal proposta, seja pela diferença de quem atua em qual papel, por como tal dinâmica é recebida, dentre outros aspectos a serem analisados. Essa diferença, ao ser observada, enriquece as produções na área da Psicologia na medida em que ilumina os muitos mundos que compõem este campo plural.

 

 

5 Clínica psi e os modos de articulação de pacientes e estagiários: entre composições e purificações

Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ) arleal1965@gmail.com  

Letícia Gomes Canuto (UFRJ)

Iohanna Sanchez Grammatikopoulos (UFRJ)

 

Este trabalho busca examinar os modos de articulação e de produção de subjetividades gerados entre as diversas versões do campo das psicologias clínicas. Para acompanhar este processo, optamos por realizar uma pesquisa de campo na Divisão de Psicologia Aplicada da UFRJ. Este espaço foi escolhido, pois aí convivem terapias de orientações diversas (psicanalíticas, gestaltistas, TCCistas, existenciais, neuropsicológicas e esquizoanalíticas) na oferta de atendimentos comunitários. As equipes foram acompanhadas por entrevistas e trabalho etnográfico em grupos de supervisão. Em nossas descrições, foram considerados os modos de engajamento que certas técnicas terapêuticas produzem no intercurso com diversos atores humanos, mas igualmente com dispositivos sociotécnicos (o prédio da DPA, a legislação de estágio e a relação com a universidade). De maneira mais precisa, consideramos os modos de articulação na circulação de pacientes e estagiários entre as diversas versões no campo clínico. Para tal, utilizamos os conceitos de multiplicidade e pluralidade de John Law e Anemarie Mol. Assim pôde ser observada a difícil circulação de pacientes e estagiários pelas mais diversas orientações, assim como a difícil articulação de experiências de diferentes versões por parte dos estagiários e a progressiva composição por acumulação por parte dos pacientes. Tudo isto conduz a um cenário de pluralidade radical encarnada entre as diversas versões clínicas em psicologia neste dispositivo.

 

Palavras-Chave: Produção de subjetividade; Psicologia Clínica; Pluralidade.

 

 

6 O sensível e o efêmero da experiência e da formação: a relação indivíduo e sociedade a partir da Teoria Crítica da Sociedade da Escola de Frankfurt

Cynthia Maria Jorge Viana (UFG) - cynthia_viana@ufg.br  

 

A consolidação da sociedade burguesa, de classes antagônicas e forjada na desigualdade e na exploração, mostra sua potência nos destroços de uma existência engendrada pelo medo diante da barbárie. As crescentes transformações econômicas e tecnológicas, tão necessárias à sobrevivência humana, também provocam mudanças e acirramentos no modo de produção da vida e na relação entre as pessoas. A vida moderna é acompanhada por uma racionalidade que se fundamenta na experiência do efêmero e na desconsideração pela humanidade do outro. Se Benjamin (1994) indaga sobre o sentido da experiência a partir da falta de conteúdo humano a comunicar, diante das atrocidades da Guerra; em Adorno (1996), encontra-se o conceito de formação, contato genuíno, sensível e imprescindível com o outro, que se dissolve em uma condição material de apreensão da realidade que obsta o processo de identificação e diferenciação. A racionalidade que fundamenta a experiência e a formação se expressa de modo objetivo e subjetivo. Em termos objetivos, assiste-se a episódios de destruição das condições de existência física das pessoas de forma cruel e, por vezes, programada. Em termos subjetivos, solapam-se as possibilidades de formação, de tomada de consciência e de elaboração do passado. Nesses termos, esta comunicação, com base na Teoria Crítica da Sociedade da Escola de Frankfurt, discute a relação indivíduo e sociedade, no que concerne aos limites e possibilidades de formação e experiência, material e subjetiva.

 

Palavras-chave: Teoria Crítica da Sociedade; formação; experiência; objetividade-subjetividade.

 

 

Sessão 2

 

1 O lugar da neurociência nas pesquisas e discursos sobre a prática do Mindfulness

Giovanna Paccillo (PPGAS/UNICAMP)

Doutoranda em Antropologia Social

 

Esta proposta estará interessada em como está sendo construída a ciência da meditação mindfulness. Mais especificamente, pensarei o papel da neurociência no discurso de seus expoentes sobre a prática. O mindfulness é um protocolo terapêutico de orientação da atenção para o presente, criado pelo biólogo molecular Jon Kabat-Zinn no final da década de 1970 na Universidade de Massachusetts (MIT). Na época praticante do zen budismo, Kabat-Zinn tentou adaptar um aspecto importante do Dharma (o caminho da iluminação ou despertar) para ambientes seculares, criando um curso de oito semanas chamado Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR) cujo objetivo era o cultivo do awareness. Esta seria a atenção que emerge ao prestar atenção no momento presente (corpo, sons e pensamentos) evitando julgamentos sobre as sensações que se desdobram a cada momento. A prática vem se popularizando em ambientes de saúde e saúde mental, tendo se tornado uma política pública unificada no Reino Unido em 2015. Nesta proposta, analisarei as pesquisas sobre neurociência e o lugar que a neuroplasticidade tem nos discursos dos expoentes da prática. Argumento que, ao tentar localizar a eficácia do mindfulness em termos de mudanças cerebrais, esses atores estão apostando na fisicalidade como via de legitimação ao mesmo tempo que, em um movimento inverso, continuam defendendo primazia da mente (a consciência plena) sobre o corpo.

 

 

2 Dissonâncias epistêmicas, eficácia pragmática: a (não tão improvável) articulação entre medicina genômica e psicanálise em um laboratório brasileiro

Rogelio Alfonso Scott-Insúa (Cornell University, Departamento de Antropologia) - ras676@cornell.edu

 

Este artigo explora o caso de uma experiência clínica experimental realizada em um centro brasileiro de pesquisa genética, onde pacientes diagnosticados com distrofias neuromusculares degenerativas recebem tratamento psicanalítico. O tratamento complementar de saúde mental não é raro na medicina genômica. Como condição de possibilidade, ela tipicamente pressupõe um continuum epistemológico, clínico e ético da abordagem psi com a medicina genética e molecular. Nesse caso, porém, o serviço de saúde mental prestado (a psicanálise) não valoriza sua convergência ou continuidade com a genômica, mas sua dissonância epistêmica, clínica e ética. Epistemicamente, os analistas situam sua disciplina no campo da linguagem, localizando o sofrimento não nos limites da ‘bio-episteme’, mas nas articulações discursivas. Nessa clínica, os analistas optam por desviar o paciente da genômica, para articular seu sofrimento em termos não biomédicos. Eles ativam uma dissonância clínica, abordando explicitamente os problemas trazidos pelo poder que o discurso genômico tem que de moldar as experiências e discursos dos pacientes. Também se opõem explicitamente aos mandatos bioéticos predominantes de empatia, compaixão e resignação realista, aos quais eles se referem como “sofrimento socialmente padronizado”. Apesar dessa dissonância, emergem formas pragmáticas de articulação, nas quais categorias como vida, corpo e sintoma funcionam como objetos fronteiriços entre analistas, geneticistas e pacientes. Esta apresentação faz parte de uma etnografia em curso sobre as transformações da psicanálise brasileira e os debates –internos e externos– sobre sua demarcação científica, eficácia clínica e futuro.

 

Palavras-chave: Psicanálise; Genômica; Doenças neuromusculares; Objetos fronteiriços; Bio-epistemes.

 

 

3 Como se identificam biomarcadores de transtornos mentais? Notas preliminares de uma pesquisa antropológica

Arthur Maccdonal (UFRGS) arthurmaccdonal@hotmail.com  

 

O presente trabalho pretende oferecer um panorama preliminar acerca do coletivo de humanos e não-humanos que se reúne hoje ao redor da produção de biomarcadores em psiquiatria. Para tanto, elabora um campo problemático no qual pesquisas científicas contemporâneas, que se ocupam da identificação de biomarcadores de transtornos mentais, parecem atualizar o velho debate psiquiátrico acerca dos determinantes biológicos da loucura. Partindo desse ponto, sob o pano de fundo das clássicas reflexões foucaultianas sobre a história da loucura e do poder psiquiátrico articuladas com os Science Studies, o trabalho procura explorar como os vários elementos que organizam técnicas, experimentações e conceitos científicos, nos mostram os novos arranjos entre as práticas biomédicas contemporâneas e suas materialidades. Neste cenário materialmente complexo, sangue, proteínas, equipamentos laboratoriais e algoritmos se articulam em uma crescente infraestrutura que, ao instaurar as condições de experimentação científica em busca de uma performance analítica em escala molecular, parecem apontar para algumas características dos regimes biopolíticos contemporâneos.

 

Palavras-chave: Biomarcadores; Science Studies; Materialidades; transtornos mentais.

 

 

4 Pistas em busca de uma psicologia não moderna: as noções de estilo e Interstício

Anna Isa Campos Vasconcelos Comparim (UFRJ) annaisacomparim@gmail.com  

Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ) arleal1965@gmail.com  

 

O resumo discorre acerca das noções de estilo, criação e interstício, trabalhados por Ronald Arendt, como apostas para uma psicologia não moderna. Os conceitos de estilo e criação aludem ao entroncamento da obra, do autor e da realidade que os constitui, rejeitando divisões modernas que focam na interioridade do criador, no objeto ou no alicerce sócio-histórico que os baseiam. Ou seja, estilo seria algo no entre, uma relação de fronteira do autor com a obra e a realidade que os envolve, remetendo às afetações e agenciamentos que fazem fazer, ou criar, essa obra. À esse quadro soma-se a noção de interstício, como apresentado em metáfora por Alfred North Whitehead, que refere a sociedade como “um muro de pedras secas e a vida, como as ervas que nascem nos interstícios deste muro” (Arendt, 2008, p.174), convidando-se a imaginar o interstício como uma representação do eu no mundo, na rede latouriana. A partir desses conceitos pensa-se a tessitura do interstício pelo conjunto de interconexões de atores variados e emaranhado de relações que o compõe; reflete-se também sobre o “estilo de vida”, em uma ampliação dos conceitos de estilo e criação para além de obras artísticas, por um viés mais corriqueiro da subjetivação de atores comuns. Assim, o presente trabalho busca traçar pistas a favor de uma psicologia não moderna utilizando essas ideias por ferramentas, apreendendo a subjetividade como interstício, o “estilo de vida” como subjetivação e a “obra” como forma de estar no mundo.

 

Palavras-chave: subjetivação; Teoria Ator Rede; estilo; criação; interstício.

 

 

5 O que e como se ouve em antropologia e na psicanálise: comparações e questões ao estatuto da “escuta” em dois campos do conhecimento

Aline Fonseca Iubel (UFSCar) alineiubel@gmail.com  

 

Técnica de corpos (ouvintes), escutar é ação fundamental nos dois campos de conhecimento que pretendo abordar neste trabalho: antropologia e psicanálise. O incômodo de Freud com a psiquiatria alemã dos finais do século XIX (que observava o enfermo sem escutá-lo) e a demanda de “apenas ser ouvida”, feita por sua paciente (e de Breuer), Anna O., concederam à escuta um lugar central na psicanálise, desde o seu surgimento. Concebida de maneira ampliada, a escuta analítica tem por função produzir um encontro e é orientadora dos processos de investigação e intervenção. Além disso, em uma análise, escuta-se não apenas com os ouvidos e não apenas o que se fala, mas, com o corpo todo e corpos que falam através de sintomas, lapsos e sonhos. Nos encontros com a alteridade, mola motor da antropologia, também a escuta assumiu protagonismo, promovendo transformações fundamentais para a consolidação da disciplina enquanto campo autônomo e diferenciado em relação a outras ciências sociais. Ouvir e “levar à sério” o que dizem os/as interlocutores/as de pesquisa tem conduzido a antropologia para além daquilo que o/a antropólogo/a observa. A partir dos tensionamentos que ela – a escuta – produz nas relações estabelecidas entre pesquisadores/as e interlocutores/as tanto em campo quanto nos textos etnográficos. A partir de revisão bibliográfica e de minha experiência enquanto antropóloga e psicanalista, pretendo colocar algumas questões a essas duas modalidades de escuta (analítica e antropológica): pode-se falar em duas modalidades? Em que sentidos se assemelham e/ou se diferenciam? Que funções cumprem? Que trajetórias percorrem, nas metodologias e teorias, dessas duas disciplinas? Passam por transformações? Promovem inovações? São concebidas e reconhecidas como técnicas ou métodos científicos?

 

Palavras-chave: escuta; antropologia; psicanálise; técnica e métodos de pesquisa.

 

 

6 Nas órbitas de um centro de cálculo: construção de públicos para um instituto de medição na Colômbia

Bruno de Barrios Jaraba (Universidad del Valle)

 

No cumprimento de sua missão como órgão governamental responsável pela realização de avaliações padronizadas de estudantes em vários níveis do sistema educacional colombiano, o Instituto Colombiano de Avaliação Educacional (ICFES) coleta, processa e preserva grandes volumes de dados sobre a aprendizagem dos alunos, mas também sobre variáveis de seus lares e instituições educacionais. Espera-se que esses dados orientem ações em diferentes níveis que contribuam para a melhora da qualidade educacional e a redução das lacunas sociodemográficas nesse sentido. Como essas ações correspondem a outros agentes do sistema, o ICFES tem sido obrigado a abordar diferentes públicos por meio de variadas estratégias, a fim de garantir que seus dados continuem circulando e se tornem relevantes para o sistema educacional. Por meio de observações etnográficas em reuniões institucionais, bem como de análises discursivas de várias de suas publicações, procuramos analisar as diversas estratégias do ICFES para fazer circular seus dados e construir seus usuários. Essa abordagem nos permite contribuir para o debate sobre datificação e governamentalidade no âmbito das sociedades neoliberais, mostrando como os dados produzidos pelo ICFES assumem formas variáveis de acordo com os diferentes cenários em que são implantados e os públicos para os quais são direcionados, levando, em certos casos, a cursos de ação divergentes, uma situação completamente coerente com uma ordem neoliberal na qual o exercício do governo é distribuído em instâncias plurais e díspares.

 

Palavras-Chave: Avaliação educacional; Datificação; Governamentalidade.

 

 

Sessão 3

 

1 Quem é o sujeito do cuidado em saúde mental? A (de)negação das violências raciais na formação de psicólogos-psicoterapeutas

João Paulo Siqueira (UnB) joaop.307@gmail.com  

 

 

Este trabalho tensiona os saberes e fazeres psicoterapêuticos em contexto brasileiro, em especial na problematização de quem é o sujeito alvo dos cuidados em saúde mental ensinados na formação de psicólogos-psicoterapeutas na Universidade de Brasília. Para isso, discuto a formação em psicologia através do mapeamento de disciplinas oferecidas nas faculdades do Distrito Federal, como a UnB, e também por meio de incursão etnográfica em um grupo de atendimento psicoterapêutico para pessoas negras, analiso suas implicações para prática profissional. Os dados apontam para uma caracterização abstrata dos sujeitos que serão alvo de intervenções psicoterapêuticas, sem definição da nacionalidade, raça/etnia, gênero ou orientação sexual, ou seja, um ser universal. A não mobilização do pertencimento racial e do racismo como produtores de sofrimento psíquico se configura como uma reificação da violência racial e contrária às diretrizes do SUS e do Conselho Federal de Psicologia, sobretudo no contexto brasileiro, em que a maioria da população é negra e alvo de preconceito e discriminação. Nesse sentido, a negação das demandas raciais na saúde mental é uma expressão sintomática das dinâmicas raciais do país, marcada pela democracia racial. Por fim, aponto a importância de se territorializar culturalmente o sujeito para que ele possa ser cuidado de forma integral, conforme preza a perspectiva decolonial e uma antropologia enraizada.

 

Palavras-chaves: racismo, saberes psi, psicoterapia, saúde mental, formação.

 

 

2 Entre antropologia e psicanálise: contribuições para a escuta de estudantes universitários indígenas

Isabela de Oliveira Rosa (UFG)

Luanna Arapium (UFOPA) luanna.ufopa@gmail.com  

Luis Felipe Kojima Hirano (UFG) lfhirano@gmail.com  

 

Esta pesquisa tem como objetivo articular antropologia e psicanálise no contexto universitário, a partir de diálogos com estudantes indígenas de diversas etnias. Busca-se, por um lado, conhecer trajetórias indígenas no contexto acadêmico, a partir da relação com estudantes de graduação e pós-graduação de diferentes cursos. Por outro lado, busca-se pensar a possibilidade de escuta aos acadêmicos indígenas pela via da psicanálise. Neste intuito, abordaremos uma relação particular de análise entre Isabela (analista e antropóloga) e Luanna (analisante e doutoranda da etnia arapium). Discutiremos o trabalho e a escuta que viemos tecendo juntas há 1 ano. Partimos teoricamente da articulação entre etnobiografia e clínica psicanalítica como formas de se contar histórias e de lidar com os efeitos destas narrativas tanto sobre aquele que as produzem como para aquele que as escutam. Propomos uma revisão de conceitos e estudos psicanalíticos, antropológicos e etnográficos que vêm se esforçando na articulação entre os campos na contemporaneidade. Tem-se como questão fundamental: qual ou quais psicanálises poderiam viabilizar o tratamento e escuta de pessoas indígenas no contexto universitário? Com o estudo, pretendemos trazer contribuições para a melhoria do acolhimento no contexto das políticas e ações afirmativas, compreender elementos que constituem o sofrimento destes estudantes e pensar possíveis configurações de trabalho a psicólogos e psicanalistas inseridos também na universidade.

 

Palavras-chave: clínica psicanalítica; etnobiografia; estudantes indígenas; universidade.

 

 

3 Saúde mental da população LGBT no SUS: problematizações a partir da experiência do Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) - Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais

Marco Antonio Gatti Junior (UFMG)

 

O trabalho é parte de etnografia referente à dissertação de mestrado concluída no final de 2022, onde a pesquisa teve por objetivo entender a forma como a população lésbica, gay e bissexual (LGB), principalmente, é compreendida, acolhida e acompanhada por profissionais que compõe a equipe multidisciplinar dentro da Rede de Atenção Psicossocial, especificamente nos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM) em Belo Horizonte. O estudo busca através do campo compreender qual a permeabilidade e a realidade da execução das legislações e diretrizes referentes ao cuidado à população LGBT na Rede de Atenção Psicossocial e do Sistema Único de Saúde (SUS) no que tange a Saúde Mental, a partir da forma como profissionais de tais serviços trabalham com estas questões no cotidiano do CERSAM. Expende-se acerca das ferramentas de patologização voltadas diretamente às pessoas LGB’s no que tange a sexualidade, avaliando o histórico de disputas institucionais e biomédicas, como por exemplo os projetos e debates entorno da chamada “Cura Gay” que se tornaram situações paradigmáticas, para então confrontá-las com a política de acompanhamento hoje aplicada pelo CERSAM, que pode ser caracterizada como contraposição a tais projetos e debates, no que tange a patologização.

 

Palavras-chave: CERSAM; Sexualidade; Saúde Mental; Antropologia; Política Pública.

 

 

4 Os corpos da ciência: uma análise do mundo acadêmico, do sofrimento psíquico e a invenção das doenças mentais

Igor Holanda (UFPE), igor.holanda94@gmail.com

 

O campo dos conhecimentos psi engloba uma produção de origem europeia sobre a dimensão psíquica, mental e mesmo espiritual dos seres humanos, e é uma impressionante “invenção” da modernidade (Wagner, 2012): um campo do conhecimento técnico-científico que explora uma produção baseada em patologias mentais análogas a doenças fisiológicas (Nathan e Stengers, 2018; Canguilhem, 2015), onde seu suposto locus terapêutico tende a se basear no cérebro e a regulação de seus processos fisiológicos (Rose e Abi-Rached, 2013), por sua vez agenciado por psiquiatras a partir de problemas causados pelo neoliberalismo e o mercado de psicofármacos (Davies, 2013; Safatle et al., 2022). É sobre esse cenário contemporâneo dos saberes psi que pretendo discutir nesse artigo, abordando algumas das particularidades epistemológicas desse campo do conhecimento. A partir da produção etnográfica que venho desempenhando nos últimos anos entre estudantes universitários com problemas de depressão ou ansiedade (Holanda, 2021), pretendo discutir os diferentes modelos terapêuticos acessados pelos interlocutores da pesquisa, os critérios de validação da doença mental, como a dimensão neurológica do adoecimento é interpretada e agenciada por esse grupo, e como o diagnóstico e eficácia são questões pertencentes a uma cadeia de acontecimentos em mudança, por onde os saberes psi fazem parte assim como o cuidado familiar, a desigualdade social ou a seguridade do Estado Por fim, farei uma análise sobre a experiência acadêmica como um excelente caso onde o cruel optimism (Berlant, 2011) está presente na expectativa dos interlocutores, sobre como processos de meritocracia muitas vezes são rituais de validação de uma ciência normal, baseada em um cotidiano vital para a produção de conhecimento (Kuhn, 1987).

 

 

5 O Serviço de Higiene Mental do Recife e os cultos espíritas e de matriz africana

Lucas Baccetto (Unicamp), lucas.baccetto@gmail.com

 

Neste trabalho, abordarei a atuação e os escritos de médicos psiquiatras brasileiros sobre os cultos espíritas e de matriz africana nos anos 1930. Em particular, estarei interessado nos atores do Serviço de Higiene Mental da cidade do Recife, divisão pertencente à Assistência a Psicopatas de Pernambuco, que se manteve ativa entre 1931 e 1937. O Serviço ficou notabilizado por atuar na intermediação junto à Secretaria de Segurança Pública do Recife para a concessão de licenças de funcionamento aos terreiros e centros espíritas, criminalizados pelo Código Penal então vigente. A partir da análise de teses e artigos médicos publicados no periódico científico do Serviço, assim como das notícias e textos dos psiquiatras junto aos jornais locais, tratarei das concepções e práticas dos atores em relação aos praticantes cultos locais. Meu interesse está voltado a dois aspectos: por um lado, o papel fundamental junto ao Estado brasileiro no controle e na permissão ou não de existência desses cultos; por outro, a produção de conhecimento psiquiátrico a partir de observações de pesquisa de campo nos espaços de culto e de experimentos e questionários junto aos médiuns e pais de santo.

 

Palavras-chave: psiquiatria; espiritismo; religiões de matriz africana.

 

 

6 Lévi-Strauss e três modos de problematizar a loucura

Pedro Roberto Meinberg Garcia Filho (UFSCar), pedro.meinberg@gmail.com

 

Este trabalho discutirá três modos possíveis de se problematizar a loucura a partir do pensamento de Claude Lévi-Strauss. Para tanto, a análise se baseia nos textos “Introdução à obra de Marcel Mauss” [1950], “O totemismo hoje” [1962] e “Cosmopolitismo e esquizofrenia” [1976], sem, no entanto, desvinculá-las do conjunto da obra de seu autor. Na análise dos textos, percebe-se um Lévi-Strauss interessado em problematizar a loucura; fica nítido também que em cada um deles, escrito cada qual em uma década, Lévi-Strauss lança mão de diferentes modos de análise: no primeiro texto, aborda a oposição entre normal e patológico sustentado por dualismos tipicamente sociológicos, como indivíduo e sociedade; no segundo texto, ao estabelecer um ponto de comparação entre a histeria e o totemismo, sugere-se uma leitura da loucura como um problema peculiar a um determinado ponto de vista racional e moderno; já no terceiro texto, ao comparar uma interpretação psiquiátrica acerca da esquizofrenia a um mito Chinook, aparece uma ideia de loucura sem se sustentar nos dualismos modernos, dentre eles natureza e cultura. Na época deste último texto analisado, Lévi-Strauss está tomado pela “filosofia moral” expressa nos mitos ameríndios, discutidos na série “Mitológicas”, onde se ficou conhecido que a natureza não seria apenas “boa para pensar”, mas seria ela própria condição do pensamento. Um conceito de loucura, inspirada na mitopráxis ameríndia, apareceria como devir e transformação, mais próxima de autores reconhecidos como pós-estruturalistas.

 

Palavras-chaves: Lévi-Strauss; loucura; transformação; pós-estruturalismo.

 

 

 

 

7 O Recolhimento de Alienados das Perdizes: entre teoria e prática

Leticia Oliver Fernandes (USP), leticia.oliver.fernandes@usp.br   

 

Ao prospectar a produção científica a respeito das instituições de assistência, tratamento e controle da loucura na cidade de São Paulo no início do século XX, o Recolhimento de Alienados das Perdizes (1913-1931) costuma aparecer de maneira marginal e sem grandes aprofundamentos. A instituição, fundada em 1913 com o objetivo de ser um lugar de espera para pessoas que aguardavam vagas no Hospital do Juquery (SP), situava-se entre a administração policial e a administração médica. Desde sua fundação, foi marcado pela superlotação e pela insalubridade, e sustentou-se como um espaço eternamente provisório até o momento de seu fechamento. Há poucas fontes históricas que dão a ver as razões mobilizadas em favor de sua criação, e muitas que a declaram enquanto espaço inadequado para o asilamento e tratamento de seus internos. Nesta apresentação, a pesquisadora apresentará duas fontes, uma de cada tipo, escritas pelo mesmo médico neuropsiquiatra, e as analisará em uma perspectiva comparativa. O primeiro artigo, datado de 1912, apresenta a instituição enquanto esperança para a profilaxia do agravamento da loucura no espaço urbano, inspirado na experiência da Alemanha no final do século XIX, enquanto o segundo, datado de 1916, denuncia o seu fracasso e repete o clamor pela fundação de um outro lugar que dê conta do modelo idealizado.

 

Palavras-chave: Psiquiatria; São Paulo; Loucura; Medicina.

 

ST 27 - Coletividades, imaginações e enfrentamentos diante da ameaça e das alterações de regimes de vida Coordenação: Ana de Francesco  (FGV) - anadefrancesco@gmail.com Thais Mantovanelli (ISA) - thaisremantovanelli@gmail.com Stella Zagatto Paterniani  (Unesp) -  stella.paterniani@gmail.com

 

Desastres ecológicos, epidemias e deslocamentos forçados tornaram-se eventos corriqueiros: não se trata mais de evitá-los, mas de prevê-los e abrandar seus efeitos mortíferos. A ciência ocidental tem se esforçado em criar modelagens matemáticas para estimar os efeitos da mudança do clima, como a elevação do nível dos mares e a alteração do regime de chuvas. Políticas públicas de abrangência planetária governam fluxos diaspóricos de pessoas e de vírus. Pari passu, povos indígenas e tradicionais observam os efeitos da alteração do clima em suas práticas cotidianas: na desregulação dos ciclos de migração dos peixes, na imprevisibilidade do calendário agrícola. Pessoas que lutam por um lugar para viver e coletivos negros apontam a continuidade da antinegritude. Assim, regimes de vida alterados geram rupturas e mudanças nos modos de fazer e viver o mundo, mas mostram também que as feituras e as imaginações contracoloniais têm driblado a destruição de mundos desde há muito. Dando continuidade ao ST06 “Tecnologias estatais, resistências e composições contra a dominação da vida”, na VIII REACT, no qual discutimos mobilizações e insurgências contra práticas de controle e aniquilação da vida, convidamos pesquisadores, ativistas e coletivos a partilhar experiências de identificação e mensuração de regimes de vida alterados ou ameaçados, bem como estratégias comunitárias de enfrentamento e adaptação diante de novas ou não-tão-novas-assim configurações ecológicas e ontológicas.

 

 

Palavras-chave: regimes de vida alterados, estratégias comunitárias, imaginações contracoloniais.

 

 

Sessão 1: Imagens de controle e enfrentamentos coletivos

 

1 Participação cívica de indígenas antropólogas no contexto da pandemia de Covid-19: do isolamento social às articulações e resistência políticas

Daniel Lucas Dejavite de Biagio (Universidade de São Paulo, Graduando em Direito)

daniel.biagio@usp.br

 

Em 2020 e 2021, no contexto da pandemia de Covid-19, produzi a iniciação científica “Indígenas antropólogas(os) brasileiras(os) e suas produções sobre a pandemia da Covid-19: percepções de direitos e políticas públicas”, orientado pela Profa. Ana Pastore Schritzmeyer. Indígenas antropólogas localizavam-se em posições potencialmente transformadoras ao direcionar seu olhar a produções não indígenas. Desse lugar, possibilita-se desestabilizar saberes e concepções de direitos tradicionalmente marcados pela colonialidade, através de formas inovadoras de organização social. Sua atuação política e científica poderia, assim, proporcionar novas maneiras de pensar a categoria “antropóloga cidadã”, especialmente na pandemia, um fenômeno social total. A coleta e sistematização das produções dessas pesquisadoras resultaram em quatro categorias representativas: Impactos da pandemia nos povos indígenas; Cosmologias em confronto; Saúde e conhecimentos tradicionais; Solidariedade indígena e resistência política. Os resultados evidenciam a violência dos efeitos da pandemia nas autoras e em seus povos, bem como a necessidade de construção de articulações de resistência plurais e de diversos âmbitos – pessoal, institucional e/ou coletivo, tal qual a Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges. Tais considerações figuram posições na interlocução entre Academia e sociedade, antropologia e participação cívica, o que, por fim, nos ajuda a compreender o que a pandemia tem a dizer sobre nós.

 

Palavras-chave: antropologia jurídica; covid-19; pandemia; participação cívica; políticas públicas; povos indígenas.

 

 

2 Resiliências, novas governanças e desigualdades: o mundo pós pandêmico e os desafios teórico-metodológicos da pesquisa transdisciplinar e transnacional

Aline Yuri Hasegawa (UNICAMP), aline@peixelindo.com.br  

Marina Fontolan (University of Texas, Austin), fontolan_marina@yahoo.com.br  

Leda Gitahy (UNICAMP), leda@unicamp.br  

 

Nessa proposta, apresentaremos os resultados preliminares e desafios do projeto ENDURE, um projeto de pesquisa transatlântico e transdisciplinar. Entendendo o caráter transnacional dos impactos da pandemia COVID-19 e considerando os diferentes contextos nacionais, o projeto busca prover uma visão holística da pandemia, sistematizando dados produzidos por diferentes metodologias de pesquisa. A partir da elaboração e das percepções de uma equipe transatlântica com experiência no estudo de "desigualdade", "gênero", "resiliência", "migrações", "governança" e "radicalização", este projeto está ancorado em cinco clusters: Governança em tempos de crise: (des)mobilização do lockdown e públicos; Desafiando desigualdades no mundo Pós- Covid: mobilização, agência e pertencimento; Atitudes públicas e resiliência depois de  eventos de crise: avaliando valores (i)liberais e estresse social; Mobilizando des)informação e comunidades: governança retórica, polarização e empatia; e Modo de inovação: síntese do conhecimento interdisciplinar do ENDURE.

 

 

3 Casa de Reza Guarani na disputa cosmopolítica: a Multiescalaridade Fractal como resistência à escalabilidade antropocênica

Orivaldo Nunes Junior (Pesquisador do Grupo de Pesquisa PEST - Práticas Interdisciplinares em Sociabilidades e Territórios, Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC)

nunonunes3@gmail.com

 

Para Anna Tsing, a Escalabilidade é a prática antropogênica de ampliação dos projetos modernistas sobre o território, não levando em consideração a diferença e a indeterminação. O Povo Guarani resiste à colonização tendo como centro de suas comunidades as Casas de Reza, percebidas como a reprodução em escala humana do Macrocosmos criado por Nhanderu Nhamandu (Nosso Pai Que-faz-Sentir), onde vivem seres em múltiplas escalas. A estratégia Guarani do norte de Santa Catarina foi de criar seu Protocolo de Consulta para se protegerem do avanço de empreendimentos. O Artigo 5 da Convenção rege que "deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos". Os Guarani de doze Aldeias criaram uma Câmara Técnica Indígena - ICATE, para analisar Estudos e Programas em Processos de Licenciamento com vistas o reconhecimento e proteção das práticas espirituais que são realizadas nas Casas de Reza pelos Xamã (Xeramõi e Xejaryi), responsáveis pelo diálogo com seres do cosmos invisíveis aos não iniciados no Xamanismo Guarani. A Câmara Técnica Indígena atua sob demanda dos caciques e lideranças de doze Aldeias, composta por jovens que dialogam com anciãos sobre a perspectiva dos Espíritos, sendo desde os Nheẽ que habitam a escala

humana, os Djá que habitam a escala territorial, e os Nhanderu que habitam o cosmos, numa referência à Multiescalaridade Fractal em que se reproduzem conforme as mesmas propriedades em diferentes escalas.

 

Palavras-chave: Cosmopolítica; Guarani; Multiescalaridade; Fractal.

 

 

4 Modos de re-existência diante das mudanças climáticas: fuga e transmutação no Antropoceno

Luciana Costa Brandão (Mestrado em Sociologia - UFRGS)

luciana.costa.brandao@gmail.com

 

A partir de percursos realizados entre Porto Alegre (RS) e Careiro da Várzea (AM), o presente trabalho se propõe a mapear um conjunto de práticas, técnicas e narrativas que servem de ponto de partida e contribuem para caracterizar dois modos de re-existência frente às mudanças climáticas, aqui denominados como movimentos de fuga e movimentos de transmutação. Através da fricção de diferentes saberes científicos e populares e em diálogo com autoras como Anna Tsing, Donna Haraway, e Isabelle Stengers busquei acompanhar, registrar e costurar algumas das ações performatizados por seres humanos e não-humanos nos espaços de choque e troca entre diferentes mundos. Um dos resultados desta pesquisa foi a originação de um novo arte-fato poético denominado "Monstruário", o qual pode ser concebido, lido e acessado como um livro de poemas. Com este trabalho, busco contribuir para que possamos vislumbrar possibilidades de lidar tanto com os fantasmas do mundo em ruínas que estamos deixando para trás, quanto com os imprevisíveis monstros, criaturas, quimeras e feras habitantes das ecologias que estão por vir.

 

Palavras-chave: antropoceno; mudanças climáticas; refúgios; fricção de saberes; poesia; arte.

 

 

Sessão 2: Imaginações para além da captura modernista

 

1 Caçando casa, farejando terra: buscas por moradia, retomadas étnicas e invencionices entre descendentes de Candangos no DF dos povos

Bruno Araújo Lopes (Universidade de Brasília – UnB), bruno.lopesxc@gmail.com  

Natália Maria Alves Machado (Universidade de Brasília – UnB), nataliamariamaria@gmail.com  

 

Grande parte da população do Distrito Federal e Entorno é composta por pessoas que convergiram para a capital federal ontem e hoje em movimentos migratórios precipitados por ‘grandes empreendimentos’ e também desde a pauperização de Povos e Comunidades Populares e Tradicionais, especialmente do Nordeste brasileiro, sob cataclismas, escravismo vivo e concentrações de terra e capitais desde o império. Descendentes por aqui buscam viver e sobreviver em casas possíveis, através de estratégias diversas. O intenso do que ocorre supera classificações, alcança o que acontece no singular dos dias, no frigir das diferenças e no suportar das desigualdades. Em contrapartida, opta-se na presente reflexão explicitar encantarias, festas, territórios simbólicos mesmo nas distâncias geográficas, deslizamentos técnicos entre envios e recebimentos de notícias e insumos (mandingas, ervas, farinhas, rapadura, mel, fofocas, lembranças e memórias), arranjos de vida na terra mesmo não sendo proprietário de terra, ainda que pressionados pelo aumento das populações de rua e pelos altos preços dos aluguéis (e de tudo mais). Ser Cerrado e ser Nordeste mesmo sem conseguir viajar (gente xamã que sonha quando dorme e é real ir lá). Depois de muito procurar, tentar morar em assentamentos e matas, ainda que alugadas ou cedidas, invencionices cotidianas no criar ordinário de voltas para si-todo-rede, em sentido étnico, corporal, no rezo, nas feiras, no que as tecnologias da informação favorecem, mas sempre houve de câmbios por sinal de fumaça, pombo correio, caixeiros-viajantes.

 

Palavras-chave: casa; terra; acessibilidade; delírio.

 

 

2 Subvertendo a “Marcha para o Oeste” e a mútua exclusão - trocando farinha e memórias enquanto tentamos sobreviver à capital modernista

Ludmila Raquel Karino Tavares (Mestranda PPGDH - UnB)

Ludmilakarino1@gmail.com  

Guilherme Fernandes Peixoto (Graduando em Comunicação Social – UnB)

criativogui@gmail.com  

 

Como pessoas mestiças, lidas como socialmente brancas porém de territórios e costumes estigmatizados, se validam enquanto etnicamente diferenciadas a partir de pulsões relacionais-situacionais, contudo, condicionadas por justas tensões racializadoras: em tela, o Oeste da Bahia, mirado por grandes empreendimentos (MATOPIBA entre outros), pelo rico “Geraes”, lugar das Encomendadeiras de Alma, do Rio São Francisco e seus afluentes, da Romaria de Bom de Jesus da Lapa, da cultura de Caboclo Boiadeiro, Comunidades de Fundo de Pasto, farinha, rapadura, cachaça de alambique, “Sol quente pra todo lado”, meio cerrado e meio caatinga. A ligação do centro-oeste à Bahia passa por quase 200km de monoculturas a perder de vista na tentativa de neutralizar os brejos e a memória de mais de 60 anos de migração para o DF, até atravessar a fronteira do posto do Rosário com Correntina. Tal qual o Rio Corrente, nossas águas se encontram num lugar de vazio e reencontro. É um afogar-se na ausência daquilo que não foi vivido no rio (XAKRIABÁ, 2018), um saber-se parte dos povos do cosmos vivo (CARVALHO) e um se deparar com outros de nós, semelhantes, porém sem a passabilidade racial. Essa aproximação exige firmeza dos que migraram para construir uma cidade que não os queria como habitantes. Exige a curiosidade de quem descobre o mundo e tece sentidos e conexões. Exige comprometimento com a memória, com a verdade e com a justiça. Aqui afirmamos a importância da ousadia e do contato para pessoas em retomadas étnicas, ancoradas na relação com o sagrado da terra e rememoramento de uma forma de habitar o mundo menos abrasiva e mais biosférica. A troca cosmoperceptiva garante a materialidade que acolhe percepções, angústias e estranhamentos gozosos.

 

Palavras-chave: retomada, Oeste da Bahia, memória, território.

 

 

3 Turismo de base comunitária e Unidades de conservação da natureza: estratégias, saberes e enfrentamentos.

Maria Stael Pifano (Graduanda em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora)

mariastael.pifano@estudante.ufjf.br  

Edilaine Albertino de Moraes (Professora Adjunta do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Juiz de Fora)

edilaine.moraes@ufjf.br  

Teresa Cristina de Miranda Mendonça (Professora Associada do Departamento de Administração e Turismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

teresam@ufrrj.br

 

Este estudo tem como objetivo identificar e analisar estratégias comunitárias de turismo de base comunitária (TBC) para apoiar o enfrentamento às ameaças sofridas em seus territórios, que foram transformados em unidades de conservação da natureza (UC). Essa pesquisa foi desenvolvida em um contexto pós Covid-19, após a passagem pelo isolamento social, pela pausa forçada do turismo de base comunitária e pelo fechamento das unidades de conservação para visitação em diferentes biomas brasileiros. A metodologia adotada foi a qualitativa, envolvendo pesquisa bibliográfica e documental, que permitiu identificar recentes produções nacionais e internacionais sobre a temática com casos empíricos e documentos técnicos de políticas públicas de conservação da natureza relacionados. Outro procedimento utilizado foram as mídias sociais Whatsapp, Facebook, Instagram e Youtube, o que permitiu acompanhar informações, palestras, lives e interações on-line de organizações não governamentais e de outras iniciativas da sociedade civil associadas ao TBC em UC. Dessa forma, foi possível compreender que apesar de todas as adversidades ambientais, sanitárias e a inexistência de políticas públicas coerentes com as necessidades locais, o TBC com as unidades de conservação tem configurado uma via possível de transformação nos modos de fazer e viver o mundo. Esse processo tem sido composto não apenas por povos e comunidades tradicionais, mas também por acadêmicos, consultores, movimentos sociais e gestores públicos implicados nessa temática, a fim de promoverem múltiplas reações em prol da inclusão social, de atividades produtivas que gerem retorno para a manutenção dessas unidades, além da salvaguarda e proteção da natureza-cultura e de valorização dos saberes locais.

 

 

4 Fabulando corporalidades em relações de alteridade significativa entre espécies companheiras

Marcela Pereyra Páez Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena – IA/Unicamp

m221022@dac.unicamp.br  

 

Esta pesquisa, desenvolvida dentro do campo das artes do corpo, parte de inquietações sobre a necessidade de cultivar outros modos de ser e estar no mundo (KRENAK, 2019) e romper com a lógica especista e excepcionalista que tem baseado a interação de grande parte dos humanos com o restante da rede multiespécie que compartilha o planeta conosco. Para fabular cenicamente futuros possíveis imaginamos como podem ser as criaturas que habitarão, no futuro, os mares de plástico que estamos se espalhando pela superfície da Terra. O trabalho criativo emergiu entre dança, instalação e performance a partir da interação não hierarquizada das matérias: corpo e plástico, e pela investigação relações de alteridade significativa (HARAWAY, 2021) com seres tentaculares, especificamente as minhocas. O encontro com essas corporeidades tentaculares também inspirou o desenvolvimento de uma prática de trabalho corporal híbrida entre a dança e a educação somática, motivada pelas provocações: Como podemos nos relacionar com responsabilidade na rede multiespécies da qual fazemos parte (HARAWAY, 2019)? Como podemos conviver com ela em relações de alianças afetivas (KRENAK, 2021) e nos permitir aprender com seres tão diferente de nós? Trata-se de trocar e aprender. O que criaturas subterrâneas e invertebradas, como as minhocas, podem nos ensinar sobre nosso corpo e nossa presença? É parte desse processo criativo, ainda em andamento, que compartilhamos neste encontro.

 

Palavras-chave: criação; corporeidades; alianças afetivas; rede multiespécies; dança.

 

 

Sessão 3: Esgarçando e comparando ecologias

 

1 [título não informado]

Ana Carolina Araújo Fernandes (Doutoranda - Universidade Federal de Goiás-UFG)

anacarolinaafernandes@gmail.com  

 

O distrito de Morro Vermelho, em Caeté (MG) tem sua origem ligada à mineração. Fundado por volta de 1690, historiadores relatam que em 1701 o arraial foi identificado por bandeirantes como Borba Gato como um local rico em jazidas de ouro. A atividade intensiva de mineração do ouro durou até por volta de 1750, quando as jazidas de ouro de aluvião se esgotaram, despovoando o distrito e enfraquecendo aquela comunidade economicamente. O distrito do Morro Vermelho em tempos atuais, tem sua economia ligada à plantação de eucalipto, produção de carvão e agricultura familiar de pequeno porte. Possuindo uma vida pacata desde o fim do primeiro ciclo da mineração, atualmente o Morro Vermelho possui cerca de 800 moradores. É um local tranquilo, de forte influência na política local da cidade Caeté. Além das manifestações culturais, o distrito possui exuberantes paisagens, especialmente devido às cachoeiras, que contribuem para o abastecimento de importantes aquíferos. Algumas áreas compõem o Parque Nacional da Serra do Gandarela. Desde o início dos anos 2000, a população do Morro Vermelho convive com a notícia da possibilidade da implantação de uma grande mina de exploração de minério de ferro. O projeto Apolo, da Vale S.A, é um projeto que pretende se estabelecer em áreas do distrito. Apresentado amplamente pela primeira vez em 2011, mas paralisado, o projeto foi retomado pela Vale em 2022, e está novamente em fase de licença ambiental. A possibilidade de implantação do projeto Apolo, coloca uma série de questões para a população, que se depara com a possibilidade de um novo boom econômico. Expectativas de benefícios como a empregabilidade e preocupações, como as transformações sociais e risco de esgotamento da água povoam o pensamento dos moradores.

 

Palavras-chave: Mineração; Comunidades Locais; Antropoceno; Desenvolvimento Econômico; Alterações Socioambientais

 

 

2 Apontamentos sobre as relações dos Xikrin do Cateté e a mineradora Vale

Julia Silva de Castro (Doutoranda em Antropologia Social USP)

julia.scastro@usp.br

 

Os Xikrin do Cateté convivem há cerca de 40 anos, na região de Carajás (Amazônia paraense), com os empreendimentos mais lucrativos da Vale S.A. Diante da presença de um grande projeto minerador, viram-se envolvidos com a “política dos kubẽ” (Mantovanelli, 2016), na tentativa de diminuir ou reverter os impactos em seu território. Ao mesmo tempo, estão envolvidos em diversos projetos que visam a documentação e preservação de sua cultura, língua, costumes – muitos deles fomentados financeiramente pela própria Vale. Nos últimos anos, os problemas que enfrentam nessas complexas relações com empreendimentos têm se renovado e, suspeito, se intensificado. Tudo isso ocorre em um contexto que, se de um lado os grandes projetos de desenvolvimento avançam na exploração dos “recursos naturais” para otimizar seus lucros, por outro lado, há uma crescente ênfase na impossibilidade de se desarticular a luta pela autonomia cultural dos povos indígenas e a preservação do meio ambiente. Diante deste complexo cenário, pretendo desenvolver algumas reflexões acerca do que Turner (1991) e Albert (2002) denominaram de “ecologização do discurso político indígena” sobre o movimento indígena nos anos 1980, mirando na possibilidade de atualização desta análise para uma “indigenização do discurso ecológico” no contexto atual.

 

Palavras-chave: Xikrin do Cateté; Mebengokre; Ecologia; Mineração e(m) Terras Indígenas.

 

 

3 Entre fronteiras: práticas de resistências indígenas dos refugiados waraos em Belo Horizonte

Maiara Diana Amaral Pereira (Doutoranda da Universidade Federal de Minas Gerais)

maiaraamaral88@gmail.com

 

Os indígenas Waraos são originários do Nordeste da Venezuela, do Delta do Orinoco e região adjacentes. os Waraos era um povo sedentário e não possuíam característica nômade, aderiram características migratórias por causa de intervenções diversas em seu território de origem. Outra característica desse povo indígena é a variação cultural interna que refletem tanto nas relações sociais dentro do próprio grupo quanto nas sociedades envolventes que mantêm relações (ROSA, 2020). Os Waraos migraram, primeiramente, dentro do território venezuelano só que com a crise política atravessaram a fronteira com o Brasil em 2014 pela primeira vez, nesse momento foram deportados de volta de Polícia Federal de Boa Vista (Roraima) e em 2016 tornaram migrarem para o país como refugiados. A minha pesquisa é sobre A migração warao para o Brasil é um fenômeno recente, em 2014 quando atravessaram a fronteira pela primeira vez foram deportados, já na segunda onda da migração o Estado brasileiro aplicou políticas de acolhimento. É necessário ressaltar que essa migração possui particularidades por ser um grupo indígena e o judiciário está enfrentando desafios para aplicação das leis que garante tanto o direito dos refugiados como dos povos indígenas. Os waraos estão assim na fronteira dos direitos refúgio\indígena buscando no país o que perderam na Venezuela; inclusive os direitos dos povos originários. Eu, como antropóloga, pesquisadora e estagiária de pós do Ministério Público, estou na fronteira da ação, da pesquisa, dos estudos e de como colaborar de maneira ética, enquanto pesquisadora que estuda os waraos e migração em contexto de crise, dentro da instituição ao mesmo tempo que elaborarei uma etnografia do Ministério Público no acolhimento aos waraos e as práticas de resistência dos waraos.

 

 

4 Radicalidade e inovação em áreas protegidas no Brasil? “Retomadas” em terras indígenas e “territórios de usos comum” à luz da conservação convivial – um projeto em andamento

Henyo Trindade Barretto Filho (Departamento de Antropologia, Instituto de Ciências Sociais, UnB)

henyo@unb.br  

 

Trata-se de projeto de pesquisa pós-doutoral em andamento, conduzido em articulação com a organização indígena Terena Caianas (Coletivo Ambientalista Indígena de Ação para Natureza, Agroecologia e Sustentabilidade) e a ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil. Propõe-se etnografar comparativamente iniciativas de luta por t/Terra e consolidação de áreas protegidas (terras indígenas e territórios de uso comum de comunidades ribeirinhas), pelas lentes da conservação convivial. Esta tem se apresentado como uma abordagem à conservação da diversidade biológica e cultural que leva a sério as pressões estruturais do sistema econômico hegemônico, as violentas realidades socioecológicas, as extinções de espécies em cascata e as políticas cada vez mais autoritárias em que vivemos; uma abordagem pós-capitalista à conservação que tenta promover a equidade radical, a transformação estrutural e a justiça socioambiental, contribuindo assim para pospor o colapso. As duas situações a serem abordadas da perspectiva da convivialidade (entendida aqui como a [re]construção e/ou manutenção de relações austeras, densas, envolventes, estáveis e abertas com ecologias e entes outros-que-humanos) são: (i) a retomada (hoje aldeia) Mãe Terra do povo Terena da TI Cachoeirinha, MS, como movimento autônomo que visa promover o reconhecimento oficial do seu direito à terra e que está na origem da referida organização Caianas (e suas experiências locais com etnoagroecologia); e (ii) a iniciativa, surgida em 2012, fruto da mobilização de uma rede de atores do movimento social, terceiro setor e esfera pública formal, de garantir terra para comunidades ribeirinhas no Amazonas por meio de uma nova categoria de área protegida – territórios de uso comum.

 

Palavras-chave: áreas protegidas; terras indígenas; territórios de uso comum; retomadas; conservação convivial.

 

 

5 Ecos, tons e megapixels do modo Maíra: Os Tentehar-Guajajara na guerra da comunicação no contexto da T.I Cana Brava.

Dhiogo Rezende Gomes (IFMA e PPGAS/UFG)

dhiogo.gomes@ifma.edu.br


O povo Tentehar que vive na Terra Indígena Cana Brava, no centro-sul maranhense, enfrenta desafios diante das pressões da colonização sobre suas terras ancestrais por séculos, estabelecendo na região conflitos de grandes proporções. Diante das presenças de missões religiosas e povoados intrusivos, segue a luta na defesa da terra e dos modos de vida. Os conflitos interétnicos intensificados com o asfaltamento da rodovia BR-226 que corta a Cana Brava, desde o final dos anos 90, traz impactos socioambientais irreversíveis e não mitigados pela inconclusão do licenciamento ambiental. Através do modo Maíra e do regime de aproximações controladas, modo de resistência política de fundo cosmológico e ontológico enunciado por seus heróis criadores, traçam estratégias de manipulação das alteridades relacionadas aos impactos dessa obra, entre os quais, está a deterioração da sua identidade com a produção exógena da imagem de “índios da BR: donos e promotores do caos na rodovia”. Na guerra da comunicação, constituem um complexo áudio visual analógico e digital, produzindo contra imagens e discursos instrumentalizando a resistência diante das ameaças nas relações interétnicas. Assim, no modo Maíra, apresentam-se nesse trabalho, dinâmicas das agências tentehar diante das imagens de “índio” na região, tendo como pano de fundo, duas reportagens televisivas.

 

Palavras-chave: Tentehar-Guajajara; Terra Indígena Cana Brava; Rodovia BR-226; relações interétnicas.

 

 

 

ST 28 - Antropologia não-humana

Coordenação: Pedro P. Ferreira (DS/IFCH/Unicamp; LaSPA) - ppf75b@gmail.com

Rafael da Silva Malhão (PPGAS/UFRGS) - malhao.rafael@gmail.com

Rainer Miranda Brito (UNIVASF) -  rainer.brito@univasf.edu.br

Todo discurso antropológico pressupõe alguma definição de humanidade? E qual o papel de "não-humanos" nessa definição? Este ST propõe acolher contribuições que tratem da participação de agências consideradas "não-humanas", ou "mais-que-humanas" na explicitação empírica de definições situadas de humanidade. Em outras palavras: debater casos singulares nos quais a agência de objetos materiais, animais não-humanos, infraestruturas, operações semiótico-materiais etc. participam no desempenho de definições singulares de humanidade. Qual é, por exemplo, o papel de cores, texturas, materiais, padrões sonoros e rítmicos, documentos, objetos tecnocientíficos etc. no desempenho concreto e situado de coletivos que não existiriam sem eles? Interessa, portanto, pôr em questão a perspectiva da exceção antropocêntrica, em benefício da exploração de antropologias híbridas, reticulares e heterogenéticas; i.e., na feliz expressão de Bruno Latour, antropologias que reconhecem o humano "no próprio ato de delegação, no passe, no arremesso, na troca contínua das formas". Esta proposta se insere no contexto estratégico de debates pós-catastróficos engajados na fabulação de formas de vida em um mundo em extinção e em ruínas. Uma antropologia excêntrica, amoderna, engajada na gestação política-científica de redes de interdependência transontológicas que nos permitam vislumbrar humanidades futuras-virtuais.

Palavras-chave: não-humanos; técnica; estética; ciência.

 

22/11/23, 9h - 12h30

SESSÃO 1: AGÊNCIAS ELETRÔNICAS E DIGITAIS

Debatedor: Rafael Malhão (PPGAS / UFRGS)

 

1 Bagunça em movimento: a construção dos modos de existência nos mundos virtuais.

Laura Graziela Gomes (UFF)

Diogo Coutinho Iendrick (UFF) - iendrick@gmail.com

 

A proposta de trabalho explora o papel dos objetos virtuais em mundos virtuais especialmente no Second Life na formação da atmosfera e da sensação de imersão, analisando como esses objetos se relacionam com a existência virtual, destacando a importância da atmosfera para criar a sensação de deslocamento e virtualidade. A interação entre avatares, objetos virtuais e paisagens também virtuais reforça a relação entre objetividade e subjetividade, considerando a ideia de affordance proposta por Gordon Calleja, em que objetos e ambiente apresentam potencialidades aparelhando ações. Nesse sentido, a participação de objetos inanimados compõe a atmosfera, especialmente itens desordenados que indicam atividades em curso, mesmo não sendo objetos técnicos interativos: uma cama desarrumada, livros abertos, prato com resto de comida, vaso de planta quebrado. A presença desses objetos cria um senso de urgência e movimento, intensificando a sensação de imersão e singularizando o ambiente virtual juntamente com o avatar, reforçando a importância dos objetos na construção da atmosfera e na imersão nas experiências virtuais.

 

Palavras-chave: Second Life; mundos virtuais; avatares; objetos técnicos.

 

 

2 Trazendo A Inteligência Artificial À Vida.

Juliane Cristina Helanski Cardoso (IFCH/UNICAMP) - j264131@dac.unicamp.br

 

Este trabalho desenvolve uma análise crítica da Inteligência Artificial (IA) à luz da concepção de "coisa" proposta por Tim Ingold em contraste com o conceito de “objeto" de Bruno Latour. Durante sua palestra inaugural no Prêmio Pierre Verger, Ingold enfatizou que a era digital está rapidamente se aproximando de um fim devido a sua iminente autodestruição. Ele argumentou que a crescente demanda por energia e a exploração de metais pesados tóxicos para a fabricação de dispositivos digitais são insustentáveis para o planeta. Questões como a extração de recursos naturais e a exploração do trabalho humano são indiscutivelmente preocupantes. No entanto, é importante considerar que a IA é uma tecnologia complexa resultante de relações entre elementos humanos e não humanos, que abrangem campos como ciência, tecnologia, política, economia, direito, mito e ficção. Essas relações desafiam as tradicionais dicotomias entre natureza e cultura. Embora Ingold não tenha se aprofundado no estudo da IA, seu enfoque nas relações entre seres humanos e o mundo material oferece um paralelo intrigante: assim como essas relações possuem potencial dinâmico e transformador, a IA também possui a capacidade de remodelar diversos campos de relações. Uma questão central surge: como podemos conceituar a "vida" da IA? O desafio que apresento reside em empregar a noção de "coisa" para descrever as relações entre seres humanos e IA no contexto de pesquisa etnográfica de um Centro de Inteligência Artificial.

 

Palavras chave: tecnologia; inteligência artificial; cultura material.

 

 

 

 

 

3 Coletivos maquínicos e sistemas digitais pós-humanos: tensionamentos da noção de humanidade a partir de tecnologias de aprendizado de máquina patenteadas pela Google.

Rafael Gonçalves (IFCH/UNICAMP) - rafaelg@riseup.net

Giordanno Oliveira Padovan (IFCH/UNICAMP)

 

Com a proliferação de tecnologias digitais, aumento de situações mediadas por algoritmos e avanço das técnicas de aprendizado de máquina e inteligência artificial, é cada vez mais frequente que tarefas antes entendidas como desempenhadas exclusivamente por humanos passem a ter um alto nível de envolvimento de agentes não-humanos em sistemas digitais. Exemplos são a escolha de palavras em mensagens de texto ou de ações que es usuáries desejam executar em aplicativos de smartphone, e a deterninação da preferência em cancelar um downlaod ou streaming. Partimos de descrições tecnológicas apresentadas em patentes da Google para refletir sobre como a análise da mediação de práticas sociais por técnicas de aprendizado de máquina exige a consideração de agências digitais, dialogando com discussões contemporâneas na antropologia que promovem a revisão e tensionamento da noção de humanoenquanto entidade autônoma, fixa e previamente constituída. A virada materialista e os estudos multiespécies incluindo noções como mediação técnica” e tecnoespécies” – promovem o questionamento, a expansão e a desestabilização da ideia moderna de humanidade, deixando de definí-la em oposição a natureza” e tecnologia”. Desse modo, o trabalho parte de casos empíricos envolvendo mecanismos de modulação de comportamento de usuáries para descrever a mediação algorítmica como processo envolvendo relações não antropocêntricas entre uma multiplicidade emaranhada de agências humanas” e não-humanas”.

 

Palavras chave: pós-humanismo; virada materialista; estudos multiespécies; inteligênciaartificial; aprendizado de máquina; modulação de comportamento.

 

 

4 Materialidades de não-humanos na construção da memória: Desafios frente aos novos procedimentos e materialidades das tecnologias arquivísticas

Kaléo de Oliveira Tomaz (IFCH/UNICAMP) - kaleo.o.tomaz@gmail.com

 

Qual o papel dos não-humanos e suas materialidades no processo de construção da memória? De que forma a agência das novas tecnologias de digitalização impacta esse papel? O presente trabalho tem como objetivo compreender a agência dos documentos, arquivos e técnicas de organização na construção da História da Antropologia. Objetiva-se também a busca de compreender como os processos de digitalização dos fundos arquivísticos podem desestabilizar os processos organizativos. Pretende-se desenvolvê-la através da análise dos procedimentos de trato do Fundo Roberto Cardoso de Oliveira (Fundo RCO), pertencente ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), considerando as reconfigurações das materialidades dos seus documentos. Isto em um contexto em que o centro de memória tem despendido grandes esforços nos processos de digitalização de seus fundos e coleções. Cardoso de Oliveira foi um importante antropólogo brasileiro, responsável por pesquisas sobre as relações de convivência entre os indígenas e não-indígenas, assim como por um esforço na institucionalização da Antropologia. Para tanto, pretende-se comparar o estado de digitalização do Fundo RCO com os demais fundos da instituição. Busca-se observar como a digitalização destes fundos impactou a sua estrutura e materialidade. Neste sentido, o trabalho acrescenta-se a um esforço de pesquisa de seu autor para entender os diferentes processos e atores presentes na construção da História da Antropologia no Brasil.

 

Palavras chave: Materialidade, Digitalização, Memória, Etnografia em Arquivos, Historiografia da Antropologia.

 

 

5 É preciso cultivar dados? Precisão e escalabilidade na agricultura do Distrito Federal e entorno

Evandro Smarieri (IFCH/UNICAMP) - esmasoares@gmail.com

 

As transformações digitais” do agronegócio incorporaram os dados eletrônicos como insumo e produto de suas atividades. Os sistemas de posicionamento global e de sensoriamento remoto convergiram com técnicas de mensuração agronômica no que é chamado agricultura de precisão”, um modelo de gestão das lavouras que busca descrever numericamente e georreferenciar a heterogeneidade das áreas de cultivo para, com uma ação diferenciada de acordo com estas características, homogeneizar a produção e aumentar a produtividade. Em um processo de dataficação que se informa recursivamente por dados descritivos e preditivos do solo e das plantas, as operações com o maquinário nas lavouras são orientadas por dados de localização”, elas estão prescritas por dados de aplicação a taxas variáveis” e são descritas por dados de telemetria”, ao final, os resultados são avaliados a partir dos dados de produtividade. O presente trabalho propõe investigar esta redução a quantificações” a qual são submetidos os solos, as plantas e o trabalho, entendendo-a como um processo de incorporação destas redes de relações a um projeto escalável” de expansão pretensamente ilimitada. Esta reflexão é informada por uma etnografia da agricultura de precisão em quatro cenários: uma feira de tecnologia agropecuária sediada em Brasília-DF; a Central de Inteligência de uma revendedora de máquinas agrícolas em Cristalina-GO; uma plataforma digital de gestão de fertilidade de solo; e uma fazenda do Distrito Federal.

 

Palavras-chave: Agricultura de Precisão; Agronegócio; Dados.

 

 

23/11/23, 9h - 12h30

SESSÃO 2: AGÊNCIAS, MATERIALIDADES E ALÉM

Debatedor: Pedro P. Ferreira (IFCH/UNICAMP; LaSPA)

 

1 Etnografando futuros: ficção científica como tratamento de mundo.

Diogo Coutinho Iendrick (UFF) - iendrick@gmail.com

 

A proposta de trabalho parte da ideia de que a literatura é uma antropologia especulativa e busca explorar as potencialidades antropológicas da ficção científica enquanto dispositivo imaginativo para examinar a própria natureza humana. A exemplo do que propõe Roberto DaMatta, é possível considerar uma obra literária como narrativa mítica, um momento privilegiado em que a sociedade fala sobre si própria. Os mitos fornecem perspectivas sobre a compreensão do mundo e, considerando o romance uma derivação dos mitos, é possível adotar a narrativa ficcional como a própria sociedade percebida por meio de um código específico. O romance, então, examina a existência humana, o campo de suas possibilidades o que o ser humano pode fazer ou se tornar, não se limitando a metáforas: mundos imaginados e habitados por personagens ficcionais não são menos reais por serem fictícios. Quando colocamos em perspectiva a ficção científica então, é possível perceber que suas alteridades radicais e até seus cenários de devastação iluminam relações humanas constituindo um tratamento específico do mundo: são realidades alternativas que relativizam a nossa própria, colocando em evidência nossos anseios, temores ou desejos.

 

Palavras chave: etnografia; ficção-científica; romance; literatura; antropologia especulativa.

 

 

2 La vestimenta de los Caporales danzantes en el alto Huaura (Andes centrales del Perú): Notas sobre el cuerpo relacional, la asimilación de la alteridad y el chamanismo Quechua.

Gustavo Elmer Gutiérrez Suárez (UFRGS) - ggutierrezsuarez@gmail.com

 

La sobrepelliz es una prenda eclesiástica vinculada al trabajo evangelizador de los sacerdotes católicos, cuya presencia habría de tornarse familiar en dicha región como resultado de las campañas de extirpación de idolatría implementadas por el Virreynato de Perú, desde el siglo XVII. Actualmente, los Navinos celebran la Fiesta de la Caporalía con el rol protagónico del Caporal, el cual danza vistiendo con magnanimidad variaciones de la sobrepelliz. Al problematizar esta apropiación, pretendo explorar la asimilación de la alteridad hispano-cristiana en los términos de las relaciones constituyentes de la persona, es decir de las relaciones que los Navinos mantienen con humanos (parientes) y no-humanos: gentiles como Cuntín (el señor-montaña local principal) y santos como el Señor de la Exaltación de la Cruz, la Santísima Virgen de la Natividad y el Niño Jesús. En ese sentido, una lectura de la apropiación de la vestimenta desde la teoría animista puede resultar útil para comprender la asimilación de la alteridad hispano-cristiana desde la cosmo-ontología Quechua. El uso de la sobrepelliz constituye así un operador chamánico para asimilar corporalmente dicha alteridad a la cosmología Navina. A su vez, la investidura festiva del Caporal ceremonializa las relaciones que constituyen al Navino como persona, en tanto agente de intercambio (washka).

 

Palavras chave: Chamanismo, alteridad, persona, relaciones, vestimenta, Quechua.

 

 

3 Habitando o ateliê: investigações acerca do nascimento das roupas em um contexto pandêmico

Stéfany Silva Dornelas (UFMG) - stefanydornelas@gmail.com

 

No início de 2020, um vírus microscópico espalhou-se pelo ar. Iniciou-se junto com a pandemia um trabalho cuidadoso de suspender o céu por alguns minutos a mais. O mundo encolheu por um período de tempo, a casa passou a ser o único espaço disponível e os recursos dispostos para exercer a manutenção minuciosa da vida foram reduzidos. Antropólogos e antropólogas foram frequentemente afastadas de seus campos de pesquisa e intimadas a remodelar a maneira como se habituava fazer antropologia”. O presente artigo, surge de uma relação entre tia e sobrinha em meio um confinamento pandêmico. Tia Bel se faz costureira e modelista desde a infância mas, privada do contato social, as relações com a casa e os entes que ali habitavam dentre eles, máquinas de costura, papéis, linhas e tecidos - se intensificaram. Propõe-se acompanhar o processo de nascimento das roupas em um ambiente caseiro e familiar cercado pela pandemia, atentando-se aos processos de formação e ao envolvimento entre costureira e coisas, atribuindo à costureira um conhecimento complexo que envolve a sintonização constante com o ambiente e os materiais. Busca-se responder a seguinte questão: Quais são as trilhas de mediação prosseguidas pela costureira em seus ambientes heterogêneos de materiais? Pretende-se uma abordagem mais ecológica, que leva em consideração outros devires atuantes no ambiente, dando luz aos desvios, controvérsias, labirintos e interrupções presentes nos processos de nascimentos das roupas.

 

Palavras chave: Costura; materiais; confinamento; técnica.

 

 

4 O escape do sangue menstrual: recuperar os sentidos para a gestação de uma definição de humanidade erótica na produção de conhecimento científico

Clarissa Reche Nunes da Costa (IFCH/UNICAMP) - clari.reche@gmail.com

 

Para povos ameríndios e quilombolas, o sangue menstrual é um agente de abertura e transformação, portal de conexão entre realidades humanas e não-humanas. O cheiro do sangue é um veículo de comunicação entre mundos, e o sangue menstrual em si é um fluido que possui efeitos psicoativos. Menstruar requer cuidado e atenção, como reclusões e dietas, e aciona uma série de conhecimentos sobre plantas, fisiologia humana, etc. Tendo como ponto de partida o encontro entre estas práticas e saberes sobre menstruação e as experiências de menstruação que etnólogas não-indígenas viveram durante seus trabalhos de campo, analiso os modos pelos quais é operado um desaparecimento do sangue menstrual no corpo de (quem) pesquisa. Argumento que observar o desaparecimento do sangue menstrual no corpo acadêmico nos ajuda a compreender a definição de humanidade corrente neste coletivo, e consequente como é produzido corpo ideal que suporta tal definição. A humanidade/corpo resultante deste desaparecimento é fruto de sequestros de habilidades sensoriais, musculares e cognitivas. Tais habilidades são sistematicamente realocadas, diminuídas e/ou suprimidas em prol de um princípio de racionalidade que não admite a sensualidade, ciência dos sentidos, como força produtiva. O sangue menstrual, com sua cor, textura, gosto, cheiro e memória da vagina, carrega consigo uma potência estética-erótica incompatível com uma produção de conhecimento científico estruturado em torno dos modos de vida capitalista.

 

Palavras chave: sangue menstrual, ciência, sensualidade, estética, erótico.

 

 

24/11/23, 9h - 12h30

Sessão 3: AGÊNCIAS COLETIVAS E MULTIESPECÍFICAS

Debatedor: Rainer Miranda Brito (Colegiado de Antropologia/UNIVASF)

 

1 Os não-humanos no Turismo de base comunitária: associações de práticas e conhecimentos tradicionais para reACTivar a Rede TUCUM (Brasil)

Edilaine Albertino de Moraes (UFJF) - edilaine.moraes@ufjf.br

tima Teresa Braga Branquinho (UERJ)

 

Este estudo é inspirado na Teoria Ator-Rede (ANT) de Bruno Latour, que entende que uma parte da humanidade é composta pela inumanidade dos objetos. Considerando a originalidade e inovação nesse modo de pesquisar, foi realizada uma investigação empírica sobre Turismo de base comunitária (TBC), enquanto uma prática de base endógena que busca a inclusão e valorização dos modos de vida de povos e comunidades tradicionais e dos seus territórios, segundo o compromisso de justiça, solidariedade e vida digna. Desde 1990, pesquisas nesse campo vêm gerando novas perspectivas frente ao movimento crescente de resistências aos modelos dominantes de turismo. Porém, a problematização sobre o TBC à luz da ANT ainda é incipiente. Partindo dessa lacuna, descrevemos como humanos e não-humanos se entrelaçam e constroem condições para a composição do TBC, relacionados à Rede Cearense de Turismo Comunitário (TUCUM), iniciativa pioneira na articulação de pescadores artesanais, etnias indígenas, agricultores familiares, assentados rurais, quilombolas, modos de existência, periferias urbanas, costumes, direitos, Zona Costeira Cearense umas das regiões mais visitadas e disputadas no país. Nessa direção, o TBC foi abordado como um conceito técnico-científico e a TUCUM como lugar de produção de conhecimento em seus dez anos de existência. Essa postura contribuiu para a análise de que os não-humanos rastreados traduzem, conjuntamente, a natureza, a cultura e as técnicas envolvidas no TBC, capazes de reconfigurarem a TUCUM. Assim, a partir do reconhecimento dos não-humanos e da produção de associações com as práticas e os conhecimentos desses povos e comunidades tradicionais, foi possível entender o TBC enquanto uma rede de atores em ação que reACTivam continuamente a TUCUM para compor outros mundos possíveis.

 

Palavras chave: Turismo de base comunitária; Não-humanos; Associações.

 

 

2 Tep Teré: festa, natureza e cultura entre os índios Krahô

Júlio César Borges (UnB) - jcborges1977@gmail.com

 

Pretendo abordar a importância da festa (amjikin) como linguagem cifrada acerca da naturezaentre os índios Krahô (Mehim), povo Timbira-Jê do norte do Tocantins, Brasil. O postulado geral do pensamento krahô é que as festas (e os cantos nelas entoados) pertenciam a agentes não-humanos (animais, insetos, plantas) que, sendo seus verdadeiros donos”, habitavam domínios exteriores aos da sociedade humana. As festas são o espaço-tempo responsável pela manutenção de aspectos centrais da sua cosmologia, organização social e solidariedade política frente aos desafios impostos pela sociedade nacional. Apresento o argumento de que as festas vêm garantindo a reprodução sociocultural dos Mehim porque lhes asseguram a condição de agentes protagonistas na interação com outras categorias de seres. Parto dos seguintes pressupostos: os conhecimentos rituais têm uma origem externa, de onde então são apreendidos; os conhecimentos se fundamentam na experiência direta, isto é, nas percepções captadas pelos sentidos, sejam eles olfativos, visuais, auditivos; entre os Timbira e, em particular, entre os Mehim, o ouvir recebe ênfase social enquanto faculdade moral e cognitiva associada ao conhecer-compreender. Apresento o caso etnográfico da Festa dos Peixes e das Lontras (Tep Teré), incorporada ao seu patrimônio imaterial após a interação de um ancestral mitológico com os peixes no fundo de um rio.

 

Palavras chave: Festas, Cantos, Agencialidades não-humanas, Krahô.

 

 

3 Sobre ver (como) quem não tem olhos: humanidade relacional, etnografia e atividade sensitiva nas religiões de matriz africana no Brasil

Thomás Antônio Burneiko Meira (UEM) - tbmeira@yahoo.com.br

 

A presente proposta de trabalho parte das críticas aos tradicionais divisores – natureza/cultura, realidade/representação, conceitos/crenças etc. e da consequente rejeição às assimetrias – políticas, epistemológicas –, decorrentes dessas cisões, que marcaram a história do saber antropológico academicista, apriorística e exclusivamente legítimo, e, não obstante denunciado, ainda muito característico do sistema hegemônico, universitário, de produção dos conhecimentos. Presume-se, ademais, que no campo do interesse pelas denominadas religiões de matriz africana no Brasil, tais desigualdades foram, e permanecem, expressas de maneira algo particular, desde a desqualificação, em favor dos pressupostos e termos científicos, das agências de seres e fluxos de forças centrais nesses cosmos como ancestrais e orixás, por exemplo. Assim, pautado nas pesquisas etnográficas desenvolvidas em um candomblé na região do ABC Paulista, o argumento apresentado no texto aposta no escrutínio e na reconfiguração do jogo de ímpetos envolvidos na construção da antropologia majoritária, sob a hipótese, para tanto, de que ali, no terreiro, a humanidade, e, por extensão ou complemento, a natureza e o sobrenatural, ao invés de propriedades estanques, com graus distintos de agenciamentos e veracidade, sejam decorrentes de princípios cósmicos e ontológicos envolvidos em diferenciações demiúrgicas incessantes, distribuíveis e situacionais. Dada essa prerrogativa, cabe, enfim, defender a desessencialização do próprio trabalho etnográfico, qualificado, agora, no compromisso e implicação do etnógrafo, também como atividade sensitiva espiritual ou mediúnica” –, e não apenas sensorial” – ou seja, subjetiva.

 

 

4 Feiras enquanto paisagens multiespecíficas: perigo e confiança nas relações entre humanos, animais e plantas nas feiras-livres de Goiânia

Carolina Cadima Fernandes Nazareth (UFG) - carolina.cadima@hotmail.com

 

Entre outras coisas, como o agronegócio e a música sertaneja, Goiânia também é conhecida por suas centenas de feiras espalhadas por toda a cidade, que movimentam a economia local. Durante a minha pesquisa de doutorado, as feiras foram o foco de análise e ao ir à campo saltaram aos olhos outras relações para além das que já eram esperadas (humanos entre si). Numa enxurrada de cores, cheiros e sabores, a participação de outros agentes passou a ser frequente nas análises. A proposta deste trabalho é pensar como os não-humanos e os outros-mais-que-humanos estabelecem relações entre si e entre humanos partindo da ideia de que a feira pode ser pensada enquanto paisagem multiespecífica desde sua fundação. Nesse sentido, participam das feiras: bactérias, fungos, vírus e, ainda, plantas e animais, que criam relações para além das humanas. Caminhando por essas relações, proponho discutir, principalmente, o agenciamento de duas espécies de atores que chamaram a atenção em campo: pombos e plantas. Os primeiros, por serem animais sinantrópicos não desejados na feira, estabelecem relações de risco, abrindo espaço para discussões de saúde e doença, assim como pureza e perigo dentro de um ambiente alimentar. As segundas, principalmente no caso das plantas medicinais, localizam-se num circuito de confiança e eficácia que, muitas vezes, desafiam a ciência ocidental, como foi o caso da banca de garrafadas.

 

 

5 Histórias interespecíficas: uma pesquisa etnográfica sobre agroecologia e coevolução entre seres em naturezasculturas

Renata Tomaz do Amaral Ribeiro (UFRGS) - re.t.ribeiro@gmail.com

Renata Menasche (UFRGS)

Nicole Weber Benemann (UFPel)

 

Trata-se de recorte da pesquisa de doutorado da primeira autora, que, com abordagem pós-humanista e perspectiva multiespécie, por meio de etnografia, busca compreender a coevolução entre plantas e seres humanos, além de interações com outras espécies. O campo foi realizado em feiras ecológicas de Porto Alegre/RS e em Vila Segredo/RS. Os resultados são histórias interespecíficas. A primeira delas é sobre a resiliência da parreira, que é o membro vivo mais antigo de uma família ecologista. Tendo sobrevivido a transformações ao longo de mais de um século, a planta conta a história de uma paisagem, composta por plantas e animais, que incluiu grandes araucárias legadas por indígenas que habitavam a região, recém-ocupada por colonos de origem italiana. A parreira testemunhou a contaminação do solo e da água pelo agrotóxico, que afastou pequenos insetos e debilitou a saúde daqueles que por ali circulavam. Apesar disso, sobreviveu para sentir o cuidado presente nas relações agroecológicas. Em outra história, é apresentado o dilema do pisacan/dente-de-leão. Na Vila Segredo, o pisacan, quando nascido no mato, apresenta formato rígido, folhas estreitas e sabor amargo. nas feiras ecológicas da capital, onde é uma Planta Alimentícia Não Convencional (PANC), o pisacan é chamado de dente-de-leão e, por ser cultivado, possui folhas amplas, macias e sabor mais suave. As agricultoras valorizam o sabor amargo do pisacan e, por isso, o procuram nos campos, mesmo quando o cultivam para venda. Essas histórias nos convidam à reflexão sobre interações entre seres e como essas relações afetam as características dos alimentos em contextos distintos de naturezasculturas, despertando a atenção para novas formas de relação com a comida.

 

Palavras chave: Multiespécie; Agroecologia; Rural; Feiras; Etnografia.

 

 

 

ST 29 - Tecnoceno e Lutas Cosmotécnicas: rotas para bifurcar o Antropo/Plantation/Capitaloceno

Coordenação: Henrique Zoqui Martins Parra (Unifesp) - henrique.parra@unifesp.br

Alana Moraes (IBICT- UFRJ)

 

O Tecnoceno é uma forma de caracterizar a dominância de um certo arranjo tecnocientífico e político na configuração mais recente desse período geohistórico que vem sendo denominado de Antropoceno/Plantationoceno/Capitaloceno. A partir de meados do século XX, em especial com a emergência da virada cibernética e a expansão da fronteira energética, observamos a "Grande Aceleração" da confluência entre a monocultura tecnocientífica, o capitalismo financeirizado e informacional, a militarização e a atualização de regimes extrativistas. Face a essa crescente tecnicização do mundo orientada por uma razão que reduz a vida a recursos quantificáveis e exploráveis, existem formas de vida que dependem de uma pluralidade técnica e relacional que resistem à ordem tecnopolítica dominante. Imaginários e práticas tecnológicas que apontam para outras cosmotécnicas: valores, racionalidades e normatividades contra-hegemônicas que dão forma a tramas sociotécnicas dissidentes. Interessa-nos cartografar as expressões de tecnopolíticas terranas ou tecnologias decoloniais que apontem para rotas de bifurcação do atual regime epistêmico-tecnológico. A perspectiva terrana, convoca-nos a pensar as práticas tecnocientíficas de maneira indissociável dos fenômenos que produzem o novo regime climático: saberes, bits e átomos estão entramados nos desenhos de futuros. Neste Seminário Temático interessa-nos reunir experiências e reflexões sobre experimentações, conflitualidades e lutas cosmotécnicas face à hegemonia cibernética em curso: expressões de tecnopolíticas do Comum; tecnologias de transição societal; computação e inteligência artificial contra-colonial; tecnologias de confiança e desaceleração; tecnologias antiracistas; tecnologias neguentrópicas; tecnologias dissidentes do regime de sexo-gênero… modos de habitar, criar, transicionar e bifurcar o Tecnoceno e suas formas de controle.

Palavras-chave: tecnoceno, cosmotécnica, tecnopolítica, extrativismo, antropoceno.

 

 

Sessão 1

 

1 O Cerrado contra a Internet: reagindo (fazendo redes) em território inimigo
Francisco Antunes Caminati (Professor UNESP),
francisco.caminati@unesp.br  
Pedro Peixoto Ferreira (Professor UNICAMP),
ppf75b@gmail.com

A despeito da centralidade absoluta da Amazônia no debate ambiental brasileiro é o Cerrado o bioma que mais sofre hoje com a expansão da fonteira colonial agrícola. Especialistas falam em Extinção para qualificar a irreversibilidade e a radicalidade do processo atualmente em curso. Convertidos em reféns, ou refugiados, em seus territórios ilhados e sobrepostos – atravessados, violados – pela vastidão da monocultura e das infraestruturas do Agro, os povos do Cerrado – indígenas, quilombolas, de comunidades rurais tradicionais – resistem e agonizam junto com o bioma. Como que agarrados, enquanto o mundo explode, o bioma e seus povos sobrevivem quando juntos e somente quando juntos. Buscamos nesse trabalho pensar o encontro entre o Cerrado e Internet como mal encontro. Os povos do Cerrado precisam fazer redes para reagir em território inimigo, precisam confluir com outros povos e redes para enfrentar o processo de aniquilamento do Agro, dos projetos desenvolvimentistas de infraestrutura para transporte, geração de energia hidrelétrica, e do colapso planetário de uma forma geral. Defendemos nesse trabalho que o que entendemos por Conectividade de Internet, ou somente Internet, precisa ser tratada como um importante elemento dos problemas enfrentados e, portanto, longe do tratamento como panaceia humanitária e democrática. Conectividade e a capacidade de processamento de informação digital, computação, são novas fronteiras colonias que impõem novos desafios de sobrevivência para os povos do Cerrado. O Agro conta com ampla disponibilidade de serviços de comunicação, comando e controle para todas as etapas de sua “produção”. Conectividade e computação renovam o Agro fazendo-o depender cada vez menos do trabalho e a operar com mais precisão sua intervenção no solo. Falta de conectividade ocorre somente nos territórios-ilha dos povos que resistem junto com o Cerrado. Partindo de uma reflexão sobre a implementação [2020 – 2022] de um Data Center Comunitário na Aldeia Wede’rã, do Povo A’uwẽ Uptabi / Xavante, T. I. Pimentel Barbosa, abordaremos o que aprendemos sobre alguns aspectos de uma luta que pode ser enunciada como do Cerrado contra a Internet.

 

Palavras-chave: Cerrado, Internet, A’uwẽ Uptabi Xavante, Computação, Território.

 

 

2 Racionalização da pecuária leiteira e Tecnoceno: um modo de vida a ser modernizado?
Leandra Holz (Doutoranda em Antropologia Social, UFSCar),
leandraholzholz81@gmail.com  

Famílias pomeranas, criadoras de vacas leiteiras, no município gaúcho de São Lourenço do Sul, que têm na pecuária leiteira não apenas uma fonte de renda, um produto comercializável, mas o seu modo de vida, do qual a relação com outras espécies – sobretudo as vacas – é parte constituinte, vêm sendo pressionadas por normativas técnicas emanadas do governo federal a se ajustarem em nome da produtividade e investirem na racionalização da atividade. O que implica em uma certa imposição pela substituição de uma forma local de saber-fazer por um conjunto científico de conhecimentos e tecnologias que constituem e legitimam um modelo agrícola tido como moderno e “racional”. Assim, todo um conjunto de práticas, técnicas e relações que constituem um modo de vida tradicional, precisa ser modernizado. Diante disso e considerando que grandes esquemas nunca se realizam totalmente sobre os territórios a que são impostos, este trabalho analisa como as famílias desse contexto estão pensando essa oposição entre “tradicional” e “moderno” e como estão produzindo estratégias, técnicas e racionalidades outras, com apoio da cooperativa da qual fazem parte, a Coopar. A pesquisa, em seus primeiros apontamentos, sinaliza a existência de uma forma tradicional de criar animais que, como se diz por lá, é “da nossa gente”. A Coopar investe e se preocupa com esse conhecimento que é produzido e compartilhado entre essas famílias pomeranas, o que parece estar fundamentando certas resistências às tentativas de modernização da produção que está assentada nos parâmetros de uma pecuária industrial e nos interesses políticos de uma agricultura patronal.

 

Palavras-chave: pecuária leiteira; tecnoceno; cooperativismo; Rio Grande do Sul.

 

 

3 Notas sobre Os Levantes da Terra
Luciano Pereira (Professor Faculdade de Educação, Unicamp)

msocial@unicamp.br
Georgia Sarris (NPEGen-Núcleo de Pesquisa Economia e Gênero, FACAMP)
georgiasarris@gmail.com

 

Nosso objeto de análise são Os Levantes da Terra (Les Soulèvements de la Terre), uma coalizão francesa de coletivos, ZADs (zonas autônomas a defender), movimentos sociais, sindicatos e associações locais e nacionais formada para planejar e realizar campanhas, que consistem, principalmente, em um calendário de atos, caracterizados por debates, manifestações e ações diretas contra obras de infraestrutura e de artificialização do solo. A metodologia da pesquisa consistiu em observação de campo em 04 atos d’Os Levantes da Terra. Defendemos que a coalizão opõe ao extrativismo um conjunto de valores que podem ser compreendidos a partir da “perspectiva da subsistência” formulada por Maria Mies e Veronika Bennholdt-Thomsen, retomada, contemporaneamente, por Geneviève Pruvost. A subsistência funciona como um enquadramento (frame) d’Os Levantes da Terra, por meio do qual, a coalizão interpreta o conflito socioambiental e comunica seus valores para possíveis militantes e para o público. A coalizão opõe a lógica extrativista encarnada pelas mega bacias à lógica da subsistência representada pela produção camponesa voltada para a produção de alimentos para o abastecimento local. Como o açambarcamento de água ameaça a economia de subsistência, a ação política é marcada pela urgência, o que legitima, por exemplo, ações de desobediência civil a favor de formas não extrativistas de produção e de reprodução da vida social. A coalizão nomeia as ações diretas de “desarmamento”, porque compreende que as obras extrativistas são bombas contra a vida e o meio físico. Dada a gravidade de escassez de água na França, causada por fenômenos climáticos, cuja origem é o sistema produtor de mercadorias, e a resposta dada pelos grandes proprietários de terra de privatizar a água que resta, Os Levantes da Terra podem ser vistos como “a primeira luta na Europa contra a adaptação às mudanças climáticas” (Andreas Malm).

Palavras-chave: movimentos socioambientais; extrativismo; enquadramento interpretativo; perspectiva da subsistência.

 

 

4 Habitar o desmoronar: baldias experimentações investigativas
Glauco R. Gonçalves (Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás - Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação)

glauco.goncalves@ufg.br

 

Vagar ao léu em Goiânia e ao se deparar com abandonos adentrá-los. Visita áspera, uma espécie de turismo do colapso? Restos de casas, escombros, paredes com buracos de janelas arrancadas, tudo sem teto, configurações paisagísticas convidativas à criação de cenas-situações. Instalar o corpo entre restos. O escombro sendo a paisagem por excelência do capitaloceno. Experimentar com o tato sobras de casas, suas cascas. Imaginar convívios já não existentes. Inventar memórias, escavar no entulho do quintal a queda do céu. Produzir imagens sínteses, descompassadas e destoantes do após lar. Como habitar o desmoronar?

 

Palavras-chave: deriva; baldio; escombros, cenas-situações.

 

 

Sessão 2


1 Como seria uma inteligência artificial indígena?
Diego Vicentin (Professor da Faculdade de Ciências Aplicadas – Unicamp)

diegovct@unicamp.br

Sabemos que o atual regime de produção de conhecimento científico e tecnológico está centrado na extração e tratamento de dados em larga escala, bem como na assunção de que confere acesso privilegiado à realidade uma vez que abre espaço para o controle instrumental sobre variadas manifestações da matéria e do espírito. Sabemos, ainda, que a episteme centrada em dados se alia aos modos de exploração de tipo colonial e extrativista reforçando desigualdades estruturais e esquemas de dominação. Parte disso se deve ao fato de vivermos uma relação alienada com a técnica, cujo sentido ético é o da destruição. Destruição do ambiente tanto quanto de mundos que escapam e confrontam tal episteme. O diagnóstico acima é compartilhado por praticantes da antropologia da ciência e da tecnologia que se propõem a politizar as novas tecnologias e que afirmam a técnica como meio de concretização de relações inventivas tanto quanto de poder e dominação. Tal perspectiva tecnopolítica sustenta ainda a defesa e a abertura à diversidade, descolonizar a tecnologia passa por afirmar que matrizes minoritárias podem contribuir, no mínimo, para desestabilizar o pensamento euro e antropocêntrico em direção a uma tecnodiversidade. Por meio de análise documental e bibliográfica, este artigo pretende apresentar iniciativas de desestabilização das tecnologias de Inteligência Artificial (IA) encampadas por pesquisadoras/es e ativistas que se colocam na fronteira entre os saberes científicos e tradicionais. Isso é feito com o objetivo de especular sobre a seguinte questão: como seria uma IA indígena?

 

Palavras-chave: Inteligência; Artificial; tecnodiversidade; conhecimentos.

 

 


2 A cosmotécnica na Amazônia: Equivocações do diálogo entre Yuk Hui e Eduardo Viveiros de Castro
José Antonio Rego Magalhães (Pesquisador em estágio pós-doutorado, PUC-Rio)
morewillappear@gmail.com

Em 2021, o filósofo da tecnologia e engenheiro de computação chinês Yuk Hui convidou o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro para um diálogo, publicado na revista Philosophy Today. O diálogo, embora acidentado, talvez até frustrado, desenha, nos seus equívocos mesmos, o diagrama de uma interseção de problemas e conceitos muito profícua e urgente. O objetivo desta investigação é elaborar e extrapolar a equivocação entre dois pontos de vista contemporâneos sobre o problema das relações entre cultura, natureza e técnica. Em especial, propõe-se que o perspectivismo descrito por Viveiros de Castro acaba aparecendo não só como um tipo de cosmotécnica entre outras, mas como declinando um conceito de cosmotécnica irredutível ao de Hui, talvez mais cosmopoliticamente interessante. Começarei introduzindo o conceito de cosmotécnica, que está na base da interlocução entre Hui e Viveiros de Castro. Hui formula a questão cosmotécnica a partir da “Questão da técnica” de Heidegger, argumentando, contra ele, que a mesma não pode ser pensada somente do ponto de vista do dasein Europeu, mas de múltiplas cosmovisões e modos de vida distintos. Assumindo essa premissa, ele põe a questão cosmotécnica de modo localizado na China, a partir de uma genealogia do pensamento chinês desde os seus primórdios Confucionistas, Taoistas etc., até a interface com a modernidade. Assim, Hui oferece ao mesmo tempo um exemplo de cosmotécnica e um conceito capaz de colocar a questão da tencologia de modo situado e diferencial. Já no diálogo “Por um primitivismo estratégico”, Hui se mostra claramente interessado pela possibilidade de pensar-se, a partir do trabalho de Viveiros de Castro, uma cosmotécnica perspectivista, situada talvez na Amazônia. O antropólogo admite que, no seu trabalho, não deu especial atenção à questão da técnica, sugerindo a possibilidade de uma interlocução profícua entre as duas obras. Ao mesmo tempo, problematiza a possibilidade de pensar-se a técnica como uma espécie de determinante universal humano (ainda que localizado), sobretudo no contexto perspectivista. A cosmotécnica pensada por Hui, nesse sentido, talvez seja ainda demasiado humanista ou antropocêntrica: existem diferentes maneiras de pensar a relação entre cultura, natureza e técnica correspondentes a diferentes sociedades humanas, mas nunca a sociedades não-humanas.


Palavras-chave: cosmotécnica; cosmopolítica; perspectivismo; Yuk Hui; Eduardo Viveiros de Castro.

 

 

3 Máquinas de Generalizar o Outro: relendo o interacionismo simbólico através da história das mídias dos vencidos
Bráulio de Britto Neves (Professor Adjunto, Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG)

braulio.debritto.neves@gmail.com

As redes radicalizaram os públicos ou só deram vazão ao fanatismo das pessoas?” A questão, talvez mal-formulada, ao menos mostra que até para o pensamento ingênuo, as condições de formação do pensamento coletivo se tornaram uma preocupação. A recente devastação pandefascista tornou os prognósticos "catastróficos", de há 30 anos atrás, assustadoramente atuais. Ainda que não seja o caso de adotá-los em bloco, cabe revisitar suas especulações para, como há um século atrás, interpretar as atuais convulsões sociais em correlação com os deslocamentos dos sistemas e retóricas midiáticos – esquivando-nos de engedrar conceitos apropriáveis pelo neoliberalismo. Utilizaremos aportes de teorias das escritas e da tradição da crítica das mídias para construir a perspectiva das "mídias dos vencidos", aproveitando também de argumentações sobre a construção heterotópica e heterocrônica da agência humana – do objogo, do paradigma trialógico, do modelo diagramático de aprendizagem, do papel das inferências manipulativas rituais na construção das condições de clareza perceptual comum -- para experimentar rastrear, em três obras básicas do interacionismo simbólico (de Mead, Goffman, e Berger e Lukman): (a) o viés trazido pela materialidade da mediatização das interações do contexto dos autores sobre a apercepção deles sobre os processos de instauração de agências individuais e coletivas; e (b) a perspectiva de des-obliteração de mediatizações "vencidas" na construção dessas teorias.


Palavras-chave: Teoria crítica, interacionismo simbólico, representação política, subjetivação, politossemiótica, mobilização coletiva.

 

 

4 Etnografias das mentes nas Terras Puras: uma prática budista para uma engenharia decolonial no Antropoceno
Marcus Vinícius de Souza Mouzer (Mestre em Desenvolvimento Rural, PGDR/UFRGS; Graduando em Antropologia, UFSC),
gengibre76@gmail.com

 

Se há uma cosmotécnica que talvez convide as pessoas a criar e percorrer mundos transcendentes na imanência de cada devir, esta se chama budismo, especialmente a denominada prática das Terras Puras. No contexto dos Centro de Estudos Budistas Bodisatva (os CEBB, dirigido por um lama brasileiro chamado Padma Samten), há um projeto voltado a esta prática. Este projeto, segundo o lama, propõe convidar os seres para um lugar onde todo o funcionamento ajude na liberação. É um lugar onde as pessoas vêm e vão aproveitar todas as experiências para ampliar a lucidez. Segundo o lama ainda, Terra Pura “é um local para podermos manifestar de um modo mais natural e mais fácil as qualidades intrínsecas da nossa mente”. Além disso, surgem as percepções do mundo interno, onde ao observar algo, uma pessoa percebe que sua mente responde de maneiras específicas. Ela também percebe que pode treinar sua mente para “responder ao ambiente”. É nesse contexto que surgem outros referenciais para a ação, os quais permitem a construção de uma Terra Pura, onde o foco é a contemplação e a transformação das estruturas internas, pois passamos a entender que mudando essas estruturas, mudamos a realidade, estando tal empenho conectado à coemergência, à inseparatividade do mundo interno e externo, sintetiza o lama. Pretendo neste trabalho refletir, a partir da etnografia de mentes budistas e ensinamentos do lama Padma Samten, em diálogo com ideias de Boaventura de S. Santos, D. Kopenawa e P. Sloterdjik, a emergência de arquiteturas decoloniais nas denominadas Terras Puras frente ao Antropoceno, onde o transcendente possa, no devir das inteligências, reestruturar o imanente, especialmente a partir de uma tecnologia milenarmente rebelde: sentar e não fazer nada, ou seja, meditar.

 

Palavras-chave: Cosmotécnica; Antropoceno; Budismo; Prática das Terras Puras; Etnografia das Mentes; Meditação.

 

 

 

 

 

 

5 Experimentações e Fabulações em Laboratórios de Pesquisa em Antropologia

Katianne de Sousa Almeida (Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás)

katianne_almeida@discente.ufg.br

 

A proposta deste trabalho é compartilhar algumas dobras experimentativas de uma tese desenhada, a qual almeja, por meio de uma manufatura do pensar, ou seja, com o uso de desenhos, poesias, colagens e cartas refletir sobre a produção de conhecimento na Antropologia dentro do Laboratório de Desenho e Antropologia (LABareDA) vinculado à UFPB. O LABareDA foi idealizado no contexto da epidemia do COVID-19 com pesquisadoras(es), em diferentes níveis de sua formação, dos mais diversos estados brasileiros. Nessas interações e por meio de uma certa indisciplina, pois os encontros não tinham um formato vertical de uma classe, em que um sujeito ensinava e as(os) outras(os) aprendiam de forma passiva, ou melhor, apenas escutando, abriu-se a oportunidade para a serendípia do desenho. Por meio da leitura compartilhada do livro Staying with the Trouble: Making King in the Chthulucene de Donna Haraway, especificamente o capítulo 08 “The Camille Stories - Children of Compost” foi possível criar uma proposta de uma fabulação especulativa que tem o desenho a sua forma de criar enredos para uma futura história. As(os) integrantes do LABareDA se interessaram em traduzir, para além das formas que são canonicamente aceitas, interpretações visuais dos conceitos abordados por Donna Haraway(2016) em histórias de Camille.

 

Palavras-chave: experimentações, fabulações, laboratório.

 

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